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EuPTCVHe1646-21222012000300014

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National varietyEu
Year2012
SourceScielo

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Fraturas subtrocantéricas atípicas e tratamento prolongado com bifosfonatos

INTRODUÇÃO A Osteoporose é uma doença crónica que requer tratamento a longo prazo[1]. Com o aumento da esperança média de vida o risco de ter uma fractura relacionada com a osteoporose é de aproxidamente 1 em cada 2 mulheres e 1 em cada 4 homens [2]. O tratamento com bifosfonatos reduz significativamente o risco de fratura em indivíduos com osteoporose. Um estudo multicêntrico randomizado conduzido por Black et al em 1996, demonstrou que o alendronato reduz o risco de fracturas clinicamente significativas da coluna vertebral e ossos longos em mais de 50% comparado com placebo em doentes com osteoporose diagnosticada[1].

A eficiência dos bifosfonatos estende-se a outras patologias do metabolismo ósseo tais como, osteoporose induzida por corticoesteroides, Doença de Paget, metástases ósseas e mieloma múltiplo[3, 4]. A toma de bifosfonastos semanalmente tem uma excelente relação risco benefício, quando administrada em período compreendido entre os 3 e os 5 anos, contudo quer a sua eficácia, quer o seu perfil de segurança é limitado em tratamentos maís prolongados[2].

Recentemente a comunidade científica tem questionado a possibilidade da ocorrência de fraturas de fadiga subtrocantéricas, designadas na literatura de atípicas, como consequência do tratamento a longo prazo com bifosfonatos[5].

Este artigo tem como objectivo a apresentação de um caso clinico e a revisão bibliográfica da literatura que discute esta associação.

Características das fraturas subtrocantéricas atípicas Definição As fraturas subtrocantéricas atípicas têm sido definidas como um tipo de fratura caracterizada por um traço de fratura transverso radiologicamente, localizadas cerca de 5 cm distalmente ao pequeno trocânter, em correlação com evento microtraumático ou na ausência de trauma objectivado[6].

Epidemiologia Este tipo de fraturas constituem de acordo com estudos recentes, 5-10% das fraturas proximais do fémur, tendo um nível de incidência de 2,3 por 10 milhões de habitantes/ano[7].

Têm grande impacto na morbilidade e mortalidade, com "outcomes" similares aos observados para a fractura da anca. Um estudo prospectivo com 87 doentes[8] mostrou uma taxa de mortalidade de 25% aos 24 meses pós-fractura.

Apresentam comprovado risco de ocorrerem em doentes a efetuar corticoterapia ou inibidores da bomba de protões[9].

Apresentação clínica Clinicamente, estes pacientes apresentam-se habitualmente com sintomas prodrómicos de dor na coxa, desconforto vago e/ou cansaço subjetivo. É essencial a exclusão semiológica de patologias reumatismais, tais como, bursite trocantérica, coxartrose ou polimialgia reumática[3].

Apresentação radiológica O padrão radiológico tipo, descrito por diversos autores[3, 10] em doentes tratados com bifosfonatos por mais de 5 anos, consiste numa hipertrofia do córtex da diáfise femoral em associação com fissuras corticais numa localização subtrocantérica, que podem progredir para uma fratura linear transversa.

Bifosfonatos/Fisiopatologia O efeito terapêutico dos bifosfonatos na osteoporose resulta da sua atividade antireabsorvita no osso, reduzindo o número de novos osteoclastos, diminuindo a sua atividade e estimulando a sua apoptose[1]. Os bifosfonatos podem ser divididos em 2 subclasses, os nitrogenados (alendronato, ibandronato, pamidronato, risedronato e zoledronato) e os não-nitrogenados (etidronato e tiludronato). Foi demonstrado cientificamente que o alendronato tem um considerável efeito supressivo sobre a fosfatase da tirosina, uma importante enzima da regulação da formação e função dos osteoclastos[11]. Por outro lado a subclasse dos não nitrogenados, atuam por via dos seus metabolitos induzindo a formação de análogos tóxicos de ATP que induzem a apoptose dos osteoclastos.

Deste modo, os bifosfonatos previnem a destruição óssea, diminuindo em larga escala o turnover ósseo, induzindo mineralização exagerada e aumentando a densidade óssea. Um dado curioso foi revelado em estudo realizado por Masarachia et al, que indicam que para além da enorme propensão do Alendronato para a ação sobre os osteoclastos, este deposita-se na matriz óssea mineralizada recoberto por osso neoformado, atuando na inibição da reabsorção óssea por tempo ainda não definido, mesmo após a suspensão do fármaco[12].

O "turnover" ósseo é necessário para manter a qualidade anti-fraturária do esqueleto. Este inicia-se sempre pela fase de reabsorção óssea, iniciada pelo aparecimento de microfissuras ("microcracks"), sucedida pela fase de neoformação óssea, via osteoblastos. A inibição forte e prolongada desta reabsorção desregula o turnover normal do osso, induzindo um processo de remineralização óssea, que aumenta a rigidez óssea ("frozen bone") e leva a acumulação de microfissuras. A acumulação de microfissuras leva ao aparecimento de microfraturas e pode conduzir ao aparecimento de fraturas de fadiga, tais como, do 5ºmetatarso e as subtrocantéricas[1].

CASO CLÍNICO Mulher de 64 anos de idade, com antecedentes de mastectomia (1992) e Osteoporose diagnosticada em 2000. Medicada habitualmente com sinvastatina 20mg, diosmina 450 mg, beta-histidina 24 mg e Alendronato 70 mg (desde 2000).

Apresentou-se ao serviço de urgência dos Hospitais da Universidade de Coimbra com quadro de dor, encurtamento e rotação externa do membro inferior direito em Fevereiro de 2011. Radiologicamente apresentava uma fratura subtrocantérica transversal direita com padrão atípico (Figura_1).

Foi aplicada tração percutânea de 2 Kg, parou a ingestão de alendronato e operada 4 dias depois: redução e osteossíntese com placa e parafuos. Por dificuldades técnicas, não foi possível a aplicação de cavilha cefalo- endomedular (Proximal Femoral Nail - PFN-A) pelo facto de a doente apresentar canal medular estreito (7mm).

A doente passou a ser seguida periodicamente em consultas de revisão pós- operatória, até que em Julho de 2011 é decidida revisão da osteossíntese por pseudartrose e desmontagem do material de osteossíntese (Figura_2). Foi então removido o material de osteossíntese e aplicado parafuso dinâmico do tipo Dynamic Condilar Screw -  DCS - descorticação e aplicação de auto-enxerto ósseo colhido do ilíaco e substituto ósseo (Figura_3)

Após a segunda intervenção cirúrgica a doente manteve o seguimento em consulta externa de Ortopedia.

Em Dezembro de 2011, a doente recorre ao SU por quadro álgico agudo da coxa direita sem relação com traumatismo. Radiologicamente foi detectada uma fractura de fadiga do DCS e ausência de consolidação de fractura  (Figura_4).

Foi então decidida a aplicação de novo DCS com reforço na zona anterior do fémur com placa reta, descorticação e autoenxerto esponjoso do ilíaco (Figura 5). Desde então seguida em consulta até à data (Março 2012) ainda sem critérios clínicos e imagiológicos de consolidação da fractura.  

DISCUSSÃO Apesar do entusiasmo entre a comunidade científica em torno da possível associação entre tratamento a longo termo com bifosfonatos e o risco de fratura subtrocantérica atípica, em 2005 foi publicado por Odvina et al um estudo que reporta uma série de 9 pacientes com fraturas atípicas espontâneas, 4 delas subtrocantéricas, em regime de tratamento com bifosfonatos em período compreendido entre 3 e 8 anos[3].

Na segunda série de casos publicada em 2006, 13 mulheres com fraturas subtrocantéricas que recorreram ao serviço de urgência de 2 hospitais de Singapura foram identificadas num período de 10 meses. Foram excluídos  os casos com patologia neoplásica, fracturas em consequência de acidentes de viação ou associadas a evento traumático major. Em 9 (com média de idades de 67 anos) destas 13 mulheres verificou-se o uso prolongado de alendronato (média 4,2 anos) em relação com tratamento anti-osteoporótico. De salientar que 5 destas apresentavam o quadro clinico típico supracitado, 4 não tinham história de qualquer evento traumático e 6 apresentavam radiologicamente espessamento da cortical do fémur contra lateral[10].

Posteriormente, em 2008 Neviaser et al conduziram um estudo retrospectivo de todas as fraturas subtrocantéricas e diafisárias de baixa energia admitidas num centro de trauma em Nova Iorque ao longo de 5 anos. Foram excluídos os casos de fraturas patológicas, associadas a eventos traumáticos major e/ou com outra localização femoral. Foram identificados 70 doentes, dos quais 59 eram mulheres e 11 homens, com média de idades de 75 anos. Num total de 36% dos casos (25 dos 70) estavam a ser tratados com alendronato, com uma duração média de 6,2 anos (avaliada em 16 dos 25) sendo todos do sexo feminino. Em 19 destas 25 mulheres foram identificadas fracturas subtrocantéricas atípicas com padrão radiológico acima citado: traço simples de fractura transversa no membro implicado associado a fissura unicortical e hipertrofia da cortical óssea no fémur contra-lateral[13].

Mais recentemente, Lenart et al desenvolveram um estudo retrospetivo de mulheres pós-menopáusicas que apresentaram fracturas de baixa energia de 2000 a 2007. Foram estudados casos de fracturas subtrocantéricas, intertrocantéricas e do colo do fémur. O uso de bifosfonatos foi observado em 15 dos 41 casos de fracturas subtrocantéricas/diafisárias, ao passo, que no caso dos 82 pacientes com fratura intertrocantérica ou colo do fémur o consumo deste grupo de fármacos estava presente em 9 deles. Os autores encontraram ainda uma relação estatisticamente significativa (p<0,001) entre o uso de bifosfonatos e o padrão radiológico da fractura, nomeadamente para as subtrocantéricas[14].

Em análise retrospetiva, publicada em 2010, de 284 mulheres de estudo multicêntrico randomizado conduzido por Black et al, os autores não conseguiram encontrar um aumento estatisticamente significativo do risco de fratura em doentes a fazer bifosfonatos quando comparado com o grupo placebo[15].

Outros estudos de pequena escala[16, 17, 18] corroboram a associação entre o tratamento anti-osteoclástico com bifosfonatos de longa duração e o aparecimento de fracturas subtrocantéricas atípicas, sendo de salientar o de Capeci et al que apresenta sete pacientes com fratura subtrocantérica atípica bilateral com o uso em média de 8,6 anos desta classe de anti-osteoporóticos, sendo que nenhum deles utilizava qualquer outro fármaco com atividade óssea.

No caso que apresentamos, tendo em conta a revisão efectuada, e a ausência de antecedentes farmacológicos relevantes para o metabolismo ósseo, pensamos que o tratamento com Alendronato durante 11 anos ininterruptamente poderá ter contribuído para o aparecimento da fratura de fadiga subtrocantérica da Doente.

Do mesmo modo a incapacidade de formação de calo ósseo poderá estar em relação com a sobrevida do alendronato na matriz óssea subjacente, sendo muito escassa contudo, a literatura quanto a esta relação.

No que concerne á semiologia e apresentação radiológica desta tipo de fraturas observamos um paralelismo entre o nosso caso e o que se encontra descrito por diversos autores diferentes supramencionados.

CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES A evidência científica existente não pode confirmar de forma inequívoca um aumento do risco de fraturas subtrocantéricas atípicas em consequência do uso prolongando de bifosfonatos, embora a maioria das publicações sugiram que o uso por mais de 5 anos deste classe de anti-osteoporóticos podem conduzir a fraturas subtrocantéricas de fadiga ou atípicas, com padrões clínicos e radiológicos bem definidos.

Em virtude de tal controvérsia afectar milhões de doentes a fazer suplementação, as autoridades reguladoras do medicamento, nomeadamente o FDA, têm desenvolvido estudos próprios de forma continua no sentido de esclarecer o papel dos bifosfonatos nesta patologia.

Em 2008, a Sociedade Americana do Estudo do Osso e Mineral (ASBMR) emitiu recomendações para o tratamento médico da Osteoporose, das quais se salientam, o uso de terapêuticas alternativas aos bifosfonatos (raloxifeno e teriparatida) em doentes com DEXA normal ou ligeiramente reduzida no colo do fémur, a descontinuação dos bifosfonatos em doentes com fraturas atípicas subtrocantéricas e da diáfise do fémur e o uso de Teriparatida nos casos de falência de formação de calo ósseo em consequência deste tipo de fraturas[19].

Mais recentemente em 2009, a agência reguladora britânica de produtos medicinais (MHRA) reviu a segurança do alendronato e aconselhou a descontinuação do tratamento em doentes que desenvolvessem este tipo de fratura, não sendo aconselhado o uso futuro pelos mesmos de bifosfonatos sob qualquer fórmula, a menos que os benefícios suplantem os riscos de incidência destas fraturas[20].


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