Cuidar em Enfermagem: como desenvolver a(s)
competência(s)
Introdução
A Enfermagem é uma profissão centrada em
interacções onde cada pessoa, por vivenciar um
projecto de saúde, se torna singular, única e
indivisível num momento único de cuidado. O avanço
tecnológico tem determinado alguma centralidade
nas técnicas. O desenvolvimento e as mudanças
importantes nos locais de trabalho, relacionados
com a inovação tecnológica e as alterações na
organização do trabalho, fazem emergir as novas
lógicas empresariais em que se procura valorizar
o factor humano nas organizações a par com o
desenvolvimento tecnológico. O processo de cuidar,
muitas vezes desligado da pessoa, enquanto corpo
sujeito, coloca o desafio no desenvolvimento de
capacidades, conhecimentos e recursos, ou seja, no
desenvolvimento de competências. Na prática, vários
estudos na área de enfermagem efectivam a relação
entre competências e exercício profissional. Os
profissionais são os actores do processo de mudança
e os contextos são um imperativo ao desenvolvimento
de competências. Estes pressupostos levaram-nos a
colocar as seguintes questões: como desenvolvem
os enfermeiros as competências do cuidar em
enfermagem e quais as determinantes desse processo?
Como o contexto profissional promove o processo de
desenvolvimento de competências dos enfermeiros?
A resposta a estas questões, na nossa perspectiva,
assume um interesse particular, uma vez que, pode
constituir um contributo para: a reflexão, a análise
da influência do contexto da prática; a análise dos
eixos estratégicos utilizados e a identificação de
determinantes no desenvolvimento de competências
na dimensão pessoa - enfermeiro, organização e
contexto, numa unidade de medicina hospitalar.
Quadro teórico
O saber profissional e o contexto de cuidados
A profissionalização dos cuidados de enfermagem,
a especificidade do saber e a resposta aos desafios
dos modelos de gestão, têm colocado o conceito de
competência na centralidade das novas lógicas das
organizações.
A multi-profissionalidade na complexidade de
respostas a problemas de saúde e a imprescindibilidade
dos cuidados de enfermagem exigem a resposta
de um profissional competente. Sabemos que a
interdisciplinaridade numa equipa de saúde não
exclui nem a independência, e a autonomia de cada
profissional, nem um referencial próprio que precise
a contribuição específica no vasto domínio da saúde.
A resposta à variedade de relações que se estabelecem
nos comportamentos observados, sustentados pelos
vários paradigmas, e a existência de vários tipos de
saberes mobilizados pela enfermagem (saber empírico
ou ciência de enfermagem, saber do domínio do
conhecimento científico; saber ético; saber pessoal;
saber estético ou arte de enfermagem), mobilizam
no enfermeiro competências cognitivas (raciocínio
lógico, resolução de problemas); competências
afectivas (a arte de cuidar); e competências estéticas e
reflexivas (o conhecimento de si e a transferência para
outras situações).
Na análise de competências, a referência aos
profissionais e a sua relação com as organizações é
praticamente inevitável, quanto mais não seja pela
influência que ambas têm no desenvolvimento da
própria organização.
A partir da década de 70 assiste-se a um aumento
do desenvolvimento teórico sobre as profissões.
Surge a teoria interaccionista (Andrew Abbot,
1988) com uma abordagem sistémica e dinâmica do
estudo das profissões que introduz o princípio de
que as profissões não existem isoladamente, mas
organizam-se num sistema de interdependências
com área jurisdicional definida, sustentada na
natureza do trabalho que cada profissional controla.
Faz parte da natureza do trabalho profissional a
capacidade de resolução de problemas, associado à
legitimação, investigação e instrução resultante de um
conhecimento académico específico. Para Carvalho
(2006), a construção da imagem social e a visibilidade
do trabalho na intervenção em situações complexas
contribui para a consolidação da jurisdição. Esta pode
ser reivindicada pelo sistema legal, que permite o
controlo formal do trabalho, pela opinião pública,
com construção de imagens que pressionem o sistema
legal no próprio local de trabalho. É neste último que
ocorre a complexidade das interacções profissionais e
se estrutura o trabalho entre as diferentes profissões,
intersectadas pela lógica da organização, em que se
desempenham as tarefas extra profissionais e se cede
a outros grupos muitas das tarefas que caracterizam
cada profissão (Carvalho, 2006).
No contexto da saúde e, especificamente, da
enfermagem em contexto hospitalar, dado o aumento
da quantidade de trabalho profissional, as muitas
tarefas delegadas (pertencentes à jurisdição de
enfermagem), principalmente as de natureza mais
rotineira, possibilitam a aprendizagem no local
de trabalho (por exemplo, nas auxiliares de acção
médica), por transferência de conhecimentos e
assimilação. Há, naturalmente, manifestações de
natureza linguística ou simbólica que podem conduzir
à precariedade da jurisdição da profissão (neste caso
da enfermagem). Amendoeira (2006) constatou que,
em Portugal, a década de 70 foi marcada por uma
abordagem funcionalista, identificando as funções
independentes e dependentes dos enfermeiros
e a sua adequação ao tipo de serviço definido. A
partir do final da década de 80 começou a formarse um profissional mais reflexivo, salientando-se
a importância de uma perspectiva interaccionista,
onde a pessoa passa a ser o centro dos cuidados,
atendendo-se à particularidade e singularidade do
sujeito de cuidar.
Na década de 90 é aprovado o regime legal da carreira
de enfermagem e a regulação da profissão efectuada
desde 1996 com a publicação do Regulamento do
Exercício Profissional dos Enfermeiros que clarifica
os conceitos, intervenções e áreas de actuação, bem
como, as regras básicas e os direitos e deveres dos
enfermeiros. Este processo culmina em 1998 com a
criação da Ordem dos Enfermeiros que se constitui
enquanto “entidade reguladora da profissão de
enfermagem, deve assumir um papel preponderante
na definição dos padrões de qualidade, no perfil
de competências profissionais e, por conseguinte,
assumir-se como a entidade acreditadora” (Ordem
Enfermeiros, 2003, p. 176). Este processo constituiuse como fundamental na construção da identidade
profissional. Nesta continuidade, salientamos a
definição do perfil de competências do enfermeiro
de cuidados gerais. Este refere-se a um nível de
desempenho profissional demonstrador de uma
aplicação efectiva do conhecimento e das capacidades.
Define como competência do enfermeiro de
cuidados gerais “um nível de desempenho
profissional demonstrador de uma aplicação efectiva
do conhecimento e das capacidades, incluindo
ajuizar” (Ordem Enfermeiros, 2003, p. 188). O perfil
de competências é constituído por cinco domínios –
prática profissional informada pela ética; abordagem
holística dos cuidados e integração do conhecimento;
relações interpessoais; organização e gestão dos
cuidados; e desenvolvimento pessoal e profissional
(Ordem Enfermeiros, 2003, p. 247).
A enfermagem vivencia uma construção interactiva e
contínua entre a pessoa e o meio. Esta interacção é
influenciada pelo conjunto de saberes do enfermeiro
e a sua aplicação no processo de cuidar. Deste
processo resulta “o agir comunicacional” (e não
instrumental), central no processo de socialização, o
qual faz depender a lógica da socialização das formas
institucionais da construção do Eu e, nomeadamente,
das relações comunitárias, no qual Mead, citado por
Coulon (1995), enfatiza os “símbolos significativos”
como uma linguagem utilizada e um modelo de
comunicação. É neste processo de interacção com
um “universo simbólico e cultural” e um “saber sobre
o mundo” que se constitui, numa primeira fase, a
socialização primária que incorpora alguns saberes
de base. Costa (2002) constatou que, no decurso da
vida, a escola assume uma dimensão importante no
processo de socialização primária. Neste sentido,
a escola assegura a legitimação dos saberes e a sua
relação com o mundo profissional, que se inicia ainda
durante a formação, através de uma formação em
alternância. A socialização faz-se, não só, pelos saberes
de base incorporados, mas também pelas diferentes
relações com a escola e o contexto profissional.
Como refere Dubar (1997, p. 95) “a chave essencial
de compreensão dos mecanismos e dos resultados
da socialização primária é, assim, a valorização que
é feita dos diferentes saberes pelos diferentes (…)
“socializadores” e das relações que estabelecem com
os diversos “socializados”. Como podemos constatar,
este é um processo nunca acabado que coloca a questão
da socialização secundária, na vivência do espaço
específico, ou espaços institucionais especializados e
a aquisição de saberes e de papéis articulados com o
trabalho. Assim, a socialização secundária constrói-se a
partir da socialização primária.
“Neste sentido, a formação e o trabalho são indutores
de transformações identitárias. A formação comporta
a legitimação de novas formas de identidade pela
alteração do corpo dos saberes e das relações no
trabalho” (Abreu, 2007, p. 68).
É na socialização, através do habitus, que o cuidado
ao ser humano, enquanto ser-no-mundo, pode ser
integrado, apreendido, individualizado, em suma, ser
um cuidado hermenêutico. Este, como em qualquer
campo de acção, depende do poder existente entre
o conjunto de actores individuais ou colectivos. O
poder encontra-se nas estruturas pré-existentes do
espaço de acção, acentua a natureza relacional, é
inseparável da relação através da qual se exerce e
implica a cooperação de outras pessoas (dimensão
instrumental) e a negociação.
Como refere Abreu (2007), o profissional revela-se num
processo contínuo de construção e reconstrução, de
confronto com patrimónios individuais e colectivos,
de significações e de aprofundamento de cenários.
Existem esquemas de acção que, integrados, permitem
ao profissional adaptar-se apenas naquilo que ele inova
para a atribuição da singularidade da acção. Estamos no
âmbito dos saberes procedimentais, ou seja, saberes
sobre os procedimentos, que se incorporam às rotinas
e ampliam o habitus e se tornam “conhecimento-emacção”. No caso em que a adaptação é mais forte, se
reproduz em situações semelhantes e se estabiliza,
criam-se novos esquemas de acção, enriquecendo o
habitus. A tomada de consciência, como um trabalho
sobre si próprio, mobilizado no momento adequado,
pode favorecer a mudança de habitus. Este permite,
em tempo certo e com técnicas adequadas, criar,
desenvolver ou promover novos esquemas de acção que
podem transformar o profissional e o próprio contexto.
É nesta interacção e num contexto específico, como
no caso de um serviço hospitalar como o serviço de
medicina, que a enfermagem assegura a existência,
a circulação e a criação de um saber prático experiência, valores, estratégias e intuição.
Os contextos, enquanto ambiente, influenciam e
são influenciados pela subjectividade de cada um,
pelas singularidades no colectivo, que se articulam
para reinventar um novo colectivo que, quando
contextualizadas e consciencializadas, promovem
aprendizagens ao longo da vida.
Assim, a aprendizagem experiencial é por natureza
interactiva e de interacção intra-pessoal, da pessoa
consigo própria e interpessoal, da interacção com a
realidade exterior e as pessoas que a rodeiam (Alarcão,
2000). Constata-se que a pessoa aprende no dia a dia,
das mais diversas formas, e com tudo o que a rodeia,
tornando-a aprendente ao longo do curso da vida.
A aprendizagem ao longo da vida (lifelong learning)
não é apenas mais um dos aspectos da educação e da
aprendizagem; ela deve tornar-se o princípio director
que garante a todos o acesso às ofertas de educação
e de formação, numa grande variedade dos contextos
de aprendizagem (Commission of the European
Communities, 2000, p. 3).
Estudos efectuados na área da formação em saúde
revelam a existência de formação directamente
relacionada com os contextos, com as relações
profissionais, com a complexidade dos problemas,
com as relações sociais e com a cultura organizacional.
A formação emerge como resposta às mutações
existentes e às mudanças a gerir. No entanto,
constatamos que para existir aprendizagem pela
experiência é necessário que exista intencionalidade
por parte dos actores nas situações de trabalho, ou
seja, que a interacção com essa situação faça sentido.
É necessário reabilitar a intuição e a inteligência
prática, baseada em saberes científicos sólidos, e
fazer a sua reintegração no seio da competência
profissional; mobilizar a flexibilidade cognitiva; e
mobilizar o próprio processo de integração, enquanto
sujeito que aprende. A supervisão incide sobre
indivíduos em interacção e o supervisor faz apelo
à inteligibilidade das relações existentes de forma
dinâmica. O supervisor faz apelo à inteligibilidade
das relações existentes de forma dinâmica. Este facto
transporta-nos para uma abordagem a partir do todo
e não das partes e como nos diz Morin (2000), o
pensamento complexo é como que uma viagem que
busca um modo de pensamento capaz de respeitar a
multidimensionalidade, a riqueza e o mistério do real.
Metodologia
Para responder a esta perspectiva, considerámos um
estudo de caso, o serviço de medicina hospitalar,
e o caso, os enfermeiros do serviço. O trabalho
empírico baseou-se num estudo de cariz qualitativo
e interaccionista da construção da realidade cujo
foco se situou nas interacções entre os diferentes
intervenientes no processo de cuidar e no significado
subjectivo para os participantes. Como método
de colheita de dados utilizámos a observação
participante, privilegiando a presença do investigador
no contexto; as entrevistas etnográficas e entrevistas
semi-estruturadas a enfermeiros e outros informantes
privilegiados; além de análise documental.
Seleccionámos, como contexto, um serviço de
medicina que, pela longa permanência dos doentes,
nos possibilitava a observação repetitiva de situações;
como actores, enfermeiros com experiência
profissional, ou seja, o enfermeiro que mobiliza a
competência; como enfermeiros competentes, os
enfermeiros que trabalhavam há mais de 2 anos no
mesmo serviço (Benner, 2001). Mobilizámos, ainda,
outros intervenientes na colheita de dados para
o mesmo objectivo, pois este facto permitiu-nos
garantir a validade interna do estudo, pela abrangência
de sujeitos sobre os mesmos conceitos em estudo
(Durand; Blais, citados por Gauthier, 2003, p. 192).
O estar no terreno e a proximidade com os sujeitos
permitiu apreender a subjectividade do ponto de vista
estético, emocional, além do cognitivo, e apreciar a
melhor “arte” de cuidar.
O modo como os actores pensam, sentem, interpretam
e constroem significados, constituíram, como referem
Lincoln e Denzin (1994, p. 157) o “empenhamento
claro do humanismo para estudar o mundo social com
base na perspectiva do indivíduo que interage”. Esta
forma de estar na investigação, permitiu compreender
as perspectivas das pessoas, as suas experiências,
explorar a natureza e dimensão dos seus interesses e
o modo como interpretam e constroem a sua acção.
Procedimentos de recolha de informação
O planeamento da recolha de informação, dado
tratar-se de uma investigação etnometodológica,
exigiu uma fusão completa com o objecto em
estudo e a focalização nas actividades do dia a dia,
na sua execução e na construção de um contexto
de interacções (Flick, 2005). Foi um processo que
se efectuou a par e passo com a ordenação e análise,
característica do estudo etnometodológico.
A fase inicial deste processo começou com o
planeamento dos instrumentos da recolha de dados.
Partimos para o contexto, considerando as diferentes
fontes de dados (Quadro1), com uma postura de
abertura e confiantes no entusiasmo e na criatividade
que o processo representava.
Neste sentido, planeámos as diversas etapas de forma
rigorosa, ainda que flexíveis, tendo em consideração
constrangimentos relacionados com o contexto
de investigação ou com o próprio investigador.
Considerámos o registo sistemático dos dados; o
recurso a estratégias diversas de recolha de informação;
e a análise sistemática dos dados e sua validação.
A análise global dos dados teve por base a matriz de
categorização da observação participante e modelo
de análise da investigação centrada na matriz das
competências dos enfermeiros (Ordem Enfermeiros,
2003), aspecto central da nossa investigação em
articulação com o meio, como Pires (2005, p.
306) refere, “as competências desenvolvem-se na
articulação / intersecção entre diferentes domínios,
numa perspectiva integrativa e de recomposição”,
ou seja, consideramos que as competências dos
enfermeiros se desenvolvem no sistema micro, em
articulação com o sistema meso, exo e macro.
Os diferentes recursos utilizados, a consciência de
centrar a nossa visão numa abordagem sistémica e
complexa, permitiu-nos efectuar a análise com leitura
e releituras de modo a extrair unidades de análise –
observações – ilustrativas de momentos observados e
descritivos. A redução em análises significativas pelo
uso da intuição, paixão, imaginação e liberdade visaram,
numa primeira fase, a categorização a posteriori,
passando em seguida a ser uma categorização a priori,
pelo sistemático processo de categorização efectuado
com base nas diferentes teorias.
Resultados
O processo de desenvolvimento de competências dos
enfermeiros (Diagrama 1) em contexto de trabalho,
especificamente no serviço de medicina hospitalar,
centrou-se na articulação de três dimensões: os
actores, o contexto e os saberes, num processo
dinâmico, interactivo e sistémico com os diferentes
sistemas – micro, meso, exo e macro (Bronfenbrenner
e Morris, 1998).
Existe uma responsabilidade partilhada entre o
profissional enfermeiro e as condições/organização
do contexto, a construção e o desenvolvimento de
competências profissionais, como nos foi referido
“tem a ver com a personalidade de cada pessoa
(…) que também influencia muito”; “É preciso
ver se estamos todos para o mesmo, o que às vezes
não acontece”; “mas cada um tem o seu lugar”,
“na equipa de saúde tentamos colaborar uns com
os outros de forma a restabelecer o equilíbrio do
doente/família (…) mas, de uma forma geral,
conseguimos entrar em consenso em prol do bemestar do doente-família” (entrevista semi-estruturada
E). Como refere Morin (2000), tudo depende de nós,
dependendo de cada um a escolha de ficarmos à
margem da correnteza ou mergulhar nela.
Discussão
Tendo por base as dimensões referidas, passaremos
à sua discussão tendo consciência de que as mesmas
se constroem e interligam num processo recursivo
inerente aos sujeitos que os integram. Este facto
constituiu, numa primeira fase, uma limitação ao
estudo, no entanto, ao longo do processo tornou-o
dinâmico e interactivo, facto que capitalizou os
resultados. Assim, a discussão dos dados revelou ser
um processo exaustivo, do qual pensamos dar a visão
mais objectiva possível.
Na dimensão Contexto
O serviço de medicina hospitalar constitui o
microssistema onde ocorrem diferentes e múltiplas
interacções que influenciam directamente o enfermeiro
e promovem o desenvolvimento de competências.
Este verifica-se pelas transições ecológicas, resultado
de díades no sistema micro e meso, com influência do
sistema exo e macro, o que está de acordo com a teoria
de Bronfenbrenner e Morris (1998). Constatámos
no serviço de medicina factores promotores do
desenvolvimento de competências como: um habitus
caracterizado por uma forma de pensamento e acção
colectiva que ultrapassa a subjectividade individual;
por uma comunidade de significados partilhados no
serviço, o qual determina o modo como se cuida.
O habitus traduz-se na visibilidade do desempenho
profissional, pela centralidade no doente/família; na
resposta às necessidades e problemas do doente/
família, definidas pelo sistema exo e macro e por
um processo supervisivo interpessoal, definido
no sistema micro. Como refere Antonello, 2005, o
conhecimento emerge duma participação activa e
da vivência diária do trabalho, sendo este propício a
um processo de aprendizagem pelo fazer que num
processo global conduz ao pensamento colectivo.
A organização dos cuidados, a nível da equipa de
saúde, é mediada por um processo de supervisão. Tem
como elemento de referência a enfermeira chefe que
evidencia um conhecimento das políticas da organização
(macrossistema); envolve o conhecimento dos
diferentes elementos dos sistemas (meso, exo e macro);
mobiliza a transformação do conhecimento explícito em
tácito através da aplicação das normas (exossistema);
promove a aprendizagem pela experiência centrada
na resolução de problema, a tomada de consciência, a
reflexão com base na situação vivida e a transferência
para futuras situações; partilha as responsabilidades
da gestão mobilizando um conhecimento específico,
especializado e contextualizado.
O método de trabalho, método de enfermeiro
responsável ou de enfermeiro de referência,
operacionaliza o processo de enfermagem, enquanto
um processo sistemático, dinâmico e complexo,
suportado por interacções diádicas com diferentes
elementos da equipa.
A passagem de turno constitui um momento de
reflexão sobre e para a acção, envolve o conhecimento
da individualidade do doente, do processo de doença,
das necessidades e problemas e visa a continuidade
dos cuidados. É caracterizada por um processo de
análise, reconstrução e reformulação da prática,
através do confronto dos problemas do doente
partilhados no grupo, visando a tomada de decisão
no planeamento e na continuidade de cuidados.
A aprendizagem organizacional acontece como
uma aprendizagem não formal. A nível micro, o
conhecimento produz-se dentro dos limites do
próprio serviço - “auto-produção” - e engloba a
comunicação das mais variadas formas – registos,
informatização de dados e comunicação interpessoal.
Tem foco na socialização individual, pela interacção
consciente entre os indivíduos, troca de experiência
colectiva viabilizada por meio do consenso e de
cognições partilhadas; tem foco em processo-sistema
com processamento, interpretação e distribuição
de informação pela organização (mesossistema),
como se verificou com o processo de trabalho
sobre a Classificação Internacional para a Prática de
Enfermagem (CIPE).
A reflexão sobre os problemas da prática enquadra a
aprendizagem, por um lado, no ciclo de aprendizagem
triplo (deutero-learning). Nesta, o sujeito modifica a
sua forma de aprender, com base nas aprendizagens
efectuadas, reflectindo sobre os contextos que as
proporcionam e perspectivando novas aprendizagens
e, por outro lado, no modelo colaborativo aberto,
enfatizando um trabalho colaborativo ao longo do
tempo, com interferência de outros no grupo, com
a existência de parcerias e redes de aprendizagem
colaborativa, como se observa com a formação de
estudantes e as parcerias existentes, nomeadamente,
com o trabalho efectuado com a Classificação
Internacional para a Prática de Enfermagem e Sistema
de Apoio para a Prática de Enfermagem (SIPE / SAPE)
e os protocolos com as instituições de formação
(mesossistema).
A nível macro, a aprendizagem organizacional tem
foco em cultura. Tem como objectivo criar um
ambiente de aprendizagem entre os indivíduos e
a organização; promove a interacção e fortalece a
base de conhecimento, ou seja, existe um processo
de transferência de conhecimento entre os níveis
individual, grupal, organizacional e interorganizacional
e o desenvolvimento de competências colectivas.
Podemos constatar a existência de diferentes
aprendizagens no serviço caracterizadas por um
conhecimento de “auto-produção” (Magalhães,
2005), ou seja, resultado de um sistema que contém
dentro dos seus limites os mecanismos e processos
que lhes permite produzirem-se e reproduzirem-se,
tem uma “organização e estrutura própria, autonomia,
fechamento operacional, auto referenciação e
capacidade para se acoplar estruturalmente à
envolvente circundante” (Magalhães, 2005, p.48).
Na dimensão Actores
Os actores constituem-se intervenientes no
processo de cuidar numa interacção dinâmica
consigo próprio (intra pessoal), e com os outros
(interpessoal) no sistema micro, e em articulação
com o sistema meso, exo e macro. Estes actores
evidenciam desenvolvimento de competências
através da capacidade de reflexão no processo
de cuidar, explicando as competências tácitas na
resolução das situações-problema e a transformação
do conhecimento que os leva ao “estar em situação”
e ao “agir em contexto”.
A nível intrapessoal verifica-se a consciência de si –
conhece os parâmetros do comportamento humano
de modo a evitar projecções e identificações ou outras
transferências; consciência do outro – possui todas as
informações sobre a pessoa de modo a ajudar a evoluir
no seu processo de saúde/doença; consciência das
tarefas a executar – conhece a missão, a finalidade
e os objectivos – sabe o que fazer com a pessoa, o
que implica: identificar a missão enquanto cuidador;
a finalidade da intervenção; os objectivos específicos;
definir as estratégias adequadas; avaliar a acção e
proceder a ajustes; consciência do contexto – identifica
os recursos físicos e o tempo necessário e adequado;
domínio de capacidades promotor, na acção, de
competências como - ouvir e compreender o outro,
não apenas pela comunicação verbal, mas também por
expressões e manifestações corporais como elementos
fundamentais no processo de comunicação.
A nível interpessoal constatámos que quanto maior
for o número de interacções existentes no contexto,
por um lado, o número de situações complexas e de
sistemas em análise, por outro, mais se apela à reflexão, à
transformação e por consequência a um saber agir com
pertinência, ou seja, ao agir com competência ao longo
do tempo. Estes factos têm por base o estabelecimento
de interacções complexas que, segundo a teoria
de Maturana e Varela (1980), processando-se por
assimilação e acomodação, constroem um estado de
equilíbrio progressivo e de adaptação que conduzem à
autonomia no interior do sistema.
Na prestação de cuidados o enfermeiro mobiliza no
processo de cuidar comportamentos específicos,
ou seja, os outputs de desempenho que, pela sua
constância e regularidade, reflectem as competências.
Estas são resultado de um saber agir, um querer agir e
um poder agir (mecanismo pessoal), contextualizados
nos objectivos do serviço e da organização - sistema
meso e macro (sistema de suporte).
Na acção de cuidar, o desenvolvimento de
competências caracteriza-se por um cuidado centrado
na singularidade e na individualização do acto de
cuidar. O habitus integrado em cada enfermeiro
permite inovar na singularidade de cada acção,
flexibilizar em situações idênticas e, em situações
novas, efectuar adaptações a novos esquemas.
Na dimensão Saberes
Os saberes decorrem do conhecimento na acção e
resultam de uma integração subjectiva e dinâmica
da experiência, são identificados pela integração de
esquemas, pela transformação de conhecimento e por
um agir contextualizado, expressão de competência
profissional. Nesta dimensão identificámos o
enfermeiro como: Enfermeiro aprendente - abrese ao conhecimento integrando novas formas de
interpretar a experiência; integra uma aprendizagem
significativa, resultado de experiência vivida,
reflectida e partilhada; desenvolve um processo de
significados individuais e partilhados na equipa e
mobiliza estratégias centradas na experiência e na
reflexão; Enfermeiro formador - insere-se numa
rede de comunicações e de relações, na interacção
social influenciada pelo meio – organização,
pelos objectivos – resultados esperados e pelas
diferentes díades de actividades. Esta dinâmica sendo
promotora de desenvolvimento de competências
tem como indicadores: o confronto com o outro, os
seus conhecimentos, valores e atitudes; um processo
de cooperação, activo e dinâmico; conhecimentos,
habilidades, estratégias e competências cognitivas
e emocionais. Os vários indicadores visam o autoconceito, a auto-aprendizagem, o desenvolvimento
de transições ecológicas ou o auto cuidado da pessoa/
família. Esta dimensão está de acordo com um estudo
do Conselho de Enfermagem de NC Board of Nursing
(2004), no qual a prática reflexiva é caracterizada por
um processo para o desenvolvimento permitindo
identificar, na prática, a procura de oportunidades
de aprendizagem; a promoção de competências
contínuas; a identificação de objectivos, ou seja,
mover-se através do contínuo de “noviço a perito”.
Conclusão
O desenvolvimento de competências do enfermeiro
envolve como determinantes: os actores, os
saberes e o contexto. Os actores evidenciam díades
desenvolvimentais no sistema micro envolvendo,
progressivamente, sistemas cada vez mais complexos
- meso, exo e macro. Os saberes são construídos pela
aplicação do conhecimento a situações-problema
identificadas no contexto da prestação de cuidados e
mediado por uma prática reflexiva. O contexto possui
um habitus articulado com o sistema exo e macro,
caracterizado por significados colectivos partilhados,
por rotinas integradas promotoras de assimilação e
adaptação de esquemas de acção que permitem agir
com pertinência em situações novas e complexas. A
aprendizagem organizacional processa de acordo
com os vários sistemas em presença, baseia-se num
modelo de “auto-produção”, através da resolução de
problemas da prática, é colaborativo e tem foco na
cultura. Estes factores determinam um enfermeiro
aprendente e formador. No entanto, os eixos
identificados do desenvolvimento de competências,
suportados pelas características inerentes a cada
dimensão, não são, por si, determinantes. Fazem
depender de si (pessoa), por características individuais
de personalidade, motivação, imprevisibilidade,
individualidade e pessoalidade, o modo como cada
enfermeiro efectua o seu desempenho profissional.
Estes dados permitem-nos afirmar que o contexto é
determinante no desenvolvimento de competências,
sendo a cultura do serviço, nas diferentes dimensões,
factor a considerar, pelo que, em futuras investigações,
se deva questionar a relação entre a cultura
organizacional e o desenvolvimento de competências
dos enfermeiros.