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National varietyEu
Year2013
SourceScielo

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Os Ambientes e as Espécies ARTIGO DE OPINIÃO Os Ambientes e as Espécies* A. Mega de Andrade Ex-Chefe de Serviço da Cirurgia I do Hospital de São Teotónio em Viseu.

Correspondência

Agradeço à Direcção da S.P.C. o honroso convite para Presidente de honra do XXXIII Congresso, promoção esta na qual, sinceramente e sem falsa modéstia, jamais havia pensado.

Este inesperado convite deve-se seguramente a dois factores: à grande amizade e consideração que me foram sempre demonstradas pela S.P.C., a cuja direcção tive o privilégio de pertencer, sob a presidência do Professor Castro e Sousa e, sem dúvida também, ao esforço, entusiasmo e lealdade dos meus colaboradores, cujo progressivo crescimento, dentro e fora do País, me fez subir aqui.

O CRESCIMENTO DAS ESPÉCIES DEPENDE DO AMBIENTE EM QUE VIVEM.

Portanto, a quota de mérito que me tem sido atribuída, refere-se apenas a alguma capacidade para aproveitar os ambientes que tive a sorte e o privilégio de frequentar e à grande vontade de os "transferir" para o velho Hospital de Viseu, dentro das magras possibilidades da altura (Janeiro,1979).

Esta manobra de copy/paste,embora apenas dos ficheiros à época possíveis, conduziu de forma natural e progressiva, à transformação do ambiente local.

Teve então o Serviço de Cirurgia I a sorte de começarem a entrar Internos da Especialidade de grande valor que, nesse ambiente diferente e mais favorável, puderam crescer rapidamente e cedo começaram a mostrar as capacidades científicas e humanas que todos lhes reconhecem, tendo 4deles sido também membros da Direcção da S.P.C. durante vários mandatos.

Este curto prólogo obriga-me, a tentar recordar e homenagear pessoas e a descrever ambientes que criaram e formataram a carreira profissional de muitos cirurgiões. No fundo, é uma resumida história que pretende deixar algumas mensagens, muito particularmente para os mais jovens.

A partir dos meados do século XX, com o desenvolvimento nas áreas de Anestesiologia, Farmacologia, investigação científica e tecnológica, a evolução da cirurgia acelerou e cresceu de tal modo que, hoje em dia, somos obrigados a ter "super-especialistas" em diferentes áreas da cirurgia geral.

Por estas razões, a S.P.C., sempre atenta ao desenvolvimento da ciência, tem o mérito de, muitos anos, ter criado os Capítulos em várias áreas da cirurgia geral com o objectivo de incentivar cirurgiões a aprofundarem os seus conhecimentos e experiência nas suas áreas preferidas. Esta decisão fez aumentar exponencialmente a capacidade científica da Sociedade sem, no entanto, permitir que a "super-especialização" viesse a colidir com o conceito do cirurgião geral por razões óbvias.

O NOSSO CONHECIMENTO ASSENTA NOS OMBROS DOS NOSSOS ANTECESSORES Um lugar comum mas, que deve estar sempre presente nas nossas mentes. Por isso, passo agora a recordar os meus mestres e ambientes que marcaram directamente a formação de muitos cirurgiões.

UNIVERSIDADE DE COIMBRA, 1963 Prof. Doutor Bártholo do Valle Pereira Não vou alongar-me na descrição da destreza e elegância da sua técnica cirúrgica nem da sua cultura geral e clínica de que, pelo menos os de meia idade, ainda se lembram. Estava rodeado por uma equipa, da qual destaco os jovens cirurgiões Linhares Furtado e Ornelas Monteiro que, logo de manhã, começavam a discutir artigos que tinham lido na véspera. Aqui está um exemplo dum ambiente estimulante e motivante para o estudo continuado. A competência clínica do Professor Bártholo mostrou-me que a teoria é muito importante mas, tem que ser completada e até, por vezes, corrigida pela prática.

GUERRA DE ÁFRICA - NORTE DE ANGOLA Janeiro de1937 a Maio de 1939 Mais uma mensagem para os jovens: aprendam sempre que possam, aproveitem as oportunidades, não percam tempo, cumpram as regras.

Antes de seguir para Angola, durante alguns meses de espera no Regimento de Serviço de Saúde de Coimbra, aproveitei para ir trabalhar como voluntário para o Serviço do Professor Bártholo. Ao ir para Angola, sentia-me com o estatuto de um rudimento de um interno do 1.º ano de cirurgia. Mesmo assim foi muito útil.

UNIVERSIDADE DE LOURENÇO MARQUES Maio de 1939 a Abril de 1972 Professor Giesteira de Almeida. Com ele e a sua equipa terminei o Internato de Cirurgia Geral, enquanto desempenhava as funções de 2.º Assistente das disciplinas de cirurgia. Era um Director de Serviço impecável. Homem de uma educação e cultura excepcionais, afável, com plena imparcialidade na formação dos seus internos que muito com ele aprenderam. Vê-lo operar era como estar a assistir à arte do Dr. Frank Netter a fazer desenhos de anatomia. Até parecia que via as células! O Professor Veiga Simão1, Reitor da U.L.M. durante sete anos, cumpriu um Programa Estratégico que consistia em promover doutoramentos em boas Universidades no estrangeiro, para os jovens licenciados selecionados pelos Directores das diferentes Faculdades.

O Professor Lobato de Guimarães selecionou vários de diferentes especialidades.

Convidou-me algumas vezes mas aceitei o seu honroso convite quando perdi o meu mestre, Professor Giesteira, que terminava a sua comissão.

Escolhi o Departamento de Cirurgia da Universidade de Witwatersrand em Joanesburgo, República da África do Sul, dado o grande prestígio internacional desse Departamento, associado ao facto de ficar apenas a 300 Km de casa e da Família.

WITWATERSRAND UNIVERSITY, DEPARTAMENTO DE CIRURGIA Abril de 1972 a Dezembro de 1978 Director do Departamento: Professor D. J. Du Plessis(1918-1999) Prestar um merecido e especial tributo ao Professor Du Plessis e aos membros do seu staffé uma tarefa muito fácil e gratificante. Basta citar alguns extractos escritos pelos seus pares, personalidades conhecidas na área da cirurgia.

Em 1951, recebeu o "Nuffield Fellowship to Oxford University"2 Aos 40 anos, em 1958 foi nomeado Professor e Chefe do Departamento de Cirurgia da Witwatersrand University2. Um mestre cirurgião, professor e líder, um homem com visão, tenacidade, integridade e compaixão.

Um Homem que deixou um indelével e profundo legado académico e cirúrgico.

Era um duro "taskmaster" (capataz mas que, no contexto do Autor que estou a citar (H. Rode), significa um chefe de trabalhadores, que trabalha, organiza, vigia e ensina os outros a trabalhar), esperando do seu "staff" uma dedicação firme e constante mas sempre liderou pela frente, dando o exemplo.

Sob a sua liderança, o Departamento tornou-se mundialmente conhecido3. Sendo um grande mestre e excelente administrador, teve a grande antevisão de montar nove cátedras de disciplinas cirúrgicas, muitas delas pioneiras na África do Sul.

Estabeleceu a investigação clínica e experimental, com fundamentações científicas sãs em toda a África do Sul. Foi o "pivot" central do estabelecimento da Reunião Bienal da Associação de Cirurgiões da África do Sul, da fundação do South African Journal of Surgery e foi um membro fundador e Presidente da Sociedade de Investigação Cirúrgica da África Austral.3 Recebeu muitos prémios e "Fellowships" , incluindo os do American College of Surgeons , da Association of Surgeons of Great Britain and Ireland e da American Surgical Association2.

Em 1978 passou a Vice-Chanceller da Universidade. Foi substituído na chefia do Departamento pelo Professor J.A. Myburgh.

Johannes Albertus (Bert) Myburgh,4-5 Licenciado na Universidade do Cabo em 1930 com honras de 1.ª classe e Medalha de Ouro para o mais distinto graduado do ano. Em 1932 foi passar 3 anos no New College em Oxford onde se tornou F.R.C.S.

(Engl.). Em 1937 foi nomeado Professor de Cirurgia na Wits e, mais tarde, distinguido como Professor Emérito de Cirurgia. Durante 17 anos como Professor de Cirurgia foi premiado com muitos títulos nacionais e internacionais. Foi Professor convidado em 21 Universidades diferentes. Foi Presidente de várias Sociedades, das quais destaco as de Investigação Cirúrgica e da Sociedade de Transplantação da África Austral. Em toda a sua carreira a investigação foi a sua maior paixão. A sua maior contribuição a nível internacional foi na área da transplantação renal e hepática.

Bert foi sem dúvida um ícone e será recordado nas comunidades nacional e internacional de transplantação como um proeminente cirurgião clínico, um professor e um investigador respeitado e, acima de tudo, pelo seu extraordinário intelecto.

Director do Serviço de Cirurgia no J. G. Strydom Hospital e supervisor da minha investigação Professor Carl Johannes Mieny6 - trabalhou muitos anos em diferentes hospitais de Londres, terminando como F.R.C.S. (Engl.) e Edimburgh. Em 1933 atingiu o grau de Professor. Nesse mesmo ano partiu para Lexington, Kentucky (U.S.A.) para realizar uma investigação sobre perfusão hepática, sob a orientação do Professor Ben Eiseman com quem teve a sorte de partilhar o primeiro transplante hepático com sucesso executado pelo Professor Thomas Starzl em Denver, Colorado. No retorno ao seu País foi nomeado Professor de Cirurgia da Wits e Cirurgião Principal do J.G. Strydom Hospital. Era um excelente cirurgião em todas as áreas da cirurgia geral mas com uma grande paixão pela cirurgia vascular. Daí me nasceu o "vício". Orientou a minha tese com muita exigência mas com compreensão, amizade e carinho. Entendeu que devia apresentar vários aspectos e resultados do meu trabalho em vários Congressos Internacionais para os quais foi convidado, como por exemplo, no Congresso da Sociedade Europeia de Investigação Cirúrgica em Dublin (1976) e no Congresso Americano sobre Hiperlipidémia Familiar, em Washington (1977). Em Abril de 1978 foi "pressionado" para ir chefiar o Departamento de Cirurgia da Universidade de Pretória que atravessava momentos difíceis. Com a sua capacidade de administração e o poder que o seu enorme prestígio lhe conferia, em pouco tempo tudo resolveu. Sucedeu aos Professores Du Plessis e Bert Myburgh na presidências das mesmas Sociedades. Entre as numerosas publicações destaco um livro para estudantes "General Surgery" e, em 1989, o livro "Principles of Surgical Patients Care" destinado aos Internos da Especialidade em todas as áreas ou divisões da cirurgia.

Terminada a resumida homenagem aos mestres que formataram a minha experiência e personalidade humana e profissional, vou descrever com o máximo de brevidade a constituição e o funcionamento do Departamento.

Menciono apenas os Serviços de Cirurgia Geral dos Hospitais Escolares: Johannesburgh, Coronation, J. G. Strijdom, Non-European e o Baragwanath Hospital. Mais de 750 camas de cirurgia. O Baragwanath tinha cerca de 3000 camas, sendo 500 de cirurgia divididas por 5 Serviços. Este hospital, era um dos mais úteis e prestigiados do grupo hospitalar da Universidade. Era um ponto de passagem obrigatório para todos os candidatos às diferentes especialidades, médicas e cirúrgicas, dadas as suas características reconhecidas internacionalmente. Dava assistência a mais de um milhão de africanos, sendo a sua actividade dominada pela urgência e emergência, na maioria dos casos de causa traumática. Com regras de internamento muito específicas e restritas, a média de internamentos de urgência em cirurgia era de 30 doentes por dia. Para além do trabalho clínico tínhamos que dar aulas teórico-práticas aos alunos de Medicina do 4.º Ano. Tive medo mas correu bem.

O trabalho neste hospital concedia a todos os jovens aprendizes três enormes vantagens: avaliação rápida da situação clínica, aquisição de experiência em cirurgia de urgência e o desenvolvimento do espírito de operar com rapidez e eficácia, porque era frequente telefonarem para o Bloco Operatório dizendo que estava a caminho mais uma situação grave. O Baragwanath também servia de "filtro", para eliminar do restante percurso, todos os que não demonstrassem capacidades físicas e técnicas bem como a impulsão interior para enfrentar a carreira de cirurgião.

Ultrapassado este impiedoso "filtro", o Professor Du Plessis entendeu ser altura de iniciar a investigação. Tirou-me do Baragwanath e passou-me para a Faculdade. Não tinha horário mas sim objectivos. O tempo era passado nos diferentes laboratórios e no curso pós-graduado. O Dr. Thomas Starzl, na reunião da Sociedade de Investigação Cirúrgica em Cape Town, relatou preliminarmente um caso clínico para o qual não tinha explicação. Tratava-se de uma criança de 12 anos com hipercolesterolémia familiar que vinha a ter enfartes do miocárdio desde os 7 anos. Dado o agravamento da situação e em desespero de causa, fez-lhe uma anastomose porto-cava e os níveis de colesterol baixaram de modo notável. Este seria o meu tema de investigação: "Os efeitos da anastomose porto-cava no metabolismo hepático do colesterol".

7-11

PROGRAMA DE ENSINO PÓS-GRADUADO SEMANAL

2.ª feira - 17:15 - Journal Club(dois especialistas em áreas diferentes da cirurgia), moderado pelo Professor Myburgh.

3.ª feira - 17:15 - Surgical Forum- consistia numa palestra por um Professor estrangeiro.

4.ª feira - 17:00 - Tutorial- uma lição aprofundada por um Professor da Faculdade de Medicina 5.ª feira - 17:00 - Research Forum- Reunião restrita ao grupo de investigadores. Objectivos: apreciação de projectos e apresentação regular da sua evolução.

6.ª feira - 17:00 - Seminário:prelecção de um Professor com um moderador e um comentador. Na discussão entravam sempre os Internos, o que os obrigava a estudar previamente o tema anunciado.

Sábado:

08:15 - Reunião das especialidades cirúrgicas 09:15 - Discussão de um caso clínico de cirurgia geral

Presididas pelo Chefe de Departamento, Professor Du Plessis. Aproveito o prestígio e a tradição destas reuniões de sábado para prestar a minha última homenagem a este gigante da cirurgia, do ensino e da liderança, citando de novo o Professor Henry Rode3: "A sua imponente estatura e a aura de excelência cativaram as nossas jovens mentes e ele tornou-se um ícone cirúrgico para nós durante os nossos anos de formação. Ele lançou as sementes e regou os campos para a investigação científica para todos os que tiveram o privilégio de trabalhar à sua sombra. As reuniões de sábado formavam uma plataforma para um ensino excelente. Os Internos faziam grandes esforços para estarem presentes.

Viajámos grandes distâncias mas regressávamos inspirados pelo que tínhamos aprendido. Na verdade ele acendeu em nós um grande fogo para nos tornarmos como ele."

MEIOS DE SUPORTE PARA A PRÁTICA CLÍNICA Meios de diagnóstico Para além dos habituais laboratórios, dispúnhamos de um Serviço de Imagiologia onde se processavam angiografias de grande qualidade, estudos bilio- pancreáticos (colangio-pancreatografia retrógrada endoscópica) e ecografia. A endoscopia digestiva alta era feita pelos cirurgiões. Estamos a falar do meio da década de 70. Para outros meios de diagnóstico como a TAC, manometria e pH esofágicos, estudos de manometria rectal e dosagens hormonais, por exemplo, recorria-se ao Hospital Central de Joanesburgo, ao laboratório da Faculdade de Medicina e ao Instituto Sul-Africano de Investigação Médica.

Tratamentos especiais para os doentes de todos os hospitais: Radioterapia no Hospital de Joanesburgo. A quimioterapia era orientada numa unidade central especializada que emitia os protocolos de tratamento e recolhia os resultados.

A concentração dos serviços especiais de diagnóstico e terapêutica tinha como objectivo não multiplicar recursos. Eram, portanto, multi-raciais.

Meios de suporte para investigação - Quinta para alojamento e criação de animais de experiência sob a supervisão de médicos veterinários Na Faculdade de Medicina existia um verdadeiro hospital para investigação em animais de experiência, com todos os sectores, equipamentos e laboratórios que existiam para a medicina humana, incluindo o terminal do computador da Universidade Todos os investigadores tinham acesso livre a estas instalações, mediante prévio estabelecimento de horários.

O acesso era também livre aos laboratórios de ciências básicas da Faculdade de Medicina e do South African Institute For Medical Research.

Os recursos para o ensino pós-graduado e para a investigação, eram reforçados pela quase contínua presença de Professores convidados. Vou rapidamente citar apenas aqueles com quem tive o privilégio de discutir diferentes fases da minha investigação:

1973 Seymour Shwartz da Rochester University, NY Lloyd Nyhus, Universidade de Chicago, Ill. Presidente do American Board of Surgeons e várias Sociedades Internacionais. Autor e co-autor de mais de 100 livros. Destaques para: Maestria da Cirurgia e Hérnia.

1974 Stig Bengmark, Lund, Suécia, escreveu mais de 1000 artigos e muitos capítulos de livros.

Lloyd MacLean, Royal Victoria Hospital, Montreal, Can.

William Longmire, Universidade de LA, California, Presidente do American College of Surgeons, H.L. Duthie, Departamento de Cirurgia da Royal Infarmary, Shefield, Engl

1975 Theodore Drapanas, Tulane, New Orleans (Faleceu em desastre aéreo) Grande especialista em Hipertensão Portal René Menguy, Rochester, NY

1976 Boeckle, Salzburg, Áustria "Nicky" Kock, Suécia (válvula em colostomia - "Koch pouch") Goulematis, Atenas Oliver Beahrs, Mayo Clinic, Presidente do AmericanCollege of Surgeons - (Atlas deTécnicas Cirúrgicas) Leslie Blumgart , Glasgow U.K.. (hepato-biliar e pancreática) Robert Shields, Liverpool (Chefe do Departamento) John Ludbrook, Adelaide, Austrália - Royal Melbourne Hospital (estatística em ciências biológicas)

1976/77 Ivan Johnston, Royal Victoria Infarmary (Newcastle Upon Tyne, Deu um grande contributo internacional à cirurgia endócrina

1977 Sir Rodney Smith (Lord Smith of Marlow), St. Georges' Hospital, Londres- Reputação mundial em cirurgia hepato-bilio-pancreática.

1978 Maurice Mercadier, Professor da Universidade de Paris e Cirurgião Principal do Hospital de la Pitié.

Antes de chegar a Viseu, impõem-se recordar num breve resumo, os factores que geravam os ambientes em que os médicos evoluíam na África do Sul: a excelência dos Chefes dos Departamentos, organização do trabalho, a dedicação exigida, a motivação inculcada nas pessoas para atingirem, pelo menos, a qualidade dos seus superiores, a solidariedade, a ética, a lealdade e a seriedade profissionais, eram factores determinantes para a formação da personalidade. A existência do programa semanal de ensino pós graduado, a presença continuada de Professores visitantes de alto prestígio internacional, as reuniões inter- hospitalares muito regulares, as inter-universitárias anuais, e as internacionais, nomeadamente as das várias Associações de investigação em Cirurgia, providenciavam meios notáveis para a progressão do conhecimento. Por fim, a existência de meios de diagnóstico e tratamento e investigação experimental, de equipamentos iguais aos existentes nas melhores Universidades da Europa e da América, permitiam que nos mantivéssemos sempre actualizados

VISEU, JANEIRO DE 1979 Pequena cidade do interior centro-norte, bloqueada por cadeias de montanhas e isolada por falta de meios de comunicação adequados. Tudo na cidade, incluindo o Hospital, reflectia bem essa situação de isolamento, como, aliás, sucedia em muitos outros hospitais distritais, quer fossem do interior quer tivessem vista para o mar. O problema não estava apenas nas montanhas...

Quem teve a paciência de ouvir a descrição dos ambientes de Moçambique e da África do Sul, poderá pensar que me senti frustrado com as condições tão básicas de que iria dispor e que a minha adaptação se antevia difícil. Pelo contrário, foi muito fácil, graças à gentileza, carinho e enorme colaboração que obtive de todos os colegas e restante pessoal deste Hospital. Neste bom ambiente humano, o meu objectivo foi o de, aos 39 anos, aceitar o grande desafio e começar a fazer a tal transferência dos ficheiros que trazia, como disse no início. Gradualmente foi-se conseguindo melhorar o ambiente científico, com a aquisição de tecnologias de diagnóstico e tratamento, com a modificação do espírito de trabalho, a motivação dos Colegas de outras especialidades (laboratórios e imagiologia), o estabelecimento das visitas gerais, a instituição da reunião "Revista das Revistas" (Journal Club), das reuniões de sábado, de reuniões inter-hospitalares regionais e com Colegas de hospitais centrais que graciosamente colaboravam e, para não me alongar, com o estabelecimento do interesse pela investigação clínica e apresentações de trabalhos. Vivia-se no binómio "Aprender-Ensinar" em todos os escalões do Serviço. No que respeita à evolução das técnicas cirúrgicas, nomeadamente cirurgia vascular, grande cirurgia geral e tratamento de doentes de risco, foi possível, graças à preciosa e indispensável colaboração de uma Anestesiologista de alto nível, com treino muito especial em cuidados intensivos, cirurgia geral, vascular, cardio-torácica, pediátrica e outras, obtido nos hospitais escolares da Universidade de Joanesburgo durante o tempo que eu estive. Coincidência? Não. Casamento. Refiro-me à Senhora Drª Maria Armanda que criou em Viseu uma verdadeira Escola de Anestesiologia que permite aos cirurgiões actuais prosseguir com confiança e segurança a sua evolução.

Para terminar, devo fervorosos agradecimentos a todos os Serviços e Hospitais que têm organizado Cursos, Congressos, Jornadas, Reuniões Internacionais de várias áreas da cirurgia. Essas reuniões resultam de uma grande motivação dos cirurgiões portugueses que, apesar do pesado e desinteressado trabalho, continuam a apostar na formação. A Sociedade Portuguesa de Cirurgia, com enorme prestígio internacional, é o grande exemplo de uma organização que se ao trabalho duro derealizar vários eventos de formação com elevadíssimo nível educativo, dando aos mais novos a oportunidade de mostrarem os seus trabalhos e de receberem as críticas construtivas, comentários e conselhos dos mais experientes.

Peço desculpa por não ter conseguido contrariar o Barão de la Brede et de Montesquieu quando dizia:" Os oradores dão-nos em comprimento aquilo que lhes falta em profundidade.

Tenho dito.

Lisboa, 4 de Março de 2013


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