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EuPTCVHe1646-69182014000100008

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National varietyEu
Year2014
SourceScielo

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Cirurgia: a última profissão romântica "em memória do meu Mestre Alves Pereira com quem aprendi a cirurgia como coisa mental" ARTIGO DE OPINIÃO Cirurgia: a última profissão romântica"em memória do meu Mestre Alves Pereira com quem aprendi a cirurgia como coisa mental" Surgery: the last romantic profession "in memory of my Mestre Alves Pereira with whom I learned surgery as a mental subject" Pereira Alves Centro Hospitalar de Lisboa Central Correspondência

A cirurgia tem conhecido nos últimos anos grandes avanços abrindo possibilidades que parecem sem limites, com solução para tudo e com reflexos na prática e organização que a podem desvirtuar como atividade de arte, ciência e humanismo.

Como profissão romântica no sentido de privilegiar sentimentos e emoções mantendo a arte e o humanismo a par da razão científica. Razão e coração.

Romantismo e iluminismo em mistura. Mistura ingénua e utópica dirão alguns (talvez com razão). É curioso pensar que o romantismo se desenvolveu na Alemanha e o iluminismo em França.

Entre fatores que têm influenciado a prática cirúrgica, contam-se: - A explosão de conhecimentos e explosão tecnológica, - O acesso dos doentes a informação médica, - Os custos elevados e crescentes.

Estes fatores levantam riscos (a evitar) e avisos (a fazer) para que a cirurgia não venha a perder este caracter romântico de atividade exercida como a tal mistura de emoção e razão.

É verdade (e deve compreender-se) que a explosão de conhecimentos e de tecnologias tem levado a crescente especialização e subespecialização da cirurgia. Não é mais possível abarcar todas as áreas e tecnologias. Não é mais possível o "cirurgião excelente em todas as áreas".

Torna-se necessário, dedicação a áreas especificas que permitam estar atualizado (atuar segundo o estado da arte) e possibilitar prática com a "massa critica" suficiente para a excelência.

Esta especialização não deve no entanto, fragmentar o todo, que é o doente, risco maior que é apontado pelos detratores desta evolução.

Para que tal não aconteça a especialização não deve ocorrer na "fase de formação" com o risco do cirurgião não adquirir (enraizar) a noção do todo orgânico do ser humano e se transformar num técnico, que trata órgãos e imagens e não um cirurgião que cuida pessoas. Um cirurgião que se deixa fascinar pela técnica e esquece o doente no seu todo psíquico e orgânico.

A especialização deve assim surgir e idealmente por decisão própria na fase seguinte de "Cirurgia de execução".

Igualmente se deve evitar (não permitir) que a organização do trabalho médico seja feita como "tarefa". O médico "tarefeiro" não permite trabalho hospitalar de equipa multidisciplinar e de planos de formação de qualidade.

Igualmente invalidante desta cirurgia como profissão romântica uma organização da cirurgia encarada como actividade de negocio e de mercado. Até porque são os próprios economistas que dizem ser a medicina um negocio tao imperfeito que quase não é mercado. ,Eu diria não é mercado nem deve ser, embora deva ter preocupações de boa gestão e regras de oferta e procura, e de necessidades de saúde sempre numa perspetival de "lucro social". Se a medicina for negocio então o medico é empurrado a ser negociante.

A evolução dos conhecimentos, a realização de ensaios clínicos multinacionais, com grandes números e qualidade, e a possibilidade de análises estatísticas de dados clínicos fez surgir o conceito de "medicina baseada na evidência" como um novo paradigma da cirurgia científica, mais objetivável e coletiva, e menos arte individual; e com possibilidade de análise de resultados, de grandes séries, que permitam elaborar normas de orientação clinica (NOC).

Mas será a medicina baseada na evidencia de facto um novo paradigma? Afinal o médico desde sempre tomou decisões baseado em evidências, que no passado eram as "suas" evidências, resultantes da sua prática clinica individual, era uma medicina de "olho clinico", consequente e essencialmente "arte individual" e de difícil auditoria externa, embora estivessem sempre presentes os resultados das decisões como indicador de qualidade individual do cirurgião.

Hoje as evidências, são coletivas e não individuais e susceptiveis de análise externa e de auditoria.

Quer isto dizer que desaparece a arte individual? De todo tal não acontece.

De facto as NOC, não são mais que normas de orientação.

Algumas, pela quantidade e qualidade das evidências, permitem recomendações fortes (Grau I A) as quais o médico dificilmente poderá opor evidências individuais (p.ex. a profilaxia antibiótica ou a prevenção do Tromboembolismo venoso).

Outras situações clinicas, as normas deixam porta aberta a várias decisões.

É para mim uma surpresa que alguns se mostram surpreendidos, que perante uma mesma doença possa haver propostas terapêuticas diferentes, ou seja uma segunda opinião.

É bom ter presente, que mesmo a medicina baseada em evidências contínua a basear-se em evidências com caracter não absoluto mas de incerteza. Consensuais mas não infalíveis.

mesmo situações clinicas, para as quais, não qualquer norma ou recomendação, são verdadeiros "buracos negros" nos quais a decisão continua a ser individual, baseada na interpretação dos dados e na experiencia pessoal do cirurgião, dentro de uma conduta ética de analise de benefícios- riscos e do principio de Hipócrates "primeiro não fazer mal".

As normas são importantes e necessárias mas não acabam com a arte individual da sua aplicação, ‘e' o medico que as interpreta e com senso clinico as aplica a um doente concreto.

Deve, no entanto, ficar claro que a liberdade de prescrição do médico, deve ser uma liberdade com responsabilidade, e que o médico tem que compreender (aceitar) que a sua atividade é susceptivel de ser analisada (auditoria) por agentes externos, aquilo que em gestão se designa de "accountability", ou seja responsabilidade pelas decisões uma visão global de benefícios/riscos/custos.

O medico deverá compreender esta analise e não a interpretar como atentado a sua "soberania" e liberdade. assim manterá essa mesma liberdade.

O acesso crescente dos doentes a informação via internet ou outros meios de comunicação é outra realidade crescente .

Mais uma vez, o médico terá que aceitar e aprender a lidar com este fator, desde logo não se sentindo subalternizado, (p. ex. dizendo ao doente afinal quem é o medico, sou eu, ou você com o que leu ou lhe disseram) mas com.

segurança, explicar ao doente a razão da sua opinião e deixando-o à vontade para decisões pessoais de aceitar ou querer ouvir segunda opinião. Tudo de maneira correta, com empatia e tendo sempre presente que a doença torna a pessoa vulnerável e por vezes revoltada.

Custos elevados e crescentes é outra realidade inquestionável.

Cada ano a saúde ira custar mais em resultado de novos medicamentos e tecnologias, com um aspeto assinalado pelos economistas da saúde, de que em regra, ao contrario do verificado noutros setores, a introdução de novas tecnologias, trazendo vantagens e aumento de qualidade, não reduzem custos, não tornam mais barato o fazer mas permitem fazer mais e melhor.

Aliás, este progresso médico, é um dos fatores explicativos do verificado aumento de anos de vida e qualidade de vida ( nem sempre) Estes custos terão que ser compreendidos (dado serem benéficos para todos) e suportados pelo cidadão.

Pensamos no entanto, que este aumento de custos, deve ser pago, a montante (quando o cidadão não está doente) permitindo que os cuidados sejam gratuitos quando deles necessitar (quando estiver doente) O SNS deve ser considerado como um seguro nacional de saúde, pago pelo cidadão quando saudável, não é nem poderá ser gratuito.

O médico, por sua vez, deve ter em consideração de que ele é parte importante e essencial destes custos. É com as suas decisões terapêuticasque se gera despesa. Deve assim, ser sensível, e considerar a equação do beneficio/ custo sem por em causa a boa pratica clinica, que é alias a melhor medida de economia em saúde, mas aceitar que a mesma possa ser analisada, (a tal "accountability").

Esta analise a que por formação clássica é avesso, não representando uma intromissão abusiva de atores estranhos à medicina, é uma necessidade resultante de a medicina ser hoje das atividades de maior significado económico, e consequentemente o fator custos e as analises de fármaco economia ( com tudo que têm de relatividade) fazer hoje parte integrante da atividade médica.

Não é mais possível afirmar como fez Bevan em 4948, como ministro da saúde, aquando da Criação do Serviço Nacional de Saúde Inglês: "My job is to give you all the facilities, ressources, apparatus and help I can, and then leave you alone as professional men or women to use your skill and judgemen without hindrance".

Deve ser nossa convicção que apesar desta evolução no sentido de medicina mais cientifica, baseada em evidencias coletivas, apesar das normas clinicas, da analise de indicadores, da analise de custos, a cirurgia deve continuar a ser uma profissão humanista, de emoção e sentimentos, logo uma actividade romântica,uma coisa mental.

Uma profissão que exige pensar antes, durante e depois de fazer o ato cirúrgico mesmo sabendo que pensar incomoda e trabalho.

Uma profissão que tem a clinica como ponto de partida para exames complementares e decisão final.

Uma profissão que continua baseada em incerteza e não é infalivel.

Uma profissão que envolve riscos (previstos e imprevistos) e susceptivel de erros (como atividade humana).

Mas sobretudo uma profissão com esperança de cada vez melhores resultados (o que alias se tem verificado).

Uma profissão que continuará romântica porque (citando Arthur Miller) "uma profissão romântica acaba quando as suas ilusões básicas se esgotam".

Voltaire escreveu "Candide" e o Optimismo e Saint - Exupéry o "Petit Prince". Rercordando estes escritores devemos tentar fazer o melhor que aprendemos, sabemos e sentimos, se nos deixarem, e citando João Cid dos Santos, não esquecer que … "sendo a ultima profissão romântica, a Medicina será sempre de melhor qualidade, quando praticada por Homens de Cultura".

Alguma duvida?

Correspondência: PEREIRA ALVES e-mail: carpereiraalves@gmail.com


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