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EuPTCVHe1646-69182015000200005

EuPTCVHe1646-69182015000200005

National varietyEu
Year2015
SourceScielo

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Hérnia Inguinal: Anatomia, Patofisiologia, Diagnóstico e Tratamento

INTRODUÇÃO Desde a introdução da herniorrafia por Bassini, em 1884, que a cirurgia da hérnia inguinal tem sofrido transformações radicais tanto na técnica como no material cirúrgico.

As técnicas de herniorrafias descritas por Bassini e Shouldice foram remetidas para segundo plano com o aparecimento de próteses sintéticas que vieram diminuir a recidiva das herniorrafias.

Mas não foi apenas a técnica que mudou, o tipo de doente que chega ao consultório do cirurgião também é diferente do que aparecia alguns anos atrás. Hoje em dia são raras as hérnias inguino-escrotais, a maioria dos doentes apresenta hérnias de pequenas dimensões, sendo que algumas delas são hérnias assintomáticas que colocam ao cirurgião o dilema de as tratar cirurgicamente ou não.

Atualmente os debates em torno deste tema cirúrgico centram-se sobretudo na relação custo-benefício das técnicas minimamente invasivas, no melhor tratamento das hérnias pediátricas e na seleção da melhor técnica para tratar as recidivas.

Neste artigo, os autores descrevem a anatomia da região inguinal do ponto de vista da abordagem cirúrgica, os fatores predisponentes e desencadeantes do aparecimento da hérnia inguinal, o diagnóstico desta patologia, a evolução da cirurgia e a seleção da melhor técnica cirúrgica perante diferentes situações clínicas.

ANATOMIA Não se pode discutir a anatomia do canal inguinal e da patofisiologia da hérnia inguinal sem um conhecimento concreto do espaço miopectineo de Fruchaud. Este espaço corresponde a uma parte da parede abdominal anterior não muscular constituída apenas pela fáscia transversalis e por peritoneu, pelo que torna esta região vulnerável ao aparecimento de hérnias abdominais. O espaço descrito por Fruchaud em 1956 é delimitado superiormente pelos músculos oblíquo interno e transverso, inferiormente pelo ligamento pectíneo (ex. Cooper), lateralmente pelo músculo íleopsoas e medialmente pelo músculo reto abdominal. O espaço miopectineo é dividido pelo ligamento inguinal num compartimento inferior (local de aparecimento de hérnias femorais) e num compartimento superior que é subdividido pelos vasos epigástricos inferiores num compartimento medial ou triângulo de Hesselbach (local de aparecimento de hérnias inguinais diretas) e num compartimento lateral (local de aparecimento de hérnias inguinais indiretas)2.

Abordagem anterior O início de uma cirurgia a hérnia inguinal por via anterior começa com o reconhecimento de duas estruturas ósseas: o tubérculo púbico e a espinha ilíaca antero-superior.

Depois de realizar a incisão cirúrgica entramos num plano superficial constituído por pele e tecido celular subcutâneo que contém vasos, nervos superficiais e linfáticos1. A maioria dos vasos que encontramos neste plano são superficiais e de pequeno calibre podendo ser cauterizados sem se esperar complicações, contudo os vasos epigástricos superficiais podem atingir um calibre considerável, devendo ser laqueados a fim de evitar hematomas no pós- operatório, especialmente nos doentes hipocoagulados ou anti-agregados (Figura 1A).

Antes de atingirmos a aponevrose do músculo oblíquo externo atravessamos duas estruturas fibrosas, a fáscia de Scarpa e a fáscia imnominada(que está aderida à aponevrose do músculo oblíquo externo), podendo existir tecido adiposo entre estas duas fáscias. Nas crianças e em alguns adultos a fáscia de Scarpa pode estar de tal maneira desenvolvida que simula a aponevrose do músculo oblíquo externo podendo dar a falsa ideia de que entrámos no canal inguinal. Para evitar que isto aconteça, White relembra que não atingimos a aponevrose do músculo oblíquo externo enquanto encontrarmos tecido adiposo”2.

Após incisão da aponevrose do músculo oblíquo externo entramos no canal inguinal. Neste espaço devemos identificar e isolar o cordão espermático e seus constituintes e identificar dois nervos importantes para não serem seccionados: o nervo ílio-inguinal e o ílio-hipogástrico (Figura_1B)1-2.

Rebatendo o cordão espermático encontramos a parede posterior do canal inguinal. As hérnias inguinais diretas surgem medialmente aos vasos epigástricos inferiores (triângulo de Hesselbach) e as indiretas lateralmente a esses vasos (pelo orifício inguinal profundo) (Figura_1C).

O canal inguinal está compreendido entre os orifícios inguinais superficial e profundo e é delimitado superiormente pelos músculos oblíquo interno e transverso e respetivas aponevroses; inferiormente pelo ligamento inguinal e ligamento lacunar; anteriormente pela aponevrose do músculo oblíquo externo e parte do músculo oblíquo interno mais lateralmente e posteriormente pela fusão do músculo transverso abdominal e fáscia transversalis na grande maioria dos indivíduos enquanto que noutros é formada apenas pela fáscia transversalis1-2.

Abordagem intra-abdominal Com o aparecimento da laparoscopia no início do século XX, emergiu a necessidade de reformular o conhecimento anatómico.

Numa abordagem intra-abdominal para cirurgia de hérnia inguinal existem pregas peritoneais importantes na parede abdominal anterior: prega mediana (úraco), pregas mediais (artérias umbilicais obliteradas) e pregas laterais (vasos epigástricos inferiores). As hérnias inguinais diretas originam-se medialmente ao ligamento lateral enquanto que as hérnias inguinais indiretas originam-se pelo orifício inguinal profundo que se encontra lateralmente a esse ligamento (Figura_2)2. Rebatendo o peritoneu que recobre o espaço miopectineo entramos no espaço pré-peritoneal onde devemos identificar algumas estruturas: os vasos epigástricos, os vasos ilíacos externos, os vasos gonadais, o ducto deferente (ou ligamento redondo do útero) e o trato ilio-púbico. Estas estruturas definem dois triângulos de extrema importância para o tratamento cirúrgico das hérnias por esta abordagem: o triângulo da morte (limitado pelo ducto deferente/ ligamento redondo do útero medialmente e pelos vasos gonadais lateralmente) onde passam os vasos ilíacos externos e o triângulo da dor (limitado pelos vasos gonadais medialmente e pelo trato ilio-púbico supero-lateralmente) onde passa o nervo femoral e diversos ramos nervosos cutâneos2.

Assim, numa abordagem laparoscópica não se deve fixar a prótese inferior e infero-lateralmente ao orifício inguinal profundo a fim de evitar estes triângulos anatómicos e por conseguinte possíveis lesões vasculares e/ou nervosas3.

Abordagem pré-peritoneal O espaço existente entre o peritoneu e a fáscia transversalis é conhecido como o espaço pré-peritoneal ou espaço de Bogros e contém tecido adiposo, linfáticos, vasos e nervos 1-2.

Diversas técnicas por via anterior (exemplo: Gilbert, Kugel, Stoopa) colocam uma prótese neste espaço para reforçar a parede posterior do canal inguinal.

Contudo a abordagem laparoscópica totalmente extra-peritoneal (TEP) veio exigir um conhecimento anatómico detalhado e difícil deste espaço1, 3.

Na TEP, depois de insuflado o balão para dissecar o espaço pré-peritoneal, a primeira referencia a procurar é o púbis; seguidamente procuramos os vasos epigástricos inferiores que nos orientam para os vasos ilíacos externos. A última referência anatómica a identificar antes de progredirmos com a cirurgia é o trato ilio-púbico que nos ajuda a evitar lesar diversos nervos cutâneos que se encontram inferiormente a esta estrutura (Figura_3)3.

PATOFISIOLOGIA Teoria congénita vsTeoria adquirida No início do século XX, Russel surgiu com a teoria congénita para o aparecimento de hérnias inguinais. Segundo este autor, as hérnias inguinais indiretas eram devido à presença de um divertículo peritoneal pré-existente (processo peritoneo-vaginal) desde a vida fetal e as hérnias inguinais diretas seriam secundárias a um defeito congénito musculoaponeuroticofascial do tendão conjunto e da sua inserção no púbis1.

Alguns anos mais tarde, autores como Arthur Keith e Harrison vieram contrariar a teoria congénita de Russel defendendo que a pressão exercida pela postura ereta na parede abdominal anterior, especialmente na fáscia transversalis, seria responsável pelo desenvolvimento de hérnias inguinais1.

Fatores anatómicos Existem diversos fatores anatómicos que podem explicar a etiologia de algumas hérnias inguinais: o tamanho do orifício inguinal profundo e resistência dos seus bordos (na hérnia indireta) e a alteração da resistência da fáscia transversalis no triângulo de Hesselbach e o tamanho desse triângulo (na hérnia direta)1.

Fatores ambientais O senso comum associa o aparecimento de hérnias da parede abdominal, nomeadamente as hérnias inguinais, a esforços físicos intensos feitos pelo doente. Contudo, não é o esforço físico intenso que causa aumento da pressão intra-abdominal, existem também diversas situações que aumentam a pressão de forma crónica/persistente como a gravidez, doença pulmonar obstrutiva crónica, obesidade, ascite, prostatismo e obstipação.

Um indivíduo ao elevar um objeto pesado faz com que se aumente subitamente a pressão intra-abdominal. Durante este esforço os músculos da parede abdominal contraem e configuram-se de modo a proteger o espaço miopectineo e o canal inguinal: as fibras do músculo transverso e oblíquo interno movem-se inferiormente, diminuem a região vulnerável do espaço miopectineo e encerram o espaço inguinal interno.4 Esta pressão exercida sobre a parede abdominal provoca distorção e distensão progressiva em zonas de fraqueza como o orifício inguinal profundo e o triângulo de Hesselbach. Esta distribuição da força de tensão não é uniforme e varia com a constituição do indivíduo o que se reflete no tipo de hérnia que se desenvolve. Assim os indivíduos mais altos têm maior incidência de hérnias indiretas, os de estatura média maior incidência de hérnias bilaterais ou diretas e os mais baixos e as mulheres maior incidência de hérnias femorais1.

Na elevação crónica da pressão intra-abdominal (ex.: obesidade, ascite, prostatismo) os músculos da parede abdominal não se contraem para proteger as zonas de fraqueza e impedir o desenvolvimento de hérnias. Na gravidez, para além do aumento progressivo da pressão abdominal sem a existência do mecanismo compensatório de contração muscular, existem ainda uma hormona, a relaxina, que agrava esse relaxamento muscular4.

O colagénio Teoria unificadora Um estudo de revisão recente defende que, com base no conhecimento atual, os fatores que aumentam a pressão intra-abdominal revelam a hérnia inguinal mas não a causam, sendo o colagénio e as suas alterações o fator principal para o desenvolvimento da hérnia inguinal5.

A corroborar esta teoria do colagénio existem diversos estudos microscópicos que mostram que a arquitetura tecidular da fáscia nos indivíduos com hérnias apresentam menor densidade de colagénio e menor organização estrutural que nos indivíduos sem hérnias4. Existem ainda outros estudos que mostram que portadores de doenças congénitas do colagénio, como a doença de Marfan e a Doença Renal Poliquística, têm maior incidência de hérnias que a população geral1, 4-5.

Contudo, não são as alterações congénitas do colagénio que estão implicadas no aparecimento de hérnias inguinais. Os fumadores apresentam desregulação do balanço protease/anti-protease que condiciona maior atividade elastolítica e, por conseguinte, destruição da arquitetura do colagénio. Os doentes com escorbuto apresentam deficiência de vitamina C necessária à maturação do colagénio e maior incidência de hérnia inguinal1, 4-5.

Iatrogenia Em 1976, Tobin, Clark e Peacock descreveram um mecanismo muscular de encerramento do orifício do anel inguinal profundo. Segundo estes autores, partes específicas do músculo transverso abdominal seriam responsáveis por esse encerramento durante atividades que aumentassem a pressão intra-abdominal a fim de evitar a protusão de conteúdo abdominal pelo anel inguinal profundo. Com base neste mecanismo, surgiram estudos que mostraram que a realização de uma apendicectomia laparotómica vai provocar desnervação cirúrgica dessa região e, por conseguinte, aumentar a incidência de hérnias inguinais nos doentes apendicectomizados1.

Em conclusão, as hérnias pediátricas são congénitas e originárias da persistência do processo peritoneo-vaginal, enquanto que no adulto a etiologia é multifatorial e dependente da constituição anatómica individual, da proteção da fáscia transversalis e do aumento da pressão intra-abdominal.

Nesta teoria multifatorial as alterações do colagénio (tanto congénitas como adquiridas) seriam o fator predisponente e o aumento da pressão intra-abdominal o fator desencadeante.

O aumento da pressão intra-abdominal é o único fator que demonstrou relação estatisticamente significativa com a incidência de hérnias inguinais numa relação direta: aumento do peso da carga e do tempo de esforço implicam maior incidência de hérnias inguinais1.

DIAGNÓSTICO Classificação A discrição tradicional das hérnias baseava-se na localização do defeito (ex.: indireta, direta, femoral), o conteúdo do saco herniário (ex.: deslizamento, Ritcher, Littre) e a forma como se encontra o conteúdo (ex.: redutível, encarcerado, estrangulado)4.

No entanto, a variabilidade desta classificação não permitia comparar estudos e doentes, pelo que surgiu a necessidade de desenvolver outras escalas de classificação (Nyhus, Gilbert, Rutkow/Robbins, Schumpelick, Harkins, Casten, Halverson and McVay, Lichtenstein, Bendavid, Stoppa, Alexandre, Zollinger Unified)6.

Uma das escalas mais utilizadas é a classificação de Nyhus/Stoppa7:

Tipo1: hérnia indireta com anatomia normal do anel inguinal profundo Tipo 2: hérnia indireta com dilatação do anel inguinal profundo Tipo 3: hérnia com defeito no pavimento do canal inguinal

· A: hérnia inguinal direta · B: hérnia inguinal direta e indireta (pantaloon) · C: hérnia femoral

Tipo 4: hérnia recidivada

· A: direta · B: indireta · C: femoral · D: combinada

Campanelli desenvolveu uma classificação para hérnias inguinais recidivadas que permitiria orientar a estratégia cirúrgica8:

R1 (9,4%): primeira recorrência, redutível, defeito com <2cm perto do anel inguinal profundo R2 (60,6%): primeira recorrência, redutível, defeito com <2cm acima do tubérculo púbico R3 (30,0%): multi-recorrência ou irredutível ou defeito >2cm ou recorrência femoral

No congresso da Sociedade Europeia da Hérnia de 2004 as classificações existentes foram revistas com o intuito de desenvolver uma classificação que fosse fácil de memorizar e de aplicar peri-operatoriamente (por via aberta ou laparoscópica) e que melhorasse a comparação de resultados descritos na literatura. Assim, em 2007 foi publicada uma tabela pela Sociedade Europeia da Hérnia9 que classifica a hérnia usando uma letra (de acordo com a localização: Llateral; Mmedial; Ffemoral) e um número (de acordo com o tamanho do defeito, medido com o dedo indicador: 0sem hérnia; 1menos que um dedo; 2um a dois dedos; 3três ou mais dedos, xhérnia não evidente). Deve-se igualmente utilizar a letra Pou Rpara classificar a hérnia como primária ou recidivada. No caso da hérnia ser mista (ex.: direta e indireta ou indireta e femoral) deve-se classificar ambas as hérnias. Para as hérnias recidivadas uma descrição detalhada como a proposta por Campanelli8 deve ser utilizada. Situações particulares como lipoma do cordão ou fraqueza do pavimento do canal inguinal também podem ser classificados nesta tabela: o lipoma do cordão deve ser classificado como L1 e a fraqueza do pavimento deve ser classificada com hérnia medial, no entanto se o defeito não for suficientemente grande que permita uma sutura de aproximação da fáscia transversalis a hérnia deve ser classificada como Mx.

Exame clínico O diagnóstico de uma hérnia inguinal pode ser na maioria das situações baseado na história clínica e no exame físico com uma sensibilidade de 74.5-92% e especificidade de 93%6. O principal sinal referido pelo doente é uma tumefação da região inguinal que poderá estar associado a dor ou desconforto10.

Perante um doente com suspeita de hérnia inguinal deverá ser realizado exame físico com o doente sentado e deitado e avaliar sempre a redutibilidade do conteúdo herniado. A região inguinal deverá ser inspecionada e palpada para pesquisar assimetrias, massas ou tumefações (pedir ao doente para tossir ou realizar manobra de Valsalva pode facilitar a identificação da hérnia). O examinador coloca o dedo indicador dentro do canal inguinal e repete o exame.

Esta técnica aumenta a acuidade diagnóstica e pode ajudar a diferenciar entre uma hérnia inguinal indireta (tumefação que desce ao longo do dedo de lateral para medial) ou direta (tumefação que se sente na parede posterior do canal inguinal), no entanto esta distinção não é importante, pois a abordagem cirúrgica é a mesma. Contudo, uma tumefação que se sinta abaixo do dedo introduzido no canal inguinal pode ser indicador da presença de hérnia femoral, e neste caso a abordagem cirúrgica será diferente10.

Diagnósticos diferenciais

Diagnósticos diferenciais de tumefação da região inguinal6, 10: Hérnia inguinal (primária ou recidivada) Hérnia femoral Hérnia incisional Aumento de gânglio linfático (inguinal ou femoral) Aneurisma Variz (veia safena magna) Quisto sebáceo Abcesso do músculo psoas Tumor de tecidos moles (lipoma, linfoma, neoplasia metastática) Hidrocelo Varicocelo Anomalias genitais (testículo ectópico) Endometriose

Diagnóstico diferencial de dor na região inguinal sem tumefação evidente6, 10:

Epididimite Torção testicular Tendinite do adutor Osteite do púbis Artrose da anca Bursite ileopectínea Dor lombar com irradiação Endometriose

Exames auxiliares de diagnóstico Dúvidas de diagnóstico podem existir no caso de tumefação da região inguinal duvidosa ou de localização pouco específica, tumefação intermitente que não é palpável no exame físico e queixas álgicas referidas à região inguinal sem nenhuma tumefação presente6. Nestas situações poderá justificar-se a realização de exames auxiliares de diagnóstico: Radiografia convencional1: apesar de em algumas situações se poder observar uma convergência de ansas intestinais através do orifício herniário, este exame tem baixa sensibilidade diagnóstica, pelo que não se utiliza por rotina na avaliação dos doentes com suspeita de hérnia inguinal.

Ecografia1, 6: exame não invasivo com boa acuidade diagnóstica, mas operador dependente. Sensibilidade 33-100% e especificidade 81-100%.

Tomografia computorizada6, 10: útil na avaliação na identificação de hérnias ocultas ou atípicas, especialmente se houver envolvimento da bexiga no conteúdo herniado. Sensibilidade 83% e especificidade 67-83%.

Ressonância magnética6, 11-12: exame dispendioso mas que permite diagnosticar outras patologias (ex.: inflamação ou tumor) como causa dos sintomas do doente, útil na avaliação das queixas dos desportistas e poder ser realizado com manobras dinâmicas (ex.: realização da manobra de Valsalva). Sensibilidade 94.5% e especificidade 96.3%.

Herniografia1, 6: injetar contraste iodado na cavidade peritoneal para observar as regiões inguinais e o pavimento pélvico melhora a acuidade diagnóstica e permite identificar hérnias ocultas, contudo não permite identificar o lipoma do cordão como causa de tumefação/dor da região inguinal. Apesar de segura, esta técnica apresenta risco de complicações entre 0-4.3% (alergia ao contraste, perfuração do intestino, hematoma da parede abdominal, dor após o procedimento) e de falsos negativos se houver tamponamento do orifício de entrada por gordura abdominal.

TRATAMENTO Evolução da cirurgia da hérnia inguinal Erasistratus de Keos (330 a 250 AC) foi o primeiro a realizar cirurgia da hérnia13. Em 1363, Guy de Chauliac descreveu a redução manual da hérnia13.

Pierre Franco publicou o livro Traité des Hernies(primeira edição 1556) no qual descreveu a primeira técnica cirúrgica para tratamento das hérnias estranguladas que consistia em colocar uma sonda entre o intestino e o saco o que permitira cortá-lo sem lesionar o intestino13.

No final do século XIX dá-se a revolução do tratamento cirúrgico das hérnias inguinais com Henry Marcy ao evidenciar a importância da obliquidade do canal inguinal para o tratamento cirúrgico. Este cirurgião em 1871 descreveu um método de laqueação alta do saco herniário e de rafia do anel inguinal profundo (Figura_4), que ainda hoje é um dos métodos mais escolhidos para tratamento das hérnias pediátricas13. Contudo, foi Edoardo Bassini a ser considerado o pai da herniorrafia moderna ao descobrir a importância da fáscia transversalis na patofisiologia da hérnia13. O método de Bassini, descrito em 1884, consiste na sutura dos músculos oblíquo interno e transverso e da fáscia transversalis, denominada por Bassini de tripla camada, ao ligamento inguinal (Figura_5)14.

Nas cirurgias realizadas pelo próprio Bassini a recidiva era de 2.3%, contudo estudos noutros centros cirúrgicos evidenciam taxas de recidiva mais elevadas (3.2-10%)1, 4.

Em 1939, McVay modificou ligeiramente o método de Bassini ao utilizar o ligamento de Cooper em vez do ligamento inguinal para ancorar os músculos da parede abdominal anterior (Figura_6)2. Este método apresenta uma recidiva semelhante ao método de Bassini (11.2%)1.

Em 1952, Shouldice, Obney e Ryan desenvolveram um método diferente que consiste na reparação em dupla camada da parede posterior usando uma técnica de sutura contínua (Figura_7) que impõe menos tensão à sutura, o que leva a menor recidiva (0.7%-1.7% nas clínicas especializadas e 1.7-15% na prática global)4, 14.

A segunda revolução da cirurgia da hérnia começou com a introdução de próteses sintéticas em 1958 por Usher15, contudo, foi Lichtenstein que em 1986 introduziu o conceito de tension-freena cirurgia da hérnia inguinal, baseado na evidência que a taxa de recidiva está relacionada com a tensão da sutura13. O método de Lichtenstein é um método simples, facilmente reprodutível e com uma curva de aprendizagem pequena e que consiste na aplicação de uma prótese de polipropileno no canal inguinal onde é fixada ao ligamento inguinal e ao tendão conjunto (Figura_8)14. Esta técnica tem uma taxa de recidiva muito baixa (0.5%)4. As guidelineseuropeias consideram-na a melhor técnica de hernioplastia por via anterior6.

Em 2007 surgiu o sistema ProGripconstituído por monofilamento de poliéster e ácido poliláctico reabsorvível que adere aos tecidos do canal inguinal sem necessidade de pontos de fixação15.

Teoricamente, o método de Lichtenstein coloca a prótese do lado errado do defeito herniário. A colocação pré-peritoneal de uma prótese que recobrisse todo o orifício miopectineo seria, em teoria, o melhor método de tratamento da hérnia inguinal, pois segundo a lei de Pascal, a tensão que causou a hérnia permitiria manter a prótese no local6.

Nos anos 90 desenvolveram-se as abordagens cirúrgicas que utilizam o espaço pré-peritoneal para colocar a prótese. Gilbert desenvolveu um método de hernioplastia sem necessidade de sutura que ficou conhecido como Prolene Hernia System(PHS) que consiste em duas camadas de polipropileno unidas por um conector: uma camada é colocada no espaço pré-peritoneal e a outra superficialmente à fáscia transversalis (recidiva muito baixa) (Figura_9)4, 13.

Rutkow e Robbins desenvolveram um sistema semelhante que consiste na colocação de um plugatravés do orifício inguinal profundo ou do defeito do canal inguinal e colocação de meshnesse canal, esta técnica ficou conhecida como mesh-plug technique(recidiva <1%) (Figura_10)2, 4. Kugel, em 1994, desenvolveu uma prótese auto-expansível que é colocada no espaço pré-peritoneal através de uma incisão mínima (3-4cm) de modo a cobrir todo o orifício miopectíneo e ancorada na fáscia transversalis para impedir a movimentação (recidiva 0.4%) (Figura 11)4, 15.

Após a primeira herniorrafia inguinal laparoscópica realizada por Ger em 1982, a abordagem laparoscópica tem tido uma importância crescente no campo da cirurgia de reparação da hérnia inguinal2. Este tipo de cirurgia permite identificar o defeito herniário mais facilmente, tem incisões menores, diminui a dor pós-operatória e permite uma recuperação mais rápida4, 10. Atualmente a abordagem laparoscópica pode ser por via abdominal ou extra-peritoneal. Na técnica totalmente extra-peritoneal (TEP) um balão é insuflado dentro do espaço pré-peritoneal permitindo a visualização do defeito herniário (Figura_12)10.

Existem duas técnicas para a abordagem laparoscópica por via abdominal: transabdominal preperitoneal(TAPP) e intraperitoneal onlay mesh(IPOM). Em ambas as técnicas a prótese é colocada a recobrir o orifício miopectineo, a diferença consiste que na TAPP a prótese é colocada no espaço pré-peritoneal pelo que necessita de dissecar o peritoneu parietal (Figura_13), enquanto que na IPOM usa-se uma prótese diferente que é colocada diretamente na parede abdominal anterior podendo ficar em contacto com as vísceras10.

Que técnica escolher? Na prática clínica a escolha do tipo de cirurgia depende em muito da disponibilidade do material/prótese no hospital e da experiência do cirurgião, contudo existem algumas orientações definidas nas guidelinesda Sociedade Europeia de Hérnia6 (tabela_1).

Na escolha da técnica cirúrgica vários fatores a ter em atenção, nomeadamente: sintomatologia, idade e tipo de hérnia.

Doente assintomático No doente que se apresenta assintomático ou minimamente assintomático (hérnia que não interfere nas atividades da vida diária), em que a hérnia foi um achado, a necessidade de cirurgia deve ser muito bem ponderada. A cirurgia nestes doentes seria apenas para evitar um possível encarceramento, algo que é pouco provável que ocorra (0.3-3% por ano). Assim, as recomendações são para vigilância destes doentes, especialmente nos idosos, e ponderar cirurgia quando a hérnia se tornar sintomática6.

Hérnias pediátricas As hérnias inguinais pediátricas apresentam-se como hérnias indiretas por persistência do processo peritoneo-vaginal. Este remanescente encontra-se presente em 60% dos recém-nascidos do sexo masculino com 2 meses, diminuindo para 40% aos 2 anos de idade e 35% aos 16 anos4, 16. Apesar desta elevada incidência da persistência do processo peritoneo-vaginal, apenas 5% dos recém- nascidos desenvolvem hérnias inguinais (os prematuros e os com baixo peso ao nascimento têm maior risco: 13% nos prematuros com <32 semanas e 30% nos com peso <1000gr)4.

Dez por cento das hérnias pediátricas são bilaterais o que leva à controvérsia de procurar ou não a existência de uma hérnia contra-lateral assintomática. A avaliação do lado contra-lateral pode ser efetuado por ecografia no pré- operatório (acuidade diagnóstica 95-97%) ou exploração laparoscópica intra- operatória do lado contra-lateral (sensibilidade 99,4% e especificidade 99,5%), com o objetivo de evitar uma segunda anestesia, minimizar a ansiedade dos pais e da criança, evitar o risco de encarceramento e diminuir os custos4, 17-18.

O canal inguinal desenvolve-se ao longo do crescimento da criança, passando de 1-1,5cm no recém-nascido para 6-9cm no adulto, fazendo com que muitos dos pequenos sacos herniários existentes no recém-nascido não sejam clinicamente evidentes no adulto (estima-se que apenas 25-50% possam ser responsáveis pelo aparecimento de hérnias no adulto)16. De modo semelhante às hérnias assintomáticas do adulto, o objetivo da cirurgia de reparação das hérnias inguinais pediátricas seria o de evitar um possível encarceramento. O encarceramento é um problema mais frequente nas crianças que nos adultos, mas diminui ao longo do crescimento: 30% nos recém-nascidos (prematuros em maior risco), 10-15% ao 1 ano de idade e 1% aos 8 anos16. No entanto, 80% das hérnias encarceradas pediátricas são reduzias manualmente apenas com sedação4.

Tal como todas as cirurgias, a reparação de hérnia pediátrica não se encontra livre de complicações: 10% desenvolvem atrofia testicular, 9% recidivam e 14% mantém queixas álgicas na idade adulta, podendo ser intensas em 2%16.

Comparativamente com o método aberto, na laparoscopia consegue-se uma melhor visualização de todas as estruturas anatómicas e não necessidade de dissecar o cordão espermático (diminuindo o risco de lesão e atrofia testicular), é bom método diagnóstico e terapêutico para as hérnias inguinais e tem melhores resultados cosméticos19.

Não existem um timingdefinido para a realização de herniorrafia. Devido ao risco da cirurgia nos prematuros, muitos cirurgiões preferem esperar que as crianças atinjam determinado peso e idade antes de avançarem para a cirurgia.

Contudo, com os avanços na anestesiologia e cuidados neonatais, cada vez mais cirurgiões realizam a cirurgia precocemente, mesmo antes de as crianças terem alta da Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais18.

No entanto, não existem estudos suficientes para a realização de guidelinesbaseadas na evidência clínica que definam quais as crianças que necessitam de cirurgia e qual a melhor técnica cirúrgica16.

Hérnia inguinal unilateral A escolha da abordagem cirúrgica deve ser tomada entre o cirurgião e o doente, ponderando os riscos e benefícios de cada técnica, e depende da experiência do cirurgião e da disponibilidade do hospital4.

Atualmente, o gold standardpreconizado para o tratamento de hérnia inguinal unilateral não recidivada no adulto é a hernioplastia por via aberta realizada sobre anestesia local em regime de ambulatório15, pelos seguintes motivos:

Hernioplastia:A realização de herniorrafias tem diminuído face à evidência de que estas técnicas aumentam o risco de recidiva em 3,8x.

Porém, se estiver indicado a realização de uma técnica sem colocação de prótese a técnica de Shouldice é a que apresenta melhores resultados 6, 20.

Via aberta:Apesar das técnicas laparoscópicas terem menor incidência de infeções da ferida, de formação de hematoma e de dor crónica e recuperação mais rápida, acarretam maior tempo operatório e maior custo, podendo não se justificar o seu uso nas hernioplastias unilaterais6, 15.

Anestesia local: A maioria das cirurgias por método aberto para tratamento de hérnias inguinais redutíveis podem ser com anestesia local por técnica de infiltração, bloqueio dos nervos ileo- hipogástrico ou ileo-inguinal, ou combinação das duas. A técnica de anestesia local (com mistura de fármacos de curta e longa ação) é vantajosa por ser uma técnica fácil, o doente referir menos dor no pós-operatório, menos complicações anestésicas e recuperação mais rápida com alta precoce6, 15. A técnica de infiltração local associada a sedação com fármacos de curta duração de ação é segura e compatível com a cirurgia em ambulatório, no entanto apresentar maior incidência de complicações que a anestesia local6. Os doentes ansiosos, com obesidade mórbida e com hérnias encarcerados podem apresentar resultados insatisfatórios com a anestesia local, sendo de considerar outras técnicas anestésicas6.

Ambulatório:Todos os doentes (que cumpram os critérios de inclusão em regime de ambulatório definidos pelo hospital) devem ser considerados como candidatos a realização de cirurgia em regime de ambulatório por ser um regime igualmente seguro e eficaz, mas com uma relação custo-eficácia melhor que o regime de internamamento6, 15.

Hérnia inguinal bilateral Os estudos epidemiológicos estimam que 8-30% dos doentes com hérnia inguinal possuem hérnias bilaterais21. Um estudo recente identificou a existência de 22% de hérnias inguinais contra-laterais ocultas em doentes que estavam previstos serem submetidos a cirurgia a hérnia inguinal unilateral22.

30 anos atrás, estava preconizado que os doentes com hérnia bilaterais seriam submetidos a duas cirurgias com 2-12 semanas de intervalo por se pensar que a cirurgia simultânea aumentaria o risco de complicações e recidiva.

Contudo, alguns anos depois vários estudos vieram demonstrar bons resultados com a realização de hernioplastias inguinais bilaterais por método aberto ou com um método pré-peritoneal (Stoppa). Atualmente a laparoscopia apresenta-se como uma técnica nova de abordagem das hérnias bilaterais com as vantagens de diminuir a dor pós-operatória, recuperação mais rápida, colocação da prótese no espaço pré-peritoneal, tratamento de ambas as hérnias com apenas um acesso e identificação de hérnia inguinal contra-lateral oculta21.

A Sociedade Europeia de Hérnia recomenda a cirurgia laparoscópica (por apresentar um custo-benefício favorável na população ativa) se houver um cirurgião experiente em abordagem laparoscópica. Apesar de poder existir maior grau de conversão, o método TEP é recomendado, pois o TAPP apresenta maior risco de lesão visceral e de hérnias pelas incisões dos trocares6. A recomendação da abordagem laparoscópica também é apoiada pelo National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE)23 Hérnia inguinal recidivada O tratamento de hérnias recidivadas ocupa cerca de 12% da cirurgia da hérnia inguinal e a escolha da melhor técnica cirúrgica é atualmente um dos temas de maior controvérsia nesta área cirúrgica24.

Uma meta-análise recente de estudos controlados randomizados foi realizada a fim de definir qual a melhor abordagem cirúrgica. Os resultados deste estudo mostram que a laparoscopia apresenta menor dor no pós-operatório, menos infeção das incisões e recuperação mais rápida, enquanto que o método aberto apresenta menor tempo operatório; não foram encontradas diferenças em termos de incidência de seroma e hematoma, dor crónica ou recidiva. Os autores concluíram que a seleção cuidadosa dos doentes e a experiência do cirurgião são os fatores mais importantes a ter em conta na escolha da técnica cirúrgica24. Apesar de não haver consenso, as guidelinesda Sociedade Europeia da Hérnia defendem que a opção cirúrgica na recidiva da hérnia inguinal deve ser diferente da realizada inicialmente, ou seja, se a primeira cirurgia tiver sido uma abordagem anterior deve-se escolher um método aberto posterior ou técnica endoscópica, porém, se a técnica inicial tiver sido posterior deve-se escolher uma abordagem anterior (Litchenstein)6. As guidelinesdo National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE)recomendam a cirurgia laparoscópica em todas as hérnias inguinais recidivadas, não havendo consenso na escolha do método (TAPP vsTEP)23.

Emergência na hérnia inguinal A taxa de encarceramento e estrangulamento encontra-se estimada em 0.3-3% por ano e são indicações absolutas para cirurgia de hérnia, sendo mais frequente nas hérnias com orifício pequeno do que naquelas com defeito maior4, 6.

A cirurgia urgente apresenta 2.2% de risco de mortalidade. Comparativamente à cirurgia de rotina, a cirurgia urgente aumenta em 7 vezes o risco de mortalidade, podendo alcançar 20 vezes se houver necessidade de ressecção intestinal4.

A apresentação intra-operatória da hérnia é que vai determinar o tipo de cirurgia. Se a cirurgia for limpa (hérnia encarcerada, mas não estrangulada), deve-se usar a mesma técnica de hernioplastia que na cirurgia de rotina4, 25- 26. No entanto se a hérnia apresentar ansa estrangulada deverá realizar-se uma laparotomia para avaliar a viabilidade da ansa intestinal. Neste caso a colocação de prótese sintética deve ser evitada pois aumenta o risco de fístula e rejeição, devendo o cirurgião deve decidir entre uma herniorrafia (consciente que o edema e destruição tecidular dificulta a execução da técnica) ou o uso de biopróteses4.

A aplicação de biopróteses por via laparoscópica na cirurgia contaminada mostrou ser uma alternativa viável e segura com recorrência mínima e resultados satisfatórios a longo prazo27.

CONCLUSÃO Atualmente existem diversas técnicas cirúrgicas disponíveis, pelo que o cirurgião deve escolher a melhor técnica discutindo os riscos e benefícios de cada uma com o doente. A escolha da técnica deve levar em consideração diversas variáveis: taxa de recidiva, segurança (risco de complicações), recuperação pós-operatória e qualidade de vida (retorno ao trabalho), grau de dificuldade e reprodutibilidade (curva de aprendizagem) e custos (custos hospitalares e sociais).

A literatura é consensual em não aconselhar o tratamento cirúrgico nos doentes assintomáticos e nos doentes sintomáticos não existe consenso sobre a melhor técnica cirúrgica. O gold standardpreconizado para o tratamento de hérnia inguinal unilateral não recidivada no adulto é a hernioplastia por via aberta realizada sobre anestesia local em regime de ambulatório, contudo a laparoscopia apresenta vantagens evidentes, nomeadamente nos doentes com hérnia inguinal bilateral ou recidivada.


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