Regeneração do menisco humano por engenharia de tecidos: Nova abordagem celular
e acelular
1. INTRODUÇÃO DA DESCOBERTA DAS FUNÇÕES DO MENISCO À REPARAÇÃO E REGENERAÇÃO
As lesões do menisco são das mais comuns da articulação do joelho [1]. Mais de
450.000 meniscectomias artroscópicas são realizadas a cada ano nos Estados
Unidos[1], continuando a ser um dos procedimentos cirúrgicos ortopédicos mais
frequentes2. O resultado clínico correlaciona-se com o estado da cartilagem,
estabilidade articular, alterações degenerativas articulares e quantidade de
tecido removido[3,4].
A primeira descrição de uma meniscectomia pertence a Broadhurst[5], em 1866, em
Londres. A que se seguiu, curiosamente num curto espaço de tempo, a primeira
descrição de reparação meniscal por Thomas Annandale[6] em 1883.
Apesar dos relatos de King[7] em 1936 e Fairbanks[8] em 1948, que descreveram
os efeitos deletérios da meniscectomia total, até aos anos setenta os meniscos
foram consideradas como restos evolutivos, sem função, dos músculos da perna
que poderiam ser extirpados sem consequências relevantes para a articulação[9].
Ghormley[10] aconselhava mesmo a excisão completa de qualquer menisco lesado
afirmando que a meniscectomia parcial acarretava maior risco de danos na
superfície articular. Nos anos cinquenta, Albert Trillat destacou o papel da
preservação do muro meniscal e descreveu os benefícios da meniscectomia
intramural[11]. Até 1970, Smillie[9] ainda recomendava a excisão total como
tratamento de lesões meniscais, baseando-se na convicção que este seria o
caminho para a sua regeneração - "When the entire meniscus is excised a
new one grows in from the parietal synovial membrane". McGinity em 1977
[12] alertou sobre as poucas evidências científicas que sustentavam estas
alegações uma vez que as descrições de Smillie de regeneração de um menisco
similar ao original após a excisão total estavam em contradição direta com as
observações de seu grupo de estudo. Em cerca de 800 artroscopias de second-
look, nunca observaram regeneração de muro meniscal superior a cinco
milímetros. Pela avaliação retrospetiva de 136 joelhos com mais de cinco anos
de seguimento concluiu que a meniscectomia parcial acarretaria um maior
respeito pela anatomia, menor morbilidade pós-operatória e mais rápida
reabilitação funcional em comparação com a excisão total. Isto representou um
virar de página histórico ao ditar uma nova direção no tratamento das lesões
meniscais: preservação.
É impossível separar a cirurgia do menisco da história da Artroscopia. Em 1918,
Kenji Takagi em Tóquio, realizou o primeiro procedimento artroscópico pelo
exame de joelhos de cadáver com um citoscópio em meio gasoso[13]. No entanto, a
primeira meniscectomia parcial artroscópica é geralmente atribuída a Masaki
Watanabe (discípulo de Takagi) em 1962[14]. Seria ele o "pai" do
primeiro artroscópio viável, produzido em série, capaz de realizar exploração
intra-articular eficaz: o artroscópio número 21 de Watanabe. No entanto, a
artroscopia começou a assumir maior importância na cirurgia do joelho, após os
relatos de Robert Jackson[15,16] a partir de Toronto, que reintroduziu o
entusiasmo por esta técnica no mundo ocidental. Nos anos oitenta, múltiplos
estudos e autores reportaram vantagens na cirurgia artroscópica em detrimento
da meniscectomia parcial a "céu aberto"[17-20].
Estudos de biomecânica confirmaram a importância dos meniscos na transferência
de carga. Kurosawa et al[21] demonstraram que a meniscectomia total reduz a
área total de contacto entre um terço e metade no joelho totalmente estendido.
Eles transmitem cerca de 50% do peso corporal em extensão e cerca de 85%
durante a flexão em carga do joelho. Em ensaios in vitro foi demonstrado que a
transmissão da carga através dos meniscos é de cerca de 70% no compartimento
lateral e 50% no compartimento medial[22]. A descrição da macro-anatomia dos
meniscos está fora dos propósitos deste trabalho mas temos de considerar que os
meniscos não estão firmemente ancorados na tíbia e acompanham, em alguma
extensão, a translação articular no sentido anteroposterior durante o
movimento. Devido a razões anatómicas o menisco interno (MI) é menos móvel. No
joelho estável (pivot central íntegro) o MI tem um papel pouco importante na
oposição à translação anterior da tíbia pois o ligamento cruzado anterior (LCA)
sustém esse movimento antes de ocorrer um conflito significativo entre o corno
posterior do MI e prato tibial com o côndilo femoral interno. Contudo em
movimentos extremos, ou perante lesão do LCA, funciona como restritor
secundário à translação anterior da tíbia (o que está associado a alguns
mecanismos de lesão)[23]. Outro aspeto fundamental é a assimetria dos
compartimentos femurotibiais. Podemos descrever, o prato tibial externo como
convexo por oposição à forma mais côncava do prato interno. Por este motivo, a
perda do menisco externo (ME) tem uma implicação comparativamente maior na
perda de congruência femurotibial. Walker et al[24] concluíram que o ME
transmite a maior parte da carga do compartimento externo enquanto no interno
essa transmissão de força é mais dividida entre as superfícies cartilagíneas
envolvidas e o respetivo menisco[25].
Arnoczky et al[21] descreveram a anatomia microvascular do menisco humano[26] e
os processos de resposta a lesão a partir de modelo de cão[27] no início dos
anos oitenta. A periferia do menisco é vascularizada e preserva alguma
capacidade de reparação por oposição à parte central que é avascular e recebe
nutrição pelo líquido sinovial. Com base nestes estudo continua a ser usada uma
divisão do menisco da periferia para o centro em 3 zonas de acordocom o nível
de vascularização (zonas: red-red; red-white e white-white (Figura_1).
A cirurgia aberta de reparação meniscal teve DeHaven[28] como o seu principal
impulsionador nos EUA, suportado na Europa por Beaufils e Cassard[29]. Tem
havido um esforço crescente no estabelecimento das indicações, melhoria das
técnicas e materiais de sutura até aos dispositivos de sutura all-inside de
última geração[30]. Contudo, apesar de garantir melhores resultados funcionais
e radiológicos a longo prazo a reparação está ainda limitada nas suas
indicações (maioria dos autores limita a reparação a lesões em zona
vascularizada, ruturas agudas/subagudas, excluindo ruturas radiais ou
horizontais). Por outro lado, apesar das melhorias muito significativas
introduzidas continua a estar associada a uma taxa de falência e necessidade de
revisão cirúrgica elevadas[30].
Kohn et al[31] e Milachowski et al[32] introduziram o transplante de menisco no
algoritmo de tratamento do joelho com múltiplas lesões/lesões complexas
reconhecendo o seu papel na estabilidade e proteção da cartilagem como
determinante na reabilitação articular.
Outros desenvolveram esta técnica até ser considerada atualmente uma terapia
fiável em doentes selecionados[33-35] com bons resultados, em alguns casos com
mais de vinte e cinco anos de seguimento[36]. Contudo, existem limitações
importantes a considerar nomeadamente quanto à disponibilidade de dadores,
investimento e problemas logísticos do processo de recolha e armazenamento,
transmissão de doenças, ou diminuição da viabilidade do tecido causadas pela
criopreservação ou congelamento a fresco.
A aplicação de scaffolds acelulares para substituição parcial de defeitos de
menisco está já em fase embrionária de prática clínica com resultados
promissores mas limitações igualmente reconhecidas entre os autores
nomeadamente quanto à estabilidade, biomecânica e biocompatibilidade.
Citando René Verdonk[37] - "Nothing has changed so much in knee treatment and
surgery as meniscal treatment algorithms" - Esta afirmação sumariza
claramente a revolução que ocorreu recentemente na abordagem das lesões
meniscais.
Os novos desafios visam melhorar as técnicas de reparação alargando a sua
aplicação, nomeadamente às lesões em área avascular, e diminuir a sua taxa de
falência. Em relação aos casos de perda irreparável de tecido, o objetivo maior
seria o recurso a Técnicas de Engenharia de Tecidos e Medicina Regenerativa
para criar uma fonte virtualmente inesgotável de tecido cumprindo todas as
exigências de segurança capazes de reparar com qualidade o defeito ou mesmo ser
usado como substituição total do menisco.
Hoje é consensual assumir que o menisco humano (Figura_2) tem um papel
fundamental na homeostasia do joelho com funções na transmissão de carga,
absorção de impacto, nutrição e lubrificação, aumento da congruência articular
e propriocepção.
Este trabalho visa contribuir para a prossecução desse objetivo de preservação,
reparação e substituição, apresentando novas opções de biomateriais e novas
estratégias de Medicina Regenerativa com aplicação ao tratamento do menisco.
2. ESTADO ATUAL DAS APLICAÇÕES DE ENGENHARIA DE TECIDOS E MEDICINA
REGENERATIVA: REVISÃO SISTEMÁTICA DA LITERATURA (INVESTIGAÇÃO ORIGINAL)
INTRODUÇÃO
O advento da Engenharia de Tecidos (ET) promete revolucionar a Medicina
proporcionando estratégias que mimetizam os mecanismos normais de reparação e
regeneração que ocorrem na natureza
Tal como descrito por Langer e Vacanti[38], a ET é o campo do conhecimento que
recorre aos princípios quer da Engenharia quer das Ciências da Vida visando o
desenvolvimento de substitutos biológicos para reparar, manter ou melhorar a
função dos tecidos.
As abordagens de ET, por definição, recorrem a três variáveis principais
(tríada da ET), i.e., matrizes (scaffolds), células (diferenciadas ou
indiferenciadas) e agentes bioativos incluindo fatores de crescimento (FCs),
que podem ser implantados no local da lesão de forma isolada ou combinada.
Por outro lado a Medicina Regenerativa é um conceito mais abrangente e além de
abranger o uso de moléculas solúveis e células estaminais ou duferenciadas,
aplica igualmente estratégias terapêuticas recorrendo a ET e terapia génica
para estabelecer ou reparar o funcionamento normal de células/tecidos/órgãos.
Depois do reconhecimento da importância dos meniscos em manter a homeostasia do
joelho tem vindo a ser tentado o desenvolvimento de tratamentos regenerativos
como alternativa ou complemento dos procedimentos tradicionais de reparação ou
meniscectomia.
Esta necessidade de reparação/regeneração meniscal tem vindo a merecer
interesse crescente dos clínicos com sucessivos apelos para a preservação do
menisco - "Save the Meniscus"[39]. E quando a preservação ou reparação deixam
de ser viáveis, o caminho que tem vindo a ser proposto como mais adequado é o
da substituição[40], com experiência e consenso crescentes relativos à
transplantação meniscal com aloenxerto em casos selecionados.
Se considerarmos o significativo impacto socioeconómico desta lesão (pela sua
frequência e por atingir muitas vezes uma população jovem no pico da sua
capacidade produtiva), e atendermos à escassez de soluções clínicas até ao
momento, parece evidente a necessidade de desenvolvimento de novas opções[8]
para responder às necessidades e expectativas dos pacientes.
A comunidade clínica em geral (incluindo ortopedistas) tem vindo a reconhecer a
importância crescente da investigação em ciências básicas, Engenharia de
Tecidos e Medicina Regenerativa[41] (ETMR) no aparecimento de uma nova
linguagem e um novo mundo de opções e perspetivas para lidar com problemas
clínicos. O Multicenter Orthopedic Outcomes Network (MOON), de um cohort
prospetivo de jovens submetidos a reparação do ligamento cruzado anterior
concluiu que existe um "mercado" potencial importante para
aplicações de ETMR às lesões do menisco quer através do desenvolvimento de
scaffolds, quer alargando a possibilidade de reparação à zona avascular, quer
desenvolvendo formas de reparação inteiramente biológicas sem recurso a
implantes[42].
Sendo a reparação/regeneração meniscal um tema quente em Ortopedia, e mais
recentemente sendo-o também em ETMR reconhecemos a necessidade de reunir e
organizar os avanços mais recentes nesta área.
O propósito desta revisão sistemática da literatura é sumariar e hierarquizar
os estudos publicados de estratégias de ETMR aplicadas ao menisco,
proporcionando igualmente uma narrativa sistemática que permita aos clínicos/
especialistas familiarizaremse com os avanços mais recentes neste campo.
Assim, é aqui organizada toda a informação relevante relacionada com: (i)
aplicações clínicas, indicações, resultados e complicações; e (ii) principais
correntes de investigação no campo da reparação/ regeneração meniscal aferida
pela análise dos estudos pré-clínicos (in vivo) publicados.
Além de estabelecer um estado da arte das aplicações clínicas neste tópico
visamos igualmente apresentar a informação relevante perto da clinica para
facilitar o passo fi nal de transição do conhecimento do laboratório para a
cabeceira dos doentes num futuro próximo, e ajudar o recentemente reconhecido
"clínico ortopedista-cientista"[43] a conceber e efetivar projetos válidos de
investigação.
MATERIAL E MÉTODOS
Três investigadores independentes realizaram uma pesquisa usando a base
eletrónica PubMed de todos os trabalhos originais publicados de 2006 a março de
2011 usando o termo "Meniscus" combinado com qualquer dos seguintes:
"Scaffolds", "Constructs", "Cells", "Growth factors", "Implant", "Tissue
engineering" e "Regenerative Medicine". Um segundo período (2000 a 2005) foi
considerado de forma a aferir a evolução do interesse neste tópico refletido no
número de publicações.
Os critérios de inclusão foram: artigos em língua inglesa, ensaios clínicos
originais (nível I a IV[44]), e estudos pré-clínicos (in vivo) implicando
estratégias TERM aplicadas às lesões dos meniscos. O score Metodológico de
Coleman Modificado[45] (MCM) foi usado para aferir qualitativamente os ensaios
clínicos selecionados.
Todos os artigos identificados foram analisados e discutidos entre os
investigadores e tomada a decisão final de inclusão ou exclusão. Até julho de
2011 (pré-publicação), além das referências bibliográficas as bases eletrónicas
dos jornais identificados foram verificadas em busca de artigos relevantes não
identificados na pesquisa original. Perante ausência de acordo a decisão final
foi tomada por um dos autores (R.L.R.).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Pelo método descrito foram identificados no período de 2000 a 2005, 161 artigos
enquanto de 2006 a março de 2011 este número aumentou para 285 (Quadro_I).
Destes (n=285), 102 foram excluídos por terem sido classificados como não
relacionados com o tópico, 9 por não estarem escritos em língua inglesa e 19
por serem estudos de nível V.
Não foi encontrada nenhuma revisão sistemática da literatura relativa a este
tema.
Foram ainda excluídos 118 estudos in vitro incluindo estudos de cultura
celular, ensaios biomecânicos ou de citotoxicidade de biomateriais.
Uma (n=1) referência foi identificada pela pesquisa da lista de referências.
Considerando os critérios definidos foram identificadas 38 referências para
análise[46-83]. Duas outras referências (n=2) foram incluídas pela pesquisa
pré-publicação[84,85].
Estudos clínicos de aplicações de Engenharia de Tecidos para regeneração
meniscal
Dos estudos clínicos um corresponde ao nível de evidência I68, dois ao nível
II61,79 , e seis ao nível IV[48,52,22,78,83,84]. A Quadro_II sumariza a
experiência clínica de estratégias de ET para tratamento do menisco lesado ou
degenerado. A média do score MCM de todos os estudos foi de 48,0 (S.D.=15,7).
Quadro_II
Na sua maioria, 8/9 estudos referem-se a implantação de scaffold acelular para
reparação de defeitos parciais do menisco (sete referem-se a matrizes baseadas
em colagénio e em um estudo baseada em poliuretano). Apenas um estudo se refere
à possibilidade de aplicação de coágulo de fibrina (abordagem por scaffold-
fatores de crescimento) como potenciador da reparação de ruturas horizontais na
zona avascular.
Os sete estudos publicados relacionados com aplicação do Collagen Meniscus
Implant (CMI, atualmente conhecido por Menaflex®, ReGen Biologics, USA)
envolveram 565 pacientes dos quais 487 foram avaliados e 304 receberam
implantes CMI. Todos aplicados em defeitos do menisco interno. O score MCM
médio dos ensaios com CMI foi 50,6 (S.D.=12,6). Um estudo comparou resultados
de osteotomia tibial de valgização isolada (OTV) com a combinação de OTV e
CMI61; dois usaram a meniscectomia parcial como grupo de controlo[68,79] e os
restantes são séries de casos sem controlo. Os controlos incluíram 167
meniscectomias parciais e 16 OTV. A idade media reportada para aplicação de CMI
variou entre 29,2[68,84] e 41,8 anos[61]. Um dos estudos não fornece informação
relativa ao género[61] mas dos restantes 223 são homens e 61 mulheres. O
seguimento médio variou de 24[61] até 133 meses[79, 84]. Um estudo refere
apenas seguimento até 24 meses[52] as não fornece nenhum valor numérico de
medida de tendência central.
As cirurgias concomitantes à aplicação do CMI incluíram 96 reparações do
ligamento cruzado anterior (LCA)[48,52,68,79,82,84], 26 OTV[48,52,61], e 7
microfracturas[48,52,78,79,84] e 2 transplantes autólogos de condrócitos[52]
para tratamento de lesões condrais de grau III.
Cinco ensaios dividiram os candidatos em dois grupos: (i) lesões meniscais
agudas irreparáveis e (ii) grupo de lesões crónicas com perda prévia de tecido
[48,52,68,78,79]. Apenas dois forneceram alguma informação sobre a
classificação (tipo) de lesões meniscais[48,84]. Pouca informação é fornecida
sobre o tipo e o tempo decorrido entre as cirurgias prévias e a cirurgia de
implantação[68,78,84]. No estudo que considera a aplicação do CMI em pacientes
candidatos a OTV nenhuma informação sobre o alinhamento no plano frontal pré-
ou pós-operatório foi fornecida nem para os casos nem para os controlos[61]. O
intervalo do tempo decorrido desde a lesão, o início dos sintomas ou a
meniscetomia prévia foi pobremente ou não definido de todo.
Vários scores clínicos diferentes foram usados. Em ordem decrescente de
frequência: Lysholm score (n=5) [48,61,68,79,84], escala subjetiva visual
analógica (VAS) da dor (n=5)[61,68,78,79,84], Tegner activity level score (n=3)
[48,68,79], International Knee Documentation Committee (IKDC) avaliação
objetiva (n=2)78,79 e subjetiva (n=1) [61], Cincinnati knee rating scale (CKRS;
n=1)[78] e SF-36 score (n=1)[79]. O Tegner score pré-operatório foi baseado na
memória dos pacientes em dois estudos[68,79]. Um estudo desenhado para
avaliação por ressonância magnética (RM) não apresenta resultados cínicos[52].
Apesar desta diversidade, poucos dados numéricos de estatística descritiva e
resultados clínicos são apresentados (incluindo escassez ou mesmo ausência de
medidas de dispersão) limitando a análise global dos resultados fornecidos.
Quatro estudos apresentam avaliação radiológica independente[48,78,79,84]. Um
usou o Kellgren-Lawrence score[48], e outro[79] comparou a diminuição da
interlinha articular entre o joelho operado e o contralateral (saudável),
Monllau et al[84] usou a classificação de Ahlbåck e nenhum método específico é
referido no quarto[78].
A avaliação por RM é apresentada em cinco estudos[48,52,78,79,84]. Genovese et
al[52] descreveu um score de RM de 1 a 3 graus em que um score mais alto
corresponde a uma maior aproximação ao menisco normal quanto a características
morfológicas ou de sinal. Este método foi usado em três estudos subsequentes
[48,79,84]. Genovese et al[52] propôs avaliação por artro-RM para melhor
aferição das lesões condrais (em dois casos a RM convencional falhou na deteção
de lesões condrais que só foram detetadas na artro-RM) o que foi também
considerado pelo grupo de Bulgheroni[48].
Quatro ensaios[48,52,61,78] apresentaram resultados de artroscopias
subsequentes (second look arthroscopies) num total de 187 pacientes.
O comprimento médio do CMI aplicado foi apresentado em três estudos[48,79,84] e
variou entre 3,6 e 4,8 cm. Um aumento da área total de tecido considerando o
muro meniscal existente na cirurgia de implantação e o novo tecido formado
registado na artroscopia de second look foi também descrito[68]. Foram
efetuadas biópsias em 149 doentes de dois ensaios[48,68]. Nenhum método
específi co de avaliação ou classificação histológica objetiva reprodutível foi
usado. Os resultados referidos baseiam-se em estimativas visuais ou descrições
histológicas genéricas.
Considerando como falência a impossibilidade de identificar o implante na RM, 7
casos foram descritos[52,78,79,84]. Um deles foi reoperado para remoção de
restos do implante, e a artroscopia de second-look confi rmou o diagnóstico
[52]. Nenhuma outra consideração foi referida para os restantes. Além deste, 6
outros foram removidos, num total de 7: um por desorganização[84]; um por
desorganização e luxação[61]; dois por falência precoce de fi xação[48,68] (um
dos pacientes não cumpriu indicações pósoperatórias[48]); um por infeção[68] e
um outro por causa não especificada[68].
Derrame e/ou dor, rigidez, bloqueio ou sensação de instabilidade determinaram
necessidade de reoperação em 8 doentes[68,79,84]. As reintervenções
relacionadas com o método de implantação do CMI incluíram ainda um caso de
compressão de um ramo infrapatelar do nervo safeno que necessitou de neurolise
[48] perfazendo um total de 15/282 pacientes reoperados por complicações
consideradas como possivelmente relacionados com o método.
Os procedimentos de reintervenção incluíram desbridamento/lavagem artroscópica
isolada ou combinada[48,52,61,68,78,79], OTV[68,79,84], reconstrução do LCA
[68], meniscectomia parcial[68] e transplante de menisco de cadáver[84]. Uma
redução na dimensão do implante foi referida em todos os estudos, registada por
RM ou second look. Contudo, a incidência exata desta ocorrência não pode ser
apresentada uma vez que o problema não foi especificamente abordado e nem a sua
magnitude nem a implicação no resultado clínico foi estudada.
Não foi registado nenhum dado clinicamente relevante quanto a inflamação ou
resposta imune significativa ao CMI nas biópsias efetuadas.
Apenas um estudo multicêntrico de nível de evidência IV[83] com 52 pacientes
se refere à experiência clínica com o implante baseado em poliuretano
(Actifit®, Orteq Ltd, London, United Kingdom). Destes, 39 são homens e 13
mulheres com idade média de 30,8 (S.D. = 9,4) anos, 34 por lesão do menisco
interno e 18 do externo com comprimento médio de 47,1 mm.
Não foram apresentados resultados clínicos, os autores propuseram-se aferir a
segurança e crescimento de novo tecido recorrendo a análise independente por RM
(cega para dados clínicos) incluindo imagens de RM potenciada por injeção
dinâmica de contraste (DCE-MRI; método para aferir vascularização do tecido).
Análise histológica qualitativa é apresentada para 44/52 casos. Foi registado
um caso de não integração da scaffold ao menisco nativo aos 12 meses. As
complicações registadas aos 12 meses de seguimento incluem: um paciente que
desenvolveu infeção (1 semana após cirurgia o implante foi removido); um
paciente submetido a prótese total do joelho 4 meses após implantação
(considerado pelos autores um erro de inclusão por artrose severa desde o
início); e um caso de enfarte do miocárdio. Todos estes casos foram
considerados como não relacionados com o implante.
Um único ensaio[56] propôs uma estratégia para expandir a indicação de
reparação às ruturas horizontais em zona avascular pelo recurso ao coágulo de
fibrina. O defeito é preenchido com coágulo de fibrina antes de ajustar as
suturas num efeito tipo "sandwich". Esta série inicialmente refere
aplicação em 3 meniscos internos e 6 externos. Conclusões genéricas de melhoria
nos scores funcionais são descritas mas apenas o score de Lysholm está
acessível e para um único doente.
Estudos pré-clínicos de aplicações de Engenharia de Tecidos para regeneração
meniscal
Para sistematizar os dados desta análise os ensaios pré-clínicos (n=31) foram
agrupados de acordo com o modelo animal usado, i.e., pequenos ou grandes
animais. As correntes de investigação apresentadas incluem: estratégias de
potências reparação por sutura; substituição parcial ou total; e terapias
percutâneas para aumentar reparação tecidular ou diminuir a sua taxa de
degradação. Dos trinta e ensaios pré-clínicos onze usaram modelos de grandes
animais incluindo porco, ovelha e cabra. Da análise concluímos que quatro se
focam na aplicação de scaffolds acelulares[49,62,82,85], seis estudos combinam
scaffolds com células quer alogénicas[73,74] quer autólogas[59,63,73] ou
combinam scaffolds com fatores de crescimento (VEGF)[60,66]. Uma abordagem por
terapia génica é apresentada em um estudo pela combinação de um gel de alginato
injetável com células humanas da medula óssea transfectadas com IGF-1[81].
Vinte estudos usaram modelos de pequenos animais como camundongo, rato, coelho
e cão salientando-se que estão centrados essencialmente no estudo de scaffolds
acelulares ou combinação de células com scaffolds (conhecidos por constructs).
Na realidade, combinando todos os ensaios préclínicos constatamos que onze se
focam em abordagens por scaffolds acelulares[49-51,53,62,67,71,72,76,82,85],
nove testaram scaffolds semeadas com células[47,57,59,63,69,73-75,77], dois
testaram a combinação de células-scaffold-FCs[58,81] (FCs - fatores de
crescimento) associada ainda a terapia génica num deles[81]. Adicionalmente um
estudo comparou scaffold associada a células com scaffold associada a FCs[80] e
um outro testou in vivo a imunocompatibilidade de uma scaffold (menisco de
porco descelularizado) mas com intenção de aplicação numa abordagem por
construct[70]. Três estudos testaram a combinação scaffold-FCs[55,60,66], três
apresentam terapia injetável com células estaminais (MSCs)[46,54,64] e um
apresenta terapia génica isolada[65]. A figura_3 ilustra a heterogeneidade e
frequência das diferentes abordagens testadas em ensaios clínicos e pré-
clínicos.
Enquanto a maioria dos ensaios clínicos reporta à implantação de scaffolds
acelulares para substituição de um defeito irreparável do menisco (8 de 9
estudos), a mesma tendência não se verifica na investigação em fase pré-
clínica. Nesta última, a maioria dos estudos relacionados com o uso de
scaffolds (n=27) favorecem o seu uso combinada com células (constructs) e/ou
com fatores de crescimento (16/27).
A maioria dos pacientes dos ensaios clínicos avaliados encontram-se na sua
terceira a quinta décadas de vida. Considerando ainda que as lesões do menisco
permanecem como a causa mais frequente de lesão dos joelhos que implicam
tratamento cirúrgico[7], podemos extrapolar consequências relevantes do
absentismo laboral e impacto socioeconómico decorrentes desta entidade
patológica. Nesta população jovem podemos esperar genericamente um razoável
estado da cartilagem em joelhos estáveis (ou estabilizados) com lesões dos
meniscos, constituindo o alvo ideal para defender a função dos meniscos visando
proteger a degeneração articular precoce. Por todos estes factos sublinha-se a
importância clínica deste tópico e o significativo impacto socioeconómico do
desenvolvimento de novas possibilidades terapêuticas eficazes nesta área.
Seguramente que a prossecução deste objetivo requer o domínio pelos clínicos
desta nova área do conhecimento com a sua linguagem específica e o esforço
combinado de várias áreas de ciência incluindo Ortopedia, Veterinária,
Bioquímica, Biologia, Engenharia de Tecidos ou Medicina Regenerativa. Contudo o
acesso a estudos de ciência básica nem sempre é fácil para clínicos pelo que o
papel do ortopedista clínico-cientista[43] terá um papel fundamental no
desenvolvimento de novos horizontes e no levantar de um novo tipo de soluções
para alguns "velhos" problemas clínicos.
Nos oito estudos clínicos reportando ao uso de scaffolds encontramos consenso
quanto às suas indicações independentemente do material aplicado que podemos
resumir: (i) perda irreparável traumática ou degenerativa de tecido meniscal
preservando as inserções anterior e posterior do menisco além de um muro
meniscal residual; (ii) doentes biologicamente jovens; (iii) joelhos estáveis
ou estabilizados cirurgicamente. Da mesma forma quanto aos critérios de
exclusão: (i) insuficiência do pivot central; (ii) alterações degenerativas
marcadas do compartimento afetado ou global; (iii) desvio axial major no plano
frontal não corrigido; (iv) artrite inflamatória ou patologia autoimune; (v)
infeção ativa ou patologia neurológica que impeçam o cumprimento das indicações
pós-operatórias.
Nos estudos comparativos[61,68,79] os controlos submetidos a meniscectomia
parcial cumpriram um plano de reabilitação diferente do dos doentes que
receberam implantes e este facto não foi esclarecido para os doentes submetidos
a osteotomia tibial de valgização (OTV)[61]. Este facto pode influenciar os
resultados a curto prazo mas temos de concordar que será provavelmente
irrelevante para um tempo de seguimento mais longo[79]. Da nossa análise não
foi possível concluir qual o tipo de controlo mais adequado para avaliar
estratégias de substituição parcial, i.e., meniscectomia parcial ou OTV.
A variedade de scores clínicos usados e a escassez de dados numéricos
fornecidos limita a aferição global e conjugada dos resultados e este facto
deve ser considerado em ensaios futuros.
Todos os estudos que usaram o Menafllex®/CMI apresentaram algum grau de
melhoria clínica por comparação ao estado pré-operatório[48,52,61,68,78,79,84].
Comparando com OTV isolada, Linke et al[61] não encontrou diferenças
significativas. Zaffagnini et al[79] e Rodkey et al[68]usando como controlos
meniscectomia parciais não conseguiram estabelecer diferenças significativas no
score de Lysholm. Considerando o parâmetro dor para os casos com CMI, um não
conseguiu encontrar diferenças[68] mas resultados signifi cativamente melhores
foram descritos pelo outro[79].
Uma nova ferramenta para aferir resultados foi proposta por Rodkey et al[68] (e
usada num estudo subsequente[79]), o index Tegner (IT) que tenta avaliar a
percentagem de nível de atividade perdida que foi recuperada como resultado do
tratamento. É calculada pela subtração do score Tegner pré-operatório pelo
score obtido na última avaliação e depois divide-se a diferença obtida pelo
resultado da subtração do score prévio à lesão pelo score obtido imediatamente
antes da cirurgia.
Na série de Zaffagnini et al[79] e no ramo crónico da série de Rodkey
verificou-se uma melhoria significativa do IT que não se verificou no ramo das
lesões agudas deste último[68]. Além destes dois[68,79] trabalhos não
conseguimos identificar nenhum outro trabalho validando o IT como ferramenta de
medição da quantidade de perda de atividade que é recuperada após a cirurgia.
Além disso, nestes trabalhos o score Tegner pré-operatório foi calculado com
base namemória dos pacientes pelo que se deve considerar a fonte de viés daí
inerente.
O score de RM descrito por Genovese et al[52] tem sido usado subsequentemente o
que facilita a análise deste parâmetro. Alguma maturação de tecido parece
ocorrer com o tempo, contudo características básicas da sua constituição e
características volumétricas constituem aspetos críticos do sucesso e
permanecem mal defi nidas.
As biopsias têm sido descritas com base em estimativas genéricas. Seria útil a
definição de parâmetros histológicos objetivos a serem reproduzidos pelos
vários ensaios. O novo tecido obtido tem sido descrito como sendo não
fibrocartilagem pura mas um tecido híbrido com algumas semelhanças[68].
Apesar de infrequentes têm sido descritas falências precoces por deslocação ou
reabsorção do implante. Uma diminuição do tamanho do implante em alguma
magnitude tem sido frequentemente descrito apesar de não ter sido ainda
possível estabelecer uma relação entre este facto e os resultados clínicos.
Algumas preocupações quanto às pobres propriedades biomecânicas iniciais foi
também referida[45].
Um dado consistente em todos os estudos é a ausência de respostas
inflamatórias ou imunológicas específicas do implante clinicamente relevantes.
O único studo relativo à aplicação do implante baseado em poliuretano
(Actifit®, Orteq Ltd, London, United Kingdom) foi desenhado para testar o
perfil do implante quanto a ser biocompatível, biomimético e biodegradável além
do seu perfil de segurança[83]. Decorrentes desse facto não foram fornecidos
dados relativos aos resultados clínicos. As dimensões e características dos
defeitos tratados foram similares às descritas nos estudos com CMI. A inclusão
da RM potenciada por injeção dinâmica de contraste (DCEMRI) permitiu a
aquisição de dados importantes e poderia ser usada no futuro para comparação
com o CMI em termos de tempo e qualidade de integração. Foi apresentada análise
histológica qualitativa para 84,6% dos casos com resultados descritivos
relativamente a vascularização, celularidade e matriz extracelular. Foi
descrita uma distribuição do neotecido que inclui uma cápsula fibrosa
vascularizada e três camadas distintas. Este método deve ser considerado em
trabalhos futuros. Foi descrito um caso de falência precoce mas, tal como para
o CMI, não foi descrita nenhuma resposta inflamatória ou imunológica
clinicamente relevante relacionada com o implante. Apesar dos resultados
positivos na avaliação por RM e histologia são necessários resultados clínicos
de ensaios prospetivos controlados e "randomizados" antes de se poder concluir
as vantagens da disseminação do método.
Além disto, existindo duas propostas de implantes tão diferentes com os mesmos
objetivos seria vantajosa a realização de estudos clínicos comparativos entre
ambos.
Deve ainda ser considerado que estamos na fase inicial da experiência com uma
nova tecnologia e a possibilidade de ocorrer um viés de publicação[86,87]
(tendência dos investigadores e editores de lidarem com os dados "positivos",
i.e. significativos, obtidos na investigação de forma diferente da que lidam
com os resultados "negativos", i.e., a favor da hipótese nula, ou
inconclusivos) deve ser considerada.
Numa proposta completamente diferente, Kamimura et al[56] descreve experiência
clínica com um método que visa ampliar a possibilidade de reparação meniscal às
lesões horizontais em zona avascular. Apesar da inerente inovação do método, de
encontrar algum suporte nos estudos de ciência básica, e de ter sido
inicialmente classificado como estudo de nível de evidência IV, a escassez de
dados clínicos objetivos fornecidos (refletida no MCM score de 19) aconselharia
a sua classificação como estudo com nível de evidência V.
Relativamente aos ensaios pré-clínicos verifica-se que existem propostas de
novas abordagens por ETMR que ainda não passaram à fase de ensaios clínicos
como terapia génica ou terapias percutâneas com células estaminais.
Nos ensaios visando modelos de substituição parcial ou total do menisco a
maioria dos autores favorece a amplificação de scaffolds por combinação a
fatores bioativos e/ou células por comparação a abordagens acelulares.
CONCLUSÕES
Concluímos deste estudo um interesse crescente nas aplicações da Engenharia de
Tecidos e Medicina Regenerativa aplicadas ao menisco mas esta é a primeira
revisão sistemática da literatura neste tópico com inclusão da experiência
clínica e in vivo. A substituição parcial por scaffolds acelulares baseadas em
colagénio ou poliuretano em pacientes selecionados com lesões irreparáveis do
menisco pode ser considerada segura e apresenta resultados promissores.
Contudo, devem ser assinaladas algumas preocupações relacionadas com a fixação
inicial e estabilidade dos biomateriais.
Deve ainda salientar-se que a maioria dos estudos pré-clínicos aponta possíveis
vantagens das abordagens que combinem as scaffolds com células de origem
diversa e/ou fatores de crescimento.
Novas e diferentes abordagens por ETMR continuam a surgir visando melhorar os
processos de reparação, diminuir a taxa de degeneração ou terapias de
substituição dos tecidos e estão em análise préclínica podendo, no futuro,
abrir novos horizontes à prática clínica.
3. ULTRA-ESTRUTURA E BIOMECÂNICA: DESCOBRIR AS BASES PARA A REGENERAÇÃO
MENISCAL (INVESTIGAÇÃO ORIGINAL)
INTRODUÇÃO
Existem muitos aspetos por explorar relativamente à caracterização biológica do
menisco humano (Figura_4), mas o tema tem merecido um grande interesse nos
últimos anos. Podemos afirmar que se tem prestado maior atenção ao estudo das
diferentes populações celulares que o constituem, à investigação da sua
ultraestrutura[88], densidade celular e distribuição da matriz extracelular,
propriedades biomecânicas, e interações biológicas ou mecanismos de resposta a
uma lesão.
Devido essencialmente às limitações inerentes ao estudo de tecidos humanos, a
maioria dos estudos da biologia do menisco tem sido efetuado a partir de
modelos animais ou, em menor número, a partir do tecido congelado de espécimes
cadavéricos.
Apesar de algum possível viés da caracterização do menisco no joelho com
algumas alterações degenerativas quando comparado com o menisco do jovem
saudável, podemos encontrar suporte na literatura de que, em meniscos
morfologicamente intactos, as alterações que se podem encontrar no que respeita
à sua estrutura[89] ou às populações celulares[90] serão pouco relevantes.
Assim sendo, dada a maior possibilidade de acesso, e desde que estabelecidos
critérios rígidos de inclusão, esta pode constituir uma fonte de tecido para
estabelecer padrões mínimos das propriedades deste tecido[91,92] e ajudar a
contribuir para o desenvolvimento de estratégias de engenharia de tecidos para
aplicação clínica futura[91,92].
MATERIAL E MÉTODOS
Amostras de tecido humano foram obtidas cirurgicamente nos hospitais locais, de
acordo com as orientações éticas das respetivas comissões. Usamos dadores vivos
respeitando todos os critérios bioéticos inerentes aos estudos de tecido humano
conforme o Comité de Ética da Universidade do Minho. A população principal é
constituída por dadores entre os cinquenta e setenta anos de vida com
gonartrose unicompartimental. Neste estudo foram avaliados 26 meniscos externos
(ME) e 23 meniscos internos (MI) obtidos de 41 dadores (10 masculinos e 31
femininos). Apenas meniscos morfologicamente intactos, sem antecedentes
cirúrgicos foram incluídos e foram excluídos meniscos de compartimentos
classificados radiologicamente como grau IV de Kellgren-Lawrence[93,94]. Cada
menisco foi dividido em segmentos anterior, médio e posterior antes da
avaliação mecânica, biológica ou histológica. Foi usada uma amostra humana de
paciente com dezoito anos de idade com rutura aguda irreparável do menisco
externo para controlo do fenótipo dos meniscócitos (i.e. células de articulação
não artrósica).
Propriedades biomecânicas por segmentos do menisco humano em tecido fresco.
As propriedades viscoelásticas do menisco foram determinadas recorrendo ao
equipamento TRITEC8000B DMA (Triton Technology, Reino Unido, Figura_5). Todas
as análises foram realizadas a 37ºC. Antes de cada análise, diferentes porções
do menisco foram obtidas como descrito na Figura_6. Assim, o menisco foi
seccionado em três regiões: anterior, médio e posterior. Dentro da região de
interesse, as amostras foram cortadas de forma a obter porções cilíndricas com
cerca de 4 mm de diâmetro e 4 mm de espessura usando uma trefina de biópsia.
Procedeu-se à uniformização do tamanho e geometria das amostras a serem
testadas. De seguida, as amostras foram armazenadas em solução de PBS até ao
momento da análise. Todos os ensaios foram realizados com as porções de menisco
imersas em PBS, num reservatório deTeflon®. Depois de atingir o equilíbrio a
37ºC, as análises foram realizadas a uma frequência compreendida entre 0,1 e 10
Hz. Os ensaios foram também realizados sob amplitude de deformação constante
(50 mm). Uma pequena pré-carga foi aplicada em cada amostra para garantir que a
superfície das porções de menisco estavam em contacto com as placas de
compressão, antes do teste.
Figura_5
Figura_6
Isolamento de subpopulações, avaliação do potencial condrogénico e
caracterização da distribuição celular em 2D e 3D (em curso)
Diferentes populações celulares isoladas de meniscos humanos foram preparadas
para análise por citometria de fluxo. As células, das diferentes populações,
após tripsinização, foram marcadadas com anticorpos (CD31, CD34, CD44, CD45,
CD73, CD90, CD105) ligados a diferentes fluorocromos (FITC - Isotiocianato de
fluoresceína, PE - ficoeritrina, e APC - aloficocianina). Em resumo, as células
foram incubadas durante 15 minutos, protegidas da luz, e à temperatura
ambiente. Após este passo de incubação, as amostras foram lavadas, em PBS, por
centrifugação e fixadas com formaldeído (1%). De seguida, os dados foram
adquiridos num citómetro FACSCalibur e analisados utilizando o software
CellQuest.
Tendo em conta a utilização a que nos propomos, na regeneração parcial ou total
de menisco, estamos presentemente a avaliar celularidade e também o potencial
condrogénico das células isoladas, recorrendo a meios de cultura já amplamente
descritos na literatura, e disponíveis comercialmente, o que nos permite a
padronização dos métodos utilizados em cultura celular, tendo sempre em mente a
aplicabilidade clínica. Após 28 dias de cultura na presença de suplementos
condrogénicos, e com a utilização de cultura em micromassa, avaliaremos a
extensão da diferenciação com recurso a técnicas histológicas, como colorações
(hematoxilina/eosina, safranina O, azul de toluidina) e técnicas de
imunocitoquímica utilizando anticorpos anticolagénio tipo I e II, e agrecano.
Estes resultados serão complementados através da quantificação dos
glucosaminoglicanos sulfatados, e recorrendo a técnicas de PCR para a expressão
de genes específicos de cartilagem (e.g., colagénio, proteína oligomérica da
matriz da cartilagem (COMP) e agrecano).
Neste trabalho, temos também como objetivo (em curso) isolar células de tecido
adiposo humano, tecido este obtido por liposucção em abdomenoplastias ou da
bolsa de Hoffa, após consentimento informado de acordo com a legislação em
vigor referente à proteção de dados. As células serão obtidas através de um
processo de digestão enzimática com colagenase, e centrifugação, e em seguida o
sedimento será plaqueado, e por adesão ao frasco de cultura, propriedade das
células estaminais mesenquimais, como as presentes no tecido adiposo, obteremos
a população inicial para estudo. Diferentes sobpopulações serão isoladas a
partir da primeira fração recorrendo a métodos de seleção magnética. As células
serão caracterizadas quanto à expressão de marcadores de superfície,
referenciados para células estaminais mesenquimais. Serão efetuados ensaios de
proliferação e viabilidade celular através da quantificação de ADN, e ATP.
No final desta tarefa, os resultados esperados são: (i) caracterização da
celularidade das diferentes regiões que constituem o menisco, (ii) isolamento
de células estaminais mesenquimais derivadas de tecido adiposo colhido de
abdomenoplastias ou da bolsa de Hoffa; (iii) Caracterização das subpopulações
isoladas; (iv) Avaliação do potencial condrogénico das células mesenquimais
derivadas do tecido adiposo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O presente estudo tem como principal objetivo a caracterização das propriedades
mecânicas e celularidade das diferentes regiões que constituem o menisco, i.e.
parte anterior, média e posterior (Figura_7). Estes resultados serão usados
como padrão para futura diferenciação condrogénica de células estaminais
obtidas da gordura humana (abdominal ou gordura de Hoffa) para estabelecer duas
possíveis fontes celulares para uso terapêutico (células de tecido nativo ou
células estaminais autólogas após diferenciação in vitro).
Figura_7
Da análise mecânica dinâmica (DMA) dos diferentes segmentos do menisco humano a
fresco observamos (Figura_8) a seguinte tendência de crescente de rigidez:
segmento anterior MI (0,25 MPa a 1Hz) <anterior ME< médio ME<posterior MI<
posterior ME< médio MI (0,9 MPa a 1 Hz).
Figura_8
A análise de micro-CT do menisco liofilizado revelou uma porosidade média de
53%, espessura média das trabéculas igual a 80 µm e um tamanho de poros em
média de 85 µm. A figura_9mostra as imagem 2D de raios X do menisco liofilizado
e a distribuição da espessura das trabéculas e tamanho de poros.
Figura_9
As células isoladas (Figura_10) das diferentes amostras incluem
fibrocondrócitos (meniscócitos) e células estaminais mesenquimais.
Foram analisadas diferentes populações celulares utilizando citometria de
fluxo. A análise indica que as células expressam de forma heterogénea, i.e.,
intensidade de fluorescência média a alta, os seguintes marcadores: CD44, CD73,
CD90, CD105. Quando analisada a percentagem de células positivas para os quatro
marcadores referidos, os valores são superiores a 97,0%±1,5% (média ± erro
padrão da média). As mesmas populações foram ainda analisadas para a expressão
de CD31, CD34 e CD45, tendo os valores obtidos sido 1,8%±0,8%, 3,2%±1,0% e
0,2%±0,1%, respetivamente. Em duas das populações isoladas, foram analisadas
duas passagens diferentes (P2 e P7), tendo-se verificado a manutenção dos
marcadores analisados e respetivas percentagens de expressão. A figura_11 é uma
representação dos resultados obtidos para as populações em estudo.
Figura_11
Este ensaio foi repetido com uma amostra de célula obtidas de um dador vivo com
18 anos de idade que sofreu rutura traumática complexa e irreparável do corpo e
corno do menisco externo, operado 4 semanas após a lesão. Neste caso a
articulação não apresentava qualquer alteração artrósica no plano clínico,
radiológico, ressonância magnética ou avaliação artroscópica intraoperatória.
Os resultados obtidos até nas análises efetuadas até ao momento foram
sobreponíveis aos descritos para a população em estudo.
Por sua vez, a caracterização da distribuição celular em 2D e 3D, dos
diferentes segmentos e regiões que constituem o menisco está neste momento a
decorrer. Para tal, a celularidade (Figura_12) é determinada usando um método
semiquantitaivo, e recorrendo a análise histológica do menisco (coloração
H&E). Este estudo contempla um universo de 25 pacientes (18 meniscos
externos e 7 meniscos internos). Sendo que destes uma parte foi avaliada apenas
em 2D (n=15) e outra em 3D (n=10).
O uso de dadores com mais de cinquenta anos, com artrose em algum compartimento
do joelho pode constituir uma fonte de viés. Contudo, existe suporte na
literatura determinando que não existem alterações relevantes quer no
respeitante a células[90], quer relacionados com a estrutura[89] de meniscos
morfologicamente intactos obtidos desta fonte.
Alguma diminuição da densidade celular é espectável com a idade[95] e não se
exclui igualmente alguma alteração da biomecânica. Contudo, este estudo tem o
mérito de avaliar, pela primeira vez, as propriedades biomecânicas em tecido
humano fresco, obviando o viés inerente ao uso de material congelado[96,97] que
altera significativamente as propriedades físicas do menisco[96-98].
Foi possível obter neste modelo, de forma repetida e consistente, células
viáveis e funcionantes com características de tecido meniscal normal
semelhantes ao descrito na literatura[88,90]. As células de controlo obtidas de
lesão aguda em paciente jovem confirmaram a preservação fenotípica da população
principal tal como previamente descrito.
CONCLUSÕES
Este estudo contribuiu para um conhecimento mais profundo do menisco humano
nomeadamente no que respeita às propriedades biomecânicas dos vários segmentos
do menisco (sem processo de congelamento) e da sua biologia celular. Da análise
mecânica dinâmica (DMA) dos diferentes segmentos do menisco humano observamos a
seguinte tendência decrescente de rigidez: segmento anterior MI (0,25 MPa a
1Hz) <anterior ME< médio ME<posterior MI< posterior ME< médio MI (0,9 MPa a 1
Hz). As células isoladas das diferentes amostras incluem fibrocondrócitos e
células estaminais mesenquimais (positivas para CD105, CD73 e CD90; negativas
para CD34 e CD45). A densidade celular decresce da periferia (R-R) para o
centro (W-W). Observou-se uma assimetria na celularidade entre os diferentes
segmentos avaliados.
O modelo usado na manipulação das populações celulares permitiu obter de forma
fiável e reprodutível células viáveis para aplicações em engenharia de tecidos.
Estes dados acrescentam desde já conhecimento relevante sobre este tecido com o
objetivo de desenvolver novas e mais eficazes abordagens visando a regeneração
parcial/total do menisco mas os trabalhos em curso neste capítulo poderão abrir
ainda novas perspetivas.
4. NOVA MATRIZ TRIDIMENSIONAL POROSA PARA ABORDAGEM CELULAR E ACELULAR EM
ENGENHARIA DE TECIDOS DO MENISCO: ENSAIO IN VITRO (INVESTIGAÇÃO ORIGINAL)
INTRODUÇÃO
Reconhecendo algumas das limitações descritas para as scaffolds em aplicação
clínica e mesmo préclínica com base na revisão sistemática da literatura
efetuada (falência precoce de integração, diminuição progressiva do volume,
tecido final diferente de fibrocartilagem - capítulo 2), e considerando os
parâmetros mínimos do ponto de vista biomecânico e biológico resultantes do
trabalho descrito no capítulo 3, avançamos no desenvolvimento de uma nova opção
com um novo biomaterial que pudesse estabelecer vantagens do ponto de vista da
estabilidade, propriedades mecânicas e biocompatibilidade.
A fibroína de seda obtida do bicho da seda tem vindo a ser explorada como
biomaterial para a produção de scaffolds. A arquitetura e as propriedades
mecânicas de uma matriz tridimensional porosa são variáveis determinantes no
controlo da formação/regeneração de tecido[99], tal como o são a
disponibilidade de meio adequado (incluindo fatores de crescimento) e a pressão
hidrostática[100,101] particularmente se estamos a lidar com cartilagem (o que
justifica o papel dos bioreactores nos estudos in vitro)[102].
Por esse motivo, considerando as características físicas do tecido humano
previamente descritas e os resultados dos nossos estudos proposemo-nos testar
scaffolds de fibroína da seda (produzida pelo bicho da seda Bombyx mori) a 10 e
12% para aplicação em abordagens de Engenharia de tecidos de menisco (Figura
13).
MATERIAL E MÉTODOS
Produção e caracterização das estruturas tridimensional (3D) porosas baseada em
seda para reparação parcial/total de defeitos meniscais
As estruturas 3D porosas (scaffolds) foram produzidas utilizando como matéria-
prima a seda, com diferentes concentrações. As estruturas tridimensionais
porosas foram obtidas recorrendo ao método de processamento através da mistura
e lixiviação de sais (cloreto de sódio). A fibroína de seda será preparada
conforme descrito anteriormente por Leping Yan et al.103 A solução de fi broína
de seda será diluída para obtermos as soluções com as seguintes concentrações:
10% e 12% (% em massa). As estruturas foram moldadas utilizando um tubo de
silicone, e secas à temperatura ambiente durante 48 horas. Os tubos foram
depois imersos em água destilada e o sais de cloreto de sódio extraídos por
vários dias. As estruturas foram posteriormente congeladas a -80°C e
liofilizadas.
A estabilidade das estruturas (% perda de massa) produzidas foi avaliada, in
vitro. Este estudo foi realizado ao longo de trinta dias, por imersão dos
suportes em tampão salino (PBS), a pH fisiológico (7,4). A morfologia da
superfície e propriedades mecânicas das estruturas após cada tempo de imersão
foram analisadas.
As estruturas produzidas foram caracterizadas utilizando testes de compressão
dinâmica (DMA) em condições húmidas (PBS, pH 7,4) e testes de compressão em
estado seco, utilizando para estes últimos ensaios uma máquina de ensaios
universal (Instron 4505) com célula de carga 1 kN à temperatura ambiente. Para
além dos testes referidos, foram utilizadas outras técnicas de cracterização
complementares como seja a microtomografia de raios-X (micro-CT) e microscopia
eletrónica de varrimento (SEM).
Avaliação da toxicidade e cultura de células de menisco humano na matriz
tridimensional de seda (in vitro)
Os estudos de biocompatibilidade correspondem a uma das etapas da
caracterização das estruturas porosas tridimensionais, independentemente da sua
micro ou macro-porosidade, e consequentemente, determinar a adequação ao uso
pretendido, ou seja, irá determinar se as scaffolds devem seguir para as
próximas fases de teste (em ensaios in vivo, e préclinicos) ou se é necessário
voltar atrás e otimizar alguns parâmetros. Procedeu-se à cultura e expansão das
células do menisco em frascos de cultura até atingiram 70-80% de confluência, e
nessa altura foram então transferidas para as estruturas 3D produzidas, e a
cultura continuada, quer em condições de expansão quer em condições de
diferenciação condrogénica. A proliferação celular e vialibidade foram testadas
recorrendo a testes padronizados. A caracterização das estruturas híbridas
(scaffold com células) foi caracterizada recorrendo ao ensaio calceína-AM e
será também realizada utilizando espectroscopia (SEM). A diferenciação
condrogénica (estudo a decorrer) será avaliada com a quantificação de
glicosaminoglicanos (GAGs), técnicas histológicas para a imunolocalização de
colagénio tipo I e II. Sendo a caracterização complementada pela determinação
da expressão de genes específicos para cartilagem como Sox9, colagénio tipo I,
II e X, COMP e agrecano utilizando técnicas de PCR.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram avaliadas as propriedades mecânicas, arquitetura e performance biológica
das scaffolds de fibroína de seda (Figura_14) produzidas a partir de diferentes
concentrações iniciais de seda (10% e 12% em massa).
Quanto à análise de DMA constatamos um aumento do módulo com o aumento da
concentração de fibroína de seda. Durante os testes, observou-se uma variação
dos módulos de 37,6 ± 1,7-77,9 ± 4,4 kPa e 158,0 ± 16,8-264,1 ± 26,8 kPa, para
silk-10 e silk-12, respetivamente (Figura_15). Comparando os módulos do menisco
humano 250-900 kPa, (capítulo 3) pode afirmar-se que as scaffolds são adequadas
para aplicação em abordagens de engenharia de tecidos de menisco.
Figura_15
As imagens de microscopia eletrónica de varrimento revelaram que as estruturas
desenvolvidas são altamente porosas e interconectivas (Figura_16), apresentando
também macro- e micro-poros.
Figura_16
A porosidade total, interconectividade e tamanho de poros das scaffolds foram
determinadas através da técnica micro-CT. Com o aumento da concentração
fibroína de seda de 10% para 12%, verificou-se uma diminuição da porosidade
média de 89% para 87% (Figura_17). Por outro lado verificou-se que a
interconectividade também diminuiu de ~97% para 95%. No entanto, a espessura
das trabéculas e tamanho de poros não variou significativamente, i.e., 60 µm
para silk-12 e 58 µm para silk-10, sendo que o tamanho médio de poros está
compreendido entre 200 e 300 µm, o que é favorável para a cultura e
proliferação celular.104
Os ensaios de degradação realizados numa solução tampão salina de fosfato (pH
7,4 e T=37ºC) revelaram que as scaffolds apresentam uma estabilidade favorável,
i.e., a sua estrutura, morfologia e propriedades mecânicas foram mantidas após
30 dias (Figura_18).
A avaliação da performance biológica das scaffolds propostas para a engenharia
de tecidos de menisco foi estudada in vitro. Fibroblastos de pulmão de ratinho
(células L929) foram cultivadas na presença das substâncias lixiviáveis
libertadas das scaffolds produzidas (10 e 12%). O ensaio MTS foi realizado após
1, 3 e 7 dias de cultura (Figura_19).
Os resultados mostraram que as scaffolds não apresentam qualquer efeito
citotóxico.
Por sua vez, a viabilidade celular foi investigadacultivando células isoladas
do menisco humano na superficie das scaffolds e realizando um ensaio de
calceína-AM (Figura_20).
Figura_20
O ensaio revelou um aumento de fluorescência com o aumento do tempo de cultura,
o que demonstra a capacidade das scaffolds em suportar a adesão e proliferação
das células do menisco.
CONCLUSÕES
O presente estudo descreve a caracterização físico-química das estruturas 3D de
fibroína de seda produzidas a partir de concentrações elevadas de diferentes
soluções aquosas de fibroína de seda. A macro- e micro-porosidade das
estruturas foi obtida recorrendo aos métodos de lixiviação de sal e
liofilização. O estudo da arquitetura 3D das scaffolds de fibroína de seda
mostrou que estas estruturas possuem elevada porosidade e interconectividade,
diminuindo a sua percentagem com o aumento da concentração de fibroína de seda.
Os ensaios de compressão e análise de DMA revelaram que as propriedades
mecânicas das estruturas aumentaram drasticamente com o aumento da concentração
de fibroína de seda. Por outro lado, os ensaios de degradação in vitro também
mostraram que as scaffolds mantêm a sua estrutura e morfologia, bem como suas
propriedades mecânicas originais, após 30 dias de imersão. Os ensaios de
caracterização biológica provaram que as scaffolds não apresentam qualquer
efeito citotóxico e suportam a adesão e viabilidade de células do menisco, in
vitro. É possível desenvolver estruturas com propriedades mecânicas mais
elevadas (módulo 399,2±19,6-630,3±49,8 kPa) usando soluções de fibroína de seda
até 16%. Portanto, as scaffolds de fibroína de seda propostas são boas
candidatas para encontrarem aplicações em abordagens de engenharia de tecidos
do menisco.
5. IMPORTÂNCIA DA NEOVASCULARIZAÇÃO/INERVAÇÃO: APLICAÇÃO DO HIDROGEL DE GOMA
GELANA METACRILADA NA MATRIZ DE FIBROÍNA DE SEDA COMO UMA NOVA ABORDAGEM PARA
PREVENIR NEOVASCULARIZAÇÃO/INERVAÇÃO E DEFENDER AS PROPRIEDADES BIOMECÂNICAS
PELA PRESERVAÇÃO DO FENÓTIPO DOS FIBROCONDRÓCITOS (INVESTIGAÇÃO ORIGINAL)
INTRODUÇÃO
Considerando a especificidade e características biológicas e funções do tecido
em apreço, propusemos uma nova abordagem por Engenharia de Tecidos na
substituição do menisco.
Nos estudos publicados estão registados casos de falência precoce de
integração, diminuição do volume do tecido final ou desintegração. Além disso,
o tecido obtido não é fibrocartilagem mas um híbrido com algumas semelhanças.
Assim sendo a hipótese é de que se pudermos, sem prejudicar a estabilidade do
implante, favorecer a neovascularização na zona periférica da scaffold de
fibroína de seda poderemos facilitar a adesão e integração inicial do implante
(Figura_21). Na mesma perspetiva seria vantajoso inibi-la nas zonas mais
centrais, onde se privilegia a preservação fenotípica dos meniscócitos que
produzem a matriz extracelular responsável pelas propriedades mecânicas,
eventualmente aproximando o tecido final à fibrocartilagem característica do
menisco. Além disso, apesar de não estar cabalmente demonstrado é verosímil que
a invasão vascular das zonas mais centrais possa ter efeito nocivo nas
propriedades mecânicas e que seja acompanhada por proliferação de
nocireceptores.
Figura_21
Recentemente descrevemos um hidrogel à base de goma gelana com propriedades
barreira e nãoangiogénico, o qual permite inibir a infiltração de células
endoteliais e de vasos sanguíneos. Na mesma perspetiva seria vantajoso combinar
o hidrogel de goma gelana com a nossa scaffold, por forma a ser possível
prevenir a neovascularização nas zonas mais centrais, e desta forma mimetizar o
tecido final à estrutura do menisco. Considerando as propriedades mecânicas das
scaffolds desenvolvidas (capítulo 4), foi seleccionda a scaffolds de fi broína
de seda 12% (silk- 12) como a mais promissora, e como tal a ser avaliada no
presente estudo.
Ao contrário de outros modelos desenvolvidos para o estudo da angiogénese in
vivo, o ensaio da membrana corio-alantoide (CAM) de ovos de galinha é um teste
simples e viável para testes envolvendo um grande número de amostras. Além
disso, não requer um biotério, e portanto, não é caro. Este método tem sido
também aplicado no estudo da resposta angiogénica e infl amatória de
biomateriais. Assim, o presente estudo consiste na avaliação das propriedades
de barreira do hidrogel de goma gelana quando combinada com a scaffold de
fibroína de seda 12%, recorrendo ao ensaio CAM.
MATERIAL E MÉTODOS
Ensaio da membrana corio-alantoide (CAM) de ovos de galinha
Ovos férteis de galinha (n=90-120; Pintobar, Portugal) foram incubados a 37ºC
(Laboratory Incubator Series 8000; Termaks, Norway) durante 3 dias. Após este
período foi criado uma pequena abertura na extremidade pontiaguda do ovo, com o
objetivo de permitir a dissociação da CAM da membrana da casca do ovo. Foi
igualmente cortada uma janela circular na casca (com um máximo de 15 mm de
diâmetro) a fim de avaliar a viabilidade do embrião e permitir o acesso à CAM
(Figura_22). Este processo foi realizado numa câmara de fluxo laminar para
minimizar o risco de contaminação. A abertura na casca foi selada com fita
adesiva transparente (aproximadamente 50×30 mm; BTK, Portugal) para evitar a
desidratação e os ovos foram novamente incubados a 37ºC até o dia 10 do
desenvolvimento embrionário.
Figura_22
Discos estéreis (n=7) com um diâmetro de 4 mm e altura de 3 mm foram
implantados na CAM ao 10º dia de desenvolvimento embrionário em condições
estéreis. Seis grupos experimentais foram testados: discos de 1) seda a 12%
(S), 2) seda a 12%+iGGMA (SGG), 3) seda a 12%+iGG-MA+VEGF (SGG+VEGF), 4) seda a
12%+células do menisco (SCel), 5) seda a 12%+iGG-MA+células do menisco (SGGCel)
e 6) seda a 12%+iGG-MA+células do menisco+VEGF (SGGCel+VEGF). Foram igualmente
preparados discos de papel de filtro (PF) com um diâmetro de 4 mm,
esterilizados em autoclave e implantados na CAM ao 10º dia de desenvolvimento
embrionário (n=7). O papel de filtro estéril foi colocado diretamente sobre a
CAM e serviu como controlo, com ou sem a adição de 100 ng de VEGF (PF+VEGF e
PF). A abertura na casca foi protegida com fita adesiva transparente e os ovos
novamente incubados a 37ºC até ao 14º dia de desenvolvimento embrionário. Após
dois dias foi adicionado 100 ng de VEGF ao grupo controlo PF+VEGF e aos
restantes grupos experimentais contendo VEGF, emcondições estéreis. As imagens
dos implantes na CAM foram obtidas in ovo no final do ensaio utilizando uma
câmara digital Olympus DP71 (Olympus, EUA) conectada ao software básico de
imagem CellB (Olympus, EUA) acoplada a um microscópio estereoscópico Olympus
SZX16 (Olympus, EUA). Os embriões e respetivas membranas foram então fixados in
ovo por adição de um pequeno volume de uma solução fresca de paraformaldeído
(PFA; Merck, Alemanha) a 4% (v/v), seguida de incubação a -80°C durante 10
minutos. Os materiais implantados e as porções da CAM imediatamente subjacentes
foram dissecadas e transferidas para placas de 12 poços contendo solução de PFA
a 4% (v/v). As imagens ex ovo foram então capturadas para cada implante na CAM.
As membranas excisadas foram transferidas para cassetes histológicas, incluídas
em parafina e seccionadas (Rotary Microtome HM 325; Microm, Alemanha) para
análise imuno-histoquímica.
Quantificação de vasos sanguíneos convergentes
A avaliação macroscópica da resposta angiogénica foi efetuada utilizando um
método semiquantitativo, por análise da convergência de vasos sanguíneos para
os discos implantados, in ovo e ex ovo, de acordo com o descrito por Ribatti et
al[105] As imagens in ovo e ex ovo obtidas ao 14º dia de desenvolvimento
embrionário foram processadas utilizando o software WCIF ImageJ (EUA National
Institutes of Health, EUA) para facilitar a contagem do número total de vasos
sanguíneos que convergiam para o disco implantado. Para efeitos de
quantificação, a ampliação das imagens estereomicroscópicas foi mantida
constante (7x), bem como a área da imagem processada (1000 x 1000 pixels). O
número total de micro-vasos macroscópicos que convergiam para o implante foi
quantificado para cada ovo por três observadores independentes.
Coloração de hematoxilina-eosina
Secções da CAM com 3 µm de espessura foram coradas com H&E. Os cortes
histológicos sagitais das amostras foram observados por microscopia através de
um microscópio ótico Axio Imager.Z1m (Zeiss, Alemanha) associado a uma câmara
digital AxioCam MRC5 (Zeiss, Alemanha) conectada ao software de processamento
de imagem AxioVision (Zeiss,Alemanha).
Análise imuno-histoquímica
A análise imuno-histoquímica foi efetuada em secções representativas (de
espessura 3 µm) da CAM contendo o material implantado, com base no sistema
estreptavidina-biotina-peroxidase (UltraVision Large Volume Detection System
Anti-Polyvalent, HRP; LabVision Corporation, EUA). Resumidamente, a parafina
foi removida dos cortes da CAM e as lâminas re-hidratadas foram submetidas ao
calor para induzir a recuperação antigénica em tampão citrato 10 mM (pH 6,0;
Merck, Alemanha) durante 20 minutos e a 98ºC. De forma a inativar as
peroxidases endógenas, as lâminas foram incubadas numa solução de peróxido de
hidrogénio a 3% (v/v) (PanreacQuímica SAU, Espanha) durante 10 minutos, e
seguidamente imersas em PBS. As secções da CAM foram então submetidas a um
período de incubação em solução bloqueadora de proteína por 10 minutos, seguido
de incubação com o anticorpo primário específico para a lectina (SNA, EBL),
durante 1 hora e à temperatura ambiente. Finalmente, os cortes foram lavados
sequencialmente com PBS e incubadas com o complexo estreptavidinaperoxidase
durante 10 minutos. A reação imunológica foi visualizada utilizando 3,3'-
Diaminobenzidina (DAB; Thermo Scientific, EUA) como cromógeno. A
contracoloração foi efetuado com solução de hematoxilina de Gill-2 (Merck,
Alemanha) em todos os cortes. Para preparar o controlo negativo foi omitido o
anticorpo primário, enquanto que para o controlo positivo foi utilizada apenas
a membrana corio-alantoide. As imagens das secções histológicas da CAM foram
obtidas utilizando uma câmara digital AxioCam MRc5 (Zeiss, Alemanha) conectada
ao software de processamento de imagem AxioVision (Zeiss, Alemanha) acoplada a
um microscópio ótico AxioImager.Z1m (Zeiss, Alemanha).
Análise estatística
A análise estatística foi realizada aplicando uma análise de variância one-way
seguida pelo teste de comparação múltipla de Tukey (p<0,05; n=7) usando o
software GraphPadPrism (GraphPad Software Inc., EUA). O critério de
significância estatística utilizado foi um valor de p<0,05 para um intervalo de
confiança de 95% (*** p<0,001; ** p<0,01; * p<0,05).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A figura_23 mostra as fotografias (in ovo) de estereomicroscopia da secção da
CAM correspondente aos diferentes materiais implantados, após 4 dias de
implantação. A partir da figura é possível observar que as scaffolds foram
parcialmente encapsuladas. No entanto, não se observou qualquer indício
macroscópico de degradação ou absorção do material. Também não foi observada a
formação de tecido de granulação, o que é uma indicação de que os materiais não
despoletaram uma reação inflamatória.
Figura_23
Por sua vez, a figura_24 mostra as fotografias (ex ovo) de estereomicroscopia
da secção da CAM correspondente aos diferentes materiais implantados, após 4
dias de implantação. Estas imagens foram processadas para determinar o número
de vasos sanguíneos macroscópicos convergentes para os implantes.
Figura_24
A figura_25 mostra a quantificação de vasos sanguíneos (ex ovo) macroscópicos.
Três diferentes observadores procederam á análise das imagens. É possível
observar que não há diferenças significativas na formação de vasos sanguíneos
macroscópicos induzida pelos implantes quando comparado com o controlo positivo
de angiogénese (Papel filtro, PF).
A figura_26 mostra as imagens de microscopia ótica das secções sagitais da CAM
excisada após coloração com hematoxilina e eosina (H&E) correspondentes aos
materiais implantados. A figura_6.6A e D corresponde aos implantes de fibroína
de seda 12%, com e sem células do menisco. A partir das imagens é possível
observar uma infiltração celular massiva da CAM, ocupando os poros da scaffold,
da periferia para o centro. Por sua vez, a figura_6.6B, C, E e F corresponde
aos implantes de seda (12%) modificados com o hidrogel goma gelana metacrilada
(iGG-MA). As figuras mostram que o hidrogel inibiu a infiltração celular a
partir da CAM.
Figura_26
A figura_27 corresponde às imagens de microscopia ótica da coloração imuno-
histoquímica (Lectina- SNA, especifica para as células endoteliais), das
secções sagitais da CAM excisada correspondentes aos materiais implantados. Foi
possível verificar que a adição de VEGF às scaffolds promove quer a migração de
células endoteliais (setas) para a CAM quer a formação do microcapilares. Por
sua vez, estes resultados mostraram que a adição da goma gelana modificada (com
e sem células do menisco humano) às scaffolds de fi broína de seda inibiu a
infiltração de células endoteliais e de vasos sanguíneos para o interior das
scaffolds a partir da CAM.
Figura_27
Estes resultados demonstram que o hidrogel de goma gelana modificada é capaz de
prevenir, pelo menos durante o período de implantação, ambas infiltração
celular e de vasos sanguíneos para o interior da scaffold. Esta abordagem na
engenharia de tecidos do menisco é uma estratégia inovadora para o controlo da
neovascularização na scaffold, i.e., permite a neovascularização na zona
periférica da scaffold de fibroína de seda e promove a sua inibição nas zonas
mais centrais.
CONCLUSÕES
O estudo in vivo, demonstro que o desenvolvimento de uma scaffold de fibroína
de seda combinada com um hidrogel de goma gelana modificada permite-nos
controlar a neovascularização na zona periférica da scaffold e promover a sua
inibição nas zonas mais centrais. Apesar disso, será necessário a realização de
mais estudos, de forma a ser possível avaliar a performance biológica destas
scaffolds, no que respeita à manutenção do fenótipo dos meniscócitos, tanto in
vitro como in vivo. Apesar disso, esta é uma abordagem pioneira e que nos
possibilitará desenvolver implantes "inteligentes" por forma a
mimetizar o tecido final regenerado à fibrocartilagem característica do
menisco.
6. ENSAIOS IN VIVO: TRABALHO FUTURO (DESENHO DE ESTUDO)
INTRODUÇÃO
Diferentes modelos animais têm sido propostos para avaliar o potencial de
reparação do tecido meniscal[106]. Estes compreendem abordagens que vão desde a
regeneração de um defeito com perda mínima de tecido (por exemplo, suturas,
colas biológicas) ou após perda de uma grande parte do tecido a integração de
suportes concebidos para substituição de tecidos. Tais modelos devem reproduzir
não só o ambiente biológico em estudo, mas também a terapêutica necessária e as
condições cirúrgicas. A escolha do modelo animal para a situação em estudo
depende de diversos fatores: (1) a biologia e anatomia do modelo animal, (2) a
idade do modelo animal, o que afeta o seu metabolismo, e (3) o potencial de
regeneração espontânea do modelo em estudo.
MATERIAL E MÉTODOS
Implantação subcutânea no rato Fischer 344
Esta etapa do trabalho tem por objetivo a avaliação da biocompatibilidade e
biodegradação das diferentes scaffolds de fibroína da seda num modelo de rato
Fischer 344(implantação subcutânea). Após 1, 4 e 8 semanas, secções dos
implantes serão preparadas para análise histológica (coloração H&E e
imunohistoquimica) visando avaliar: (i) reação inflamatória (presença de
células polimorfonucleares, mononucleares e células multinucleadas será
investigada através da técnica de imunofluorescência: ED1; Serotec, Oxford,
Reino Unido), (ii) formação de tecido de granulação e fibrose, (iii)
infiltração celular e formação de vasos sanguíneos. A caracterização da
microestrutura e evidências de degradação dos materiais será avaliada através
da microscopia eletrónica de varrimento (SEM). As propriedades mecânicas das
scaffolds serão determinadas recorrendo à análise mecânica dinâmica (DMA).
Modelo de regeneração de defeito parcial em modelo de grande animal (ovelha)
Há evidências de que as principais características estruturais que influenciam
a regeneração do menisco humano são bem reproduzidas em animais da raça bovina,
lagomórfica, ovina e caprina[49,106,107]. A raça ovina/caprina permite a
utilização de técnicas de correção cirúrgica artroscópica semelhantes aos
utilizados rotineiramente em humanos. Considerando todos os fatores optamos por
um modelo utilizando ovinos adultos. Neste estudo, o defeito de menisco, em
estudo, será artificialmente induzido com um procedimento cirúrgico que
consiste na remoção mecânica, artroscópica, do menisco (deixando parte dos
ligamentos do corno anterior e posterior). Uma comparação lado-a-lado será
usada para superar avaliações condicionadas.
Diferentes abordagens terapêuticas serão aplicadas nos joelhos direitos
traseiros de diferentes indivíduos. Três condições serão estudadas: (i) defeito
induzido (DI) sem qualquer intervenção no joelho, que serve de controlo como
defeito vazio às outras condições, e que pretende a avaliar a possibilidade
remota de regeneração espontânea; (ii) reparação do DI por substituição do
menisco por uma estrutura acelular com suturas; (iii) a regeneração do DI
utilizando uma estrutura híbrida (células-scaffolds) para comparar com os
scaffolds acelulares previamente implantados em ii). Apenas um dos joelhos é
intervencionado para garantir o bem-estar dos animais e sucesso do modelo
proposto. No final do estudo, e de acordo com a legislação em vigor, todos os
animais serão eutanasiados. As diferentes abordagens serão avaliadas depois de
3, 6 e 12 meses da cirurgia:
1. Defeito induzido (DI) (Figura_28) sem qualquer outra atitude complementar no
joelho direito - aferir possibilidade de regeneração espontânea e colher
células de menisco para aplicação na scaffold in vitro.
2. Comparação entre evolução crónica (e.g., 3 meses) da reparação do DI por
scaffold acelular suturada in situ, e evolução no mesmo tempo do DI não
reparado (Figura_29).
3. Comparação entre os resultados obtidos com scaffolds acelulares e scaffolds
associadas a células (estaminais e/ou meniscócitos)
O comportamento de biocompatibilidade das estruturas 3D porosas com ou sem
células serão avaliadas por radiografia, micro-CT, imagens de ressonância
magnética e histologia. As estruturas implantadas, tanto a híbrida como a
acelular, serão avaliadas utilizando procedimentos padrão para coloração
histológica (hematoxilina/eosina, safranina-O, tricromo de Masson).
Os membros da equipa realizarão todos os ensaios de acordo com a legislação em
vigor, no que se refere ao bem-estar animal, e são certificados pela Direção
Geral de Veterinária para realizarem experimentação animal.
No final desta tarefa, esperamos demonstrar o desempenho das estruturas 3D
porosas, in vivo, quer numa abordagem celular quer numa abordagem acelular para
a regeneração parcial ou total de menisco e está já estabelecida a sua
realização em colaboração com a Faculdade de Veterinária da Universidade de
Trás-os-Montes e Alto Douro; Universidade Claude Bernard Lyon 1 (França); e
Universidade Autonoma de Barcelona (Espanha), durante o ano civil de 2012.
CONCLUSÕES DO TRABALHO PRODUZIDO
Apesar dos resultados obtidos e dos avanços deles inerentes, o trabalho aqui
apresentado, muito mais do que um objetivo alcançado, representa o início de um
percurso.
Do reconhecimento do problema clínico e das dificuldades diárias no seu
tratamento resultou uma necessidade de uma nova abordagem à luz da tríada
básica da Engenharia de Tecidos (i.e., células, scaffolds e sinais moduladores
da função celular como fatores de crescimento ou agentes externos - Figura_30).
O investimento na investigação na área da Engenharia de Tecidos e Medicina
Regenerativa (ETMR) aplicados ao modelo de reparação do menisco humano obriga
ao conhecimento do estado da arte (capítulo 2). Durante essa pesquisa ficou
inequivocamente comprovado que existe um consenso crescente na comunidade
científica que apenas com a aproximação dos Ortopedistas a áreas do
conhecimento geralmente descritas como Ciências Básicas (sendo que o epíteto de
básico só se aceita como "fundamento") é legítimo esperar a
implementação futura de novas abordagens terapêuticas válidas. Por outro lado
estas novas áreas do conhecimento prometem influenciar decisivamente a forma de
praticar Medicina no futuro.
Ficou ainda estabelecido que os modelos de ETMR já testados clinicamente no
tratamento dos defeitos do menisco estão desde já em discrepância com os
modelos de investigação in vivo, em que se vêm testando novas possibilidades.
Apesar dos esforços mais recentes existem ainda muitos aspetos da Biologia do
menisco humano por esclarecer o que esteve na génese dos trabalhos efetuados
(ou ainda em curso) apresentados no capítulo 3. Por outro lado, foi sentida a
necessidade de testar a efetiva capacidade de, com os recursos disponíveis,
montar e testar um "modelo" reprodutível de recolha de células e
induzir a sua proliferação numa nova matriz tridimensional porosa com
características adequadas.
Esse aspeto foi alcançado como demonstram os resultados aqui reproduzidos.
Conseguimos montar um modelo viável e reprodutível com uma nova scaffold
adaptada às propriedades físicas do menisco e em que as células de menisco
humano permanecem viáveis.
Neste processo as células têm de preservar a capacidade de produzir a matriz
extracelular que confere as características mecânicas essenciais do menisco e
também esta capacidade tem de ser "afinada" e controlada.
Por outro lado este tecido não é homogéneo, tem variações da periferia para o
centro e entre os diferentes segmentos (como estabelecido na literatura e
reforçado pelos resultados apresentados). Assim, dificilmente poderá ser
eficazmente replicado com recurso a um processo de "simples" substituição por
uma matriz homogénea que não considera todas as variáveis da ETMR.
Este facto, conjugado com as descrições de que o tecido final resultante dos
efeitos do processo de regeneração no ser humano sobre uma matriz acelular
(colagénio ou poliuretano) não segue os mesmos parâmetros do tecido normal,
levou-nos ao desenvolvimento da seguinte hipótese: se formos capazes de
influenciar a neovascularização durante este processo podemos contribuir
decisivamente para a melhoria do tecido final.
Desde já conseguimos demonstrar que é possível controlar in vitro a separação
no construct (scaffold com células) entre áreas em que a revascularização é
possível e facilitada, de outras em que é limitada ou impedida favorecendo aí a
proliferação apenas dos meniscócitos. Decorre igualmente deste facto a possível
influência no processo de adesão e integração do construct à área do defeito.
Estas novas hipóteses serão testadas nos ensaios in vivo.
Considerando todos estes aspetos, podemos resumir este trabalho da seguinte
forma: (i) reconhecemos a relevância do problema; (ii) reunimos e
hierarquizamos o conhecimento científico existente e reconhecemos limitações
das estratégias em desenvolvimento; (iii) estudamos o tecido alvo para
conhecermos as características a replicar e testar se seríamos capazes de
manipular as suas células; (iv) construímos, com base no conhecimento
adquirido, um novo modelo (novos biomateriais e nova possibilidade de
regeneração heterogénea do tecido controlando a neovascularização); (v)
reunimos conhecimento suficiente para testar a nossa hipótese num modelo
animal; (vi) algumas fases do estudo estão ainda em curso e refletem as novas
necessidades que emergem do trabalho efetuado e dos resultados entretanto
obtidos.