Validação preliminar de um questionário para avaliar as necessidades
psicológicas básicas em Educação Física
De acordo com Roberts (2001), existem pelo menos trinta e duas teorias
distintas sobre a motivação, sendo este um dos tópicos que os investigadores
mais têm dedicado o seu tempo e energia (Biddle & Mutrie, 2001, p.27).
Recentemente, numa revisão da literatura sobre este tema (Kingston, Harwood,
& Spray, 2006), consideraram que as teorias sociocognitivas, entre as quais
a teoria da autodeterminação, estão entre as mais populares e contemporâneas
abordagens teóricas que têm sido utilizadas para examinar os processos
motivacionais no campo da Psicologia do Desporto e do Exercício. De facto, nos
últimos anos a Teoria da Autodeterminação (TAD: Deci & Ryan, 1985), tem
sido utilizada como modelo teórico de suporte de diversos estudos, com
aplicações em vários contextos, nomeadamente, no desporto (Gagne, Ryan, &
Bargmann, 2003; Reinboth & Duda, 2006), no exercício (Edmunds, Ntoumanis,
& Duda, 2006; Hagger & Chatzisarantis, 2008) e na educação física
(Ntoumanis, 2001; Standage, Duda, & Ntoumanis, 2003, 2005).
A TAD (ver figura 1) é uma macro teoria sobre a motivação humana que se
preocupa com o desenvolvimento e funcionamento da personalidade em contextos
sociais, mais concretamente, com as causas e as consequências do comportamento
autodeterminado.
Figura 1. Teoria da Autodeterminação (TAD: Deci & Ryan, 1985) (adaptado de
Standage, Gillison, & Treasure, 2007, p.72)
De acordo com os seus autores (Ryan & Deci, 2000a, 2000b, 2007), esta
teoria diz-nos que a motivação do sujeito não está directamente relacionada com
os factores do envolvimento social, uma vez que a influência destes (clima das
aulas, comportamento dos professores) é mediada pela satisfação de três
componentes fundamentais (Ryan & Deci, 2007, p.13), ou seja, as
necessidades psicológicas básicas de autonomia (capacidade de regular as suas
próprias acções), competência (capacidade de eficácia na interacção com o
envolvimento) e relação (capacidade de procurar e desenvolver ligações e
relações interpessoais). São estas necessidades que vão determinar a regulação
do comportamento do sujeito, que assenta num continuum motivacional e oscila
entre formas menos e mais autodeterminadas do comportamento (controladoras vs
autónomas).
Segundo Ryan e Deci (2000b), os sujeitos tendem a participar mais nas
actividades quando regulam o seu comportamento para formas mais
autodeterminadas: motivação intrínseca (por prazer ou divertimento, sem
necessidade de reforço ou recompensa externa) e motivação extrínseca
identificada (pela importância pessoal de determinados aspectos, tais como a
aprendizagem de novas habilidades). Por oposição, os sujeitos tendem a
participar menos nas actividades quando regulam as suas acções para formas
menos autodeterminadas: motivação extrínseca introjectada (para evitar
sentimentos de culpa ou obter aprovação externa), motivação extrínseca externa
(para obter recompensas externas ou evitar punições) e amotivação (falta de
motivação e intencionalidade).
Em suma, de acordo com Ryan e Deci (2000a), podemos considerar que a TAD é uma
abordagem à motivação alicerçada numa meta teoria que realça a importância dos
recursos próprios do ser humano na autoregulação do seu comportamento. Esta
passa pela satisfação das necessidades psicológicas básicas de competência,
autonomia e relação, pois são elas que estão na base do comportamento
autodeterminado (regulação para formas mais intrinsecamente motivadas). Qual é
a importância deste facto? A resposta é simples: as pessoas que regulam
intrinsecamente a sua motivação, demonstram maior persistência, empenho,
esforço e prazer nas actividades que realizam (Ryan & Deci, 2000b). É por
essa razão que a aplicação da TAD ao contexto da educação física (EF) faz todo
o sentido e é de extrema pertinência. Segundo Standage, Duda e Ntoumanis
(2003), este modelo teórico pode fornecer informações importantes sobre o
processo motivacional, nomeadamente, as ligações entre a forma como os alunos
regulam o comportamento e o seu compromisso com as actividades realizadas nas
aulas de EF e também com a actividade desportiva fora da escola.
De acordo com Standage, Duda e Ntoumanis (2003, 2005), apesar da TAD ter vindo
a ser aplicada com sucesso há mais de uma década ao contexto educacional, o
mesmo não tem acontecido relativamente ao contexto da educação física escolar,
uma vez que os trabalhos nesta área têm sido escassos. Seja como for, alguns
estudos recentes aplicados ao contexto da EF (Fernandes, Vasconcelos-Raposo,
Lázaro, & Dosil, 2004; Ntoumanis, 2001, 2005; Standage, Duda, &
Ntoumanis, 2003, 2005) indicam que as formas mais autodeterminados de regulação
do comportamento são aquelas que estão relacionadas com as consequências mais
positivas, tais como: o esforço, o empenho, a felicidade e a concentração nas
aulas. Os alunos que regulam o comportamento desta forma são aqueles que
aceitam melhor as tarefas desafiadoras e demonstram intenções mais fortes de
praticar actividade física opcional dentro e fora da escola, sendo a satisfação
das necessidades psicológicas básicas (em especial da competência), o principal
mediador sobre as formas mais autónomas da motivação (motivação intrínseca e
motivação extrínseca identificada).
Por outro lado, os mesmos autores indicam que as consequências mais negativas
(aborrecimento, desilusão, embaraço e infelicidade) estão mais associadas com
as formas de regulação menos autodeterminadas. Os estudos de Standage, Duda e
Ntoumanis (2005) e Cox e Williams (2008), revelam ainda que os alunos que
percepcionam um clima de suporte das suas necessidades psicológicas básicas por
parte do professor, são aqueles que têm maiores níveis de satisfação e,
consequentemente, mais facilmente regulam o seu comportamento para formas
intrinsecamente motivadas.
No entanto, no que se refere apenas à forma como se avaliaram as necessidades
psicológicas básicas, só num dos estudos consultados (Ntoumanis, 2005), foi
utilizada uma escala de raiz (Basic Need Satisfaction Scale at Work: ver Deci,
Ryan, Gagné, Leone, Usunov, & Kornaheva, 2001), composta por 21 itens que
avaliam a percepção de competência (6 itens), de relação (8 itens) e de
autonomia (7 itens). Apesar de a escala ter sido modificada, adaptada e
validada para o contexto da EF (com recurso a uma análise factorial
confirmatória), o autor considerou que os índices de ajustamento encontrados
não eram satisfatórios (SBc² = 838.6, df = 186, p = .000; SRMR = .11; CFI =
.70; RMSEA = .10). A escala só apresentou níveis aceitáveis de ajustamento
(SRMR = .06; CFI = .93; RMSEA = .06), quando o autor procedeu à eliminação dos
itens que estavam redigidos negativamente (3 itens em cada factor).
Relativamente à fiabilidade, os níveis de consistência interna foram
considerados aceitáveis, apesar do valor da percepção de autonomia ser abaixo
de .70 (competência a = .66; autonomia a = .70; relação a = .84).
Ainda no que se refere apenas à avaliação das necessidades psicológicas
básicas, nos outros estudos consultados (Cox & Williams, 2008; Fernandes et
al., 2004; Ntoumanis, 2001; Standage, Duda, & Ntoumanis, 2003, 2005), a
estratégia encontrada pelos seus autores, para suprimir a falta de instrumentos
específico no contexto da EF, foi a utilização de subescalas adaptadas de
outros questionários e/ou o desenvolvimento de itens específicos para esse
efeito.
No caso do estudo realizado por Ntoumanis (2001), foram utilizados os 5 itens
(modificados para o contexto da EF) da subescala da competência do Intrinsic
Motivation Inventory (IMI): desenvolvido originalmente por Ryan (1982) e
aplicado ao contexto do desporto por McAuley, Duncan e Tammen (1989), e
desenvolvidos dois conjuntos de 2 itens para avaliar a percepção de autonomia e
de relação. No entanto, os valores da consistência interna encontrados
revelaram-se inadequados em algumas das subescalas (competência a = .85;
autonomia a = .43; relação a = .65). O autor atribuiu este facto ao reduzido
número de itens em cada uma delas, o que na sua opinião pode ter conduzido a
uma subestimação do valor do alfa de Cronbach.
Por outro lado, Standage et al. (2003), para além de utilizarem também os 5
itens modificados da subescala da competência do IMI, utilizaram ainda 5 itens
modificados de uma das subescalas do Need for Relatedness Scale (NRS)
desenvolvida originalmente para o contexto do trabalho (Richer & Vallerand,
1998), para avaliar a percepção de relação, e outros 5 itens para avaliar a
percepção de autonomia, que resultaram do trabalho anterior de Ntoumanis (2001)
e de outro estudo não publicado. Os valores da consistência interna encontrados
revelaram-se aceitáveis em todas as subescalas (competência a = .85; autonomia
a = .81; relação a = .81). O mesmo aconteceu noutro estudo dos mesmos autores
(Standage et al., 2005), no qual foram utilizados os mesmos instrumentos de
medida. Neste caso, também obtiveram resultados de consistência interna muito
semelhantes (competência a = .87; autonomia a = .80; relação a = .87), apesar
de ter sido introduzido um novo item (cotado inversamente) na subescala de
avaliação da percepção de autonomia.
No trabalho realizado por Cox e Williams (2008), para avaliar a percepção de
competência, foram utilizados 6 itens de uma escala de competência atlética
para crianças modificados para o contexto da EF que, segundo os autores, foi
desenvolvida por Harter em 1985. Para avaliar a percepção de autonomia, foram
utilizados apenas 4 itens do estudo de Standage et al. (2003), uma vez que
houve a necessidade de eliminar um dos itens por apresentar uma baixa
correlação item-factor. Para avaliar a percepção de relação, foram utilizados 7
itens igualmente modificados para o contexto da EF, da Psychological Sense of
School Membership Scale (PSSMS: Goodenow, 1993). Neste último caso, os autores
realizaram uma análise factorial exploratória para validar a escala, e
decidiram retirar dois itens por apresentarem baixos pesos factoriais no
respectivo factor. No final, os valores da consistência interna encontrados
revelaram-se adequados (competência a = .77; autonomia a = .69; relação a =
.78).
Por último, num dos primeiros estudos realizados em Portugal (Fernandes et al.,
2004), em que se utilizou (entre outras variáveis) a avaliação das necessidades
psicológicas básicas dos alunos no contexto da EF, no qual participaram 1099
estudantes dos 14 aos 16 anos de idade, os instrumentos de medida utilizados
foram os mesmos do estudo de Ntoumanis (2001), após a sua tradução e adaptação
para a língua Portuguesa. Assim sendo, neste trabalho os autores utilizaram os
5 itens da subescala da competência do IMI e utilizaram os dois conjuntos de 2
itens desenvolvidos por Ntoumanis (2001) para avaliar a percepção de autonomia
e de relação, obtendo os seguintes valores de consistência interna: competência
a = .86; autonomia a = .38; relação a = .58, que são semelhantes aos valores
obtidos no estudo de Ntoumanis (2001).
Assim sendo, como em Portugal não existe ainda nenhum instrumento de medida
específico para este fim, o objectivo principal deste estudo é a validação
preliminar da adaptação para o contexto da Educação Física Escolar, da versão
Portuguesa (BPNESp: Moutão, Cid, Leitão, Alves, & Vlachopoulos, 2009) da
Basic Psychological Needs Exercise Scale (BPNES: Vlachopoulos &
Michailidou, 2006), determinando as suas qualidades psicométricas iniciais
através do recurso à análise factorial exploratória do modelo que a suporta.
MÉTODO
Amostra
O nosso estudo contou com a participação de 150 alunos (n = 150), de ambos os
géneros (80 femininos; 70 masculinos), do 2º e 3º Ciclos do Ensino Básico
Público (46 do 6º Ano; 40 do 7º Ano; 35 do 8º Ano; 29 do 9º Ano), com uma média
de idades de 13.39 ± 1.44 anos (entre os 11 e 16 anos).
Relativamente à prática de actividade desportiva no âmbito escolar, e para além
de todos frequentarem de forma assídua as aulas de EF, podemos dizer que apenas
12 alunos participavam regularmente nas actividades do Desporto Escolar (DE),
nas modalidades de Andebol (n = 4) e Basquetebol (n = 8), às quais dedicavam 1
a 2 treinos por semana, que correspondia a uma média de 57.50 ± 20.06 minutos
de prática por semana (entre 45 a 90 minutos), sendo a sua experiência neste
tipo de actividade, muito variada em termos temporais: de 4 a 48 meses (M=
14.67, DP= 3.19).
No que diz respeito ao seu envolvimento em outras actividades físico-
desportivas extra-escolares, 56 alunos afirmaram que praticavam desporto fora
da escola (15 Futebol; 1 Hóquei; 18 Natação; 5 Basquetebol; 5 Artes Marciais; 2
Patinagem; 6 Ginástica; 1 Atletismo; 2 Dança; 1 Triatlo). Em média tinham 2.57
± 1.06 treinos por semana (entre 1 a 6), que correspondia a uma média de 81.43
± 24.58 minutos de prática semanal (entre 30 a 150). A sua experiência, em
termos temporais, variava entre 1 a 120 meses (M = 35.64, DP = 29.52).
Instrumentos
O instrumento original, designado de Basic Psychological Needs in Exercise
Scale (BPNES), foi desenvolvido por Vlachopoulos e Michailidou (2006), e é
constituído por 12 itens aos quais se responde numa escala do tipo Likert de 5
níveis, que variam entre 1 (discordo totalmente) e o 5 (concordo
totalmente). Os itens agrupam-se posteriormente em 3 dimensões (com 4 itens
cada), que reflectem as necessidades psicológicas básicas da teoria da
autodeterminação (TAD: Deci & Ryan, 1985): autonomia, competência e
relação.
A versão Portuguesa do questionário (BPNESp) foi traduzida e validada
preliminarmente (análise factorial exploratória) por Moutão, Cid, Leitão e
Alves (2008), sendo a sua estrutura confirmada posteriormente (análise
factorial confirmatória) por Moutão et al. (2009).
Para o presente trabalho foi utilizada uma adaptação para o contexto da
Educação Física, da versão portuguesa do BPNESp, que passará a ser designada
por BPNPES (Basic Psychological Needs in Physical Education Scale '
Questionário de Avaliação das Necessidades Psicológicas Básicas em Educação
Física).
Procedimentos
Recolha de dados
Após os conselhos executivos das escolas serem informados sobre os objectivos
do trabalho e obtido a respectiva autorização para a realização do mesmo,
contactou-se, através das respectivas directoras de turma, todos os
encarregados de educação dos alunos envolvidos, de modo a obter o consentimento
por escrito para que os seus educandos fizessem parte do estudo.
O instrumento de avaliação foi aplicado sempre em locais e condições
semelhantes a todos os participantes, ou seja, em salas de aula e em turmas
constituídas no máximo por 25 alunos, onde foram garantidas as condições
adequadas para que os indivíduos não se sentissem estranhos com a situação e,
ao mesmo tempo, pudessem estar concentrados durante o preenchimento dos
questionários.
Para promover a honestidade nas respostas toda a informação foi recolhida de
forma anónima. Desta forma, ficou garantida a confidencialidade dos dados,
assegurando que os mesmos não seriam, em momento algum, transmitidos
individualmente a terceiros.
Adaptação do questionário ao contexto da Educação Física
O processo de adaptação do questionário para o contexto da EF foi realizado
através das seguintes etapas, num processo de validação facial (avaliação do
conteúdo dos itens e o seu nível de ajustamento às respectivas dimensões),
baseado nas propostas metodológicas utilizadas por diversos autores (Newton,
Duda, & Yin, 2000; Ntoumanis & Vazou, 2005; Papaioannou, 1994, 1998;
Seifriz, Duda, & Chi, 1992):
1) Elaboração da 1ª versão da adaptação do questionário ao contexto da EF:
realizada pelos investigadores;
2) Avaliação da 1ª versão da adaptação: realizada individualmente por 5
professores de Educação Física em exercício pleno da sua actividade
profissional. Dos comentários e sugestões apresentados, resultou uma segunda
versão da adaptação;
3) Avaliação da 2ª versão da adaptação: realizada por um painel de 5
especialistas em Psicologia do Desporto (3 com formação inicial em Educação
Física e Desporto e 2 com formação inicial em Psicologia), da qual resultou a
versão final do instrumento, sendo mantidos os seus 12 itens. Nesta etapa, foi-
lhes pedido que associassem os itens às respectivas dimensões (autonomia,
relação e competência), e classificassem o seu grau de ajustamento à mesma,
através de uma escala que variava entre o 1 (muito mau ajustamento e o 5
(muito bom ajustamento). Os critérios de retenção dos itens foram: i)
avaliação unânime por parte dos especialistas, ii) nível de ajustamento à
dimensão 4 (bom Ajustamento) e 5 (muito bom ajustamento);
4) Posteriormente, a versão final do questionário foi aplicada a 70 alunos do
2º e 3º Ciclos do Ensino Básico para testar a sua adequação ao contexto e
compreensibilidade por parte da população alvo (estudo piloto). Uma vez que não
se verificaram problemas de maior no que diz respeito à compreensão do conteúdo
(valor lexical e semântico) dos itens, deu-se por terminada esta etapa. Por
último, procedeu-se ainda a uma revisão final do Português (tarefa realizada
por 2 professores de português).
Análise Factorial Exploratória (AFE)
Em primeiro lugar, convém referir que o número de sujeitos utilizados no nosso
estudo respeita o rácio de 10 : 1 (nº de sujeitos por cada item do
questionário), valor que é recomendado para a realização de uma análise
factorial exploratória (Hair, Black, Babin, Anderson, & Tatham, 2006; Hill
& Hill, 2002; Kahn, 2006; Worthintgton & Whittaker, 2006). Em termos
práticos, com um instrumento de 12 itens, seriam necessários no mínimo 120
sujeitos.
Assim sendo e à semelhança dos procedimentos adoptados na validação preliminar
do questionário, quer da versão original (BPNES: Vlachopoulos &
Michailidou, 2006), quer da versão portuguesa (BPNESp: Moutão et al., 2008),
recorremos à análise factorial exploratória (AFE), realizada no SPSS 15.0, para
determinar o número de factores a reter na solução inicial, o número de itens
que lhes estão associados e a consistência interna dos mesmos.
Em termos práticos, a AFE torna possível que uma grande quantidade de variáveis
seja reduzida a factores (Leitão, 2002; Moreira, 2004; Pestana & Gajeiro,
2005), ou seja, ao explorar as correlações entre as variáveis observáveis
(itens do questionário), permite o seu agrupamento em dimensões (variáveis
latentes ' as 3 necessidades psicológicas básicas), estimando o número de
factores que são necessários para explicar os dados, bem como, as relações
estruturais que os ligam às variáveis observáveis (Maroco, 2007). Segundo
Leitão (2002), este tipo de análise (também conhecida por análise das
componentes principais) é bastante utilizada quando os investigadores não têm a
priori qualquer suposição acerca da natureza da estrutura factorial dos seus
dados. No entanto, também é bastante comum mesmo quando existem indicações
sobre os factores que são fornecidas pelos modelos (como é o nosso caso).
De acordo com vários autores (Hill & Hill, 2002; Maroco, 2007; Pestana
& Gajeiro, 2005; Worthington & Whittaker, 2006), deve existir uma
correlação elevada entre as variáveis para que a AFE tenha utilidade na
estimação de factores comuns, sendo a medida da adequação da amostragem de
Kaiser-Meyer-Olkin (teste KMO) e o teste de esfericidade de Bartlett, aqueles
que são mais utilizados, pois permitem aferir a qualidade das correlações de
forma a prosseguir ou não com a análise factorial.
Para tal, é recomendado que o valor do teste de KMO seja superior a .6 e que o
valor do teste de Bartlett seja significativo, o que no nosso caso foi cumprido
(KMO = .810; Teste Bartlett p = .000).
Assim sendo, a estrutura factorial da adaptação do questionário foi examinada
através da AFE, utilizando o método de extracção das componentes principais
(principal components), seguido da rotação dos factores para que se possa obter
uma solução factorial mais clara e objectiva, maximizando assim os pesos
factoriais dos itens (Brown, 2006). No caso concreto do presente estudo, é
aconselhado o método de rotação oblíqua (Promax Rotation), uma vez que, tendo
em linha de conta o modelo teórico de suporte (teoria da autodeterminação),
pressupõem-se que os factores (autonomia, competência e relação) estejam
correlacionados entre si (Henson & Roberts, 2006; Kahn, 2006; Preacher
& MacCallum, 2003; Worthington & Whittaker, 2006). De acordo com Brown
(2006) e Kahn (2006), o método de rotação oblíquo é sempre a melhor escolha,
principalmente quando se trata de modelos multifactoriais.
Seguindo as orientações de diversos autores (Blunch, 2008; Brown, 2006; Hair et
al., 2006; Henson & Roberts, 2006; Kahn, 2006; Preacher & MacCallum,
2003; Worthington & Whittaker, 2006), os critérios de determinação dos
factores utilizados foram:
1) Critério de Kaiser: Factores com valor próprio igual ou superior a 1
(eigenvalue ≥ 1.0);
2) Peso factorial dos itens igual ou superior a .5 (factor loadings ≥ .50);
3) Inexistência de itens com pesos factoriais com alguma relevância (factor
loadings >.30) em mais do que um factor. Se isso acontecer e se a diferença
entre eles não for significativa (cross-loadings ≤.15), o item deve ser
eliminado;
4) A percentagem da variância explicada pelos factores retidos deve ser no
mínimo de pelo menos 40%;
5) A consistência interna do factor deve ser igual ou superior a .70 (alfa de
Cronbach ≥ .70);
6) A consistência interna do factor não deve aumentar se o item for eliminado;
7) Só devem ser retidos os factores com pelo menos 3 itens.
Esta metodologia, que engloba a maioria dos critérios mencionados, tem sido
utilizada em Portugal por diversos autores no processo de validação de
instrumentos de avaliação na área da Psicologia aplicada ao Desporto e ao
Exercício (Borrego & Alves, 2006; Cid, Alves, & Dosil, 2008a; Cid,
Leitão, & Alves, 2008b; Fernandes, Lázaro, & Vasconcelos-Raposo, 2005;
Fonseca & Brito; 2001a, 2001b, 2005; Fonseca & Fox, 2002; Lourenço
& Alves, 2003; Serpa, 1996).
Apresentação e Discussão dos Resultados
De acordo com o quadro 1, referente à análise descritiva dos resultados,
podemos verificar que, para além dos sujeitos não terem utilizado todos os
níveis de resposta disponíveis nos itens 9 e 10, o valor médio das respostas a
cada um dos itens variou entre 2.99 ± 1.01 (item 6) e 4.31 ± .89 (item 5).
Quadro 1
Análise descritiva das respostas aos itens do BPNPESp
Através da análise do quadro 1, podemos ainda constatar que as respostas a
diversos itens (1, 2, 3, 4, 5, 8, 11), não têm uma distribuição normal
univariada, uma vez que o valor estandardizado (valor Z) das medidas de
assimetria (skewness) e achatamento (kurtosis) se situam fora dos intervalos -
1.96 e 1.96 (para p < .05).
Assim sendo, segundo Pestana e Gajeiro (2005) e Maroco (2007), os itens
mencionados apresentam uma distribuição assimétrica negativa (enviesada à
direita ' predominância dos valores mais elevados da variável) e leptocúrtica
(menos achatada ' valores mais concentrados), revelando que os participantes
apresentam uma tendência para valorizar os itens do questionário. Este facto,
parece demonstrar que é atribuída importância à satisfação das 3 necessidades
psicológicas básicas.
No quadro 2 são apresentados os resultados relativos à solução inicial da
estrutura do questionário que foram encontrados com o recurso à AFE, onde são
indicados apenas os pesos factoriais (factor loadings) relevantes e
considerados como valor mínimo para poderem ser interpretados, ou seja, .30
(Hair et al., 2006; Kahn, 2006; Worthington & Whittaker, 2006).
Quadro_2
Análise factorial exploratória (com rotação oblíqua Promax) do BPNPESp
Como podemos observar, no quadro 2 são indicados os resultados das
comunalidades (communalities ' proporção da variância de cada item que é
explicada pelo conjunto dos 3 factores extraídos), da matriz de configuração
(pattern matrix ' que indica a contribuição única de cada item para o factor) e
da matriz de estrutura (structure matrix ' que para além de indicar a
contribuição de cada item para o factor, tem em linha de conta também a relação
existente entre os factores) (Cramer, 2003; Hair et al., 2006). Apesar de não
ser consensual qual das matrizes deva ser utilizada, é a matriz de
configuração aquela que mais frequentemente é interpretada e reportada na
investigação aplicada (Brown, 2006, p. 33). Segundo os mesmos autores, os
resultados da matriz de estrutura tendem a ser sobrestimados à medida que as
correlações entre factores aumentam. Assim sendo, iremos optar por analisar
apenas a matriz de configuração, na medida em que as correlações entre os 3
factores, segundo Pestana e Gajeiro (2005) são baixas (situam-se entre .20 e
.40 ' Relação-Competência: r = .34; Relação-Autonomia: r = .27; Competência-
Autonomia: r = .25).
A solução inicial preconizada pela AFE, de uma forma geral, apresenta uma
estrutura concordante com o modelo original para o contexto do exercício
(Vlachopoulos & Michailidou, 2006). De facto, o resultado da análise,
realizada à adaptação do questionário para o contexto da Educação Física
(BPNPES), dá suporte ao modelo teórico, uma vez que o agrupamento dos itens
indica uma estrutura de 3 factores com valores próprios acima de 1,
nomeadamente, 4.39 para o factor Relação (itens 2, 5, 8, 11), 1.93 para o
factor Competência (itens 1, 4, 7, 10) e 1.66 para o factor Autonomia
(itens 3, 6, 9, 12), que justificam no seu conjunto 66.51% da variância total
dos resultados. De acordo com Hair et al. (2006), este valor é considerado
muito satisfatório para os estudos na área das ciências sociais.
Relativamente aos resultados das comunalidades, todas atingiram valores
bastante aceitáveis (Hair et al., 2006: acima de .50), o que indica que uma boa
parte da variância dos resultados de cada item é explicada pela solução
factorial encontrada. A única excepção é o item 9 (comunalidade = .44), cujo
valor indica que existe uma fraca correlação do item 9 com os 3 factores da
solução encontrada, o que é um primeiro sinal de que a sua eliminação deve ser
considerada. No entanto, alguns autores (Worthington & Whittaker, 2006), só
colocam essa hipótese se os valores forem inferiores a .40 (o que não se
verifica neste caso).
No que respeita aos pesos factoriais dos itens nos respectivos factores, e
tendo em linha de conta os resultados da matriz de configuração do quadro_2
(embora os resultados da matriz de estrutura sejam semelhantes), todos
apresentam valores acima de .50, que foi o valor critério estabelecido, pese
embora o facto de que, segundo Hair et al. (2006), para uma amostra com 150
sujeitos possamos considerar como significativos todos os pesos factoriais
acima de .45. Assim, e com excepção do item 9 (peso factorial = .36 ' o que é
um segundo sinal de que se deve ter em consideração a eliminação deste item),
todos os restantes têm pesos factoriais que variam entre .70 e .93 (factor
Relação: entre .81 e .93; factor Competência: entre .76 e .84; factor
Autonomia: entre .70 e .84), o que é considerado excelente (Tabachnick &
Fidell, 1989). Vários autores (Hair et al., 2006; Kahn, 2006; Worthington &
Whittaker, 2006) indicam.30 como valor mínimo para que um item seja retido,
cabendo essa decisão ao investigador (Tabachnick & Fidel, 1989). Para tal,
deve ser levado em linha de conta o seu interesse em manter ou não as variáveis
(Kahn, 2006), e, principalmente, o modelo teórico subjacente (Henson &
Roberts, 2006).
Por último, ao analisar os pesos factoriais dos itens em todos os factores,
verificamos a existência de um cross-loading do item 9, ou seja, este item
apresenta um peso factorial relevante em dois factores (Autonomia = .36;
Competência = .48), exibindo o valor mais baixo no factor onde em teoria
deveria ter mais peso (autonomia). Seguindo as orientações de Brown (2006) e
Worthington e Whittaker (2006), reflectidas nos critérios anteriormente
estabelecidos, a eliminação dos itens com cross-loadings deve ser equacionada,
especialmente nos casos em que a diferença entre pesos factoriais é inferior a
.15, como se verifica no caso do item 9. No entanto, Worthington e Whittaker
(2006), também aconselham alguma prudência em usar este critério para
justificar a eliminação dos itens até que seja encontrada uma solução final.
Para alem disto, se analisarmos a matriz de estrutura, verificamos, apesar de
se manter o cross-loading, que o item 9 mantém um peso factorial significativo
no factor onde é suposto pertencer ( .48). No presente estudo, tudo indica que
existe uma forte relação deste item com o factor Competência, o que leva a
crer que os sujeitos ao responderem a esta questão a interpretam como tal.
Ao analisarmos os resultados do quadro 3, verificamos que o alfa de Cronbach
apresenta bons valores de consistência interna nos 3 factores (Hill & Hill,
2000; Hair et al, 2006): factor Relação (a = .90 ' muito boa), factor
Competência (a = .81 ' boa) e factor Autonomia ( a = .68 ' razoável).
Quadro 3
Análise da consistência interna do BPNPES
Apesar de na generalidade dos casos se estabelecer o valor.70 como critério
para uma razoável consistência interna, podemos aceitar valores até.60, em
especial se estamos a realizar uma análise exploratória (Hair et al., 2006).
Esta não deixa de ser mais uma chamada de atenção para a necessidade de uma
reflexão sobre o factor Autonomia, em especial sobre a adequabilidade do item
9, uma vez que a sua eliminação contribui para o aumento da consistência
interna do factor, ainda que de forma muito ligeira (ver quadro 3).
Por outro lado, as correlações entre os itens e os respectivos factores também
podem ser consideradas de moderadas a altas (Pestana & Gajeiro, 2005) e com
excepção do item 9 (r = .35 ' correlação baixa) todas as correlações variam
entre.44 e .84. Inclusivamente, segundo Hair et al. (2006), todas as
correlações item-factor acima de .50 podem ser consideradas como um bom sinal
de consistência interna, e como se pode observar, na generalidade (10 dos 12
itens) estes resultados excedem esse valor.
Em suma, se analisarmos os resultados apresentados, quer da análise factorial
exploratória, quer da consistência interna, à luz dos critérios de determinação
dos factores estabelecidos, podemos afirmar que a adaptação do questionário ao
contexto da educação física possui excelentes qualidades psicométricas
iniciais. E, assim sendo, na nossa opinião, a sua estrutura deve ser mantida de
acordo com o modelo original (Vlachopoulous & Michailidou, 2006), que está
subjacente à teoria da autodeterminação (Deci & Ryan, 1985).
No entanto, dados os problemas encontrados com o item 9, nomeadamente: peso
factorial abaixo no factor Autonomia ( .36); existência de cross-loading com
o factor Competência com um peso factorial de .48 (diferença inferior a .15);
a consistência interna do factor Autonomia aumenta ligeiramente se o item for
eliminado (passa de .68 para .69); a baixa correlação item/factor ( .35),
podermos equacionar a hipótese de eliminação do item em questão. Esta foi a
solução encontrada pelos autores da versão Portuguesa do questionário para o
contexto do exercício, uma vez que o mesmo item 9, também apresentou alguns
problemas (ver Moutão et al., 2008, 2009).
Na nossa opinião, a solução de eliminação do item só deve ser fortemente
equacionada depois da realização da análise factorial confirmatória (próxima
etapa da validação do questionário), caso se verifique que os mesmos problemas
persistem.
Por isso, nesta fase preliminar, propomos apenas a revisão do valor semântico-
lexical do item ' as actividades que realizo são aquelas com que mais me
identifico, alterando-o para as actividades que realizo representam bem
aquilo que eu quero fazer, uma vez que a primeira forma não está a ser
compreendida pelos alunos como uma questão que avalia exclusivamente a
autonomia, e por isso é que apresenta também uma correlação elevada com a
dimensão da competência.
CONCLUSÕES
Tendo em consideração o objectivo proposto para este trabalho, sobre a
validação preliminar da adaptação para o contexto da Educação Física da versão
Portuguesa da Basic Psychological Needs in Exercise Scale (BPNPES), que nesta
adaptação ao contexto da educação física, passará a ser designada por
Questionário de Avaliação das Necessidades Psicológicas Básicas em Educação
Física ' Basic Psychological Needs in Physical Education Scale (BPNPES ' ver
apêndice), podemos concluir, que as suas qualidades psicométricas iniciais
comprovam a adequação da adaptação efectuada, demonstrando que a sua estrutura
factorial possui índices bastante aceitáveis de validade e de fiabilidade.
Assim sendo, parece-nos razoável afirmar que a BPNPES poderá ser utilizada, com
alguma confiança, na avaliação das necessidades psicológicas básicas dos alunos
no contexto da educação física escolar. No entanto, dados os problemas
encontrados com o item 9, consideramos fundamental a continuação dos estudos
que aprofundem a validade factorial deste instrumento de medida. Por isso,
sugerimos que a próxima etapa seja a confirmação do modelo através da análise
factorial confirmatória (que se encontra já em fase de preparação), na qual
deverá ser testada a nova versão proposta para o item 9.