Adaptação cultural e propriedades psicométricas da versão portuguesa da escala
Pain Assessment in Advanced Dementia
Introdução
Com o envelhecimento aumentam os distúrbios comportamentais, as doenças
crónicas (musculoesqueléticas, cardiovasculares, respiratórias e renais), os
traumatismos decorrentes de acidentes e instala-se na pessoa uma progressiva
perda de raciocínio abstrato e da comunicação verbal (Herr e Decker, 2004;
Jordan et al., 2011). Na população idosa, a dor tem sido associada a
traumatismos como consequência de acidentes, a alterações da função
imunológica, a alterações psicológicas, a comprometimento da função física, a
distúrbios no sono, a uma socialização diminuída e a comprometimento da função
cognitiva. As suas limitações no auto-relato das experiências de dor
comprometem o diagnóstico e a qualidade do controlo da dor. Estima-se que 45 a
80% das pessoas idosas sofram com dor (Zwakhalen, Hamers e Berger 2006;
Costardi et al., 2007).
A boa gestão dos cuidados para o alívio da dor exige dos profissionais de saúde
um correto e preciso diagnóstico, tarefa particularmente difícil em grupos
vulneráveis como os idosos não comunicantes verbais (Jordan et al., 2011).
Quando os idosos (com ou sem demência) são incapazes de fazerem o auto-relato
da dor é necessário analisar comportamentos típicos deste fenómeno como a
expressão facial, verbalizações e vocalizações, movimentos e posturas do corpo,
modificações nas relações interpessoais e alterações do seu estado mental (Herr
e Decker, 2004). Para além do número reduzido de escalas desenvolvidas para a
avaliação da dor em idosos não comunicantes, nem sempre foram suficientemente
estudadas para a população para a qual foram desenvolvidas, comprometendo a
validade e fiabilidade da avaliação. Cada uma das escalas existentes, apresenta
pontos fortes e limitações, necessitando de estudos adicionais (Smith, 2005).
A avaliação das propriedades psicométricas das escalas para avaliar a dor em
doentes idosos, com ou sem demência, internados em serviços hospitalares por
patologia médica e/ou cirúrgica e incapazes de se auto-avaliarem é ainda
escassa (Jordan et al., 2011). Por esta razão, urge encontrar uma escala que
avalie a dor nestes doentes, que apresente boas propriedades psicométricas e
que seja de fácil uso clínico. A escala PAINAD parece reunir estes requisitos.
O objetivo deste estudo foi adaptar semântica e culturalmente para o Português
a escala de dor PAINAD e avaliar as suas propriedades psicométricas (validade e
fiabilidade) em pessoas idosas, com ou sem demência, internados em serviços
hospitalares com patologia médica e/ou cirúrgica. Partimos para este trabalho
com as seguintes questões: quais os indicadores da escala mais usados para
avaliarem a dor?; qual a consistência interna da Pain Assessment in Advanced
Dementia ' versão Portuguesa (PAINAD-PT)?; haverá concordância entre os
avaliadores com a utilização da PAINAD-PT?
Quadro teórico
Na base de dados da Revista de Enfermagem Referência não encontramos nenhum
artigo sobre escalas de dor para uso em idosos não comunicantes. Todavia,
Zwakhalen et al. (2006) identificou doze escalas. Da sua análise psicométrica,
concluiu que a maioria apresentava fragilidades na sua validade, fiabilidade e
utilidade clínica. No entanto, a Pain Assessment in Advanced Dementia (PAINAD),
a Pain Assessment Checklist for Seniors with Limited Ability to Communicate
(PACSLAC), L'Echelle Comportamentalle pour Personne Agée (ECPA) e a DOLOPLUS-
2 mostraram, entre todas, as melhores propriedades psicométricas (Zwakhalen et
al., 2006).
A DOLOPLUS avalia a progressão da dor crónica e não a experiencia de dor num
determinado momento, sendo considerada complicada de aplicar de forma rotineira
na prática dos cuidados (Zwakhalen et al., 2006; Chatelle et al., 2008).
A PACSLAC é uma escala complexa que exige avaliação durante os cuidados e com
critérios de interpretação pouco explícitos (Zwakhalen et al., 2006; Chatelle
et al., 2008).
A ECPA avalia a dor aguda e crónica em doentes hospitalizados. Apesar de ser
mais fácil de aplicar que a DOLOPLUS é ainda complicada (Chatelle et al.,
2008).
A PAINAD permite avaliar a dor em repouso e durante os cuidados sem necessidade
de conhecer as manifestações habituais da pessoa, sendo indicada para avaliar a
dor em idosos não comunicantes com dor aguda ou crónica, sendo fácil de
compreender e utilizar após uma curta formação de duas horas (Chatelle et al.,
2008) (Bjoro, Bergen e Herr, 2008). Esta escala foi concebida a partir de uma
adaptação da escala Discomfort Scale-Dementia of the Alzheimer's Type (DS-DAT)
(Hurley et al., 1992) e da escala Face, Legs, Activity, Cry, Consolability
(FLACC) (Merkel et al., 1997) com o propósito de permitir uma fácil
quantificação da dor em idosos numa escala métrica de 0 a10 pontos (Warden,
Hurley e Volicer 2003). A escala é composta pelos indicadores respiração,
vocalização, expressão facial, linguagem corporal e consolabilidade, cada um
deles pontuado de 0 a 2 pontos. Os valores mais altos indicam maior intensidade
de dor. A PAINAD abrange apenas três das seis categorias de comportamentos não-
verbais de dor descritas nas orientações da Sociedade Geriátrica Americana, e
que são: a expressão facial; verbalizações/vocalizações; e a linguagem corporal
(Zwakhalen et al., 2006).
A escala já foi traduzida e testada em vários países (Singapura, Bélgica,
Itália, Países Baixos, Alemanha e Estados Unidos), o que comprova o interesse
crescente pela sua utilização. De uma forma geral, as limitações apontadas
nestes estudos foram as reduzidas dimensões das amostras, a aplicação da escala
em situações não dolorosas (versão Alemã e Italiana) e a não explicitação da
formação efectuada por quem as aplicou (Lin et al., 2010).
Os resultados das suas propriedades psicométricas revelam que a variância da
dor explicada a um fator varia entre os 41,32% (Lin et al., 2010) e os 63,46%
(Basler et al., 2006), a consistência interna medida pelo α Cronbach varia
entre 0,50 (Warden, Hurley e Volicer, 2003) e os 0,80 (Basler et al., 2006), a
correlação teste-reteste varia entre 0,88 (Costardi et al., 2007) e os 0,90
(Basler et al., 2006), o coeficiente de correlação intraclasse entre 0,80 e
0,86 (Basler et al., 2006) e a correlação entre dois observadores é de 0,87
(Costardi et al., 2007) (Tabela 1).
Tabela 1 ' Síntese das propriedades psicométricas da escala PAINAD em estudos
de validação semântica e cultural
Metodologia
Desenho
Estudo descritivo e transversal que decorreu em duas fases: validação semântica
e cultural da versão Portuguesa da escala PAINAD (fase I) e estudo das suas
propriedades psicométricas (validade e fiabilidade) (fase II).
Procedimentos
Fase I
Após autorização dos autores, procedeu-se à tradução da escala PAINAD por duas
tradutoras (Português nativo) de forma independente. Com base nestas duas
traduções, um painel de oito elementos, composto por sete peritos em cuidados a
pessoas com demência e/ou problemas neurológicos e com formação específica em
avaliação da dor (seis enfermeiros e um professor de enfermagem) e um tradutor,
validaram semântica e culturalmente uma versão de consenso. Esta versão foi
posteriormente retrovertida para o Inglês, de forma independente, por duas
tradutoras (Inglês nativo). Um novo painel, composto pelos mesmos elementos,
concebeu uma versão de consenso posteriormente comparada com a versão original
para se obter a equivalência. Nenhum dos tradutores tinha formação médica ou de
enfermagem.
Todas as frases ou palavras em que houve desacordo entre os tradutores foram
analisadas pelo painel e o consenso foi obtido sempre que pelo menos 6 (75%)
dos elementos do painel estavam de acordo. A análise incidiu sobre a
equivalência cultural e semântica dos conceitos, sua relevância para os
profissionais de saúde e sobre a coerência gramatical. Houve necessidade de
gerar consenso em relação aos termos: "frigtened" traduzido por
"assustado" e "amedrontado"; "facial
grimacing" traduzido como "careta" e "esgar
facial"; "Knees pulled up" traduzido como "joelhos
junto para cima" e "joelhos flectidos"; "moan"
traduzido por "lamento/carpido" e "queixume". Com base
na relevância para os profissionais de saúde, adoptaram-se como sinónimos os
termos "assustado", "esgar facial", "joelhos
fletidos" e "queixume", que retrovertidos revelaram
equivalência (Tabela 2).
Tabela 2 ' Versão Portuguesa da escala PAINAD (PAINAD-PT)
Fase II
Nesta fase procedeu-se ao estudo das propriedades psicométricas da PAINAD-PT.
Participaram na colheita dos dados nove enfermeiros que trabalhavam em dois
hospitais, nos serviços de medicina e neurocirurgia, com uma média de idades de
35 anos, variando entre 27 e os 45. Todos frequentaram e obtiveram
aproveitamento numa formação sobre avaliação da dor com duração de 30 horas.
Após aplicações experimentais da escala foi convocada uma reunião onde se
analisaram as dificuldades e dúvidas surgidas e se consensualizaram
procedimentos sobre a avaliação da dor com a utilização da PAINAD-PT.
A recolha dos dados decorreu entre outubro de 2010 e junho de 2011, entre as
oito e as dezoito horas, e envolveu 99 doentes incapazes de se auto-avaliarem
(com ou sem demência), internados em dois hospitais nos serviços de medicina
(56 doentes) e neurocirurgia (43 doentes), seleccionados de forma acidental.
Foram excluídos os doentes com menos de 65 anos com principal diagnóstico
relacionado com alterações da função respiratória, com patologia neurológica
(para ou tetraplégico), em ventilação mecânica e/ou sob efeito de medicação
sedante ou curarizante. O tamanho da amostra teve em conta as recomendações
para a prossecução da análise fatorial de componentes principais com um mínimo
50 observações ou cinco vezes a quantidade de variáveis (Hair et al.,1998).
A aplicação da escala foi realizada de forma independente e em simultâneo por
três enfermeiros, dos nove que participaram no estudo e que no momento se
mostraram disponíveis. Não tinham, nem obtiveram qualquer informação prévia do
doente avaliado, seja por consulta do processo clínico, ou por informação de
outros profissionais de saúde ou familiares. Em função da observação do doente
e por um período de dois a quatro minutos, pontuou-se cada um dos cinco
indicadores da escala, obtendo assim a pontuação total de intensidade da dor.
Análise dos dados
Os dados obtidos foram processados e analisados pelo Software Statistical
Package for the Social Sciences (SPSS) versão 18.0 for Windows®.
Os dados foram duplamente introduzidos na base de dados e analisados quanto à
assunção da normalidade através do teste kolmogorov-Smirnov e histograma,
tendo-se verificado que nenhuma variável assumiu a distribuição normal.
A análise descritiva das variáveis categóricas foi feita através das
frequências absolutas e relativas e as contínuas pelas medidas de localização
mínimo, máximo e mediana. A avaliação da validade de constructo foi feita pela
análise dos componentes principais com rotação de Varimax. O teste Kaiser-
Meyer-Olkin (KMO) foi usado para aferir a prossecução da análise factorial,
tendo-se apurado um valor médio de 0,778 (Lohr, 2002).
Para a análise da fiabilidade recorreu-se ao cálculo da consistência interna e
concordância inter-avaliadores. Considerou-se a consistência interna aceitável
para um valor de α de Cronbach ≥ 0,7, boa ≥ 0,8 e excelente ≥ 0,9 (George e
Mallery, 2003). A concordância entre os três enfermeiros (inter-avaliadores)
foi avaliada através do coeficiente de Kappa de Cohen para as variáveis
ordinais. Os valores entre 0,41 e 0,60 são considerados moderados, entre 0,61 e
0,80 substanciais e entre 0,81 e 1,0 excelentes (Landis e Koch, 1977). O
Coeficiente de correlação intra-classe (ICC) foi usado para quantificar a
concordância da pontuação total da escala. Admitiu-se uma boa concordância para
valores superiores a 0,75 (Kramer e Feinstein, 1981).
Considerações éticas
Este estudo foi aprovado pelos Conselhos de Administração e Comissões de Ética
dos hospitais envolvidos. Uma vez que os dados recolhidos resultam da
observação dos comportamentos de pessoas incapazes de comunicar e sendo esta
intervenção inócua e fazendo parte integrante dos cuidados diários, atendeu-se
à doutrina do consentimento informado no que se refere ao consentimento
presumido e aos princípios éticos e deontológicos dos enfermeiros. No entanto,
foram garantidos todos os esforços para se informar e obter o consentimento do
representante legal.
Resultados
Entre os 99 doentes que participaram no estudo, 68 (68,7%) eram do sexo
feminino, com idades compreendidas entre os 66 e os 100 anos e com uma mediana
de 82 anos. O motivo de internamento e/ou patologias associadas mais
prevalentes foram as infecções 45 (45,5%); traumatismos cranioencefálicos 33
(33,3%); tumores 6 (6,1%); e outros diagnósticos vários 6 (6,1%). O estado de
consciência, avaliado na escala de Glasgow, revelou uma mediana de 14 pontos,
variando entre os 6 e os 15 pontos. Tinham sido submetidos a cirurgia 16
(16,2%) doentes, com uma mediana de 8 dias de pós-operatório, variando entre um
mínimo de 2 e um máximo de 45 dias. O tempo de internamento variou entre um e
165 dias, com uma mediana de 8 dias (Tabela 3).
Tabela 3 ' Dados demográficos e clínicos
Do total de avaliações de dor realizadas, e por ordem decrescente, os
indicadores da escala usados (pontuados) com maior frequência nos doentes com
dor foram: a expressão facial em 214 (72,1%); linguagem corporal 188 (63,3%);
consolabilidade 150 (50,1%); respiração 126 (42,4); e vocalização 114 (38,4).
Da análise dos componentes principais apurou-se a presença de um factor com
valor próprio superior a 1 (valor próprio = 3,054) com uma variância explicada
de 61,09%. A linguagem corporal foi o indicador da escala com maior correlação
com o factor (0,88) e a respiração com a menor correlação (0,60). (Tabela 4)
Tabela 4 ' Análise de componentes principais da PAINAD-PT
A escala apresentou uma consistência interna com um α de Cronbach de 0,84. O
indicador linguagem corporal foi o que melhor se correlacionou com o total da
escala (0,79) e o que mais contribuiu para a coerência interna da escala
(0,76). Em sentido contrário, o item respiração foi o que menos se
correlacionou com o total da escala (0,45) e o que menos contribuiu para a
coerência interna da mesma (0,85) (Tabela 5).
Tabela 5 ' Consistência interna da escala PAINAD-PT
O nível de concordância entre os três enfermeiros variou entre 0,49 na
vocalização e os 0,78 na respiração. A correlação apurada entre os enfermeiros
foi de 0,89 variando, com um intervalo de confiança a 95%, entre os 0,85 e os
0,92 (Tabela 6).
Tabela 6 ' Reprodutibilidade da escala PAINAD-PT
Discussão
O objetivo deste estudo foi adaptar semântica e culturalmente para o Português
a escala de dor PAINAD e avaliar as suas propriedades psicométricas (validade e
fiabilidade) em pessoas idosas, com ou sem demência, internadas em serviços
hospitalares com patologia médica e/ou cirúrgica. Procurámos igualmente saber,
nos doentes com dor, quais os indicadores da escala PAINAD-P que mais
contribuíam para a sua pontuação de dor.
O processo de validação semântica e cultural da PAINAD-P foi fácil de obter.
Houve necessidade de gerar consenso na validação semântica e cultural em
relação a quatro termos. Com base na linguagem comumente usada pelos
enfermeiros e na sua prática clínica facilmente se geraram consensos e os
termos retrovertidos revelaram equivalência com a escala original.
O indicador expressão facial foi o que requereu maiores necessidades de
consenso. Encontraram-se divergências em dois termos "frigtened" e
"facial grimacing". No entanto, a descrição destes itens, na sua
definição proposta pelos autores da escala (Warden, Hurley e Volicer, 2003),
operacionaliza de forma clara todos os itens, entre os quais a expressão
facial. Este é um indicador muito usado na prática clínica para avaliar a dor,
mas de forma arbitrária, o que torna a avaliação pouco fiável.
Independentemente dos termos adoptados nesta validação, o uso clínico desta
escala carece que os enfermeiros conheçam as definições operacionais dos seus
itens.
A escala PANAD-PT revelou-se válida ao apresentar na sua estrutura fatorial um
factor que explica 61,1% da variância total da dor. Um resultado superior ao da
escala original (Warden, Hurley e Volicer, 2003) e da de Lin et al. (Lin et
al., 2010) e muito próximo do de Basler et al. (Basler et al., 2006). Todos os
indicadores se correlacionaram fortemente com o fator, o que não se verificado
nos estudos de Warden, Hurley e Volicer (Warden, Hurley e Volicer, 2003) e Lin
et al. (Lin et al., 2010).
Os indicadores da escala pontuados como dor com maior frequência, nas
avaliações de dor feitas em doentes com dor, foram, em mais de metade das
avaliações, a expressão facial seguido da linguagem corporal. Estes indicadores
são descritos pela Sociedade Geriátrica Americana como típicos de pessoas
idosas com dor (Zwakhalen et al., 2006). A linguagem corporal é um indicador
facilmente observado no doente e associado à dor estando, por isso, presente em
muitas escalas de hetroavaliação da dor. Neste estudo foi o indicador que mais
se correlacionou com o fator, o que mais contribuiu para avaliar a dor e para a
coerência interna da escala, mas o que menor concordância interavaliador
apresentou. Este dado sugere a necessidade de conhecimento e treino na
aplicação da escala, em particular com este indicador. A expressão facial,
apesar de muito usada para avaliar a dor, é mais difícil de interpretar. Esta
dificuldade foi igualmente evidente quando não houve um consenso inicial com a
tradução dos termos "frigtened" e "facial grimacing". A
vocalização, outro indicador associado à dor na pessoa idosa (Zwakhalen et al.,
2006), foi o indicador menos vezes usado na pontuação da escala, mas com boa
correlação com o fator. Isto apoia a ideia de que todos os indicadores da
escala são válidos para a avaliação da dor em doentes internadas em serviços
hospitalares com patologia médica e/ou cirúrgica e que não conseguem fazer a
autoavaliação da dor. Todavia, sugere-se familiarização dos eventuais
utilizadores da escala com a operacionalização dos seus itens.
A consolabilidade foi um indicador adoptado da escala pediátrica FLACC e
inserido na escala PAINAD (Zwakhalen et al., 2006). Este indicador não é
considerado pela Sociedade Geriátrica Americana como típico de dor em doentes
idosos, mas é muito útil na avaliação da dor, sendo por isso, um dos
indicadores presente em muitas escalas de dor pediátricas. A interacção que o
enfermeiro estabelece com o doente, quando lhe fala ou toca, faz emergir
comportamentos subtis em como a pessoa tem um sentimento de bem-estar ou, pelo
contrário, está aflita. Estes comportamentos são extremamente úteis na
avaliação da dor na população idosa (Zwakhalen et al., 2006). No nosso estudo,
este indicador foi o terceiro mais vezes utilizado (pontuado como dor) pelos
enfermeiros e o segundo que mais contribuiu para a coerência interna da escala,
sua correlação com o fator e o total da escala. Importa referir igualmente que
foi o indicador onde os enfermeiros revelaram maiores dificuldades na sua
avaliação, o que reforça a ideia da necessidade de formação e treino na
aplicação desta escala nesta população específica.
A respiração ao ser o indicador que menos se correlacionou com o fator faz com
que o seu uso na avaliação da dor em pessoas idosas seja questionado (DeWaters
et al., 2008). A versão original e a versão Chinesa da escala revelaram um
segundo factor com a qual o indicador respiração se correlaciona. O facto de
termos excluído do estudo doentes com patologia respiratória como principal
diagnóstico, não evitou a observação de doentes com compromisso respiratório.
Esta é uma patologia frequente em doentes idosos internados. Apesar de ser o
indicador que menos se correlacionou com o total da escala e menos contribuiu
para a sua coerência interna, apresenta uma boa correlação com o factor e foi o
indicador com maior concordância interavaliadores. Ou seja, este indicador
parece ser válido e fiável na avaliação da dor neste tipo de doentes.
A PAINAD-PT revelou boa consistência interna (George e Mallery, 2003), apesar
de apresentar apenas cinco itens, o que faz baixar este valor. Entre outros
estudos conhecidos (Warden, Hurley e Volicer, 2003; Zwakhalen et al., 2006;
Costardi et al., 2007; Lin et al., 2010), este é o que apresenta melhor
consistência interna. Atribuímos este resultado ao contributo e importância que
tem a formação e treino na aplicação desta escala. Os enfermeiros que
participaram nesta colheita dos dados frequentaram um curso de avaliação de dor
e treino na utilização da PAINAD de 30 horas, o que comparado com o realizado
em outros estudos (Lin et al., 2010) foi muito mais valorizado.
Os níveis de concordância entre os três enfermeiros em cada indicador foram
considerados substanciais (Landis e Koch, 1977). A menor concordância
verificou-se na expressão facial, o que sugere, uma vez mais, um cuidado
especial na formação dos enfermeiros na avaliação deste indicador. Os
enfermeiros consideraram, de uma forma subjectiva, que no momento da aplicação
da PAINAD-PT mais de 4/5 dos doentes estaria com dor. A garantia da
heterogeneidade das manifestações de dor (muitas pontuações não nulas) evita
uma limitação apontada em estudos anteriores e que conduz a falsas
concordâncias interavaliadores (Lin et al., 2010).
A concordância na pontuação total da escala foi boa (Kramer e Feinstein, 1981)
e superior ao estudo de Lin et al. (Lin et al., 2010). As autoras da escala
PAINAD aconselham apenas um treino mínimo de quinze a 120 minutos (Warden,
Hurley e Volicer, 2003) para aplicação da escala na prática clínica. Todavia,
se a aplicação da mesma for feita por profissionais de saúde com formação
específica em avaliação de dor e com um conhecimento particular da escala, a
fiabilidade será seguramente maior.
Existem outras escalas de avaliação da dor que podem ser usadas em idosos
incapazes de se auto-avaliarem. Comparativamente a essas, a PAINAD requer um
tempo de aplicação mais curto (Storti, Dal e Zanolin, 2008), facto constatado e
salientado pelos enfermeiros avaliadores. Por outro lado, consideraram-na fácil
de usar, que as suas instruções eram claras e o treino requerido para a sua
aplicação simples, excepção feita para a categoria consolabilidade e expressão
facial que requerem um treino de interpretação mais cuidado dada a subtileza
das suas manifestações e fatores que podem influenciar essas manifestações.
Limitações
A escala PAINAD foi até ao momento alvo de poucos estudos de validação. Os que
foram realizados utilizaram metodologias diversas dificultando os consensos nas
conclusões. Os estudos foram realizados em amostras reduzidas e com predomínio
do sexo feminino (Warden, Hurley e Volicer, 2003), (Basler et al., 2006); em
doentes com características clínicas diversas e por vezes pouco explícitas
(Zwakhalen et al., 2006); a não explicitação da formação de quem aplicou a
escala (Basler et al., 2006); e a não inclusão dos familiares na avaliação.
Este estudo apresenta igualmente limitações várias. Como em anteriores estudos,
o sexo feminino predominou. Não cremos que esta variável possa influenciar as
propriedades psicométricas da escala. As manifestações de dor não diferem de
forma significativa quanto ao sexo, mas em futuros trabalhos seria prudente
estratificar esta variável na seleção da amostra, dada a sua maior prevalência
na população idosa.
O motivo de internamento e/ou patologias associadas nos doentes alvo de
observação foram as mais esperadas entre os idosos: infecções; traumatismos
cranioencefálicos; tumores; e acidentes vasculares cerebrais. Uma maior
prevalência de traumatismos dos cranioencefálicos resultou do estudo ter sido
realizado num serviço de neurocirurgia. Foram poucos os doentes que tinham sido
submetidos a cirurgia, pelo que futuros estudos devem abranger serviços de
cirurgia.
A heterogeneidade das situações clínicas e a amplitude das idades dos doentes
observados asseguram a versatilidade da escala quanto à população alvo de
aplicação. Todavia, aconselha-se prudência na avaliação de doentes com
patologia do foro respiratório por se correr o risco de pontuar erradamente com
dor estes doentes (falsos positivos). Apesar de ser o indicador que menos se
correlaciona com todos os outros da escala e dos enfermeiros terem formação em
avaliação da dor, isso não elimina totalmente o risco de falsas interpretações.
Importa salientar que a patologia infecciosa é muito prevalente no doente idoso
e acarreta frequentemente compromisso da função respiratória, facto que ocorreu
neste estudo, apesar de excluídos os doentes cujo principal diagnóstico era a
alteração da sua função respiratória.
Mais trabalhos são necessários para avaliar as propriedades psicométricas da
PAINAD-PT, como estudos de validade de critério (doentes com e sem dor e
comparação com outras escalas); incluir outros profissionais de saúde nos
painéis de validação de conteúdo, nomeadamente médicos especialistas em
geriatria e dor; a inclusão dos familiares e/ou cuidadores principais na
avaliação da dor; estudar uma população idosa mais heterogénea e representativa
das situações clínicas com que os profissionais de saúde são confrontados; e a
utilidade clínica da PAINAD-PT.
Conclusão
A avaliação da dor é amplamente reconhecida como uma área imprescindível para a
melhoria da qualidade dos cuidados e desenvolvimento de pesquisas futuras
(Zwakhalen et al., 2006). Para o controlo efetivo da dor é condição necessária
que esta seja orientada por uma avaliação e reavaliação precisa e regular, com
uso de escalas validas e fiáveis.
O processo de validação semântica e cultural da PAINAD-PT foi fácil de obter e
revelou equivalência com a escala original quando retrovertida. A versão
Portuguesa da escala apresentou boas propriedades psicométricas, sendo válida e
fiável para uso em doentes idosos, com ou sem demência, com patologia médica e/
ou cirúrgica internados em serviços hospitalares. No entanto, requerem-se
outros estudos que avaliem a validade e fiabilidade da escala numa população
mais heterogénea e representativa das situações clínicas mais comuns em doentes
idosos internados em serviços hospitalares.
Apesar do pouco tempo que requerido na sua aplicação e das suas instruções
serem claras, é necessário formação em avaliação de dor e treino na aplicação
da escala. Particular atenção deve ser dada à interpretação dos indicadores
expressão facial, linguagem corporal e consolabilidade. A PAINAD-PT não deve
ser utilizada como primeira opção na avaliação da dor em doentes não
comunicantes verbais com menos de 65 anos, que tenham como principal
diagnóstico alterações da função respiratória, patologia neurológica (para ou
tetraplégico), estejam em ventilação mecânica e/ou sob efeito de medicação
sedante ou curarizante.