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EuPTCVHe1646-21222013000100005

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National varietyEu
Year2013
SourceScielo

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Cirurgia de salvamento de membro no tratamento de sarcomas ósseos em idade pediátrica: Será uma alternativa segura e eficaz à amputação?

INTRODUÇÃO Até poucas décadas, o tratamento cirúrgico dos sarcomas passava quase exclusivamente pela amputação do membro afectado. A partir dos anos 70-80, os avanços na quimioterapia, avaliação radiológica, técnica cirúrgica e na tecnologia de materiais e implantes conduziram a uma melhoria dramática na taxa de sobrevida de doentes com sarcomas, modificando a estratégia cirúrgica no sentido do salvamento do membro[1, 2]. Atualmente, 80 a 85% dos doentes com tumores ósseos malignos primários dos membros (ex: osteossarcoma, sarcoma de Ewing, e condrossarcoma) são tratados eficazmente com ressecção alargada e preservação do membro afetado.

Quando a excisão cirúrgica dos tumores é exequível, a abordagem do defeito ósseo resultante é difícil. Muitos métodos estão descritos na literatura, nomeadamente, enxertos ósseos vascularizados e não-vascularizados, próteses adaptadas, aloenxertos intercalares e, mais recentemente, osteogénese em distração[3-6]. As vantagens da osteogénese em distração incluem a formação de osso com as mesmas propriedades biomecânicas do osso preexistente e a possibilidade de encurtar o tempo de consolidação, exceto se a consolidação entre o osso novo e o osso adjacente não ocorrer.

Os autores apresentam dois casos de sarcomas ósseos em idade pediátrica, submetidos resseção alargada e reconstrução do defeito através de transporte ósseo com osteogénese em distração.

CASOS CLÍNICOS Dois doentes do sexo masculino, de 6 e 12 anos, procuraram observação médica por dor e massa palpável na face anterior da porção proximal da perna. Após estudo imagiológico e histológico, foi feito o diagnóstico de Sarcoma de Ewing (caso 1 - Figura_1A) e osteossarcoma (caso 2 - Figura_2A) da tíbia proximal.

Figura_1

Figura_2

Os doentes foram, desde inicio, orientados e acompanhados por uma equipe multidisciplinar de Oncologia, Ortopedia Infantil e Medicina Física e de Reabilitação. A presença de doença metastática foi excluída.

Em ambos os casos procedeu-se ao controlo local da doença por resseção alargada dos tumores após resposta satisfatória à quimioterapia neoadjuvante, seguido de reconstrução do defeito pela técnica do transporte ósseo (Figura_1B e 2B). Foi realizada uma osteotomia monofocal para permitir o transporte de um segmento ósseo usando um fixador externo monoplanar. O transporte ósseo teve inicio aos 8 dias de pós-operatório e o índice de consolidação óssea médio foi de 18,5 dias/cm (Figura_1C e 2C). A avaliação da peça operatória revelou um tumor com margens livres amplas e 100% de quimionecrose. Nenhum dos doentes foi submetido a quimioterapia adjuvante.

Na fase final do transporte ósseo, houve a necessidade de colocação de enxerto corticoesponjoso autólogo da crista ilíaca de forma a completar o defeito ósseo na sua porção mais proximal (Figura_1D).

Diversas complicações foram identificadas durante este processo, tais como a não-consolidação do enxerto de ilíaco com o segmento de transporte ósseo em ambos os casos, com necessidade de recorrer a enxerto de perónio vascularizado (caso 1 - Figura_1E) ou enxerto intertibioperoneal (caso 2 - Figura 2D); pseudartrose no local de osteotomia (caso 2 - Figura_2E) que motivou nova osteotaxia da tíbia com sistema híbrido com anel semi-circular metafisário proximal combinado com a colocação de enxerto intertibioperoneal autólogo e de Bone Morphogenetic Protein-2. No caso 1 (Figura_1), a ocorrência de uma queda motivou uma fractura do terço médio da tíbia, que evoluiu para pseudartrose, com necessidade de osteossíntese com placa e parafusos (Figura_1F). Salienta-se ainda o diagnóstico acidental de doença de Perthes na anca contralateral no caso 1, sem que o doente tenha apresentado qualquer sintomatologia e cuja evolução radiográfica foi favorável.

Ao fim de 6 anos após a cirurgia, os dois casos apresentam consolidação clínica e imagiológica com mobilidades completas do joelho e tornozelo (Figuras_1G e 2F). Em nenhum dos casos se verificou recidiva local do tumor ou metastização.

O caso 1, com 12 anos, foi submetido a epifisiodese do membro contralateral por dismetria de 10 cm que, em apenas dois meses, permitiu uma correcção de 2 cm. Regressou às actividades normais, embora com limitações, maioritariamente devido ao receio do doente. No caso 2 (Figura_2), conseguiu-se uma compensação total de uma dismetria de 5 cm com o uso de palmilha. De momento com 18 anos, o doente apresenta uma recuperação funcional completa e retomou as atividades normais praticamente sem limitações. Neste caso, a aplicação do Musculoskeletal Tumor Society Rating System2 para avaliação clinica da extremidade afetada, revelou uma capacidade funcional normal de 93%, comparada com 60% no caso 1.

DISCUSSÃO Atualmente, a maioria dos doentes com tumores malignos das extremidades podem ser tratados com cirurgia de salvamento do membro.

Estudos comparando a amputação com procedimentos de salvamento de membro têm chegado a resultados sobreponíveis na sobrevida a longo-prazo[7-10], desde que o tumor primário possa ser completamente removido, após resposta satisfatória à quimioterapia pré-operatória para diminuir o risco recidiva local. Não parece haver diferenças significativas nos outcomes de qualidade de vida entre os procedimentos de salvamento de membro e a amputação[10, 11]; no entanto, alguns estudos encontraram melhor outcome funcional nos doentes submetidos ao primeiro tratamento [7, 10, 13]. Antes de considerar um procedimento de salvamento, a doença precisa de ser corretamente estadiada e o doente avaliado numa abordagem multidisciplinar, em centros com experiência no tratamento dos sarcomas. Assim sendo, atualmente, a cirurgia de salvamento de membro está indicada em doentes com bom prognóstico a longo-prazo e em que seja possível ter margens de resseção alargadas sem comprometer a funcionalidade do membro. A reconstrução final deve funcionar tão bem ou melhor que uma prótese adaptada após amputação.

Os defeitos ósseos criados pelos procedimentos de salvamento de membro podem ser reconstruídos por diversos métodos, mas a incidência de complicações como fractura, atraso de consolidação ou pseudartrose, deformidade e infecção, são elevadas[3-6] e requerem uma reabilitação exaustiva.

Nos casos apresentados, a ocorrência de complicações teve um papel determinante no prolongamento do tratamento e no atraso da recuperação. Em ambos os casos, a proximidade do tumor à fise proximal da tíbia motivou uma extensão muito proximal da resseção, impedindo assim o preenchimento completo do defeito ósseo pelo transporte ósseo. O enxerto de osso ilíaco, usado para completar este defeito residual proximal, não consolidou com o segmento de transporte ósseo, o que motivou a realização de enxerto de perónio vascularizado e intertibioperonial, no caso 1 e 2, respetivamente. No entanto, apesar do tempo e recursos dispendidos no tratamento destas complicações, todas elas foram tratadas com sucesso e o resultado aos 6 anos é bastante animador.

O osso regenerado por osteogénese em distracção, nomeadamente pela técnica de transporte ósseo, tem condições para fornecer resistência biomecânica, estabilidade e durabilidade. A reconstrução por este método resulta num membro estável, evitando as complicações associadas com a substituição protésica ou a utilização de aloenxerto, além de fornecer inserção para ligamentos, tendões e músculos, o que conduz a uma performance funcional aceitável na maioria dos casos[14, 15].

O transporte ósseo é um método seguro e eficaz na correcção de defeitos ósseos após resseção alargada de sarcomas em crianças, possibilitando a preservação do membro envolvido, sem prejudicar o risco de recorrência, a sobrevida a longo prazo e a qualidade de vida. No entanto, a taxa de complicações deste método não é desprezível, pelo que os pais devem ser alertados ab initio da morosidade e complicações associadas a este tipo de procedimento.


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