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EuPTCVHe1646-69182014000200004

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National varietyEu
Year2014
SourceScielo

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Diverticulite aguda cólica: qual o valor da ecografia abdominal?

INTRODUÇÃO A diverticulose cólica afecta 30% da população com 60 anos de idade e 60% das pessoas com idade superior a 80 anos nos países ocidentais1. Cerca de 10 a 25% dos portadores de diverticulose cólica desenvolverão um episódio de inflamação aguda - diverticulite aguda cólica (DAC)1,3,4. Embora os divertículos se possam desenvolver em todo o intestino grosso, o cólon sigmóide é o segmento mais frequentemente envolvido. Diverticulites agudas no cólon direito são pouco comuns.

Os exames complementares de diagnóstico, em particular os imagiológicos, são muito importantes para o diagnóstico da DAC. A tomografia computorizada abdominal (TC) tem documentadas sensibilidade e especificidade próximas dos 100% no diagnóstico de DAC, motivo pelo qual é considerada actualmente o exame gold standardpara o diagnóstico e caracterização desta patologia2,5,6,7,8,18,22. A TC permite uma melhor avaliação de toda a cavidade abdominal e tem uma capacidade superior à ecografia abdominal (EA) para identificar diagnósticos diferenciais6,7. No entanto apresenta custos elevados, não está sempre disponível e expõe o doente a radiações. Por isso a EA é com frequência o primeiro exame complementar realizado nos doentes com suspeita de DAC7. A EA fornece informações relativas à localização da doença, ao envolvimento da parede intestinal e à presença de manifestações extraparietais (ex: abcessos, fístulas). Contudo, apresenta uma sensibilidade e especificidade inferiores às da TC, especialmente nas manifestações extraparietais10,18,20,22.

A EA tem dois grandes inconvenientes: é operador-dependente e está condicionada pelas características do doente (avaliação difícil em doentes obesos ou com distensão gasosa de ansas intestinais)20. Ainda assim, alguns autores defendem a EA como uma alternativa válida na avaliação dos doentes com suspeita de DAC pelo seu baixo custo, fácil acessibilidade e ausência de radiações7,12,17,20.

O objectivo do estudo retrospectivo presente foi investigar o valor da EA para diagnóstico e caracterização da DAC assim como a sua eficácia na detecção de doença complicada.

MATERIAL E MÉTODOS Conduzimos um estudo retrospectivo de 153 doentes admitidos no nosso Serviço entre Janeiro de 2007 e Dezembro de 2010 por suspeita de Diverticulite Aguda Cólica (DAC). O diagnóstico foi estabelecido por um cirurgião sénior e baseou- se em dados clínicos, analíticos e imagiológicos.

A EA foi realizada em todos os doentes, usando sondas de tempo real com transductores matriz curvos de 3,5 MHz e 5 MHz. As imagens foram gravadas num programa de processamento de imagem e foi redigido um relatório pelo imagiologista. Nas EA realizadas avaliou-se a presença de espessamento parietal do cólon, a extensão do segmento cólico envolvido, a visualização eventual de divertículos e a presença de sinais ecográficos de alterações inflamatórias pericólicas ou de abcessos. Consideraram-se sinais positivos de DAC: a identificação de um segmento cólico com espessamento parietal hipoecogénico, inflamação da gordura pericólica e dor abdominal na compressão instrumental.

O diagnóstico definitivo de DAC foi estabelecido mediante a realização da TC (no Serviço de Urgência ou durante o internamento) e colonoscopia (realizada 8 semanas após o episódio agudo). Os achados em TC que confirmaram o diagnóstico foram a presença de divertículos associada a espessamento parietal cólico (> 4mm) e a inflamação da gordura pericólica. A colonoscopia permitiu confirmar a existência de diverticulose cólica e excluir a presença de lesões endoluminais, em particular neoplasias cólicas.

Dos 153 doentes, 7 foram excluídos (em 3 casos não foi realizada EA na admissão e em 4 casos não foi possível confirmar ou excluir o diagnóstico por não terem realizado TC abdominal ou colonoscopia). Dos 146 doentes incluídos no estudo, 84 (57,5%) eram do sexo masculino e 62 (42,5%) eram do sexo feminino, com uma idade média de 58,7 anos (faixa etária: 27-95 anos). O Índice de Masssa Corporal Médio foi de 32,3 (min: 19; máx: 42). Tratou-se de um primeiro episódio de DAC em 104 casos (84,5%) e de uma recorrência da doença em 19 casos (15,5%). O tempo de internamento médio foi de 7,7 dias (min: 2; máx: 38). A maioria dos doentes (131 casos - 89,7%) foi submetido a tratamento conservador e em apenas 15 casos (10,3%) foi necessária uma intervenção cirúrgica.

Os doentes foram divididos em dois grupos de acordo com a gravidade da diverticulite: não complicada ou complicada. Considerou-se como DAC_não complicadaa presença de dor abdominal localizada no quadrante inferior esquerdo associada a leucocitose, elevação da proteína C reactiva e alterações imagiológicas sugestivas de DAC reveladas pela EA ou pela TC. Definiu-se como DAC_complicadaa presença associada de abcesso, perfuração, estenose ou fístula documentadas na EA, na TC ou na intervenção cirúrgica. Os doentes com DAC complicada foram estratificados aplicando a classificação de Hinchey.

Para determinar a acuidade diagnóstica da EA considerando o diagnóstico final de diverticulite aguda cólica foram determinadas as seguintes fórmulas estatísticas: Sensibilidade = Verdadeiros Positivos × 100 / (Verdadeiros Positivos + Falsos Negativos); Especificidade = Verdadeiros Negativos × 100 / (Verdadeiros Negativos + Falsos Positivos); Valor Preditivo Positivo = Verdadeiros Positivos × 100 / (Verdadeiros Positivos + Falsos Positivos); Valor Preditivo Negativo = Verdadeiros Negativos × 100 / (Verdadeiros Negativos + Falsos Negativos); Eficiência Global = (Verdadeiros Positivos + Verdadeiros Negativos) × 100 / (Verdadeiros Positivos + Verdadeiros Negativos + Falsos Positivos + Falsos Negativos).

Na análise dos valores estatísticos acima descritos, os autores consideraram resultados [0-65%] fracos, [65-80%] moderados, [80-90%] bons e [90-100%] excelentes.

Para avaliar a concordância dos achados verificados na EA, em relação com o diagnóstico definitivo de DAC (determinada pelos achados verificados na TC abdominal e colonoscopia), calculou-se o Índice de Kappa de Cohen, interpretando-o segundo a escala de Fleiss (quadro_1).As diferenças foram consideradas significativas para um valor de p < 0.05.

RESULTADOS Dos 146 doentes incluídos estabeleceu-se o diagnóstico definitivo de DAC em 123 casos (84,2%). O cólon sigmóide foi o segmento cólico mais envolvido, verificando-se apenas um caso de DAC no cólon direito. A DAC foi classificada como "não complicada" em 97 casos (78,9%) e "complicada" em 26 casos (21,1%). O diagnóstico de DAC não foi confirmado em 23 casos (15,8%) e estabeleceu-se um diagnóstico alternativo em 5 casos - 3 doentes com carcinoma do cólon, 1 doente com colite isquémica e 1 doente com pielonefrite aguda. Aos restantes 18 doentes atribuiu-se o diagnóstico de "dor abdominal inespecífica", que incluiu a síndrome de cólon irritável, patologia intestinal funcional ou obstipação. (esquema_1)

A EA foi sugestiva de DAC em 100 casos, contudo apenas se confirmou o diagnóstico (por TC e colonoscopia) em 88 casos (verdadeiros positivos). Os achados ecográficos mais comuns nos 88 casos confirmados foram "espessamento parietal do cólon"(n = 68), "espessamento parietal do cólon e derrame peritoneal"(n = 11) e a "presença de abcesso abdominal e espessamento parietal do cólon" (n = 9). (quadro_2) A EA mostrou achados sugestivos de DAC em 12 pacientes (8 casos com "espessamento parietal do cólon" e 4 casos com "espessamento parietal do cólon e derrame peritoneal") apesar da TC e da colonoscopia não mostrarem alterações compatíveis com DAC (falsos positivos).

Em 46 casos a EA não mostrou alterações contudo em 35 destes casos acabou por se estabelecer o diagnóstico de DAC através dos achados encontrados na TC e colonoscopia (falsos negativos). (quadro_3)

De acordo com nossos dados a EA revelou uma sensibilidade de 71,5% e especificidade de 47,8% no diagnóstico de DAC, com um valor preditivo positivo de 88,0% e um valor preditivo negativo de 23,9%. A eficiência global da EA para o diagnóstico de DAC foi de 67,8%. O Índice de Kappa de Cohen foi de 0.14 (p = 0.05) o que determina uma concordância fraca.

Dos 26 casos de DAC complicada, a EA identificou "espessamento parietal+ abcesso abdominal" em 9 casos. Em todos eles o diagnóstico de DAC complicada foi confirmado por TC abdominal ou per-operatoriamente (3 casos), o que justifica a ausência de falsos positivos. Contudo verificaram-se 17 casos de DAC complicada em que a ecografia não mostrou alterações sugestivas disso (falsos negativos). (quadro_4) Estes resultados determinaram uma sensibilidade de 34,6%, uma especificidade de 100%, um valor preditivo positivo de 100% e valor preditivo negativo de 85% da EA na diferenciação entre as formas simples e complicada da DAC. O Índice de Kappa de Cohen, nestas circunstâncias, foi de 0,3 (p <0.05), o que determina uma concordância fraca.

DISCUSSÃO A diverticulose cólica é uma entidade clínica muito frequente, sobretudo na população idosa. Com o envelhecimento da população são cada vez mais os episódios de diverticulite aguda cólica encontrados nos Serviços de Urgência.

Embora a TC seja actualmente considerada o meio auxiliar de diagnóstico gold standardpara avaliar DAC2,5,6,7,8,9, muitos autores consideram que a EA deve ser o primeiro exame de imagem a realizar em pacientes com dor abdominal aguda10,12,13,16.

Alguns estudos publicados que defendem a TC abdominal como o exame de referência no diagnóstico de DAC apresentam dados pouco consistentes, sobretudo devido à falta de metodologias adequadas10,12. Apesar disso, a maioria dos estudos defende a superioridade da TC sobre a EA por apresentar sensibilidade e especificidade superiores (nem sempre com diferenças com significado estatístico10) e por apresentar melhor acuidade na identificação de diagnósticos diferenciais14,15. Por outro lado, a EA apresenta limitações por ser um exame operador-dependente e por depender de condições relacionadas com o doente (biótipo, distensão intestinal gasosa)20. Também se defende o uso da TC de início em pacientes cujo estado clínico é grave, uma vez que as imagens da TC são mais auxiliadoras aquando do planeamento de intervenções radiológicas ou cirúrgicas, e ainda podem ser re-avaliadas a qualquer momento pelos especialistas envolvidos no tratamento10,11.

Ainda assim, a EA tem um valor inegável quando se considera que não exposição a radiação, que tem uma maior disponibilidade e um baixo custo18,19.

Este último argumento pode ser muito importante no actual contexto económico desde que não se comprometa a adequada avaliação e orientação dos doentes. Por isso, o reconhecimento do valor dos exames complementares disponíveis através da análise da nossa própria experiência poderá ser a melhor estratégia para optimizar os recursos disponíveis.

Uma meta-análise10 publicada em 2008 comparou a acuidade diagnóstica da TC com a da EA no diagnóstico DAC e não detectou diferenças significativas entre os dois exames. Os dados analisados mostraram que tanto a EA como a TC podem ser usadas como ferramenta diagnóstica inicial na avaliação de pacientes com suspeita de DAC.

A sensibilidade geral reportada na literatura da EA no diagnóstico de DAC varia entre 80 e 97%, e a especificidade varia entre 82 e 95%10,12. Os nossos resultados são diferentes aos descritos na literatura, ao revelarem menor sensibilidade (71.5%) e especificidade (47,8%). Na origem destas diferenças poderão estar vários motivos. Por um lado os doentes obesos dificultam a avaliação abdominal por ecografia e os indivíduos envolvidos no estudo apresentavam um índice de massa corporal médio elevado. A distensão abdominal, muito frequentemente observada nestes episódios agudos, também compromete a avaliação ecográfica. Outra condicionante poderá estar relacionada com o facto de os exames serem realizados e relatados por imagiologistas menos experientes: estudos demonstram que a sensibilidade diminui para 50% quando o operador fez menos de 500 EA em caso de suspeita de DAC19.

A especificidade determinada no nosso estudo é francamente inferior à encontrada noutros estudos, facto que resulta de existência de 12 casos de ecografias com alterações sugestivas de DAC que não se confirmaram posteriormente - falsos positivos. Em quatro desses casos, o diagnóstico estabelecido - 3 casos de neoplasia do colon e 1 caso de colite isquémica - permite compreender o erro diagnóstico. Nos restantes casos, como não foi possível estabelecer um diagnóstico definitivo claro, também não encontramos uma justificação clara para os achados ecográficos (falsos positivos) verificados.

O valor de VPP identificado nos nossos casos (88,0%) está de acordo com o relatado noutros estudos que apresentam variações entre 57% e 98%10,12. Porém o VPN que encontramos no nosso trabalho foi significativamente menor (23,9%) ao de outros autores que apresentam o VPN entre 39% e 99%10,12. Estes resultados, em especial o VPN, resultam do número elevado de falsos negativos verificados na nossa casuística. A concordância dos achados verificados na EA em relação com o diagnóstico definitivo de DAC, determinada pelo Índice Kappa de Cohen, foi fraca.

Uma vez estabelecido o diagnóstico de DAC, autores que defendem que a EA poderá desempenhar um importante papel na avaliação das complicações16. No entanto, nos casos de DAC complicada a maioria dos estudos demonstram uma superioridade da TC em relação à EA10,21. Os nossos resultados coincidem com os de outros estudos em relação a este ponto, mostrando uma fraca sensibilidade (34,6%) da EA no diagnóstico de DAC complicada limitando assim o seu uso nestas circunstâncias.

CONCLUSÃO A ecografia abdominal apresenta uma especificidade e um valor preditivo negativo fracos, o que compromete o seu valor no diagnóstico de diverticulite aguda do cólon, especialmente na sua forma complicada. No entanto, a sensibilidade moderada (71,5%) verificada conjuntamente com as suas vantagens (baixo custo, sem exposição a radiação e maior disponibilidade), fazem da ecografia abdominal uma escolha a considerar na abordagem imagiológica inicial da dor abdominal aguda suspeita de diverticulite aguda.


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