Como e Porquê um Ensaio Clínico
INVESTIGAÇÃO EM CIRURGIA
Como e Porquê um Ensaio Clínico
José Dinis
Coordenador da Unidade de Investigação Clínica - IPO Porto
Correspondência
INTRODUÇÃO
A decisão médica moderna é hoje baseada no conceito "medicina baseada na
evidência" no qual a de- cisão médica se deve basear em conceitos
científicos devidamente testados e comprovados em ambiente controlado. Os
ensaios clínicos (ECs) representam o método padrão de validação da hipótese
científica. A sua execução reveste-se nos dias de hoje de uma crescente
complexidade, com elevadas exigências burocráticas e clínicas. É clara a
vantagem a nível clínico e económico da sua execução, sendo um indicador de
qualidade aquando da avaliação de qualidade das Instituições de Saúde.
A nível internacional assiste-se hoje a uma competição feroz entre os países
com potencial de participação em novos ECs, tentando atrair para si o maior
número de ensaios possíveis. Nos últimos anos registou-se uma deslocalização
progressiva dos ECs da Europa Ocidental para os países do leste europeu, bem
como da Europa para a Ásia e América Latina. Vários relatórios económicos
identificam a Turquia e o Brasil como os novos países relevantes nesta
actividade.
Portugal tem tido um papel discreto como país participante em ensaios clínicos,
acompanhado a tendência europeia (Fig._1)1.
Nos últimos cinco anos (2006-2011) constatou-se uma quebra de quase 70% dos ECs
com intervenção registados no INFARMED (Fig._2). Esta quebra é explicada em
parte pelo contexto internacional mas também por problemas internos bem
conhecidos e identificados no modo como Portugal aborda este assunto.
De uma forma simplista podermos dizer que, em Portugal, existem problemas a
pelo menos três níveis que merecem "per si" uma abordagem detalhada.
Ao primeiro nível, o Estado, representado pelo governo central, deve tomar
decisões políticas orientadas para aumentar a competitividade do país. O
objectivo destas medidas deverá ser o encurtamento dos prazos de aprovação e
acelarar a implementação dos ECs. Estas medidas devem incluir: uniformização
das folhas de informação aos pacientes, dos acordos de ensaio entre as
Instituições de Saúde e os Promotores e dos contractos financeiros. Deverão ser
dadas orientações específicas para as Instituições de Saúde criarem Centros de
Ensaios Clínicos e para certificarem os profissionais envolvidos. Estas medidas
foram recentemente adoptadas por países como a Holanda, Dinamarca e Reino
Unido.
Num segundo nível, a estrutura administrativa das Instituições de Saúde deve
torná-las atrativas e competitivas para a realização de ECs. Neste sentido, é
crítico que o rumo e orientação das linhas de ação das instituições tenham em
consideração a importância dos ECs. Como medida fulcral está a qualificação dos
recursos humanos nesta área, quer sejam médicos, farmacêuticos, enfermeiros,
técnicos de saúde ou coordenadores de ensaio, bem como técnicos administrativos
e assistentes operacionais. Paralelamente, devem organizar-se de forma a que os
ECs sejam parte integrante das atividades de rotina diária. Os ECs devem ser
considerados como parte dessa rotina e não como actividade extra e
"extravagante" de alguns. Inclui-se nestas medidas a alocação de
tempo razoável dedicado a esta tarefa que não deve ser considerada nunca como
"extra".
Por último, o terceiro nível, tem a ver com a postura individual dos elementos
que integram as equipas dos ECs, principalmente do corpo médico, que devem
encarar esta actividade como fazendo parte da sua rotina diária e assim
contribuir para o sucesso dos mesmos, executando as tarefas associadas em
estrito cumprimento com as Boas Práticas Clínicas. Como potencial Investigador
Principal, qualquer médico deve sentir-se à vontade na implementação e execução
de um EC.
PORQUÊ UM CENTRO DE ENSAIO CLÍNICO
Atualmente, os Promotores consideram crítico que as Instituições de Saúde que
pretendam realizar ECs de forma competente, profissional, com elevada
performance e sustentável no tempo apresentem, no seu organigrama, uma
estrutura orgânica independente e exclusivamente dedicada aos ECs.
Mais de noventa por cento dos ECs decorrem da investigação de fármacos,
dispositivos ou equipamentos médicos com origem na Indústria Farmacêutica.
Menos de dez por cento têm origem na academia (por exemplo, em grupos
cooperativos académicos). Trata-se por isso de uma área a que estão associados
valores financeiros muito elevados, e em que o cumprimento de prazos e o nível
da performance têm um papel vital. Um estudo recente publicado sobre ECs na
Bélgica2, demonstra como os Promotores e as empresas contratadas para realizar
os ensaios clínicos ("Clinic Contract Organizations - CROs) abordam este
assunto (Fig._3).
Mas que atividades desenvolvem estes centros?
Podemos caraterizar as seguintes funções num Centro de Ensaios Clínicos:
1 - Centralizar toda a informação relativa a um EC, desde o contacto inicial
passando pela sua implementação, execução e encerramento, suportado no conceito
de contacto único da Instituição. Este modelo tem por objectivo, por exemplo,
garantir que os questionários de exequibilidade ("feasibility
questionaries") são respondidos em tempo útil, pelas pessoas certas e com
dados credíveis próximos da realidade e baseados em dados estatísticos da
instituição (n.º de novos casos/ano, tipo de tratamentos/ ano, etc).
2 - Ajudar os Investigadores Principais na formação das respectivas equipas.
3 - Interagir com todos os elementos da equipa do EC de modo a garantir a
rápida inclusão do primeiro paciente e manter o nível de recrutamento elevado.
4 - Servir de interlocutor com as autoridades reguladoras, Promotores e CROs e
internamente com o Conselho de Administração.
5 - Colaborar com os Serviços Farmacêuticos da Instituição de Saúde,
trabalhando em relação muito próxima com um eventual sector desse serviço com
funções exclusivas para os ECs.
6 - Zelar pelo cumprimento das Boas Práticas Clínicas. O centro deverá ser o
primeiro responsável na Instituição na preparação das acções promovidas quer
pelos Promotores/ CROs (auditorias externas) quer pelas autoridades reguladoras
(inspeções). Deve estar alerta e vigilante no cumprimento de todas as
exigências regulamentares, com especial incidência na gestão dos acontecimentos
adversos e Farmacovigilância.
7 - Deverá ser pro-activo na elaboração dos contractos financeiros e no seu
cumprimento pelas partes contratantes.
8 - Deverá dotar-se dos meios necessários com objectivo de ajudar os
investigadores da Instituição de Saúde na realização de ECs da sua iniciativa.
O Centro de Ensaios Clínicos deverá possuir uma estrutura física adequada,
própria e independente, de fácil acesso a todos os intervenientes nos ECs.
Deverá ser constituída por "study coordinators", gestor de Boas
Práticas Clínicas (especialista em assuntos regulamentares), gestor financeiro,
técnicos administrativos e assistentes operacionais destacados em "full
time".
As instalações deverão ser de acesso controlado e apenas autorizado aos
elementos do centro ou a elementos externos que, por inerência das suas
funções, terão autorização limitada de acesso. As instalações deverão estar
igualmente preparadas para, por exemplo, permitir o arquivo da documentação dos
ECs de acordo com os prazos e em condições que garantam a sua integridade.
CONCLUSÃO
A existência de um Centro de Ensaios Clínicos numa Instituição de Saúde que
pretenda ter um papela activo nesta área é fundamental, sendo uma mais valia na
atração de novos ECs, na sua implementação e execução. Uma implementação
cuidada e bem alicerçada nas especificidades de cada Instituição de Saúde é a
chave do sucesso.
A sua criação e difusão pelas várias Instituições de Saúde portuguesas é o
passo necessário e fundamental para tornar Portugal num país competitivo nesta
área do desenvolvimento científico.