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EuPTCVHe1646-69182013000100003

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National varietyEu
Year2013
SourceScielo

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O impacto do conceito de Gânglio Sentinela na sobrevivência livre de doença e globale na recorrência axilar de doentes com Cancro da Mama

INTRODUÇÃO O Conceito de Gânglio Sentinela (GS) surgiu como uma forma de melhorar o estadiamento de doentes com Cancro da Mama (CM) e de reduzir a morbilidade do Esvaziamento Axilar (EA). Estas duas vertentes foram confirmadas em numerosos estudos publicados na última década [1, 2, 3].

No entanto, existe um risco documentado de falsa negatividade da técnica, que varia entre 5 a 10% [4, 5, 6]. Este problema poderá implicar um risco de recorrência ganglionar axilar, bem como de metastização à distância. Para além disso, a falsa negatividade resultará num sub-estadiamento da doença, que poderá acabar em sub-tratamento. Estes aspectos tornam obrigatório que os centros que tratam doentes com CM desenvolvam programas rigorosos de aplicação da técnica e de acompanhamento pós-operatório.

A evidência publicada até agora, com acompanhamento de médio ou longo prazo, é diminuta. Para do melhor estadiamento e da menor morbilidade, os ensaios disponíveis mostram que as recorrências axilares após biópsia de GS são tão baixas quanto as verificadas após EA e são inferiores às esperadas. Na fase de validação da técnica, o grupo de Veronesi relata uma taxa de falsos negativos de 6.7% [7]; na fase de consolidação publica uma taxa de falsos negativos de 8.8% [8] e, posteriormente, num estudo observacional com mediana de acompanhamento de 48 meses, publica uma taxa de recorrência ganglionar axilar, após biópsia de GS negativo, de 0.9% [9].

A taxa de falsa negatividade encontrada na fase de validação que decorreu na nossa Instituição foi de 7.1% [6]. O objectivo deste trabalho é o de avaliar o impacto do conceito de GS na recorrência ganglionar axilar, na sobrevivência global e livre de doença, após um acompanhamento de longo prazo.

DOENTES E MÉTODOS Tipo de estudo e selecção de participantes No Serviço de Oncologia Cirúrgica do Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil - Centro do Porto desenvolvemos dois estudos sequenciais, controlados, prospectivos, aleatorizados e observacionais, e de não-superioridade, aprovados pela Comissão de Ética da Instituição.

O primeiro estudo, adiante designado por estudo 1(Figura_1), admitiu doentes com idades entre 18 e 80 anos, com o diagnóstico de CM invasor de tamanho igual ou inferior a 30mm ou de Carcinoma Ductal In Situ(CDIS), de diametro superior a 40mm, e sem ganglios axilares palpáveis. O tamanho do tumor foi definido através de exame físico, mamografia ou ecografia mamária. Os critérios de exclusão foram: gravidez, tratamento neoadjuvante ou cirurgia axilar prévia. A fase de admissão decorreu de abril de 2001 a junho de 2003.

O segundo estudo, adiante designado por estudo 2, foi dividido em dois grupos.

O grupo A recebeu doentes com CDIS de diametro superior a 40mm ou de alto grau e doentes com CM invasor de tamanho igual ou inferior a 20mm. O grupo B recebeu doentes com CM invasor de tamanho igual ou superior a 21mm e igual ou inferior a 50mm, sem ganglios axilares palpáveis. Os critérios de exclusão absolutos foram: gravidez, tratamento neoadjuvante, multicentricidade óbvia, carcinoma bilateral da mama (apenas para o grupo B), antecedentes de outras patologias oncológicas (excepto tumores da pele não melanoma ou Carcinoma In Situdo útero). Os critérios de exclusão relativos foram: cirurgia axilar prévia e multifocalidade. A fase de admissão ao estudo 2 decorreu entre setembro de 2003 e janeiro de 2005.

Todos os doentes assinaram um consentimento informado.

Técnica de identificação, definição de GS e processo de aleatorização A técnica de identificação do GS desenvolvida na Instituição é uma técnica tripla, que combina a utilização de radioisotopos com injecção peritumoral e colheita de imagens em gamma-camara fixa, injecção de corante vital no plexo subareolar e pesquisa de pontos quentes com sonda portátil. Foi pormenorizadamente descrita [3, 6].

O GS define-se como um gânglio de cor azul, um gânglio adjacente a um canal linfático azul, um gânglio "quente" (gânglio com maior actividade radioactiva e todos os outros com contagens superiores a 10% do primeiro) e todos os gânglios suspeitos, quer na inspecção quer na palpação.

Depois da biópsia os gânglios eram imediatamente estudados pelo Anatomo- Patologista, com citologia por imprint e um corte de congelação [10].

Perante o resultado do exame extemporaneo do GS era tomada a decisão sobre a conduta a seguir. Se o GS estava metastizado era realizado de imediato EA.

No estudo 1, se o GS não estava metastizado, era realizada aleatorização entre dois braços. O braço 1, de controle, em que era realizado EA e o braço 2, de estudo, em que não era realizado outro procedimento complementar. Esta aleatorização foi estratificada em função da idade do doente (menos de 50 anos vs mais de 50 anos), do estadio tumoral (cT1a vs cT1b vs cT1c vs cT2) e do padrão de invasão (invasor vs in situ).

No estudo 2, no grupo A, sempre que o GS não apresentava metastização não era realizado outro procedimento adicional. No grupo B (tumores uT2), sempre que o GS não apresentava metastases era realizada aleatorização de forma identica à descrita acima para o estudo 1.

O diagnóstico anatomopatológico defintivo foi definido pela inclusão total do GS e de múltiplos cortes de 2mm, corados por hematoxilina-eosina (HE). Os gânglios não-sentinela foram avaliados em um único corte corado com HE. Não foram feitos estudos imunohistoquímicos.

O acompanhamento Os doentes foram observados em consulta externa a cada 3 meses nos primeiros 3 anos, de 6 em 6 meses até completarem 5 anos e, depois, anualmente. A avaliação clínica da mama foi feita com base na inspecção e palpação, com mamografia anual; a avaliação axilar baseou-se únicamente na palpação axilar, sendo realizada ecografia axilar apenas em situações de dúvida.

Análise estatística Os dados demográficos, os referentes aos actos operatórios e os referentes ao acompanhamento foram registados prospectivamente numa base de dados institucional. As provas estatísticas utilizadas foram a Mann-Whitney (para comparar medianas), o teste de Fisher e o Qui-Quadrado de Pearson (para comparar proporções). Avaliou-se a probabilidade de sobrevivência com o método Kaplan-Meier e fizeram-se comparações com o teste log-rank. Foi utilizado o SPSS 17.0 (SPSS Inc., Chicago, Illinois, EUA).

RESULTADOS Esta revisão incluiu 394 doentes, 166 pertencentes ao estudo 1 e 228 pertencentes ao estudo 2 (Fig._1). A mediana da idade da totalidade dos doentes foi de 55 anos (variação: 20-78). A mediana do tamanho do tumor foi de 17mm (variação: 1-80). A generalidade das características demográficas, operatórias e anatomopatológicas estão descritas na tabela_I.

No grupo de doentes pN0 submetidos a EA, a SG e a SLD médias foram, respectivamente, 93 e 99 meses; a SG e a SLD aos 5 anos foram, respectivamente, 92 e 100%.

No grupo de doentes pN0 submetidos apenas a biópsia de GS, a SG e a SLD médias foram, respectivamente, 98 e 97 meses; a SG e a SLD aos 5 anos foram, respectivamente, 98 e 99%.

Verificamos vantagem com significado estatístico na SG média para os doentes poupados ao EA (98 vs 93 meses; p=0.003). O mesmo não se verificou relativamente à SLD: grupo EA, 99 meses e grupo GS, 97 meses (p=0.43).

Nas figuras 2 e 3 apresentamos as curvas de sobrevivência global e livre de doença.

Sempre que a linfocintigrafia revelou pontos-quentes na cadeia ganglionar da artéria mamária interna (CMI) foi tentada a biópsia dos referidos GS. Esta foi conseguida em 16 de 22 casos (72.7%) no estudo 1 (contra uma taxa de identificação de GS axilar de 99.4%) e em 27 de 39 casos (69.2%) no estudo 2 (contra uma taxa de identificação do GS axilar de 95.2%). Em dois casos o GS da CMI estava metastizado juntamente com o GS da axila. Em outros dois casos foram identificadas metastases exclusivamente nos GS da CMI (um destes casos pertencia ao estudo 1 e foi submetido a EA em função da randomização e o outro pertencia ao estudo 2, grupo A, e não foi submetido a EA). Foi identificado ainda um outro caso com permeação vascular linfática de linfáticos da cápsula do GS da CMI, com GS axilar negativo.

Nesta série de 394 doentes e com um período de acompanhamento mediano de 66 meses não foram detectadas recorrências locais (na mama operada) ou ganglionares axilares (na axila homolateral).

Os eventos identificados ao longo do período de acompanhamento estão descritos na tabela_II.

DISCUSSÃO O objectivo deste trabalho é o de avaliar prospectivamente a acuidade do conceito de GS em doentes com Cancro da Mama inicial, com um acompanhamento de longa duração (superior a 5 anos).

A evidência da eficácia do conceito de GS quanto aos resultados de longo prazo no tratamento do CM é, ainda, escassa. Os trabalhos analisados para a elaboração deste artigo (tabela_III) apresentam amostras que variam entre 149 e 3548 pacientes e tempos medianos de acompanhamento que vão de 32 a 77 meses. O presente estudo, com 394 doentes e 66 meses de acompanhamento mediano, tem condições para demonstrar resultados sedimentados.

Os resultados obtidos relativamente à sobrevivência global e à sobrevivência livre de recorrência, comparando os doentes submetidos a EA com os doentes submetidos apenas a GS, revelam semelhança nos dois grupos; além disso, são sobreponíveis aos publicados em outras séries. De realçar a vantagem na sobrevivência global para os doentes submetidos apenas a GS. Este facto foi também observado por outros autores [11]. Esta parece ser mais uma vantagem dos doentes pN0 tratados apenas com biópsia de GS. Os doentes com GS negativo representam um grupo selecionado de doentes que são verdadeiros pN0. O estadiamento mais apurado, e a consequente migração de estadio, poderão ajudar a explicar esta vantagem na sobrevivência [11]. No entanto, no nosso estudo todos os doentes (os do ramo 1 e os do ramo 2) foram submetidos a biópsia e estudo anatomo-patológico do GS, o que contraria aquela putativa vantagem.

Poder-se-à especular com ganhos imunológicos pela conservação de gânglios axilares aos quais, eventualmente, foram apresentados produtos ou células tumorais e que, em consequência, estarão preparados para a produção de meios de defesa regionais e sistémicos.

No nosso estudo não observamos nenhum caso de recorrência ganglionar axilar após GS negativo. Este facto não é muito vulgar na literatura [12]; de qualquer modo, este evento - recorrência axilar - surge com baixa frequência, variando nos estudos analisados entre 0.3 e 2.7% [13, 14], valores sobreponíveis aos tradicionalmente encontrados para a recorrência axilar após EA [15].

Ainda dentro das vantagens quanto ao estadiamento ganglionar fica a identificação de áreas "secundárias" de drenagem. Destas, a mais saliente é a cadeia ganglionar da artéria mamária interna. Classicamente, a metastização dos gânglios da CMI tem sido associada a pior prognóstico [16]. No nosso trabalho, a drenagem para a CMI foi observada em 15.5% dos doentes (61 em 394); destes, foi possível biopsar um GS em 70.5% (43 em 61). Neste grupo de 43 doentes foram identificadas metastases na CMI em 4 (9.3%), dos quais dois de forma exclusiva (ou seja, GS axilar sem metastização).

Outras séries relatam taxas de drenagem para a CMI de 22%, de identificação e biópsia de 69% e de metastização de 24% [17] ou de 13, 68 e 15%, respectivamente [18].

Definitivamente, o conceito de GS garante um estadiamento ganglionar correcto de cada CM, tornando desnecessário o EA sempre que o GS não apresenta metastização. Por outro lado, a atitude terapêutica perante um GS metastizado tem vindo a ser questionada, quer pelo facto de mais de metade dos doentes não apresentarem gânglios não-sentinela metastizados, quer por surgirem estudos que provam a ausência de efeitos negativos, sobre a sobrevivência global, a sobrevivência livre de doença ou a recorrência axilar, da não realização de esvaziamento ganglionar.

A pedrada no charco vem do ensaio ACOSOG Z0011, publicado recentemente por Giuliano e colaboradores [19]. Este ensaio multicentrico (115 instituições), randomizado e de não-inferioridade, comparou dois grupos de doentes pN+sn: um grupo controle (n=420), em que todas as doentes foram submetidas a EA e um grupo de estudo (n=436), em que todas as doentes foram poupadas ao EA. Após um acompanhamento mediano de 76 meses, no que respeita a sobrevivência global e livre de doença, verificou-se que os dois grupos apresentam resultados semelhantes, com uma ligeira vantagem para o grupo poupado ao EA.

Os resultados do nosso estudo, com um acompanhamento de longa duração, vêm contribuir para uma definitiva assunção do conceito de GS como o método adequado para o estadiamento ganglionar em doentes com Cancro da Mama.


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