Revascularização distal com laqueação arterial (DRIL): Tratamento de eleição
para a isquémia em síndrome de roubo sintomático associado a FAV
Revascularização distal com laqueação arterial (DRIL) ' Tratamento de eleição
para a isquémia em síndrome de roubo sintomático associado a FAV
Pedro Amorim*, João Vieira*, Teresa Vieira*, Fernando Neves**, Pereira Albino*
*Serviço de Cirurgia Vascular II ' Centro Hospitalar Lisboa Norte
**FRESENIUS ' Santarém
|RESUMO|
As complicações relacionadas com os acessos de hemodiálise (HD) são o principal
motivo de internamento dos doentes renais crónicos.
O tratamento cirúrgico do síndrome de roubo associado a isquemia grave e
crítica é mandatório e urgente.
A única técnica cirúrgica que garante segurança nos resultados no que diz
respeito à resolução da isquemia com preservação do acesso vascular é o DRIL.
Os autores apresentam o caso de uma doente, 78 anos, com insuficiência renal
crónica hipertensiva, fístula úmero-cefálica e isquemia crítica da mão
esquerda.
O quadro clínico, com 13 meses de evolução, foi refractário à terapêutica
médica pelo que foi realizado um DRIL. Verificou-se remissão imediata da dor e
melhoria progressiva das lesões tróficas dos dedos da mão com preservação do
acesso.
Os autores defendem a realização do DRIL como primeira linha no tratamento
destes doentes.
Palavras-chave: Acesso Vascular para Hemodiálise, Síndrome de roubo, DRIL
Distal revascularization with interval ligation (DRIL) ' First line treatment
for symptomatic steel syndrome associated to AVF
|ABSTRACT|
Complications related to vascular access for hemodialysis (HD) are the main
reason for hospitalization of chronic renal patients. Surgical treatment of
steal syndrome associated with severe and critical limb ischemia is mandatory
and urgent.
The only surgical technique that ensures safety in the results with regard to
the resolution of ischemia and preservation of vascular access is DRIL.
The authors present the case of a 78 year old patient with hypertensive chronic
renal failure, humeral-cephalic fistula and critical ischemia of the left hand.
The clinical picture, with 13 months of evolution, was refractory to medical
therapy and so a DRIL was performed. There was immediate remission of pain and
progressive improvement of ulcerations of the fingers. At the same time the
access for HD was preserved and early punctured.
The authors advocate the implementation of DRIL as first-line treatment in
these patients.
Key words: Vascular Acess for Hemodyalisis, Steel syndrome, DRIL
INTRODUÇÃO
As complicações relacionadas com os acessos de hemodiálise são o principal
motivo de internamento dos doentes renais crónicos terminais.
Embora as alterações hemodinâmicas que condicionam redução da perfusão de um
membro a jusante de uma comunicação arterio-venosa (A-V) sejam extremamente
comuns (73% de todas as fístulas (FAV) e 91% de todos os enxertos arterio-
venosos, segundo Kwun) o síndrome de roubo sintomática acontece em 1-9% dos
acessos sendo o doente tipo: mulher, com mais de 60 anos de idade, diabética,
doença arterial periférica documentada, com acesso A-V que utiliza a artéria
umeral como artéria dadora, com enxerto protésico em vez de fístula nativa e
com múltiplas intervenções e acessos nesse membro.
Clinicamente foram definidos quatro estadios:
Estadio I (Ligeiro) ' Palidez, cianose ou arrefecimento sem dor. Ausência de
pulso.
Estadio II (Moderado) ' Dor durante exercício ou hemodiálise.
Estadio III (Grave) ' Dor em repouso.
Estadio IV (Crítico) ' Úlcera, gangrena, necrose.
Cerca de 30% - 50% dos síndromes de roubo clinicamente significativos têm
sintomas nos primeiros 30 dias após construção do acesso. A dor em repouso ou a
limitação motora imediatamente após a cirurgia implicam revisão imediata da
mesma.
Apesar de múltiplas tentativas ainda não dispomos de um método capaz e fiável
de predizer com segurança a ausência de risco de isquemia de um membro após
construção de um acesso.
CASO CLÍNICO
Doente do sexo feminino, 78 anos, com antecedentes de hipertensão arterial
desde há 42 anos e uma insuficiência renal crónica com necessidade de
hemodiálise há 6 anos.
Foi submetida à construção de uma FAV úmero-cefálica no braço direito, em fase
pré-dialítica, funcionante até há cerca de 1,5 anos.
Em Março de 2009 foi construída uma nova FAV, úmero-cefálica, desta vez no
membro superior esquerdo.
A doente refere, desde esta data, arrefecimento, parestesias, dor para
movimentos de preensão da mão e à elevação do antebraço, superior a 90º.
O quadro clínico evoluiu para dor durante as sessões de hemodiálise, por vezes
em repouso, e com marcada impotência funcional.
A sintomatologia foi refractária a múltiplas terapêuticas médicas instituídas.
Ao fim de 12 meses surgiram lesões tróficas em D3 e D4 da mão e aos 13 meses é
referenciada à consulta de acessos vasculares do Serviço de Cirurgia Vascular
II do Centro Hospitalar Lisboa Norte (Hospital Pulido Valente).
A doente foi submetida a uma angiografia pré-operatória com recurso a manobras
de compressão/descompressão e a isquemia objectivada | FIGURA 1 |. Eventuais
defeitos de drenagem da FAV foram excluídos.
| FIGURA 1| Angiografia pré-operatória sem e comcompressão da FAV.
A indicação cirúrgica foi então colocada. A cirurgia consistiu num DRIL usando
a veia safena interna esquerda como enxerto | FIGURA 2 |.
| FIGURA 2 | DRIL.
A angiografia de controlo mostra a manutenção da FAV e a perfusão do membro
assegurada pelas três artérias do antebraço | FIGURA 3 |.
| FIGURA 3 | Angiografia pós DRIL.
A doente encontra-se a fazer diálise pela FAV nativa no membro superior
esquerdo. As lesões tróficas cicatrizaram rapidamente e o quadro álgico
reverteu quer em repouso, quer durante o exercício ou a diálise. Mantém apenas
algumas parestesias da mão.
DISCUSSÃO
O síndrome de roubo e a isquemia não são sinónimos. O alvo terapêutico e aquilo
que importa tratar é a isquemia ou, se quisermos, o síndrome de roubo
sintomático.
No Estadio I preconiza-se apenas vigilância.
Para doentes em Estadio II há lugar à utilização de fármacos para alívio dos
sintomas. Está preconizado o uso de antiagregantes plaquetários, bloqueadores
dos canais de cálcio e mais recentemente prostaglandinas por via endovenosa.
A terapêutica cirúrgica é mandatória e urgente nos Estadios III e IV.
Esta compreende clàssicamente uma de três abordagens: a laqueação da FAV, a
bandagem e a Revascularização Distal com Laqueação Arterial (DRIL).
A laqueação da FAV talvez seja ainda hoje o procedimento de primeira escolha
para a maioria dos cirurgiões. Garante eficácia no tratamento da isquemia
porém, não cumpre o objectivo de preservação do acesso vascular para
hemodiálise. A bandagem, por outro lado, tem vindo a ser descontinuada pelo seu
carácter impreciso e, logo, ineficaz.
Recentemente têm vindo a ser descritas outras alternativas cirúrgicas como
sejam as técnicas de RUDI (Revisão do acesso Utilizando Inflow mais Distal) e a
PAI (Proximalização do Inflow Arterial).
Estas duas alternativas têm como grande vantagem a manutenção da árvore
arterial nativa, mas o Gold Standard continua a ser o DRIL.
Apesar de mais exigente tecnicamente é a única que garante segurança nos
resultados no que diz respeito à resolução da isquemia com preservação do
acesso vascular.
Para muitos autores a interrupção da circulação arterial nativa constitui o
calcanhar de Aquiles desta técnica, muito embora nenhum caso de isquemia de um
membro tenha ocorrido após esta técnica, mesmo quando oclui o bypass. Mais, há
relatos clínicos de tratamento da isquemia apenas com a laqueção arterial a
jusante da anastomose A-V.
Num futuro próximo talvez as técnicas de RUDI encontrem lugar em doentes com
insuficiência cardíaca, fístulas aneurismáticas, de altíssimo débito e em
doentes mais jovens. São sobretudo procedimentos de redução do fluxo com
preservação arterial.
As PAI são mais utilizadas em isquemias em FAV de baixo fluxo.
CONCLUSÃO
O DRIL deve ser a cirurgia de primeira linha no tratamento dos doentes com
isquemia grave ou crítica associada a FAV.
O protelamento cirúrgico não deve ser encorajado não só pela isquemia como pelo
sofrimento desnecessário que condiciona.
Outra tónica deve ser colocada na melhor avaliação pré'operatória aquando do
planeamento dos acessos A-V com identificação dos factores de risco para estas
situações.
Idealmente, nenhuma isquemia de um membro devia ser tratada, todas deviam ser
prevenidas.