Reabilitação das artroplastias totais do punho
INTRODUÇÃO
Na década de 60, Swanson e Niebauer desenvolveram as primeiras próteses do
punho. O implante em silicone funcionava como um espaçador flexível que
conferia alinhamento e estabilidade articular ao mesmo tempo que proporcionava
alívio da dor[1]. A primeira "artroplastia total do punho" com
implante de silicone realizada por Swanson data de 1967. Apesar de não poder
ser considerada uma verdadeira artroplastia total do punho, foi certamente um
passo importante na evolução do tratamento da artrite do punho, emergindo como
uma opção viável para alívio da dor, sem comprometimento da mobilidade do punho
[1,3]. Os resultados iniciais foram globalmente satisfatórios, com bom alívio
da dor e arco de movimento aceitável[3]. Contudo, o follow-up a médio/longo
prazo revelou uma alta incidência de fracturas do implante, atingindo 52% em 72
meses, e uma sinovite agressiva induzida pelo silicone[2,4-7]. As primeiras
próteses de punho articuladas foram desenvolvidas por Mueli nos anos 70. Eram
do tipo "ball and socket", constritivas e cimentadas. Este design
associou-se a várias complicações nomeadamente descelagem do componente distal,
instabilidade e fractura da prótese. O implante de Volz, contemporâneo do de
Mueli, era semi-constritivo, cimentado e com componentes de metal e
polietileno, contudo, revelou também alta frequência de descelagem do
componente distal e desvio cubital do punho e a sua utilização foi
descontinuada[2]. Os designs das próteses do punho iniciais sofreram múltiplos
ajustes e alterações num esforço de minimizar as complicações, as taxas de
revisões e as conversões para artrodeses. Surgiram os implantes Biaxial e
Trispherical (TWA) com melhoria da taxa de revisão, mas ainda sem solucionar os
problemas de descelagem distal, fracturas dos metacarpianos e instabilidade da
prótese. Na década de 90, aparece a prótese Universal I, desenhada por Menon, e
concebida em liga metálica de cromocobalto. Tratava-se de uma prótese não
constritiva, com três componentes essenciais: um componente carpiano
aparafusado à fileira carpiana distal; um componente radial côncavo, em
cromocobalto cimentado ao rádio e, entre os dois, uma cúpula elipsóide de
polietileno de alto-peso molecular que permitia a articulação do componente
carpiano e radial. Esta prótese inaugura o conceito actual das artroplastias do
punho que tentam reproduzir mais fielmente a cinemática do punho e melhorar a
fixação do componente distal (causa frequente de falhanço da artroplastia no
passado). A prótese de Menon foi posteriormente substituída pela Universal II,
no final da década de 90. Esta prótese, desenhada por Brian Adams, sofreu
vários melhoramentos em relação à anterior, possuindo uma superfície porosa em
titânio nos dois componentes para facilitar a integração óssea e uma inclinação
radial de 20º, superior à Universal I, (que apresentava uma inclinação de 14º).
O polietileno foi também redesenhado para diminuir a taxa de luxação da prótese
[2,3,8,9].
A artroplastia total do punho, ao contrário das artroplastias totais de outras
articulações é relativamente incomum. Esta discrepância é multifactorial e
relaciona-se com a complexidade da articulação do punho, as dificuldades
experimentadas com os modelos protésicos mais antigos e as alternativas
terapêuticas disponíveis que apresentam boas taxas de sucesso. No entanto, a
evolução e aperfeiçoamento do material e técnicas cirúrgicas têm contribuído
para a crescente utilização desta opção terapêutica na arena ortopédica nos
últimos anos, com bons resultados e em detrimento de outras opções cirúrgicas
como a artrodese do punho. O intercâmbio estreito e o trabalho conjunto da
Ortopedia e da Medicina Física e de Reabilitação na abordagem dos doentes
submetidos a artroplastia total do punho são essenciais em prol do seu maior
benefício e aumento da sua qualidade de vida. Os autores desenvolveram um
protocolo de reabilitação, após artroplastia do punho, visando a maximização
dos resultados funcionais da intervenção cirúrgica.
INDICAÇÕES
A principal indicação para a realização de uma artroplastia total do punho é a
artrite reumatóide. Tradicionalmente a artroplastia total do punho é
recomendada nos casos que cursam com carpite avançada e em que a destruição e
perda óssea são extensas (Figura_1). Contudo, nestes casos extremos a
probabilidade de sucesso cirúrgico é menor, uma vez que este está dependente da
qualidade óssea e estabilidade dos tecidos moles periarticulares. Actualmente,
a osteoartrose, nomeadamente sequelar a um evento traumático é também, e cada
vez mais, uma indicação para artroplastia do punho. Apesar de estes casos serem
algo controversos pela disponibilidade de opções terapêuticas alternativas, as
vantagens da artroplastia na preservação da mobilidade do punho e
funcionalidade do doente, são sem dúvida factores determinantes no alargamento
das suas indicações [2,3].
O objectivo da artroplastia total do punho é manter e melhorar a mobilidade do
punho, melhorar a dor e corrigir as deformidades osteoarticulares. Os doentes
que mais beneficiam em manter a mobilidade do punho são aqueles com doença
artrítica generalizada e atingimento poliarticular envolvendo, nomeadamente, as
restantes articulações dos membros superiores. A artroplastia total do punho
nos doentes com carpite reumática avançada representa uma real melhoria da
qualidade de vida dado manter a capacidade de movimento com estabilidade,
melhoria da dor e correcção da deformidade. Outros procedimentos cirúrgicos
disponíveis para o tratamento do punho reumatóide como a sinovectomia, fusão
intercárpica e artrodese mantém-se ainda como a primeira escolha de muitos
cirurgiões. A artrodese ao oferecer estabilidade livre de dor tem sido a opção
terapêutica mais utilizada, muito embora prive o doente de qualquer movimento a
nível do punho (flexão/extensão e desvios cubital/radial, preservando-se apenas
a prono-supinação do antebraço) e, por conseguinte, seja extremamente limitante
na funcionalidade nas actividades de vida diária (AVD)[1, 3, 8, 12]. Doentes
com artrodese num dos punhos e artroplastia no contra-lateral referem preferir
a artroplastia, isto porque, as AVD básicas como higiene perineal, apertar
botões, pentear cabelo e escrever são facilitadas quando existe alguma
mobilidade do punho, principalmente algum grau de flexão[1-3]. Actualmente, é
consensual que na doença bilateral pelo menos um punho se mantenha móvel
através da artroplastia (Figura_2).
Apesar de se apresentar com uma opção atractiva em termos de futuras
potencialidades funcionais dos doentes, a artroplastia não é isenta de riscos e
tem maior taxa de complicações a curto e a longo prazo do que a artrodese,
assim a selecção dos doentes deve ser criteriosa. Este procedimento deve ser
reservado para doentes com menores necessidades laborais/funcionais e
cognitivamente capazes de compreender os riscos e benefícios da intervenção
[3,9].
CONTRA-INDICAÇOES
As contra-indicações absolutas para a realização de artroplastia total do punho
incluem sépsis ou infecção ativa, ausência de controlo motor do punho, rutura
irreparável dos extensores radiais do punho e ausência de colaboração do
doente. Como contra-indicações relativas figuram a rotura dos extensores dos
dedos, imunossupressão, má qualidade do osso, idades muito jovens,
trabalhadores pesados manuais e uso crónico de auxiliares de marcha para
deambulação[1,3].
PLANEAMENTO PRÉ-OPERATÓRIO E CUIDADOS PER-OPERATÓRIOS
Os doentes devem ser submetidos a uma avaliação pré-operatória completa e
detalhada em consultas de Ortopedia e Medicina Física e de Reabilitação, uma
vez que o programa de reabilitação a instituir no pós-operatório começa a ser
delineado no pré-operatório. Aspectos fundamentais a avaliar incluem uma
história clínica e exame objectivo minuciosos. Particular atenção deve ser dada
ao exame neurovascular e musculoesquelético, com determinação de amplitudes
articulares do cotovelo, punho e dedos, gradação da força muscular de flexores,
extensores, adutores e abdutores do punho, flexores e extensores dos dedos,
medição da força de preensão (dinamómetro), objectivação das queixas álgicas
(através de escalas de dor como a escala visual analógica), avaliação da
incapacidade funcional (aplicação de escalas funcionais: DASH; Health
Assessment Questionnaire - HAQ; índice funcional de Lee; Índice do American
College of Reumatology…). Os exames de imagem são obviamente indispensáveis no
planeamento da intervenção cirúrgica, nomeadamente para avaliação da qualidade
do osso, erosões ósseas, colapso do carpo, subluxação volar do carpo, desvio
ulnar e condição da articulação rádio-ulnar distal[3,8].
No pré-operatório a intervenção da Medicina Física e de Reabilitação é
determinante e o programa de reabilitação deve iniciar-se já nesta fase. Os
grandes objectivos em termos de reabilitação nesta fase são a diminuição das
queixas álgicas, do edema e sinais inflamatórios; melhorar as amplitudes
articulares e optimizar o controlo neuromuscular, nomeadamente no que se refere
à força muscular dos flexores e extensores do punho. Nesta fase é ainda
fundamental educar o doente para o programa pós-cirúrgico e gerir expectativas
e frustrações. [3,8].
No que se refere aos cuidados per-operatórios, um dos aspectos de maior relevo
em termos de técnica cirúrgica, e que condiciona posteriormente o protocolo de
reabilitação, é a correcta tensão articular, ou seja, a tensão exercida nos
componentes protésicos pelas várias unidades músculo-tendinosas e que depende
da quantidade de osso removido[2,3]. As osteotomias excessivas de osso são
sempre de evitar, pois resultam em laxidez protésica, instabilidade e risco de
luxação. Para além disso, na eventualidade de ser necessário converter estas
artroplastias em artrodeses, o procedimento complica-se. De igual forma, a
situação inversa também não é desejável, por cursar com rigidez excessiva do
punho. Assim, idealmente deve conseguir-se um arco de movimento de 50º de
flexão e 50º de extensão intra-operatoriamente, sem risco de luxação, e um
afastamento de 4-5mm entre os dois componentes[10].
PROTOCOLO DE REABILITAÇÃO
A instituição de um programa de reabilitação precoce é essencial. A Medicina
Física e de Reabilitação em estreita articulação com a Ortopedia assume um
papel fulcral na reabilitação pós-operatória dos doentes. A avaliação precoce
clínico-funcional é fundamental, de forma a permitir uma intervenção célere e a
implementação de um programa de reabilitação dirigido e personalizado que
culmine na restituição funcional mais completa possível e na maior
independência do doente nas suas actividades diárias.
Os principais objectivos do programa de reabilitação após artroplastia do punho
são: evitar complicações, alívio álgico, flexibilização articular,
fortalecimento e reforço muscular e alcançar a independência funcional nas AVD.
Assim:
0-15 dias:
- durante os primeiros 15 dias pós-operatório, o punho é imobilizado, com luva
gessada, a 20º extensão e desvio cubital e radial neutros.
- nos primeiros 5 dias a tala deve ser recoberta por um penso volumoso
protectivo e, nesta fase o doente é aconselhado a manter o membro elevado. Ao
fim dos 5 dias, o penso é removido, mantendo-se apenas a imobilização gessada e
o doente deve ser incentivado a mobilizar activa e suavemente as articulações
livres, nomeadamente as articulações interfalângicas.
- entre o 10º e o 15º dias são removidas as suturas e a imobilização gessada,
que é substituída por uma tala gessada volar.
2-4 semanas:
- a partir da 2ª semana são permitidos vários períodos diários, em que se
retira a tala gessada, para mobilização ativa do punho e mão: flexão/extensão
do punho, prono-supinação do antebraço e flexão/extensão das articulações
metacarpofalângicas e interfalângicas.
- este período de mobilização progressiva varia dependendo da tensão muscular
observada peroperatoriamente:
- tensão desejável: 2 semanas
- laxidez: 4 semanas
- tensão aumentada: tala apenas nocturna
4-8 semanas:
- nesta fase são permitidos exercícios de fortalecimento muscular isométrico e
exercícios com "handgrippers" sempre supervisionados.
- a partir da 6ª semana a tala volar gessada é descontinuada e substituída por
uma ortóteses estática do punho em termoplástico com o punho em posição neutra
ou com 20º de extensão. A utilização da ortotése prolonga-se por mais 6 a 12
semanas, este período de ortetização é variável e deve ser ajustado caso a
caso.
A partir da 8ª semana:
- a partir da 8ª semana progride-se na mobilização e flexibilização articular.
- o fortalecimento muscular dos flexores, extensores, adutores e abdutores do
punho e prono-supinadores do antebraço é intensificado com exercícios
isométricos resistidos, progredindo para isotónicos com carga.
- entre a 8ª e a 10ª semanas a mobilização passiva do punho e dedos é permitida
para ganho de amplitudes articulares.
- inicia-se, também nesta fase, o treino funcional com treino de preensão
grossa e motricidade fina e treino de AVD.
12ª semana:
- o doente é autorizado a usar livremente o punho, com as restrições implícitas
à presença da prótese:
- movimentos repetidos forçados;
- sobrecarga sobre a articulação e sobre a prótese.
- a ortetização dinâmica é necessária apenas em casos de deformidade ou tensão
muito aumentada. No entanto, o doente deve manter a utilização da ortótese
estática do punho em termoplástico sempre que realiza actividades mais
exigentes fisicamente.
- a artroplastia total do punho implica restrições na prática desportiva
nomeadamente golf, ténis, bowling ou levantamento de pesos superiores a 10Kg.
Agentes físicos e outras modalidades terapêuticas:
Na ausência de contra-indicações a prescrição de agentes físicos ou outras
modalidades terapêuticas pode ser benéfica nas diferentes fases do protocolo de
reabilitação:
- a termoterapia, sob a forma de calor húmido; parafina; parafango; crioterapia
ou banhos de contraste, tem um efeito analgesiante e flexibilizador articular,
podendo ser aplicada prévia ou simultaneamente aos exercícios de mobilização e
fortalecimento muscular.
- a estimulação nervosa eléctrica transcutânea (TENS), um método analgésico não
farmacológico e não invasivo, consiste na electroestimulação das terminações
nervosas periféricas por eléctrodos, inibindo a transmissão dos impulsos
dolorosos para o corno dorsal da medula, activando as vias descendentes
medulares inibitórias da dor e estimulando a produção de endorfinas e
encefalinas antiálgicas. A TENS é uma modalidade de electroterapia analgésica
com efeitos cientificamente comprovados na dor aguda e crónica pós-cirurgica e
pós-traumática e, por conseguinte, é uma boa opção no pós-operatório da
artroplastia total do punho.
- por fim a massagem trófica e desbridante da cicatriz e a massagem de
drenagem, se indicadas, devem ser realizadas logo que possível. A sua
associação a estiramentos dos grupos musculares para prevenção de contracturas
é mandatório.
RESULTADOS
Os programas de reabilitação após artroplastia do punho são longos e morosos e
o doente deve compreender que a sua evolução clinico-funcional será lenta e
que, tipicamente, os ganhos ideias, em termos de amplitudes articulares e força
muscular, demoram entre 4 a 6 meses a serem atingidos. Aos três meses o doente
deve ter atingido cerca de 30º de flexão e extensão do punho e cerca de 10º de
desvio cubital e radial. Idealmente, espera-se que o doente consiga alcançar 50
a 60% da mobilidade normal de flexão/extensão do punho após a artroplastia
total do punho. Para tal, o protocolo de reabilitação deve funcionar como uma
orientação, não podendo ser estanque, ou seja, deve sofrer adaptações e ajustes
casos a caso e dependendo das necessidades do doente[2,3,11,13].
CONCLUSÕES
Os avanços recentes na cirurgia do punho aliados a programas de reabilitação
intensivos instituídos no pré e pós-operatório imediato têm melhorado a
qualidade de vida e a funcionalidade de muitos doentes com sequelas graves de
doenças reumatológicas inflamatórias. A artroplastia total do punho surge como
uma opção terapêutica eficaz para os doentes com carpite avançada sequelar a
artrite reumatóide, preservando a mobilidade do punho, corrigindo deformidades
e proporcionando uma real melhoria da dor, da funcionalidade e em última
análise da qualidade de vida. Para tal, muito têm contribuído também os avanços
e aperfeiçoamentos técnicos no que se refere ao material cirúrgico. Os novos
designs protésicos proporcionam um arco de movimento funcional, melhor
equilíbrio e estabilidade do punho e menores taxas de complicações como
fracturas, descelagem e luxação protésica (Figura_3).
O sucesso da artroplastia total do punho depende de uma selecção adequada do
doente, de um cuidadoso planeamento pré-cirúrgico, de uma técnica cirúrgica
rigorosa e da instituição de um programa de reabilitação pós-operatório
individualizado e ajustado. A intervenção da Medicina Física e de Reabilitação
no pós-operatório da artroplastia do punho é fulcral no alívio da dor, na
flexibilização articular, no reforço muscular e na reeducação das AVD. O status
funcional atingido pelo doente encontra-se, sem dúvida, na dependência do bom
trabalho desenvolvido pela MFR e Ortopedia na abordagem multidisciplinar destes
doentes.