Efeito da estimulação cognitiva em Idosos
Introdução
O envelhecimento populacional tem levado a um aumento na prevalência de doenças
degenerativas crónicas, especialmente a demência. Em 2010 estimou-se que 35,6
milhões de pessoas em todo o mundo viviam com demência e que este número
duplique a cada 20 anos, para 65,7 milhões em 2030 e 115,4 milhões em 2050.
Prevê-se um total de custos com a demência, a nível mundial, de 604 mil milhões
de dólares e que cerca de 70% destes digam respeito à Europa Ocidental e
América do Norte ( Wimo e Prince, 2010).
Sobretudo nos mais idosos, o Declínio Cognitivo Ligeiro (DCL), considerado como
um estado intermediário entre o envelhecimento cognitivo normal e a demência
leve, é cada vez mais reconhecido como um importante problema de saúde,
associado a um aumento do risco de desenvolvimento de demência. A manutenção da
saúde cognitiva tem uma importância fundamental na prevenção do compromisso
cognitivo e no atraso da instalação do quadro demencial, da dependência e da
(in)capacidade do idoso para se auto-cuidar.
Estudos internacionais, que referenciaremos de seguida, sugerem que a
estimulação cognitiva (EC) se associa a uma diminuição do risco de declínio
cognitivo, da perturbação depressiva; melhora a autonomia dos idosos,
aumentando a protecção contra o aparecimento de demência; e que deve ser uma
componente essencial do cuidado ao idoso.
Porque a investigação em Portugal sobre o impacto da estimulação cognitiva e
sobre a prevenção do declínio cognitivo é escassa, este estudo tem por
objectivo avaliar o impacto da estimulação cognitiva (EC) na cognição, na
sintomatologia depressiva, e nas actividades instrumentais de vida diária
(AIVD’s) de idosos em contexto comunitário.
Quadro teórico
Embora as taxas anuais de conversão variem conforme os estudos, sendo que as
amostras clínicas têm apresentado taxas de conversão mais elevadas do que as
amostras de base comunitária, Mitchell e Shiri-Feshki (2009) identificaram 41
estudos em que a percentagem cumulativa de DCL que evoluiu para demência,
doença de Alzheimer (DA) e demência vascular (DV ), foi 39,2%, 33,6% e 6,2%,
respectivamente, em contextos de clínicos, e 21,9%, 28,9% e 5,2%,
respectivamente, em estudos não clínicos.
Numa revisão sistemática recente, desenvolvida por Léonie et al. (2010),
investigou-se a eficácia de 15 programas de intervenção cognitiva que tinham
sido testados em indivíduos com DCL do tipo amnésico (DCL-A), possivelmente em
risco de progressão para demência. Não obstante algumas limitações e falta de
uniformidade nos estudos (amostras entre 1 e 193 participantes com DCL-A,
normalmente inferiores ou iguais a 30; cinco estudos eram ensaios controlados
randomizados (RCTs), oito eram estudos quasi-experimentais e dois estudos de
caso único), os resultados evidenciam melhorias substanciais após o tratamento,
em termos de memória, qualidade de vida e humor.
A evidência também revela que os doentes com depressão têm maior risco de
desenvolverem distúrbios cognitivos e demência (Rosness, Barca e Engedal, 2010)
e que os idosos com depressão (em comparação com grupos de controlo) apresentam
incapacidade ao nível da avaliação da memória verbal e visual, capacidade de
execução e velocidade de processamento da informação, bem como atrofia
cerebral, por exemplo no hipocampo, amígdala e córtex orbito frontal medial,
associado a perdas cognitivas (Egger et al., 2008).
Nos idosos com declínio cognitivo, a estimulação cognitiva pode representar uma
potencial e promissora intervenção para a redução dos sintomas depressivos e da
vulnerabilidade depressiva (Raes, Williams e Hermans, 2009; Niu et al., 2010).
Adicionalmente, a intervenção com estimulação cognitiva tem um bom rácio de
custo-benefício. No caso da demência, os benefícios em termos de cognição são
comparáveis aos obtidos através da medicação – inibidores da colinesterase
(Knapp et al., 2006; Spector, Woods e Orrell, 2008).
Os investigadores, apesar de reconhecerem que os efeitos neuroprotectores da EC
na promoção da plasticidade cerebral e da reserva cognitiva são desconhecidos,
não descartam a hipótese da promoção da neurogénese, com base em estudos com
ratos (La Rue, 2010).
Em Portugal, existe escassez de RCTs sobre a estimulação cognitiva mas são
referidos na literatura dois estudos pré-experimentais em duas amostras de
idosos: uma em residentes na comunidade e outra em institucionalizados,
evidenciando resultados positivos na cognição dos idosos sujeitos a um programa
de estimulação cognitiva (PEC) (Apóstolo, Rosa e Castro, 2011).
Metodologia
Desenho do estudo. Estudo experimental, com pré e pós-teste e grupo de
controlo.
GEt1 x GEt2
GCt1 GCt2
Hipótese - Os idosos residentes na comunidade que são submetidos ao programa de
estimulação cognitiva “Fazer a diferença” apresentam melhoria do estado
cognitivo, da sintomatologia depressiva (SD) e maior autonomia nas actividades
de vida diária do que aqueles que não são sujeitos ao referido programa.
Critérios de Inclusão – Foram incluídos adultos com mais de 65 anos, que
frequentavam, na cidade de Coimbra, um Centro Social ou utentes de um Centro de
Saúde, capazes de participar em actividades de grupo durante pelo menos 45
minutos.
Aleatorização – O processo de aleatorização foi realizado nos dois contextos do
estudo referidos. O rácio de alocação no grupo experimental ou de controlo foi
1:1.
Apesar de não poder ter sido ocultado aos participantes o seu tipo de
tratamento, os participantes foram alertados de que não deviam revelar o
tratamento a que estavam a ser submetidos a elementos seleccionados para os
grupos de controlo.
Características da amostra
Foram selecionados 27 idosos, aleatoriamente, 7 (25,92%) homens e 20 (74,07%)
mulheres, idade média de 77,66, DP 7,73 anos.
Foram excluídas 3 mulheres do grupo de controlo e uma do grupo experimental por
incumprimento do protocolo de investigação.
Os 23 participantes apresentavam as seguintes características:
Grupo experimental: 2 (14,29%) homens e 12 (85,71%) mulheres, média de idades
78,79, DP 6,16, oscilando entre 65 e 88 anos; 9 (64,29%) com escolaridade entre
0 e 4 anos, 2 (14,29%) entre 5 e 9 anos e 3 (21,43%) entre 10 e 12 anos.
Grupo de controlo: 5 (55,56%) homens e 4 (44,44%) mulheres, média de idades de
74,56, DP 8,33, oscilando entre 65 e 91 anos; 7 (77,78%) com escolaridade entre
0 e os 4 anos, 2 (22,22%) entre 5 e 9 anos.
Variáveis e instrumentos
Os seguintes instrumentos foram aplicados a cada um dos grupos (experimental e
de controlo) no pré-teste - t1 e no pós-teste - t2.
Cognição
Montreal Cognitive Assessment (MoCA), versão portuguesa. É um instrumento de
rastreio útil, que permite prever o desenvolvimento da demência em
participantes com DCL. O MoCA avalia 8 domínios de funcionamento cognitivo:
atenção e concentração, funções executivas, memória, linguagem, capacidades
visuoconstrutivas, pensamento conceptual, cálculos e orientação. O score total
é de 30 pontos; um valor =26 é considerado normal (Freitas et al., 2010).
Atividades Instrumentais da Vida Diária (AIVD’s)
O Lawton Brody IADL (Lawton e Brody, 1969) – versão portuguesa (Araújo et al.,
2008), é um instrumento adequado para a avaliação das capacidades para uma vida
independente. O instrumento é especialmente útil na identificação do
funcionamento atual do indivíduo e na identificação da melhoria ou declínio ao
longo do tempo. Este instrumento avalia oito domínios do funcionamento (usar
telefone, fazer compras, preparação da alimentação, lida da casa, lavagem da
roupa, uso de transportes, preparar medicação e gerir o dinheiro).
As mulheres são pontuadas nas 8 áreas de funcionamento (capacidade para usar o
telefone, ir às compras, preparar a comida, arrumar a casa, tratar da roupa,
meio de transporte, responsabilidade pela própria medicação, capacidade para
lidar com as questões financeiras). Historicamente, os homens são excluídos das
áreas de preparação da comida, arrumar a casa e tratar da roupa. Os
participantes são pontuados de acordo com o nível mais elevado de funcionamento
nessa categoria. O score varia entre 0 (baixo funcionamento, dependente) e 8
(elevado funcionamento, independente) no caso das mulheres, e 0 a 5 no caso dos
homens.
Sintomatologia depressiva
A Geriatric Depression Scale (GDS-15) – versão portuguesa – (Apóstolo, 2011), é
uma escala de hetero-avaliação, de 15 itens, com duas alternativas de resposta
(sim - 1 ponto, ou não - 0 pontos – exceto os itens 1, 5, 7, 11 e 13, com um
ponto para não), consoante o modo como o idoso se tem sentido ultimamente, em
especial na semana transata. Um score acima de 5 pontos é indicativo de
perturbação depressiva.
Confiabilidade dos instrumentos: na amostra em estudo, estes instrumentos
revelaram, em t1 e t2,boa confiabilidade, com valores de alfa de Cronbach
superiores a 0,75. Exceptua-se o Lawton Brody IADL, que, em t2, revelou um alfa
de Cronbach de 0,66, mas com valores de correlação item-total corrigido
oscilando entre 0,2 e 0,6, pelo que não foi retirado da análise qualquer item
deste instrumento.
Intervenção
No grupo de controlo não foi desenvolvida qualquer intervenção para além das de
rotina. Por imperativo, quer logístico, quer de aplicabilidade da intervenção,
foram constituídos dois grupos experimentais, um no Centro de dia (4 idosos) e
outro no Centro de Saúde (10 idosos), nos quais foi aplicado o PEC, com duas
sessões de 45 minutos por semana, durante sete semanas, em maio e junho de
2011. As sessões foram organizadas e geridas por um grupo de quatro elementos,
constituído pelo investigador principal deste estudo e três estudantes do
último semestre do Curso de Licenciatura em Enfermagem.
O Programa de Estimulação Cognitiva “Fazer a diferença” (PEC-FD) versão
portuguesa de Making a Difference: An Evidence-based Group Programme to Offer
Cognitive Stimulation Therapy (CST) to People with Dementia (Spector et al.,
2006) foi usado como intervenção. O PEC-FD foi previamente traduzido para
português e adaptado ao novo contexto cultural (foram adaptados aspetos
específicos dos exercícios em que se verificaram diferenças culturais, como
nomes de refeições, produtos de supermercado, canções, entre outros).
Os temas principais das 14 sessões são os seguintes: 1º Jogos físicos; 2º Sons,
3º Infância; 4º Alimentação; 5º Questões actuais; 6º Retratos/Cenários; 7º
Associação de palavras; 8º Ser criativo; 9º Classificação de objetos; 10º
Orientação; 11º Usar o dinheiro; 12º Jogo com números; 13º Jogo com palavras;
14º Jogos de equipa, Quiz.
Análise estatística
O Coeficiente de Assimetria de Pearson revelou que as variáveis em análise
apresentavam uma assimetria ligeira ou moderada sustentando a utilização de
testes paramétricos. Socorremo-nos de frequências absolutas e relativas,
medidas descritivas de resumo, e testes t para amostras independentes e
emparelhadas. O valor de p apresentado é unicaudal (p/2). Na situação em que
foi evidenciada diferença na evolução dos grupos, foi calculado o poder dos
testes, tamanho do efeito "d" de Cohen e obteve-se a variação
explicada pelo cálculo do W2 (Loureiro e Gameiro, 2011).
Procedimentos éticos
O projeto foi aprovado pelas instituições e pela Comissão de Ética da Unidade
Investigação em Ciências da Saúde - Enfermagem (UICISA-E) da Escola Superior de
Enfermagem de Coimbra (ESEnfC).
Em cada fase do estudo foram cumpridos os princípios éticos subjacentes e
pedido consentimento informado por escrito.
Resultados
A avaliação inicial, feita no pré-teste, relativamente ao estado cognitivo,
sintomatologia depressiva e AIVD’s dos idosos, permitiu verificar que: 71,43% e
77,78%, respetivamente, do grupo experimental e do de controlo, foram
classificados como tendo compromisso cognitivo; 100% e 66,67%, respetivamente,
do grupo experimental e de controlo, foram classificados como tendo perturbação
depressiva. Relativamente às AIVD’s, 21,43% do grupo experimental eram
independentes, 57,14% tinham dependência moderada e 21,43% dependência severa.
No grupo de controlo, 22,22% dos indivíduos eram independentes, 33,33%
apresentavam uma dependência moderada e 44,44% dependência severa. Apresentamos
de seguida dados relativos à avaliação do efeito da intervenção – PEC -
desenvolvida com os idosos do grupo experimental, comparativamente ao grupo de
controlo, em relação às variáveis cognição, sintomatologia depressiva e AIVD’s.
Cognição
O quadro seguinte é constituído por duas partes principais. Na primeira são
apresentados os valores médios e da dispersão, avaliados nos dois tempos - t1 e
t2 - em cada grupo (experimental e de controlo) e a análise da diferença de
médias entre os grupos, avaliada com recurso a testes t para amostras
independentes. Na segunda é analisada a evolução de cada grupo em separado, com
recurso a testes t para amostras emparelhadas. Finalmente, na interceção da
última linha com a última coluna, é apresentada a diferença de médias entre
grupos, recorrendo ao teste t para amostras independentes, sendo as médias de
cada grupo calculadas a partir da diferença dos valores entre t2 e t1. É ainda
referido o tamanho do efeito da intervenção "d" e a percentagem de
variância explicada pela intervenção "W2".
Como apresentamos no quadro 1, os resultados do teste t para amostras
independentes não permitem afirmar sobre diferença entre os grupos em t1 no que
respeita ao estado cognitivo, revelando equivalência entre grupos antes da
intervenção (p = 0,47), mas evidenciando diferença no estado cognitivo entre
grupos em t2 (p=0,01).
QUADRO 1 – Evolução do estado cognitivo dos idosos conforme foram ou não
submetidos ao PEC-FD
Os resultados dos testes t emparelhados não evidenciam evolução do grupo de
controlo (p=0,28), mas indicam evolução positiva do grupo experimental no que
respeita ao estado cognitivo (p=0,01).
A análise da diferença da evolução de cada grupo, relativamente à diferença de
evolução entre grupos, é estatisticamente significativa (p=0,01), sendo que a
variação explicada pela intervenção é de 17,86% (tamanho de efeito = 0,58, que
é considerado médio).
Sintomatologia depressiva
Os resultados do teste t para amostras independentes evidenciaram que em t1 e
em t2 os grupos apresentavam diferença na sintomatologia depressiva (p=0,01 e
p=0,01). Não obstante, não há evidência sobre a evolução de cada um dos grupos
de t1 para t2 (p=0,47 e p=0,50), nem da diferença na evolução entre grupos
(p=0,48).
Atividades instrumentais de vida diária
Os resultados do teste t para amostras independentes não permitem a afirmação
de que existe diferença entre os grupos experimental e de controlo, quer em t1,
quer em t2, no que respeita às atividades de vida diária (p=0,31 e p=0,13). Não
há evidência sobre a evolução do grupo de controlo (p=0,23), havendo evidência
de evolução positiva do grupo experimental de t1 para t2 (p=0,03). Contudo, a
diferença de evolução entre os grupos não é evidente (p=0,17).
A análise do poder dos testes t (para diferença de evolução entre os grupos)
revelou para a cognição, sintomatologia depressiva e AIVD’s, respetivamente,
0,65, 0,05 e 0,16 evidenciando em relação às últimas a necessidade de estudos
em amostras maiores.
Assim, e tendo em conta alguns constrangimentos relacionados com o tamanho da
amostra, que podem ter influenciado os resultados, apresentamos na tabela 1
resultados relativamente aos casos que evoluíram de forma positiva, negativa,
ou não apresentaram qualquer evolução, nas três variáveis em estudo, o que
permite uma análise clínica dos resultados.
TABELA 1 – Evolução clínica do grupo experimental e do de controlo, em relação
à cognição, sintomatologia depressiva e AIVD’s
No que diz respeito ao estado cognitivo, no grupo experimental 12 idosos
melhoraram, 1 piorou e 1 manteve o seu estado, enquanto no grupo de controlo, 2
idosos melhoram, 6 pioraram e 1 manteve o seu estado.
Em relação à sintomatologia depressiva, no grupo experimental, 6 idosos
melhoraram, 6 pioraram e 2 mantiveram o seu estado, enquanto no grupo de
controlo, 2 idosos melhoram, 4 pioraram e 3 mantiveram o seu estado.
Relativamente às AIVD’s, no grupo experimental, 7 idosos melhoraram, 3 pioraram
e 4 mantiveram o seu estado, enquanto no grupo de controlo, 3 melhoraram, 1
piorou e 5 mantiveram o seu estado.
Discussão
A perda de 4 elementos da amostra fragiliza este estudo pela redução do seu
tamanho, sobretudo no grupo de controlo. Adicionalmente, verifica-se falta de
homogeneidade entre os grupos, sobretudo em relação às variáveis género e
sintomatologia depressiva. Se o grupo de controlo, devido a morte amostral, se
apresenta equilibrado em relação ao género, já o grupo experimental é
maioritariamente composto por mulheres. Na avaliação inicial (t1), o grupo
experimental foi, na totalidade, classificado como tendo perturbação
depressiva, ou seja, 33% mais idosos comparativamente ao grupo de controlo. Em
relação à cognição e às AIVD’s, observou-se, em t1, maior homogeneidade entre
os grupos, verificando-se que a maioria (71,43% no grupo experimental e 77,78%
no de controlo) tinha compromisso cognitivo e que também a maioria (a rondar os
77%) apresentava dependência moderada ou severa nas AIVD’s.
A partição aleatória pelos grupos, apesar de ser considerada um procedimento
metodológico obrigatório nos estudos experimentais, foi responsável, neste
caso, pelo desequilíbrio da amostra nos grupos. Adicionalmente, a análise do
poder dos testes sugere, em relação à sintomatologia depressiva e AIVD’s, a
necessidade de estudos em amostras de maior dimensão. De facto, os estudos com
amostras de reduzida dimensão, e por isso com baixa sensibilidade, transportam
uma incerteza considerável quanto à inferência estatística (Loureiro e Gameiro,
2011).
Outra limitação prende-se com o facto de, ao longo das sete semanas em que foi
implementado o PEC, poder ter sido incluído algum tipo de medicação, por
exemplo antidepressivos, que poderão ter influenciado os resultados obtidos.
Tendo em conta o objetivo e a hipótese do estudo do estudo, os resultados
sugerem que a EC tem eficácia no estado cognitivo dos idosos, explicando 17,86%
da variação. A análise da evolução dos casos permite verificar que os idosos
submetidos ao PEC apresentam uma melhoria do seu estado cognitivo, com 85,72% a
evoluir positivamente, comparativamente ao grupo de controlo em que esta
evolução ocorreu somente em 22,22%.
Estes resultados são comparáveis a outros, nomeadamente aos de Spector et al.
(2003), em que a aplicação do mesmo programa evidenciou melhorias
significativas ao nível da cognição, e aos de Spector, Woods e Orrell (2008),
onde a aplicação do PEC-FD em idosos com demência leve a moderada revelou
benefícios significativos na cognição e na qualidade de vida.
Outras investigações, com diferentes programas de EC em idosos, têm também
revelado eficácia. De referir o estudo de Souza e Chaves (2005) que, após a
aplicação do programa “Oficina de Memória”, revelou uma melhoria no desempenho
cognitivo. Referimos também os dois estudos pré-experimentais desenvolvidos por
Apóstolo, Rosa e Castro (2011), em que foi aplicado um programa de estimulação
cognitiva constituído por exercícios de estimulação da atenção, linguagem,
gnosias, memória, praxias e funções executivas, em duas amostras, uma de 13
idosos institucionalizados e outra de 27 idosos a residir na comunidade, tendo
evidenciado efeitos positivos na cognição.
De facto, os investigadores consideram que a EC contribui para o aumento da
densidade sináptica e da plasticidade cerebral porque requer novas
aprendizagens ou o desenvolvimento de novas estratégias cognitivas (Souza e
Chaves 2005; La Rue, 2010).
Os resultados do presente estudo não fornecem evidência que permita afirmar
sobre o efeito do PEC-FD na sintomatologia depressiva, embora seja de ressalvar
que, do ponto de vista clínico, 42,86% dos idosos do grupo experimental,
comparativamente a 22,22% do grupo de controlo, evoluíram positivamente. Não
obstante, estes resultados deverão ser lidos com cautela, até porque a
proporção de idosos com perturbação depressiva do grupo submetido ao PEC era
maior no pré-teste.
Resultados de estudos internacionais apresentam alguma inconsistência sobre o
efeito da EC na sintomatologia depressiva. Na investigação levada a cabo por
Spector et al. (2003), os resultados obtidos não sugerem que a EC tenha efeito
na sintomatologia depressiva dos idosos, mas os de Chariglione (2010), através
da implementação de um programa que versava diferentes procedimentos de treino
cognitivo (atenção, sequência visual, listas de palavras, aprendizagem
associativa e diversos tipos de memória) numa amostra de 21 idosos, revelou
melhoria no estado depressivo e na função cognitiva. Os resultados que
apresentamos também não evidenciam o efeito positivo do PEC-FD na autonomia nas
AIVD’s, embora se observe que 50,00% dos idosos que receberam o PEC revelaram
mais autonomia quando comparados com os que não receberam (33,33%).
Lindolpho, Sá e Cruz (2010) sugerem que os idosos sujeitos a estimulação
cognitiva mantêm a sua autonomia nas AIVD’s. De facto, como referem Spector et
al. (2003), estas, muitas vezes, não são suficientes para poderem ser
relacionadas com o impacto do programa de estimulação cognitiva. No entanto,
havendo melhoria na cognição, será legítimo esperar que os mesmos idosos se
possam apresentar mais autónomos na realização de actividades instrumentais,
como usar o telefone, ir às compras, preparar a alimentação, cuidar da casa,
lavar a roupa, usar transportes, preparar a medicação, ou gerir dinheiro.
Assim, não devemos desprezar completamente estes resultados, porque um
resultado pode ser estatisticamente não significativo, mas ser clinicamente
relevante (Loureiro e Gameiro, 2011).
Conclusão
As conclusões principais deste estudo vão ao encontro das obtidas em diversos
estudos nacionais e internacionais, sugerindo que o PEC-FD tem efeito na
melhoria do estado cognitivo dos idosos e explicando 17,86% da variação. O PEC-
FD contribui, assim, para a manutenção da saúde cognitiva dos idosos, podendo
atrasar a instalação do quadro demencial e, consequentemente, melhorar a
autonomia e independência destas pessoas.
Embora a evidência não permita afirmar que a EC tenha tido um efeito positivo
na sintomatologia depressiva e na autonomia nas AIVD’s, mais 20% e 17%,
respectivamente, dos idosos submetidos ao programa evoluíram positivamente
nestes aspetos, encorajando a realização de novos estudos nesta área. Não
obstante as limitações apresentadas, os resultados deste estudo experimental
podem abrir novas perspectivas de investigação nesta área, que é escassa,
sobretudo em Portugal, permitindo que o novo conhecimento tenha impacto sobre a
prática clínica, seja baseado na evidência nacional e no entendimento da nossa
realidade e confrontado com os resultados internacionais.
Pequenas melhorias, ou mesmo a estabilização das funções cognitivas podem ser
consideradas ganhos de saúde significativos. Como tal, sugerimos que a
Estimulação Cognitiva seja incluída nos programas de cuidados a pessoas idosas,
de forma a contribuir para a preservação da sua capacidade cognitiva e
funcional e, como resultado, possibilitar um maior nível de independência.
Adicionalmente, os diferentes estudos evidenciam que a EC tem uma boa relação
custo-benefício, paralela à medicação, o que permite um impacto económico
positivo.
Em próximos estudos avaliaremos o impacto do PEC-FD na cognição, AIVD’s,
sintomatologia depressiva e na qualidade de vida de idosos, institucionalizados
em lares e a residir na comunidade, em amostras de dimensão mais alargada,
assegurando a representatividade e a homogeneidade entre grupos. Consideramos
que a sintomatologia depressiva deverá ser analisada enquanto covariável e,
ainda, que deverá ser implementado um programa de manutenção, com avaliação em
follow-up, para avaliar o impacto do PEC-FD a longo prazo.
Uma referência final para as particularidades do programa, que, tendo
características lúdicas sem, contudo, limitar a qualidade da estimulação,
permitem um grau elevado de sucesso na adesão dos idosos às diferentes sessões.