Resultados da utilização de implantes de tântalo poroso em cirurgia de revisão
acetabular
INTRODUÇÃO
A cirurgia de revisão da artroplastia da anca tem como princípios base a
remoção dos componentes não funcionantes, o preenchimento dos defeitos ósseos e
a colocação de implantes estáveis numa posição que recrie a anatomia original.
Actualmente os defeitos ósseos acetabulares são um dos principais problemas com
que o cirurgião se defronta e a sua extensão pode comprometer a estabilidade
primária e posicionamento do componente acetabular.
É de grande importância o modo como se aborda a perda óssea acetabular pois
para obter um bom resultado a longo prazo os implantes necessitam de um
correcto posicionamento e tem que haver osteointegração destes [1,2]. Para que
ocorra a osteointegração o implante tem que ter uma boa estabilidade primária e
estar em contacto com osso viável[3].
Actualmente ainda não se chegou a um consenso em relação ao modo de obter uma
fixação primária estável e subsequente osteointegração[4].
Os implantes em tântalo poroso apresentam uma elasticidade, coeficiente de
fricção[5] e porosidade[6] que favorecem a estabilidade primária, levando a uma
extensa e rápida osteointegração[7]. Os implantes deste material desenhados
para a artroplastia da anca têm então estas vantagens teóricas e apresentam-se
como uma solução polivalente, sendo utilizados com bons resultados em casos com
um stock ósseo diminuído[8, 9]. O objectivo deste estudo é relatar a
experiência do nosso centro na utilização de implantes acetabulares de tântalo
poroso, no tratamento de doentes com falência de artroplastia total da anca.
MATERIAL E MÉTODOS
Os dados deste estudo foram colhidos de modo prospectivo, durante as consultas
de seguimento e durante o procedimento cirúrgico. Foram avaliados os registos
clínicos e radiografias de 27 doentes consecutivos submetidos a cirurgia
revisão acetabular. Todos os doentes foram operados pelo mesmo cirurgião (PD).
Os doentes foram observados aos 1, 3, 6 e 12 meses pós operatórios depois
anualmente caso não surgissem complicações. A avaliação radiográfica da anca do
doente foi efectuada com base nas radiografias AP da bacia pré operatória, pós-
operatória imediata e na radiografia mais recente disponível. Toda a avaliação
radiográfica foi efectuada pelo mesmo autor utilizando o software OsiriX
(Pixmeo Sarl, Suiça). As radiografias pré operatórias anteroposteriores da
bacia foram classificadas de acordo com a classificação de defeitos
acetabulares de Paprosky[10]. Foi medida a distância horizontal do centro de
rotação de ambas as ancas à linha de Kohler e a distância vertical à linha de
Hilgenreiner (Figura_1). Estes mesmos parâmetros foram avaliados na radiografia
pós-operatória imediata e actual. Estes parâmetros foram ainda comparados com o
lado contralateral nos casos em que esta anca não estava afectada. Consideramos
como falência radiográfica uma migração do componente superior a 5 mm
horizontal ou vertical, linha radiotransparente maior que 2mm em todas as
zonas, falência de parafusos ou variação do ângulo de inclinação acetabular em
mais de 5º [11]. O resultado funcional foi avaliado com o Harris Hip Score
(HHS)[8] que foi medido na consulta pré operatória e na consulta de seguimento
mais recente. Para análise estatística foi utilizado o software R versão 2.15.0
(The R Foundation for Statistical Computing). Foi utilizado o teste não
paramétrico de Wilcoxon para amostras emparelhadas para testar a existência de
diferenças entre grupos.
Figura_1
TÉCNICA CIRÚRGICA
Em todos os doentes foi efectuado um planeamento pré-operatório para decidir o
melhor posicionamento do implante, tendo em conta o capital ósseo existente e o
objectivo de restaurar o centro de rotação da anca. Todos os doentes foram
operados por via postero-externa, em decúbito lateral. O defeito ósseo
acetabular foi confirmado após a extracção do componente acetabular prévio.
Procedeu-se a fresagem progressiva de modo a obter o melhor press-fit entre a
parede anterior e posterior. Os componentes de teste eram utilizados para
avaliar a extensão do defeito, avaliar a estabilidade inicial do implante e a
necessidade da utilização de aumentos. Em 9 casos decidiu-se que havia
necessidade de utilizar aumentos de tântalo poroso de modo a colocar os
componentes de um modo estável na posição pretendida. A fixação do componente
acetabular foi sempre suplementada com um mínimo de 2 parafusos. No pós-
operatório todos os doentes fizeram carga parcial ligeira durante um período de
6 a 12 semanas consoante a estabilidade primária conseguida e a área de
contacto implante-osso hospedeiro.
RESULTADOS
Entre Novembro de 2005 e Março de 2011 foram efectuadas 27 artroplastias de
revisão utilizando implantes de tântalo poroso. As características dos doentes
encontram-se resumidas no Quadro_I. Nesta série, 10 doentes (37%) eram do sexo
masculino e 17 doentes (63%) do sexo feminino, a idade média à data da
artroplastia era 70 anos (entre 50 e 85). Uma doente foi perdida para o follow
up por óbito no pós operatório, 6 doentes não se encontravam disponíveis para a
avaliação clínica completa com o HHS e em 4 casos não foi possível obter o
seguimento radiográfico completo. As indicações para a revisão do componente
acetabular foram descolamento asséptico em 21 casos (78%), infecção em 2 casos
(7%), protusão acetabular de hemiartoplastia em 1 caso , luxação do liner de
polietileno em 1 caso, fractura do componente acetabular em 1 caso e desgaste
do polietileno em 1 caso. O componente femoral foi revisto no mesmo tempo
operatório em 9 casos (33%). Foram aplicados aumentos de tântalo poroso em 9
casos (33%). Houve necessidade de suplementação de defeitos ósseos com enxerto
fragmentado de osso de cadáver em 8 casos (30%). A classificação dos casos de
acordo com Paprosky foi a seguinte, tipos I e II(a,b,c) 20 casos (74%), , tipo
IIIa 6 casos (22%) (Figura_2) e tipo IIIb 1 caso (4%) (Figura_3). Houve um
óbito no período pós-operatório por isquémia mesentérica. As principais
complicações observadas incluem 2 casos de infecção da ferida operatória que
responderam bem a antibioterapia dirigida, 1 caso de calcificações
heterotópicas e 1 caso de avulsão do grande trocânter.
Quadro_I
Figura_2
Figura_3
Não houve nenhum caso de descolamento asséptico ou de luxação pós operatória da
artroplastia, não se observaram luxações ou fracturas do "liner".
Em média o centro de rotação da anca passou de uma posição de 20,31mm acima do
contra-lateral para uma posição de 3,79mm acima do contra-lateral (Quadro_II).
Na última avaliação radiográfica, o centro de rotação da anca operada,
encontrava-se em média a 5 mm acima do contralateral. Relativamente à distância
horizontal o centro de rotação passou de uma média de 3,5mm mais externo para
um valor de 0.66mm, sendo que na última avaliação estava em média 2,18mm mais
externo quando comparado com o contra-lateral.
Quadro_II
Na parte funcional o HHS passou de um valor médio pré operatório de 29,1 (2,8-
81,8) para um valor médio de 77,9 (33-100) na última avaliação (p<0,001), em
50% dos casos o HHS era superior a 80 pontos e em 2 casos inferior a 60 pontos.
DISCUSSÃO
A perda óssea acetabular apresenta-se como o principal problema na cirurgia de
revisão acetabular. Actualmente acredita-se que a osteólise deriva de uma
reacção inflamatória, às partículas de desgaste produzidas nas diferentes
superfícies de contacto da artroplastia [12]. Esta mesma osteólise e remoção
dos componentes predispõem à existência de defeitos ósseos que podem ser
classificados de múltiplas maneiras. Em todas elas se depreende a inter-relação
entre as características do defeito (local, dimensões) e a estabilidade. A
clássica designação de defeito cavitário ou segmentar ajuda no raciocínio sobre
o tipo de suporte estrutural possível, mas não é conclusivo sobre o tipo de
implante necessário para uma estabilidade apropriada. Já Paprosky, na sua
classificação amplamente utilizada[13], procura avaliar qual a probabilidade de
obtermos, com uma cúpula hemisférica não cimentada, uma estabilidade primária
que permita a osteo-integração do implante. A importância da estabilidade
primária é explicada pelos requisitos para a osteointegração dos implantes. Nos
casos em que as superfícies de contacto distem mais de 50 micrometros e a
amplitude dos micromovimentos seja superior a 100 micrometros existe uma grande
probabilidade de se formar uma membrana fibrosa entre o implante e o osso
hospedeiro impedindo assim uma verdadeira osteointegração[14]. Segundo a
literatura, a maioria dos casos de revisão acetabular apresenta defeitos ósseos
que não impedem a utilização de acetábulos hemisféricos não cimentados, sendo
os resultados a longo prazo bons[4, 15]. Por vezes não é possível obter uma boa
estabilidade primária com o componente na posição normal, nestes casos o
cirurgião tem que optar entre tentar obter estabilidade com o componente numa
posição mais proximal, elevando o centro de rotação da anca, ou utilizar
enxerto ósseo ou aumentos de material sintético, para conseguir obter
estabilidade na posição desejada. Uma vez que não existem medidas absolutas, a
posição do centro de rotação é avaliada em função da sua distância horizontal à
linha de Kohler e da distância vertical á linha de Hilgenreiner.
Neste estudo, 20 casos (74%) apresentavam defeitos Paprosky tipo 1 ou 2 em que
classicamente é possível obter estabilidade primária e uma osteointegração
adequada com uma cúpula hemisférica com parafusos. No entanto os implantes
metálicos habitualmente utilizados apresentam uma elevada rigidez e má
transmissão das cargas para o osso, levando a uma redução da densidade óssea a
nível do acetábulo, este fenómeno, designado por "stress-shielding" acontece em
menor grau com os implantes em tântalo poroso[16].
Os restantes 7 casos (36%), tinham defeitos ósseos Paprosky tipo 3, em que a
estabilidade inicial do implante de teste é insatisfatória. Nestes casos, em
que habitualmente a área do implante que contacta com o osso é menor que 50%, a
osteointegração do implante é incerta. Os componentes hemisféricos não
cimentados apresentam taxas de falência até 70% aos 5 anos[13]. Então para
conseguir uma maior área de contacto entre o osso e o implante, este pode ser
colocado numa posição mais cefálica[17], utilizar um implante de grande
diâmetro[18] ou com uma forma não hemisférica [19, 20]. O problema destas
técnicas é que falham em reproduzir a posição do centro de rotação da anca ou
então apresentam taxas de descolamento elevadas [20].
Neste estudo, a utilização de implantes acetabulares em tântalo poroso
conjugados com aumentos em tântalo poroso e, em certos casos, com aloenxerto
não estrutural, possibilitou uma correcção dos defeitos ósseos, permitindo um
adequado posicionamento do centro de rotação da anca em todos os casos. Para
além disso não foi observada migração clinicamente significativa dos
componentes durante o período do estudo. Pensamos que o alto coeficiente de
fricção do tântalo poroso ajudou a obter um boa estabilidade primária e a e
elevada porosidade e grande superfície de contacto facilitaram a
osteointegração.
Em metade dos casos o resultado funcional foi bom ou excelente (HHS> 80) [21] e
em apenas 2 casos o resultado funcional foi mau. Atribuímos estes resultados
positivos ao correcto posicionamento do centro de rotação da anca, que permite
um funcionamento eficaz dos abdutores da anca, facilitanto a marcha e não
comprometendo a sobrevida do implante[22, 23]. Podemos apontar como limitações
deste estudo o facto de se tratar de uma série pequena de casos não
randomizados e de se tratar de um seguimento a curto/médio prazo, no entanto os
resultados obtidos são comparáveis com o descrito na literatura[8, 9].
Com base na nossa experiência recomendamos a utilização de implantes em tântalo
poroso em casos de cirurgia de revisão acetabular, uma vez que estes implantes
não cimentados possibilitam a reconstrução de uma grande variedade de defeitos
ósseos, sem a utilização de aloenxertos estruturais, com bons resultados
funcionais, que se mantêm ao longo do tempo.