Há alguma diferença entre as próteses de disco cervicais?
INTRODUÇÃO
A artroplastia cervical na discopatia degenerativa surgiu como uma alternative
à artrodese cervical anterior visando eliminar a "doença do nível adjacente"
que assombra as elevadas taxas de fusão da artrodese, superiores a 90% [1, 2].
Admite-se que os níveis adjacentes à fusão estão sujeitos a um aumento da
pressão intradiscal que associado à mobilidade levam a um stress biomecânico e
doença do disco adjacente. O estudo de longo-prazo de Hilibrand et al[2]
engloba 374 doentes submetidos a artrodese cervical anterior e verificam uma
incidência da doença do nível adjacente simtomática em 2,9% por ano durante os
primeiros 10 anos pós-fusão, e 2/3 destes requerem nova operação. Identificam
ainda os níveis C5-C6 e C6-C7 tendo um risco 4,6 vezes maior.
Cummins[3] encorajou a artroplastia cervical desde que foi desenvolvida em 1991
uma vez que paralelamente à descompressão neurológica preserva mobilidade e
estabilidade segmentar o que evita a precipitação de alterações degenerativas e
novas intervenções cirúrgicas.
Os resultados clínicos da artroplastia cervical são comparáveis à artrodese
cervical acrescentando a vantagem da preservação da função dinâmica, menor
stress biomecânico no nível adjacente, não necessita enxerto ósseo e permite
mobilidade imediata com retorno precoce a atividades e baixa taxa de
complicações[4]. Estas vantagens são ainda mais importantes nos doentes jovens.
As próteses de disco apresentam diferentes materiais, design, técnica cirúrgica
e mobilidade[5].
Os autores propuseram-se comparar a eficácia de diferentes próteses de disco
cervical avaliando a dor, disfunção e complicações.
MATERIAL E MÉTODOS
Retrospectivamente foram avaliadas as próteses de disco cervical realizadas no
Serviço de Ortopedia entre 2004 e 2010 com um total de 26 implantes em 22
doentes. Todos os doentes apresentaram discopatia com hérnia discal (HD) em um
ou 2 níveis conforme imagens de ressonância magnética.
Os resultados de 5 póteses Baguera® realizadas entre 2008 e 2010 foram
comparadas com os resultados de 14 Prestige®, 4 PCM® e 3 Bryan® realizadas
desde 2004.
Em todos os doentes foi avaliada a dor e disfunção através da escala visual
analógica (VAS) e Neck Disability Index (NDI) e foi inquirido o grau de
satisfação. As radiografias pré e pós-operatórias estáticas e dinâmicas foram
avaliadas por um observador cego independente para determinar mobilidade,
estabilidade e alterações degenerativas.
Os resultados foram analizados com SPSS® 19 Statistics software, e o Chi-
Square, Mann-Whitney e t-Student Test foram aplicados para comparar as
variáveis dos 2 grupos. O nível de significância estatística foi definido como
p<0.05.
RESULTADOS
Todos os 22 doentes assumem resultados satisfatórios (bom ou excelente).
O gráfico_1 mostra a distribuição anatómica. A artroplastia cervical realizou-
se em 2 níveis em 4 doentes com a prótese Prestige®.
As 5 próteses Baguera® foram em doentes do sexo feminino com idade média de
32.2±9.5 anos e follow-up médio 20.2±13.7 meses (12-33 meses). O VAS médio
diminuiu de 7.6/10 para 1.4/10, o NDI pré-operatório foi em média 70%
melhorando para 9.2% no follow-up final o que corresponde à alteração de
disfunção severa para ligeira, e apresentou mobilidade total média de 8.28º
(Fig.1). Este grupo não apresentou nenhuma complicação nem "doença do
nível adjacente".
Entre os restantes 17 doentes com próteses Prestige®, PCM® e Bryan® 16 (94.1%)
foram do sexo feminino, com idade média 42.8±6.7 anos. Os 21 implantes
apresentam follow-up médio de 55.2±15.8 meses (20-69 meses). Neste grupo o VAS
médio pré-operatório diminuiu de 7.7/10 para 2.9/10 no follow-up final: 7.9
para 1.9 Prestige®; 7.75 para 5.25 PCM® e 7.33 para 1.33 Bryan®. O NDI médio
inicial foi 54% melhorando para 23.3% no pós-operatório: 52.9% para 19.2%
Prestige®; 58.6% para 43.7% PCM® e 50.9% para 7.7% Bryan®. A melhoria no NDI
corresponde a uma alteração modesta de disfunção severa para moderada. A
mobilidade funcional total foi em média 5.4º: 3.64º Prestige® (Fig.2); 5º PCM®
e 7.67º Bryan®. Foram registadas complicações em 4 (9.5%) doentes: 2 casos com
Prestige® apresentaram mielopatia cervical persistente e necessitaram de
reintervenção com extração da prótese e artrodese cervical anterior; e 2
doentes com Prestige® apresentaram ossificação heterotrópica grau II/III e
perda total de mobilidade no nível da prótese.
O follow-up do grupo misto foi significativamente maior (p=0.02), no entanto,
as complicações registadas ocorreram em média aos 16.3±4.3 meses (9-20 meses),
período em que não foram registadas complicações no grupo Baguera®. A taxa de
complicações não foi significativamente diferente entre os grupos (p=0.53).
Os grupos não se verificam ser significativamente diferentes quanto à idade,
sexo e níveis de distribuição (p>0.05).
Este estudo compara a prótese Baguera® com outras 3 próteses de disco cervical
e o grupo Baguera® apresenta significativa superioridade de mobilidade (Gráfico
2) e função (Gráfico_3). Ao comparar doentes com disfunção final nula/ligeira e
severa/completa, as próteses Baguera® apresentam vantagem sobre as restantes 3
(Gráfico_4). A avaliação da dor não foi significativamente diferente (Gráfico
5)
DISCUSSÃO
A artroplastia cervical é uma opção dinâmica na discopatia degenerativa, uma
técnica recente e dependente da experiência, e visa eliminar sintomas, manter a
mobilidade intervertebral e diminuir o stress no nível adjacente de forma a
evitar as complicações e limitações associadas à artrodese cervical. Existem
diversas próteses de disco, com diferentes materiais e variações no design,
cinemática e princípios de integração e fixação[4, 5].
Verificou-se perda de mobilidade nas próteses Prestige®, Bryan® e PCM®, em
média aos 4.6 anos de follow-up.
A rotação axial da prótese Bryan® não é constritiva e tem sido reportado um
movimento anormal no centro de rotação associado a dor com origem nas
articulações facetárias que se relaciona com o posicionamento da prótese (4, 6,
7). Apenas apresenta uma medida de altura e a técnica de inserção é complexa,
exigindo preparação das plataformas vertebrais e posicionamento da prótese
precisos. Na literatura, doentes submetidos a artroplastia com prótese Bryan®
apresentam perda focal de lordose no segmento tratado[5].
A prótese Prestige® é semiconstrictiva, tipo ball-and-socket o que permite uma
grande translação com a rotação, flexão-extensão e mesmo graus reduzidos de
lateralização devido à sua configuração[4].
As plataformas da prótese PCM® estão desenhadas para ajustar à curvatura das
plataformas vertebrais e maximizar a carga lateralmente. Trata-se de um
implante tipo press fit que não necessita fixação e baseia-se na mobilidade em
delta limitada pelas articulações facetarias em vez da rotação angular das
próteses ball-and-socket. No entanto, este tipo de movimento poderá causar
maior stress nas articulações facetarias[4].
A prótese Baguera® apresenta uma forma anatómica, permite inserção fácil e
ajuste adequado entre as plataformas vertebrais, tecnicamente simples e menos
agressiva, o que pode reduzir perdas sanguíneas, fibrose e aderências. Segue o
princípio ball-and-socket com rotações e translação antero-posterior e medial-
lateral. O design da face inferior e o revestimento com polietileno
proporcionam deformação elástica, absorção do choque e vibrações.
Neste estudo, a prótese de disco Baguera® apresenta superioridade na mobilidade
e função comparativamente com as outras 3 próteses de disco juntas.
Apesar do follow-up diferente, não se registaram complicações na prótese
Baguera® com 20.2 meses de follow-up médio e no grupo misto ocorreram 9.5% de
complicações em média aos 16.3 meses. Não se verificou doença do disco
adjacente em ambos os grupos e apenas 2 doentes desenvolveram ossificação
heterotrópica grau II/III no grupo misto, provavelmente mais relacionado com
características individuais.
A artroplastia cervical tenta repor o disco biomecanicamente e manter a
mobilidade fisiológica o mais aproximada possível. Na literatura, os resultados
são comparáveis com artrodese, em geral com bons resultados clínicos e
reduzidas taxas de complicações associadas[3-7]. Atualmente decorrem
investigações na discopatia degenerativa para regeneração do disco recorrendo
às Stem Cells.
Os resultados deste estudo são favoráveis para conduzir a otimização da
artroplastia cervical e apenas com estudos a longo prazo será possível
determinar se as vantagens teóricas da prótese de disco Baguera® continuam a
traduzir benefícios clínicos.
CONCLUSÃO
As próteses de disco cervical são efetivas e recomendadas para doentes
selecionados, respeitando as indicações. A prótese Baguera® apresenta vantagens
teóricas e mostra-se superior em mobilidade e função, mas o follow-up ainda é
limitado para estabelecer orientações. As restantes 3 próteses avaliadas
perderam mobilidade.
São necessários mais estudos para analisar as diferenças entre próteses, com
nível único ou múltiplo, e comparar resultados a longo prazo.
Agradecimentos:
Os autores agradecem aos técnicos de radiologia do Departamento de Radiologia
do C.H.Porto pelo empenho e trabalho em equipa