Efeitos de terapêuticas respiratórias e actividade física nas pressões
respiratórias máximas de mulheres obesas
A obesidade é uma comorbidade que está relacionada com enfermidades
degenerativas do sistema circulatório e distúrbios metabólicos. De igual forma,
o excesso de tecido adiposo promove complicações sobre o sistema respiratório
(Guimarães, Avezum, & Piegas, 2006; Rocca, Tirapegui, Melo, & Ribeiro,
2008; Romero & Zanesco, 2006), causando alterações negativas na mecânica
ventilatória de indivíduos obesos. Vários são os autores que apontaram que as
pressões estáticas máximas, inspiratória (PImáx) e expiratória (PEmáx) de
obesos quando comparadas às de indivíduos não obesos é significativamente menor
(Paisani, Chaivegato, & Faresin, 2005).
A questão a ser respondida sobre a redução das capacidades respiratórias, em
decorrência da adiposidade, é qual a estratégia que deve ser aplicada na
reabilitação e na manutenção da integridade do sistema respiratório. Para Maeda
(2004), a redução das capacidades pulmonares e da complacência se relaciona com
o aumento da resistência gerada pelo tecido adiposo em torno das costelas,
abdómen e diafragma. A sobrecarga, ocasionada na musculatura respiratória,
provoca a necessidade de um esforço superior para manter a ventilação adequada.
O facto anteriormente referido, é apontado por Domingos (2003) como umas das
causas da necessidade de se estudar a mecânica ventilatória em homens obesos.
Entre os métodos que podem ser aplicados, na prevenção primária e/ou secundária
das complicações respiratórias, destaca-se o uso da inspirometria de incentivo.
A terapêutica, anteriormente referida, tem por objectivo estimular a mecânica
respiratória, ocasionando melhorias na distribuição do volume pulmonar, devido
ao fortalecimento da musculatura respiratória, permitindo, assim, incrementos
ventilatórios na sua totalidade (Romanini et al., 2007). Ressalta-se que o
método em voga está entre os procedimentos pré-operatório em cirurgia
bariátrica ou como método preventivo para complicações pós-operatório torácicas
e abdominais (Romanini et al., 2007).
Outra possível linha de intervenção é a utilização de programas
multidisciplinares de reabilitação cardiopulmonar com o objectivo de promover
mudanças comportamentais não procurando obter somente os seus efeitos agudos,
estabelecendo, assim, um novo estilo de vida (Godoy, Teixeira Paulo, Becker
Júnior, Michelli, & Godoy, 2009). Embora o método de inspirometria de
incentivo e os programas multidisciplinares de reabilitação cardio-pulmunar
tenham objectivos similares, há uma recuperação das capacidades funcionais em
períodos distintos. O primeiro tem como finalidade aprimorar as capacidades
respiratórias para procedimento cirúrgico, enquanto o outro procura atender
aspectos mais amplos que levam à melhoria global do indivíduo portador de
obesidade. Assim, o presente estudo teve por objectivo verificar os efeitos de
diferentes terapêuticas nas pressões respiratórias estáticas máximas em
mulheres obesas.
MÉTODO
O desenho do estudo aplicado foi do tipo quase-experimental, tendo uma
característica longitudinal.
Amostra
O estudo contou com uma amostra de 51 mulheres obesas com idade entre 18 e 75
anos, voluntárias, divididas em três grupos: grupo 1: sedentárias (G1, n = 19);
grupo 2: fisicamente activas (G2, n = 13) e grupo 3: reabilitação pulmonar (G3,
n = 20). As voluntárias receberam os esclarecimentos pertinentes sobre os
riscos e benefícios do projecto e foram convidadas a assinar o termo de
consentimento livre esclarecido. Este estudo foi aprovado pelo comité de ética
da instituição (protocolo nº 0052/2007).
Procedimentos
Após a assinatura, as voluntárias foram submetidas a uma entrevista e à
mensuração dos parâmetros massa corporal e estatura, usando uma balança digital
(Toledo® - Brasil), com limite de 150 kg e acuidade de 50 g, e um estadiómetro
com a escala em centímetros, respectivamente. Através dos parâmetros,
anteriormente referidos, foi determinado o índice de massa corporal (IMC).
Após a determinação dos parâmetros antropométricos, foram realizadas as
mensurações da pressão inspiratória máxima (PImáx) e pressão expiratória máxima
(PEmáx), com uso de um manovacuômetro (Gerar Ind., Brasil) com limite
operacional de −300 a +300 cmH2O. Os testes foram executados estando o
indivíduo na posição sentado, com o tronco formando um ângulo de 90º com a
articulação coxo femoral, de acordo com as directrizes da Sociedade Brasileira
de Pneumologia e Tisiologia (SBPT, 2002). Para realização dos testes de função
pulmonar, as narinas encontravam-se ocluídas com clipe nasal. Ao manovacuômetro
estava acoplado uma traqueia de plástico de 15 cm, à qual se encontrava
encaixada o bocal. Os indivíduos foram instruídos sobre os procedimentos para
execução das medidas, em seguida realizaram um treinamento para adaptação ao
equipamento. Depois do devido entendimento do exame, por parte do indivíduo,
foi realizada a mensuração. A PImáx foi medida com o indivíduo realizando uma
expiração forçada, até o volume residual (VR), seguida de uma inspiração até a
capacidade pulmonar total (CPT), sustentada por três segundos. Para a obtenção
da PEmáx realizou-se uma inspiração profunda, até à CPT, seguida de uma
expiração forçada máxima até ao VR contra a via aérea ocluída, mantendo a mesma
por três segundos. O coeficiente de variação admitido para a PImáx e PEmáx foi
de 10.2% e 12.8%, respectivamente (Parreira et al., 2007). Exigiu-se que as
pressões fossem mantidas estáveis durante dois segundos (SBPT, 2002). O
intervalo de tempo entre as medidas foi determinado de acordo com as
necessidades de cada indivíduo, porém com o mínimo de trinta segundos entre uma
manobra e outra. Para a análise dos dados foi considerado apenas o maior valor
aferido para cada PImáx e PEmáx, descartando-se os outros valores.
Protocolo de Intervenção
Após os procedimentos de avaliação, todos os grupos foram submetidos aos
protocolos de intervenção. Para o G1 e G2 foi aplicada a terapêutica do
incentivador respiratório por um período de 7 dias, realizando três vezes ao
dia, com três séries de dez repetições, totalizando 90 repetições diárias
(Azeredo, 2000; Godoy et al., 2009). Para o efeito, os voluntários levaram o
incentivador respiratório para casa e no final do protocolo proposto entregaram
a ficha de controle. O G3 foi submetido a um programa de treino composto de
exercícios aeróbios com intensidade de 70% da frequência cardíaca de reserva e
exercícios resistidos para grandes grupos musculares (American College of
Sports Medicine ' ACSM, 2007). As sessões de treino foram realizadas com uma
frequência semanal de três vezes, com uma duração de 60 minutos e por um
período de 12 semanas. No programa, deste grupo, foi ainda incluído exercícios
de alongamentos associados a exercícios respiratórios. Ao término da aplicação
dos protocolos, a amostra foi reavaliada.
Análise estatística
Após confirmação dos pressupostos de normalidade das variáveis em estudo pelo
teste Kolmogorov-Smirnov, foi efectuada a comparação das médias pela análise de
variância (ANOVA) com Post-Hoc de Tukey. Para verificar os efeitos dos
procedimentos terapêuticos dentro do mesmo grupo foi aplicado o teste t para
amostras emparelhadas. Foram ainda investigadas associações entre variáveis com
o coeficiente de correlação de Pearson. O nível mínimo de significância
adaptado foi de 5%. Os resultados são apresentados como médias e desvios-padrão
(DP).
RESULTADOS
A comparação dos valores médios para as variáveis antropométricas massa
corporal, estatura e IMC não foram diferentes significativamente entre os
grupos (p > .05) no período pré-terapêutica, assim como os valores médios para
PImáx e PEmáx (tabela 1). No entanto, observou-se que a idade média de G3
(48.75 ± 13.71 anos) foi estatisticamente diferente, F(2, 5.37) = 625.87, p =
.008, quando comparado ao G1 (57.37 ± 8.10 anos) e ao G2 (60.31 ± 8.94 anos). A
média da estatura para os grupos G1, G2 e G3 foram 1.52 ± .04, 1.53 ± .06 e
1.55 ± .05, respectivamente.
Tabela_1
Valores médios (M) e desvio padrão (DP) para mulheres obesas pré e pós
aplicação de diferentes terapêuticas
A análise dos resultados no período pós-terapêutico demonstrou que as
actividades desenvolvidas não desencadearam estímulos suficientes para promover
alterações significativas na massa corporal das voluntárias, porém, o IMC do G1
foi significativamente diferente em relação aos G2 e G3, F(2, 3.51) = 117.03, p
= .03 (ver tabela 1). Quanto aos valores observados para a PImáx e PEmáx pós-
terapêutica não foi constatado que a prática de actividades físicas, realizadas
sem uma planificação das intensidades, tenha influência nos ganhos do G2. O que
se constatou, após decorrido os programas terapêuticos, foi que a homogeneidade
entre os grupos permaneceu. Onde observa-se os respectivos valores, F(2, 2.81)
= 925.16, p = .07 e, F(2, .76) = 460.54, p = .47.
Ao serem comparadas as médias obtidas intra-grupo após 12 semanas de programa
de reabilitação pulmonar e de 7 dias de aplicação do incentivador respiratório,
observa-se um ganho tanto para a PIMax, como para a PEmáx nos grupos G1 e G2.
Comportamento similar foi observado para o grupo G3, demonstrado a eficácia das
terapêuticas na melhoria das respectivas pressões estáticas (tabela 1).
Ao se correlacionar as variáveis antropométricas e as pressões respiratórias
estáticas máximas observou-se que as mesmas não apresentaram correlações
significativas no período pré-tratamento. No entanto, no período pós-
tratamento, foram confirmados valores de correlação fracos entre a PImax e IMC
(r = −.33, p = .01) para todos os grupos.
DISCUSSÃO
A obesidade é uma enfermidade de dimensões socioculturais que deve ser
analisada dentro da sua complexidade. Permitindo, assim, a aplicação de métodos
que procurem explicar o comportamento ou influência de cada variável a ela
relacionada. Talvez, ao se adaptar uma estratégia que permita estabelecer ou
adequar protocolos de intervenção individualizados, possa-se hoje obter
melhores respostas (Goldberger et al., 2002; Pakenas, Souza Junior, &
Pereira, 2007). No entanto, a aplicação da teoria da complexidade, ao se tentar
estabelecer a geometria fractal, pode ser vista como um problema maior em
função da flutuação sociocultural da enfermidade dentro do seu eixo etiológico
(Pakenas et al., 2007) já que suas multifaces implicariam em incontáveis
variáveis intervenientes (Cataneo, Carvalho, & Galindo, 2005; Ferreira
& Magalhães; 2005; Pitanga & Lessa, 2005).
O presente estudo teve por objectivo verificar os efeitos de diferentes
terapêuticas sobre as pressões respiratórias estáticas máximas em mulheres
obesas. Foram aplicados procedimentos que resultaram em alterações positivas na
mecânica respiratória e que permitissem o restabelecimento dos parâmetros
funcionais como respostas aos protocolos aplicados. Sem que contudo, fossem
alterados aspectos morfológicos na amostra. Deve-se salientar que os resultados
do IMC obtidos, no presente estudo, encontram-se acima, quando comparados aos
descritos para mulheres com média de idade de 68.91 ± 5.43 anos, residentes na
cidade de São Paulo (Barbosa, Santarém, Jacob Filho, & Marucci, 2001), o
que corrobora com os estudos de Menezes e Marucci (2007) e Rezende, Rosado,
Priore e Franceschini (2006) que apontam a influência direta da cultura no
âmbito da alimentação em imigrantes nordestinos nas favelas da cidade do Rio de
Janeiro. Dentro desta perspectiva, as voluntárias do presente estudo residem na
cidade de Natal ' RN, o que permite inferir que tais hábitos alimentares
estejam ligados aos valores obtidos para IMC.
O ponto de relevância a ser destacado, no presente estudo, é a redução do IMC
no grupo G3, resultados que divergem dos apresentados no estudo de Barbosa et
al. (2001), onde mulheres idosas saudáveis foram submetidas ao programa de
treino resistido por 10 semanas, com uma frequência de três dias, e não
apresentaram alterações significativas nas dimensões corporais após o período
de treino. O que poderia explicar os resultados observados nesse estudo seria a
combinação de actividades aeróbias e anaeróbias aliadas aos exercícios
respiratórios, assim como um período de treino superior ao que foi aplicado no
estudo citado. Essas alterações ocorridas na massa corporal do grupo G3, estão
directamente relacionadas à aplicação de estímulos adequados, os quais ajudaram
a promover modificações morfológicas, embora o programa tenha tido uma
característica linear. Tal característica linear pode ser observada também nas
actividades realizados pelo grupo G1, porém, infere-se que as adaptações
crónicas ocorridas passassem a exigir a implicação de novos estímulos
(intensidade ou volume) para que ocorressem novas alterações (Kesaniemi et al.,
2001). Esses resultados ratificam a importância da implementação de equipas
multidisciplinares, nos centros de saúde, na orientação e prescrição de
actividades físicas para a população. O que permite promover alterações na
percepção da qualidade de vida de indivíduos acometidos por enfermidades
degenerativas. Tais inferências podem ser apoiadas nos resultados obtidos no
estudo de Mota, Ribeiro, Carvalho e Matos (2006), onde foi constatado que as
percepções da qualidade de vida de idosos engajados em programas de actividade
física eram significativamente diferentes de seus pares que não estavam
engajados. O que não pode ser esquecido é a importância da actividade física
nos aspectos relacionados aos quadros depressivos, principalmente em mulheres
com característica de obesidade, como as do presente estudo (Gumarães &
Caldas, 2006).
O ganho significativo nas pressões inspiratórias e expiratórias estáticas
máximas em todos os grupos, sem que fosse demonstrada uma relação directa entre
as medidas e os parâmetros antropométricos, se contrapõem aos apontamentos de
Maeda (2004). Mas ao mesmo tempo, Robergs e Roberts (2002) citam que não há uma
relação entre a mecânica ventilatória e a melhoria da aptidão
cardiorrespiratória. O que foi inversamente observado no grupo G3, corroborando
com os apontamentos de Powers e Howley (2000) que descrevem que a prática de
exercícios físicos de intensidade leve a moderado pode exercer influência sobre
as capacidades e perfusão pulmonares. Os resultados observados para as pressões
estáticas máximas, no presente estudo, demonstram que a aplicação de exercícios
para a musculatura respiratória proporciona melhorias consistentes em
indivíduos que apresentem quadro de obesidade.
A prática de exercícios aeróbios, alongamentos e exercícios ventilatórios
diafragmáticos forneceram resultados que reequilibraram a musculatura
inspiratória e expiratória minimizando as alterações decorrentes da debilidade
muscular. Estimulando a actividade diafragmática e assim promovendo aumento do
volume corrente (Robergs & Roberts, 2002). Em estudo que relacionou a
prática de exercícios globais associados aos exercícios respiratórios,
realizados em um programa de reabilitação através da Reeducação Postural Global
- RPG, em um período de 8 semanas, em jovens saudáveis e sedentários ocasionou
melhora significativa nas pressões estáticas máximas e na mobilidade tóraco-
abdominal (Moreno, Catai, Teodori, Borges, Castro Cesar, & Silva, 2007), o
que corrobora com os resultados observados no presente estudo, para o grupo G3.
A ausência de correlação observada, no presente estudo, entre o IMC e a PImáx
ou a PEmáx para os períodos pré e pós-terapêutico, divergem dos estudos em que
o aumento da adiposidade com a idade, principalmente na região visceral,
estaria correlacionado com a redução das pressões respiratórias estáticas
(Maeda, 2004; Menezes & Marucci, 2007). No entanto, os dados obtidos nesse
estudo corrobora com Azeredo (2000), o qual descreve a relação entre o acúmulo
de gordura nas alterações da mecânica respiratória. O que pode explicar os
resultados observados no presente estudo quanto à redução da mecânica
respiratória observada no período pré-terapêutico. Sendo este relacionado não
apenas com a restrição do movimento de expansibilidade torácica, em detrimento
do acúmulo de gordura, mas também pelo facto da redução da força muscular,
ocorrida no processo degenerativo, estar relacionada ao sedentarismo e/ou a
baixa intensidade das actividades físicas. Por outro lado, embora o IMC possa
reflectir a quantidade de massa gorda do indivíduo, não a representa
directamente. Logo, também esse viés poderia explicar a ausência de correlação
observada.
CONCLUSÃO
Em conclusão, os dados obtidos no presente estudo demonstram que, tanto a
terapêutica do incentivador respiratório como um programa de reabilitação
pulmonar favorecem a melhoria significativa das pressões respiratórias
estáticas máximas de mulheres obesas, com diferentes níveis de aptidão física.
Quanto à correlação entre as pressões respiratórias estáticas máximas e as
variáveis antropométricas não foram observados resultados significativos.
Assim, permitimo-nos destacar, a importância da implementação de programas de
exercícios físicos supervisionados, por uma equipe multidisciplinar, onde seja
possível a combinação de procedimentos que tanto permita a melhoria das
capacidades funcionais, como também a aquisição de um estilo de vida mais
saudável.