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EuPTCVHe1646-21222013000300010

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National varietyEu
Year2013
SourceScielo

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Caracterização das alterações vertebrais em crianças com Paralisia Cerebral

INTRODUÇÃO A Paralisia Cerebral (PC) é uma encefalopatia que afeta o cérebro imaturo, levando à disfunção motora permanente [1,2].

A primeira definição de Paralisia Cerebral foi descrita por Bax em 1964 como "um distúrbio do movimento e da postura devido a um defeito ou lesão do cérebro imaturo"[3]. Atualmente define-se PC como "um grupo de desordens permanentes do desenvolvimento do movimento e da postura, causando limitações funcionais que são atribuídas a alterações não progressivas que ocorreram no cérebro imaturo. As alterações motoras da Paralisia Cerebral são frequentemente acompanhados por alterações da sensação, perceção, cognição, comunicação e comportamento, por epilepsia e por problemas músculo-esqueléticos secundários"[4].

A Paralisia Cerebral é classificada segundo considerações anatómicas e motoras [3,5]. Anatomicamente é classificada como diplegia, hemiplegia e tetraplegia (mais frequentes) e monoplegia e triplegia (menos comuns). A nível motor pode- se classificar como espasticidade, discinesia (inclui hipotonia, movimentos atetósicos, coreia), ataxia e misto[3,5,6].

As crianças com PC têm um risco aumentado de desenvolver escoliose, podendo agravar as alterações na capacidade motora e funcional.

A escoliose é uma deformidade comum em crianças e adolescentes com Paralisia Cerebral. A escoliose consiste no deslocamento lateral da coluna vertebral e é quase sempre associada com a rotação dos corpos vertebrais[7,8,9]. Dependendo da região da coluna afetada pelo deslocamento das vértebras, a escoliose é classificada como torácica, lombar ou toracolombar[8].

Para avaliar a gravidade da escoliose é utilizado o método de Cobb, que mede o ângulo de curvatura da coluna vertebral. A escoliose é definida como ângulo de Cobb > 10º[7,8].

A escoliose pode ocorrer em qualquer idade, mas tende a tornar-se clinicamente evidente durante os períodos de rápido crescimento somático[8]. A sua prevalência varia entre 15% e 80% dependendo das diferentes definições de escoliose utilizadas, assim como diferenças nos grupos etários, tipo e gravidade de PC[10].

As alterações na coluna vertebral em crianças com PC aparecem em idades precoces, podendo as cintas medicinais diminuir a velocidade de progressão da curvatura[10]. As curvaturas com ângulo Cobb> 40º, em crianças com menos de 15 anos de idade, estão associadas a uma progressão mais rápida da escoliose, sendo importante, nestes casos o tratamento cirúrgico[7,11].

A escoliose em crianças com PC desenvolve-se devido à combinação de fatores como espasticidade, fraqueza muscular e deficiente controlo muscular, que resultam em alterações no equilíbrio e nas suas capacidades motoras e funcionais[2].

Estão associados problemas como dificuldades ao sentar, aparecimento de úlceras de pressão (devido a cargas assimétricas causadas pela escoliose), disfunção cardiopulmonar (resultado da deformidade da coluna vertebral seguida de distorção do tórax), disfunção gastrointestinal (por exemplo refluxo gastrointestinal, problemas de deglutição e aspiração dos alimentos) e dor [1,2].

O Gross Motor Function Classification System (GMFCS) é um sistema de classificação da capacidade motora em crianças com Paralisia Cerebral.

O GMFCS é largamente usado pelos profissionais de saúde para determinar decisões clínicas de reabilitação futura. É uma classificação baseada nas limitações funcionais, na necessidade de aparelhos auxiliares de locomoção (canadianas, andarilho e cadeira de rodas) e na qualidade do movimento[12].

Varia entre nível I e nível V, em que as crianças classificadas como GMFCS nível I realizam as mesmas atividades que os seus pares, mas com alguma dificuldade na velocidade, equilíbrio e coordenação, enquanto as crianças GMFCS nível V têm dificuldades em manter posturas anti gravitacionais da cabeça e do tronco e no controlo voluntário do movimento, sendo dependentes para todas as atividades[13].

O tratamento da escoliose em crianças com PC tem como objetivo manter ou melhorar as capacidades funcionais, bem como a qualidade de vida. A tomada de decisão relativamente ao tratamento deve ser adaptada a cada doente e deve ser baseada na relação risco-benefício, bem como nas comorbilidades existentes[2].

O tratamento conservador, como o uso de cintas medicinais e adaptadores para cadeira de rodas, são utilizados sobretudo como medida de suporte, mas não previnem eficazmente a progressão das deformidades na coluna[2,11]. Está bem documentado, que o tratamento cirúrgico tem um impacto positivo na qualidade de vida dos doentes com deformidades graves, levando a uma melhoria no equilíbrio e nas capacidades funcionais[2]. As principais indicações para o tratamento cirúrgico são a rápida progressão da escoliose e a perda significativa das capacidades motoras e funcionais[11].

O conhecimento da prevalência e incidência da escoliose e das suas caraterísticas numa população de crianças com Paralisia Cerebral, é importante para o planeamento da saúde e análise do risco de uma criança com PC, bem como para a criação de programas de deteção precoce da escoliose[10].

MATERIAL E MÉTODOS Realizou-se um estudo epidemiológico retrospetivo, numa população total de crianças com Paralisia Cerebral, entre os 6 e 12 anos de idade, completados até 28 fevereiro de 2013, seguidas em consulta na Associação do Porto de Paralisia Cerebral (APPC). A análise dos registos clínicos e imagiológicos de todos os doentes foi previamente aprovada pela Comissão de Ética para a Saúde do Hospital de São João, mediante autorização dos respetivos Diretores de Serviço e Conselho de Administração do Hospital.

Numa primeira fase, analisaram-se os registos clínicos e imagiológicos de todos os doentes seguidos em consulta na APPC. Analisaram-se também os registos clínicos e imagiológicos das crianças que foram orientadas para consulta de Ortopedia Infantil no Centro Hospitalar de São João (CHSJ), no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia (CHVNG) e no Centro Hospitalar do Porto - Hospital de Santo António (HSA).

Seguidamente registaram-se os seguintes dados: 1) dados individuais: sexo e idade; 2) Tipo de Paralisia Cerebral; 3) nível de GMFCS; 4) ângulo de Cobb na última avaliação radiológica.

O tipo de Paralisia Cerebral foi classificado segundo uma tipologia anatómica (diplegia, hemiplegia e tetraplegia) e motora (espasticidade, ataxia, discinesia e misto), tal como se apresentava descrito nos processos clínicos.

Para avaliar o nível de GMFCS recorreu-se aos registos clínicos, das consultas de Medicina Física e Reabilitação e de Ortopedia Infantil, para avaliar a capacidade motora e funcional da população em estudo.

Para avaliar o ângulo de Cobb, recorreu-se aos registos imagiológicos das crianças seguidas em consulta de Ortopedia Infantil nos diferentes Hospitais.

Numa última fase, os dados foram introduzidos numa base de dados e tratados, usando o programa informático SPSS ® (versão 21.0). Recorreu-se à estatística descritiva, sob a forma de percentagens, para descrever os resultados obtidos.

O nível de significância utilizado para os testes estatísticos utilizados (teste de qui-quadrado) foi de 0,05.

RESULTADOS Do processo de análise dos registos clínicos e imagiológicos de uma população total de crianças com PC, entre os 6 e 12 anos, seguidas em consulta na APPC resultou uma amostra de 157 crianças.

As características da amostra estudada estão sumariadas na Quadro_I. Esta amostra apresenta a seguinte distribuição de sexos: 55% do sexo masculino e 45% do sexo feminino. A média de idades é de 8 anos.

Da amostra total 85% não apresentava escoliose, enquanto 15% apresentavam escoliose (Quadro_I).

Fazendo a distribuição do nível de GMFCS, a grande maioria dos doentes (41%) estavam no nível GMFCS I ou II; 10% estavam no nível GMFCS III; cerca de metade dos doentes (49%) apresentava um GMFCS nível IV ou V. Utilizando o Teste Exato de Fisher, distribuiu-se o nível de GMFCS em função da presença ou não de escoliose e verificou-se que, 80% das crianças com escoliose estavam no nível GMFCS V, sendo este um resultado estatisticamente significativo (p <0.001).

Para além disso, verificou-se que um terço das crianças com nível GMFCS V tem escoliose (Quadro_II).

Quadro_II

A distribuição do tipo anatómico de PC em função da escoliose, sumariada na Quadro_III, apresenta um resultado estatisticamente significativo, verificando- se que 88% das crianças com escoliose apresentavam tetraplegia (p<0.001).

Quadro_III

Realizou-se também a distribuição entre o tipo motor de PC e a presença ou não de escoliose, utilizando o Teste Exato de Fisher, não se verificando diferenças estatisticamente significativas (p= 0.112) (Quadro_IV).

Quadro_IV

Sabe-se da literatura, que a escoliose aumenta com a idade. Foi analisado para este estudo, se haveria relação entre a idade e a escoliose. Fez-se a distribuição das crianças em 2 grupos etários, dos 6 aos 8 anos e dos 9 aos 12 anos, não sendo encontradas diferenças estatisticamente significativas entre a idade e a presença de escoliose (p= 0.394). Verificou-se no entanto, que o Valor Preditivo Positivo aumentou consideravelmente entre os diferentes grupos [VVP (6-8anos) = 28.6 e VPP (9-12 anos) = 42,3], sugerindo assim que possa haver uma tendência para que essa relação ocorra (Quadro_V).

DISCUSSÃO O conhecimento da prevalência e incidência de escoliose e das suas caraterísticas numa população de crianças com Paralisia Cerebral é importante para o planeamento da saúde e análise do risco individual, bem como para a criação de programas de deteção precoce da escoliose.

Sabe-se, pela literatura, que a incidência de escoliose varia devido aos grupos de estudo, idade e tipo de Paralisia Cerebral, logo para comparar a incidência entre os diferentes estudos é necessário ter em conta estas características.

Neste estudo foi avaliada a incidência de escoliose numa população total, bem definida, de crianças com Paralisia Cerebral entre os 6 e 12 anos, constituindo uma força para o estudo.

O tamanho da amostra (n=157) é em si uma limitação deste estudo, pois, sabe-se pela literatura, que a prevalência de escoliose em crianças com Paralisia Cerebral varia entre 15% e 80% dependendo das diferentes definições de escoliose utilizadas, assim como diferenças nos grupos etários, tipo e gravidade de Paralisia Cerebral. Neste estudo a prevalência de escoliose é 15%, sendo que um aumento do tamanho da amostra seria uma mais-valia para os resultados.

No que diz respeito à análise dos dados clínicos, todas as crianças são seguidas em consulta na APPC, contudo nem todas cumpriam o seguimento de consultas regulares anuais, sendo esta uma limitação, pois alguns dos dados registados podem não estar em conformidade com a atual situação clínica destas crianças.

Uma das limitações deste estudo prende-se com o fato das crianças serem referenciadas para consulta de ortopedia e fazerem o exame radiográfico da coluna quando existe suspeita clínica. Não é de excluir que algumas crianças possam ter escoliose, ainda sem tradução no exame físico, levando a que alguns elementos desta amostra possam ser falsos negativos.

Relativamente à classificação do tipo de Paralisia Cerebral, utilizou-se a nomenclatura que constava nos registos clínicos, classificando-se a forma motora como espasticidade, ataxia, discinesia e misto, e a forma anatómica como diplegia, hemiplegia e tetraplegia. Alguns estudos apresentam algumas diferenças nesta classificação, como por exemplo classificando a espasticidade como unilateral ou bilateral[10].

No que diz respeito ao grupo etário selecionado, sabe-se pela literatura, que a incidência de escoliose aumenta com a idade. Neste estudo, e estratificando o grupo etário, não se verificou essa relação, apesar de se verificar uma tendência. Isto deve-se ao facto, de a escoliose aparecer sobretudo em crianças com mais de 8 anos, quando entram numa fase de rápido crescimento somático.

Neste caso o grupo etário é baixo (6 a 12 anos), não se verificando por isso, uma incidência muito alta de escoliose. Torna-se assim importante acompanhar o crescimento destas crianças, para tentar detetar precocemente o aparecimento de escoliose e tomar medidas de suporte e tratamento logo que possível. Este estudo levanta assim a questão se haverá um ponto de corte médio de idade e de nível de GMFCS, onde seja possível verificar essa relação com a escoliose e adotar assim as medidas e tratamentos necessários.

A comparação do nível de GMFCS com outros estudos não é fácil, pois esta classificação varia com a idade. Sabe-se pela literatura, que as crianças GMFCS nível I-II não apresentam um risco superior de desenvolver escoliose comparando com as crianças sem PC. Sabe-se também, que o risco de escoliose é maior em crianças mais velhas e com GMFCS nível IV-V. Neste trabalho verificou-se que as crianças GMFCS nível V possuem maior probabilidade de desenvolver escoliose.

É também importante trabalhar no sentido de uma maior cooperação entre os Serviços de Medicina Física e Reabilitação e Ortopedia Infantil. A existência de consultas conjuntas poderá contribuir para um melhor acompanhamento e tratamento destas crianças.

Verificou-se que uma relação estatisticamente significativa entre a presença de escoliose, o GMFCS nível V e a tetraplegia. Não existe um resultado estatisticamente significativo entre o tipo motor de Paralisia Cerebral e a escoliose. Não se obteve, para este estudo, um resultado estatisticamente significativo entre os grupos etários e a escoliose.

Assim, para analisar o risco de uma criança desenvolver escoliose deve-se ter em atenção o nível de GMFCS e o tipo anatómico de Paralisia Cerebral.

Em função dos resultados, se recomenda que todas as crianças GMFCS IV e V devam fazer um Raio-X anual para rastreio de escoliose, a partir dos 6 anos de idade, dada a elevada prevalência nesta população.

Conclui-se assim que as crianças GMFCS nível V e tetraplegia têm maior probabilidade de desenvolver escoliose. Dada a elevada prevalência de escoliose nas crianças com GMFCS IV e V, este estudo mostra a necessidade de todas serem rastreadas, pelo menos, após os 6 anos.


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