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EuPTCVHe1646-69182013000100005

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National varietyEu
Year2013
SourceScielo

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Prevalência do Síndrome de Frey após Parotidectomia

INTRODUÇÃO O Síndrome de Frey, também conhecido por Síndrome Auriculo-Temporal, caracteriza-se pela sensação de calor, eritema e sudorese da face no território da glândula parótida. Este síndrome pode-se desenvolver após traumatismo, infecção, parotidectomia ou cirurgia da articulação temporomandibular e é iniciado por qualquer estímulo gustatório (degustar, conversar ou imaginar alimentos). O eritema é mais comum nas mulheres enquanto a sudorese é mais comum nos homens1-2.

Apesar da origem do epónimo do Síndrome Auriculo-Temporal se dever ao trabalho da neurologista polaca Lucie Frey em 1923, a primeira descrição dos sintomas deste síndrome aconteceu muitos anos antes. A primeira descrição é atribuída ao relato de Baillarger em 1853 após drenagem de abcesso parotídeo, apesar da patofisiologia estar incorrecta, pois Baillarger relacionava a sudorese com o bloqueio do ducto de Stenon. Nos anos seguintes diversos autores como Rouyer, Borwn-Séquard e Weber descreveram vários casos de Síndrome de Frey traumáticos ou secundários a drenagens de abcessos. O epónimo deste síndrome foi atribuído a Lucie Frey pelas suas contribuições importantes no reconhecimento da inervação simpática e parassimpática da glândula parotídea, pela descoberta do arco reflexo entre a sudorese e o nervo aurículo-temporal, e a constatação do atraso temporal entre a lesão e o aparecimento do síndrome. Contudo a explicação patofisiológica deste síndrome, que se baseia na teoria da regeneração errónea entre os sistemas parassimpático e simpático, é atribuída a André Thomas pela descrição publicada em 1927. O primeiro caso de Síndrome de Frey após parotidectomia, que actualmente é a causa mais frequente deste síndrome, foi descrito em 1932 por Peter Nassoe3.

A teoria actualmente aceite é a teoria da regeneração aberrante na qual fibras parassimpáticas do nervo aurículo-temporal são lesadas durante a cirurgia e no processo de regeneração estas fibras juntam-se às fibras simpáticas das glândulas sudoríparas subcutâneas. Assim, o reflexo salivar que ocorre durante a mastigação para além de induzir a produção de saliva também vai induzir a sudorese e eritema da região parotídea. Os sintomas habitualmente aparecem seis semanas a seis meses após a cirurgia, por causa do tempo necessário à regeneração nervosa, mas podem demorar mais tempo estando descrito na literatura casos que ocorreram 14 anos4.

A prevalência deste síndrome é altamente variável estando dependente da técnica cirúrgica e do método de diagnóstico do Síndrome de Frey - inquérito vsteste de Minor1. O teste de Minor, descrito pelo neurologista russo Victor Minor, é o único método disponível para avaliar objectivamente a sudação dos doentes com Síndrome de Frey5.

Diversos factores influenciam o aparecimento do Síndrome de Frey. Um desses factores que se encontra bem definido na literatura é a espessura do retalho cutâneo, um retalho mais espesso tem menor probabilidade de desenvolver o síndrome6.

Estão descritas diversas técnicas de interposição de barreiras a fim de prevenir a regeneração errónea das fibras parassimpáticas: retalho da fáscia temporoparietal; rotação do sistema musculoaponeurótico superficial; interposição do músculo esternocleidomastoideu e implantes sintéticos5-7. Os trabalhos que estudaram estas técnicas mostram diminuição da incidência de Síndrome de Frey6-7 mas, no entanto, o período de seguimento é curto e ainda não está bem explícito se estas técnicas previnem ou se apenas atrasam a regeneração nervosa6. Outra questão que ainda não está respondida é se estas técnicas de interposição (naturais ou sintéticas) não poderão mascarar o aparecimento de recorrência tumoral6. Outros trabalhos mostram que alguns implantes sintéticos estão associados a aumento da incidência de fístulas salivares5.

O objectivo principal do nosso trabalho é avaliar a incidência e a gravidade do Síndrome de Frey nos doentes submetidos a parotidectomia pelos mesmos dois cirurgiões da Unidade de Cabeça e Pescoço (UCP) de Cirurgia Geral do Hospital de Braga.

Para complementar apresentamos os dados referentes à persistência de paralisia do facial após a parotidectomia, relação entre a citologia da biópsia e a histologia da peça cirúrgica e seguimento oncológico.

MATERIAL E MÉTODOS Dos 42 doentes submetidos a parotidectomia desde a criação da UCP em Maio de 2005 foram excluídos nove doentes, tendo sido seleccionados para o estudo os restantes 33 doentes. Em nenhum doente foram utilizadas técnicas de prevenção do Síndrome de Frey, excepto a tentativa de conservar um retalho espesso (não passível de avaliação por ser um estudo retrospectivo e este dado não constar objectivamente nos relatos cirúrgicos).

Os critérios de exclusão foram: cirurgia menos de três meses (três doentes), doentes falecidos por causas não relacionados com patologia parotídea (quatro doentes), re-intervenção por recidiva de tumor da parótida (um doente), dificuldade em deslocar-se ao hospital por AVC (um doente).

A técnica cirúrgica utilizada para a realização da parotidectomia superficial foi a seguinte: 1) desinfecção da pele com solução de iodopovidona (Betadine® - Mundipharma, Basileia, Suíça); 2) infiltração de adrenalina diluída em cloreto de sódio a 0,9% ao longo do local da incisão; 3) incisão cutânea vertical pré-auricular prolongada posterior ao ângulo da mandíbula e depois ao longo do ramo da mandíbula 2cm inferior (incisão de Blair modificada ou Lazy S); 4) dissecção do retalho cutâneo anterior da cápsula da glândula parotídea com o cuidado de manter sempre o retalho o mais espesso possível; 5) identificação do tronco comum do nervo facial; 6) dissecção e preservação dos ramos do nervo facial; 7) ressecção do lobo superficial da glândula parotídea dissecado; 8) lavagem do campo cirúrgico com cloreto de sódio a 0,9%; 9) revisão da hemostase; 10) colocação de dreno aspirativo; 11) aproximação do tecido celular subcutâneo com com fio de poliglactina 3-0 (Vicryl® 3-0 - Ethicon Inc, New Jersey, EUA); 12) encerramento da incisão cirúrgica com cola biológica (Dermabond® - Ethicon Inc, New Jersey, EUA).

Os doentes foram convocados telefonicamente para compareceram no Hospital de Braga entre 7 e 23 de Novembro de 2011. Às mulheres foi-lhes comunicado previamente para comparecerem sem maquilhagem na face e aos homens para virem sem barba. A estes doentes foi-lhes realizado uma entrevista clínica sobre complicações pós-operatórias relacionadas com a parotidectomia e o grau de interferência dessas complicações na sua vida diária. Foi-lhes aplicado o teste de Minor para avaliação objectiva do Síndrome de Frey. Este teste não foi aplicado a um doente por referir alergia à iodopovidona. A todos os doentes foi-lhes pedido consentimento oral para a aplicação do questionário, para a realização do teste de Minor e para a documentação fotográfica dos resultados.

O teste de Minor foi realizado com a aplicação de solução alcoólica de iodopovidona a 7,5% (Braunol® - B. Braun Melsungen AG, Melsungen, Alemanha) nas regiões massetérica, pré-auricular, pós-auricular e temporal, depois de a solução ter secado na pele foi aplicado de amido. Foi oferecido ao doente uma rodela de limão para ser mastigada durante aproximadamente um minuto.

Posteriormente foi observada a presença ou não de coloração azul-escura na face do doente o que permitiria identificar os doentes com Síndrome de Frey. Este teste foi aplicado bilateralmente a fim de utilizar o lado não operado como controlo e assim poder excluir os falsos positivos. O teste de Minor foi considerado como positivo quando ocorreu alteração na coloração do de amido e negativo quando não ocorreu essa coloração. Os resultados positivos foram fotografados após a colocação de uma régua junto da coloração para posteriormente ser calculada a área através do programa Adobe Photoshop® CS4 (Adobe Systems Incorporated, São José, EUA).

A gravidade do Síndrome de Frey foi determinada de acordo com o modelo desenhado por Luna-Ortiz e colaboradores (2003)1 e por uma escala numérica contínua de 0-10 em que o valor "0" corresponde a inexistência de percepção de sudação e "10" uma sudação tão excessiva que inibisse o doente de ir jantar a casa dos pais/filhos.

RESULTADOS Os doentes convocados para este estudo correspondem a 78,6% dos doentes submetidos a parotidectomia pela UCP do Hospital de Braga. Os doentes apresentam média de idade de 49 anos, sendo a maioria do sexo feminino (54.5%).

A maioria das intervenções foram parotidectomias superficiais (97,0%) com lateralidade similar (direito 51,5%; esquerdo 48,5%) e tempo médio de cirurgia de 84 minutos (mínimo 50 minutos; máximo 114 minutos).

A maioria dos doentes foi proposta para parotidectomia por diagnóstico citológico de adenoma pleomórfico (66,7%), seguido de tumor de Warthin e lesão cística (cada um com 9,1%) (gráfico_1). A histologia da peça cirúrgica mostrou que 63,6% dos nódulos correspondiam a adenoma pleomórfico, 15,2% a tumor de Warthin e 9,1% a carcinoma epidermóide (gráfico_2). O cruzamento destes dados indica que houve concordância entre a biópsia e a histologia em 72,7% dos doentes.

A avaliação realizada por anatomia patológica mostrou que o peso médio das peças enviadas foi de 20 gramas (mínimo 8 gramas; máximo 46 gramas).

O período de seguimento oncológico variou entre 6 e 47 meses. Destes doentes, apenas um apresentou recidiva ao fim de 42 meses.

Dos 33 doentes convocados, compareceram para avaliação no Hospital de Braga 27 doentes (81,8%), todos eles submetidos a parotidectomia superficial. Destes doentes, 13 (48,1%) referiam uma ou mais alterações na face após a cirurgia, sendo na sua maioria do sexo feminino (tabela_1). A maioria destas alterações foram paralisias faciais temporárias (tabela_2) sendo que apenas um doente apresenta parésia muito ligeira da dependência do ramo marginal do facial, que por ter mais de um ano a consideramos permanente (Imagem_1).

Nove doentes (33,3%) referiram sintomas de eritema e/ou sudação aquando da ingestão alimentar, destes doentes a maioria refere que esses sintomas iniciaram até seis meses após a cirurgia, existindo apenas um doente no qual os sintoma iniciaram três anos após a cirurgia. Dos sete doentes que referiam sudação, apenas um refere essa sudação como excessiva classificando-a como "6" na escala de 0-10, sendo que os restantes classificaram-na como "1", "2" ou "3".

O teste de Minor foi positivo em sete doentes, um dos quais não tinha referido manifestações clínicas. Houve também três doentes, todos do sexo feminino, que referiam eritema e/ou sudação mas que tiveram teste de Minor negativo. A média da área afectada foi de 9,71cm2, sendo esta média muito superior nos homens do que nas mulheres (tabela_3). A menor área medida foi de 0,63cm2 (Imagem_2) e a maior de 20,19cm2 (Imagem_3).

De acordo com o modelo da gravidade da cirurgia desenhado por Luna-Ortiz e colaboradores (2003)1, três doentes (42,9%) apresentaram Síndrome de Frey moderado e quatro doentes (57,1%) Síndrome de Frey grave (tabela_4).

DISCUSSÃO Diversos factores como a técnica cirúrgica usada, interposição de barreiras e mesmo os métodos de avaliação influenciam a incidência de Síndrome de Frey nos doentes submetidos a parotidectomia.1 Três meta-análises recentes avaliaram a prevalência do Síndrome de Frey clínico e a positividade do teste de Minor nos doentes submetidos a parotidectomia com e sem técnicas de interposição (naturais e/ou sintéticas) (tabela_5).7-9 Os resultados são discrepantes, contudo parece haver melhores resultados com os implantes sintéticos8 do que com a técnica de interposição de retalho do músculo esternocleidomastoideu.9

Todos os doentes operados pelos mesmos dois cirurgiões da UCP do Hospital de Braga foram convocados para avaliar a incidência do Síndrome de Frey e o grau de interferência desta complicação no dia-a-dia. A incidência deste síndrome objectivável pelo teste de Minor no nosso centro (26,9%) vai de encontro a vários resultados existentes na literatura.7-9 Os sintomas do Síndrome de Frey tendem a variar com o sexo do doente. As mulheres tendem a apresentar maior incidência de eritema e as áreas de sudação pequena ou mesmo ausência de sudação. Por outro lado, no nosso estudo os homens apresentaram exclusivamente sudação com áreas em média quatro vezes superiores às mulheres.

Aplicando a escala de classificação da gravidade desenvolvida por Luna-Ortiz1 temos resultados semelhantes aos descritos por ele: 42,9% com síndrome moderado e 57,1% com síndrome grave. Estes valores parecem sobrevalorizar os efeitos do Síndrome de Frey no nosso centro, pois apenas um doente refere a sudação como excessiva e classificou-a como "6" numa escala de 0-10, sendo que os restantes classificaram-na como "1", "2", ou "3".

A existência de apenas um doente (o que corresponde a 3,8% dos doentes avaliados) que classifica o grau de sudação como "6" faz questionar se a utilização de técnicas de interposição de barreira no nosso centro cirúrgico iria melhor os resultados da incidência de Síndrome de Frey valorizável pelos doentes.

Também o facto de somente um doente apresentar uma parésia ligeira da área do marginal mostra que a parotidectomia pode, em mãos experientes, ser uma cirurgia de baixa morbilidade.


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