Fractura do calcâneo Artrodese subastragalina com osteotomia varizante do
calcâneo
INTRODUÇÃO
O tratamento eficaz das fracturas do calcâneo continua a ser um dos maiores
desafios para o cirurgião ortopédico, Malgaine foi o primeiro a descrever as
fracturas do calcâneo em 1843, contudo estas fracturas apenas se diagnosticaram
de forma regular após a introdução da radiografia simples em finais do decénio
de 1890[1, 13].As fracturas do calcâneo são as mais frequentes nos ossos do
tarso e actualmente constituem aproximadamente 2% de todas as fracturas [2,
13].
As fracturas intra-articulares deslocadas representam 60% a 75% de todas as
fracturas do calcâneo e são responsáveis por 90% das complicações[2, 13].
Dez por cento dos doentes com fractura do calcâneo têm fracturas associadas na
coluna vertebral e 26% apresenta outras lesões nos membros inferiores[2, 13].
Aproximadamente 90% das fracturas do calcâneo ocorrem em jovens do sexo
masculino, na plenitude das suas capacidades físicas e laborais[ 13].
Após esta lesão os doentes podem permanecer totalmente incapacitados até três
anos e, parcialmente incapacitados durante cinco anos como tal, as implicações
económicas deste tipo de fractura são consideráveis[1, 13].
Historicamente as fracturas do calcâneo foram consideradas fracturas de mau
prognóstico quase sempre tratadas conservadoramente[2, 13].
Actualmente, os critérios para tratamento conservador são: (1) fractura tipo I
de Sanders; (2) fractura não deslocada ou com deslocamento inferior a dois
milímetros; (3) sem afecção da superfície articular; (4) sem desvio em varo ou
valgo[2, 13].
As deformidades residuais do calcâneo classificam-se em cinco tipos[ 3].
O tipo I apresenta artrose mas sem desalinhamento do retropé, o tratamento
indicado é a artrodese subastragalina[3].
No tipo II com deformidade, em varo ou valgo e no tipo III que apresenta perda
de altura, ou desvio dorsal do astrágalo é necessário efectuar uma artrodese
com um certo grau de distracção[3].
No tipo IV que também apresenta um desvio lateral do calcâneo com grande valgo
do retropé, abaulamento da faceta posterior e conflito com o maléolo externo
requer uma osteotomia do calcâneo[3].
A osteotomia deve ser realizada preferencialmente ao nível onde ocorreu a
fractura[3].
No tipo V, o mais raro e difícil de reconstruir cirurgicamente além de uma,
externa e interna também é necessário uma abordagem anterior - devido à
inclinação externa do astrágalo[3].
CASO CLÍNICO
Apresentamos o caso clínico de um doente do sexo masculino, 50 anos de idade,
trabalhador da construção civil em Angola, onde sofreu uma queda em altura.
Da queda resultou uma fractura intra-articular bilateral do calcâneo, o doente
foi submetido a tratamento conservador.
Passados dois anos regressa a Portugal, recorre à consulta externa do nosso
serviço com dor severa a nível dos calcâneos e dificuldade na marcha.
O paciente referia dor no médio e retropé, apresentava deformidade em valgo com
perda total do arco plantar interno.
Caminhava com duas canadianas num perímetro de 500 metros, limitado pela dor,
tinha um Score AOFAS pré-operatório de 26.
A radiografia dos pés em carga mostrava perda de altura do calcâneo, diminuição
do ângulo de Böhler e desvio em valgo do retropé com deformidade residual de
tipo IV(Figura_1).
.Devido à idade, à notável limitação funcional, laboral e intensidade das
queixas álgicas - realizou-se uma osteotomia varizante do calcâneo associada a
artrodese subastragalina com parafusos de compressão(Figura_2).
Obteve-se a reposição do arco plantar interno, com um pé plantígrado (Figura
3).
Aos três meses obteve-se a artrodese (Figura_4), um mês depois o paciente
caminhava sem limitações, com um Score A.O.F.A.S. de 69.
Mantinha contudo queixas álgicas intermitentes no mediopé, secundárias a
alterações degenerativas prévias.
DISCUSSÃO
O tratamento cirúrgico na fractura do calcâneo está normalmente indicado na
fractura intra-articular com deslocamento e que afecte a faceta posterior[1,
13].
O objectivo do tratamento cirúrgico é o restauro anatómico das superfícies
articulares e o restabelecimento do funcionamento articular indolor[1, 13].
Contudo ainda hoje encontramos fracturas intra-articulares do calcâneo com
criterios para tratamento cirúrgico em que a opção acaba por ser o tratamento
conservador - seja pelo desconhecimento das técnicas de estabilização e redução
ou por medo das complicações do tratamento cirúrgico[2, 13].
O tratamento conservador da fractura do calcâneo com desvio resulta muitas
vezes em consolidação viciosa e nas complicações daí resultantes:
1) artropatía pos-traumática das articulações subastragalina e calcaneo-
cuboideia;
2) diminuição da dorsi-flexão do tornozelo devido à dorsi-flexão relativa do
astrágalo;
3) compressão dos tendões peroneais pelo alargamento do calcáneo;
4) irritação do nervo tibial posterior e safeno externo;
5) marcha difícil pelo varo do retropé[2, 4, 13]
Já em 1921 Cotton descrevia as consequências da fractura do calcâneo:
As modificações na face lateral do calcáneo têm influência na mobilidade da
articulação subtalar e nos tendões peroneais[ 5].
Cotton propôs: exostosectomia lateral com osteotomía extra-articular, associada
a secção de esporão plantar e manipulação articular forçada da subtalar[6].
Foi já em 1977 que Kalamchi e Evans, propõem uma alteração à artrodese subtalar
de Gallie utilizando o osso da exostosectomia para posterior interposição
[8].Braly e Col propuseram como alternativa à artrodese subtalar, uma
exostosectomia externa com tenolise dos peroneais[9].Varios autores descreveram
diversas modificações à artrodese subtalar de Gallie, com resultados variáveis
em relação à consolidação em varo e ao risco de pseudartrose[4, 10].
Romash descreveu uma complexa osteotomia do calcâneo através da linha primária
de fractura, com translação do fragmento da tuberosidade abaixo do
sustentaculum tali internamente - permitindo o restauro da altura do
calcâneo e correção do desvio en varo[4].
A classificação da consolidação viciosa do calcâneo basada em imagens
tomográficas foi descrita por Stephens e Sanders, fornece propostas de
tratamento para cada tipo[ 10].
A classificação da consolidação viciosa do calcâneo, baseada em imagens
tomográficas, foi descrita por, e oferece propostas de tratamento para cada
tipo.
O tipo I apresenta uma artrose mas sem desalinhamento do retropé, o tratamento
indicado é a artrodese subastragalina.
No tipo II com deformidade em varo ou valgo e, no tipo III que apresenta perda
de altura ou desvio dorsal do astrágalo é necessário efectuar uma artrodese com
certo grau de distracção[10].
O tipo IV com um desvio lateral do calcâneo, grande valgo do retropé,
abaulamento da faceta posterior e conflito com o maléolo externo requer uma
osteotomia do calcâneo[10].
A osteotomia deve ser realizada preferencialmente ao nível onde ocorreu a
fractura[10, 13].
No tipo V, o mais raro e difícil de reconstruir cirurgicamente, além de uma
abordagem externa e interna, também é necessário uma via anterior devido à
inclinação externa do astrágalo[10].
Mais recentemente, Clare e Col, documentaram os resultados do seu tratamento a
médio e longo prazo[11].
Obtiveram consolidação em posição neutra ou valgo ligeiro em 93,3% e todos em
posição plantígrada[11]
A artrodese subtalar é utilizada nas alterações degenerativas primárias ou
secundárias da articulação subtalar[10].
A associação de osteotomia de translação do calcâneo e estiramiento do tendão
de Aquiles nas sequelas de fracturas do calcâneo permite:
1) corrigir consolidações viciosas do calcáneo;
2) pés esteticamente favoráveis;
3) pés menos dolorosos;
4) utilização de calçado normal[10, 13].
A artrodese primária como opcção no tratamento das fracturas do calcâneo e não
nas sequelas recebeu um importante impulso com o desenvolvimento do Sistema
Vira®[12].
Este sistema permite a reconstrução da morfologia do calcáneo, devolvendo a
funcionalidade ao sistema calcâneo-aquíles-plantar[12].
Permite em simultaneo fixa-lo ao corpo do astrágalo para conseguir a artrodese
da articulação subastragalina[12].
O conceito cirúrgico é mínimamente invasivo, não necessita de enxerto na
maioria dos casos, utiliza-se para a artrodese o osso resultante da fresagem
para a colocação do implante[12].
Este sistema tem sido aplicado em doentes com fracturas intra-articulares
graves do calcáneo, constitui um novo conceito na cirugía do calcáneo.
Permite uma artrodese com reduzida agressividade, alta eficacia, reduzindo o
período de recuperação de um modo relevante[12].
A correcção das deformidades resultantes da fractura do calcâneo representa
muitas vezes a possibilidade de:
1) Recuperar um pé indolor;
2) corrigir a morfologia do pé;
3) de caminhar com um calçado convencional[13].
A correcção da deformidade e estabilização peri calcaneana numa mesma
intervenção cirúrgica representa um ganho temporal na recuperação funcional do
pé com sequelas de fractura do calcâneo[13]
O alargamento da indicação de tratamento conservador nas fracturas do calcâneo
implica:
1) Aumento da morbilidade;
2) absentismo;
3) atraso da recuperação funcional[2,13].
Actualmente, os critérios para tratamento conservador são:
1) Fractura tipo I de Sanders;
2) fractura não deslocada;
3) fractura com deslocamento inferior a 2 milímetros;
3) fractura sem lesão da superfície articular;
4) fractura sem desvio em varo ou valgo[2, 13].
O tratamento cirúrgico poderia ter sido a primera opção neste caso particular,
tratando-se de um homem activo socioprofissionalmente, poderia ter-se encurtado
o período de incapacidade e dor.
O paciente recuperou a capacidade de caminhar autónomamente, regressou ao
mercado de trabalho mas com más funções mais burocráticas.