Estenose intra-stent na artéria femoral superficial: soluções actuais para um
problema crescente
Introdução
A terapêutica endovascular para o tratamento da doença arterial obstrutiva
periférica está bem estabelecida e tem vindo a ganhar relevância em relação à
cirurgia convencional (CC) devido à sua menor invasibilidade e morbilidade1.
Introduzida na década de 80, a angioplastia da artéria femoral superficial
(AFS) resultou da extrapolação dos princípios utilizados na angioplastia
coronária para os vasos periféricos.
Inicialmente promissores, os resultados da angioplastia isolada para a AFS
revelaram-se desanimadores quando comparados com a terapêutica convencional,
principalmente no que diz respeito a lesões longas e complexas2 (TASC > B).
A introdução do stenting para a femoral superficial, na década de 90, prometia
manter a baixa invasibilidade do procedimento associado a aumento da
permeabilidade a médio e longo prazo, comparativamente com a angioplastia
isolada.
No entanto, os primeiros stents utilizados associaram-se a taxas de fractura e
de oclusão elevadas e não apresentavam vantagens em relação à angioplastia
isolada para este segmento3.
A adaptação de stents de nitinol associado a um design orientado para suportar
as diferentes forças envolvidas nesta artéria (fig._1), melhoraram de forma
significativa os resultados do stenting femoral, sendo hoje sobreponíveis aos
do tradicional bypass femoro-popliteu com prótese4.
Relevância do tema
Os procedimentos endovasculares realizados na AFS por DAOP aumentaram
exponencialmente nos últimos anos em Portugal e representam hoje mais de 50%
das revascularizações efectuadas nesse segmento em muitos serviços de Cirurgia
Vascular.
Este facto resulta da melhoria dos resultados obtidos pela técnica ao longo dos
anos e do aparecimento e desenvolvimento de novas tecnologias que permitem
taxas de permeabilidade superiores ao passado e que rivalizam com a cirurgia
clássica.
Embora a introdução de stents para a AFS tenha contribuí do para a melhoria de
resultados, a adoção destes dispo sitivos criou um novo problema de difícil
resolução: a re-este nose intra-stent.
Histologicamente distinta da estenose causada pela DAOP aterosclerótica, que
consiste em lesões mais ou menos complexas da placa de ateroma, a estenose
intra-stent resulta de resposta fibrótica à angioplastia, com proliferação de
células musculares lisas e de tecido cicatricial (hiperplasia mio-intimal), o
que condiciona negativamente os resultados da re-intervenção nesse
território5,6.
A prevalência da estenose intra-stent é um tema controverso e existem poucos
estudos na literatura que permitam retirar dados conclusivos, pois esta
possível complicação raramente está incluída como endpoint. Dos ensaios
clínicos publicados sobre stenting da AFS, podemos inferir pela taxa de
permeabilidade primária e pela taxa «livre de re-intervenção na lesão» que a
estenose intra-stent pode variar entre os 20 e os 50% a 12 meses, embora o
valor esteja provavelmente sub-dimensionado (tabela_1).
Vários factores foram inicialmente associados ao fraco desempenho do stenting
da a AFS, incluindo o material (aço inox vs nitinol), o acabamento (polido a
laser vs não polido; tipo de polimento), o design (células fechadas vs células
abertas), a apresentação clínica (isquemia funcional vs isqué mia crítica) e o
tipo de lesão7 (TASC A e B vs TASC > B).
O stent de inox foi o primeiro a ser utilizado neste território, contudo, a sua
rigidez originou muitas falências precoces do procedimento por fractura do
stent e posterior oclusão. De facto, fractura e re-estenose parecem estar
intimamente ligados e são referidos por diversos autores como um dos principais
factores de oclusão após implantação8,9.
Por outro lado, os stents com células fechadas, expansíveis por balão,
apresentam uma força radial superior aos stents com células abertas mas são
menos resistentes ao desgaste mecânico.
Na AFS existem 3 tipos de forças de desgaste: compressão/ extensão, flexão e
torção (fig._1). Os stents autoexpansíveis de nitinol, mais recentes e com um
design segmentar aberto, vieram melhorar a permeabilidade primária dos pro
cedimentos na AFS ao apresentar maior flexibilidade e resistência neste
segmento10.
Apesar da introdução dos stents de nitinol, a taxa de fractura permanece > 20%
ao ano para lesões longas, traduzindo piores resultados para lesões TASC C e
D9.
Os doentes que se apresentam com isquémia crítica também apresentam piores
resultados após angioplastia e stenting da AFS11. Este facto traduz
frequentemente uma doença arterial periférica mais grave, com run-off distal
mais degradado. Igualmente, estes doentes apresentam tipicamente lesões
classificadas como TASC > B para este segmento e com maior frequência se
utilizam técnicas de angioplastia sub-intimal com re-entrada, igualmente
associadas a pior prognóstico12.
Importa relembrar, no entanto, que a oclusão de um segmento arterial na
sequência de re-estenose não resulta necessariamente no aparecimento de
isquémia aguda / crítica. Frequentemente, a oclusão ocorre sem o aparecimento
de novos sintomas, ou com um encurtamento da distância de claudicação. Exige-
se, portanto, uma atitude criteriosa tal como na lesão primária, o que
importa ao Cirurgião Vascular é o tratamento das queixas, não da lesão per se.
Estratégias para tratamento
Angioplastia simples com balão «Plain Old Balloon»
Os resultados do (POBA) (fig._2) na re-estenose são tipicamente inferiores à
angioplastia primária devido à diferente natureza e morfologia da lesão e
usualmente apresentam taxas de permeabilidade a 1 ano inferiores a 40%11,13.
Por esse motivo a POBA não é utilizada de forma isolada no tratamento destas
lesões, mas antes combinada com outras técnicas para aumento da permeabilidade.
Balão eludido com fármaco «Drug eluting balloon»
A angioplastia com DEB consiste na libertação dum fármaco anti-proliferativo
(i.e., paclitaxel) durante a dilatação do balão e é já utilizada com sucesso na
estenose intra-stent coronário14 desde há vários anos.
Numa meta-análise recente15 concluiu-se que que os resultados da DEB são
consistentemente superiores ao da PTA simples no tratamento da DAOP infra-
inguinal, com taxas de permeabilidade superiores e de re-intervenção
inferiores.
Da mesma forma, postula-se que o DEB tenha uma eficácia superior ao POBA para o
tratamento da re-estenose intrastent periférico ao inibir a proliferação mio-
intimal reactiva.
Num estudo recente16 a permeabilidade a 1 ano com DEB foi superior a 90% na
estenose intra-stent e a presença de re-estenose oclusiva na altura do
tratamento não se relacionou com aumento da taxa de re-estenose a 1 ano.
Cutting balloon
O cutting balloon é uma técnica que utiliza um balão de angioplastia equipado
com 4 lâminas opostas, montadas longitudinalmente (fig._3).
O racional da técnica consiste na rotura controlada da placa nos locais de
incisão dos micrótomos, diminuindo a área de inflamação pós dilatação e a
consequente hiperpasia mio-intimal. Esta técnica parece ter maior benefício em
lesões com muito recoil elástico. No caso da estenose intra-stent, parece haver
o beneficio adicional de se poder realizar o cutting ballon com pressões mais
elevadas, sem risco de rotura do vaso (protegido pela malha metálica).
Os resultados iniciais com esta técnica parecem conferir vantagem em relação à
PTA isolada com taxas de re-stenose a 1 ano inferiores17.
Crioplastia com balão
A crioplastia com balão é uma técnica que combina a angioplastia com balão com
a terapia do frio. A insuflação do balão com óxido nítrico arrefece o balão e
congela a placa, com 3 benefícios hipotéticos: 1. Enfraquecimento da placa
permitindo uma dilatação uniforme; 2. Redução do recoil; 3. Indução da apoptose
nas células musculares lisas, limitando a formação de neo-intima.
O estudo COBRA18 comparou a taxa de re-estenose da sfa após PTA vs Crioplastia,
com beneficio para o grupo da crio (55,8% vs 29,3% re-estenose a 12 meses).
Não há resultados específicos para a re-stenose intra-stent publicados até à
data.
Re-Stenting (Bare metal stent) / Stent com fármaco (Drug eluting stent)
Vários estudos mostram a superioridade do stent face à PTA para o tratamento da
DAOP infra-inguinal.
Recentemente publicados, os resultados dos novos stents de nitinol com fármaco
são encorajadores e parecem estar associados a baixas taxas de restenose e
fractura quando comparados com outros stents19.
O papel do stenting na re-estenose intra-stent está menos estabelecido e
levanta alguns problemas, nomeadamente o aumento da rigidez e a menor
tolerância à fractura, que são factores de reconhecida importância no
desenvolvimento da re-estenose no primeiro lugar.
Por outro lado, o alinhamento duma fractura de um stent da AFS necessita
frequentemente de «re-stenting em ponte» para manutenção da permeabilidade.
A introdução de stents de nitinol com fármaco parece reunir o melhor das duas
técnicas e poderá ser uma boa alternativa ao re-stenting convencional e à PTA
simples.
Outra alternativa poderá ser o recém-introduzido design de stent não segmentar,
entrelaçado, que tem como características principais a elevada força radial e a
flexibilidade (fig._4). Os resultados publicados para lesões complexas do
sector femoro-popliteu mostram taxas de fractura surpreendentemente baixas com
excelente durabilidade20.
Trombólise e trombectomia mecânica
A trombose aguda de um stent com re-estenose associada é um desafio para o
tratamento endovascular uma vez que a angioplastia isolada tem frequentemente
maus resultados e associa-se a um elevado risco de embolização distal.
Nesses casos, o tratamento definitivo da lesão pode ser precedido de trombólise
intra-arterial em perfusão por cateter multiperfurado colocado através da
lesão, tal como utilizado na isquémia aguda embólica.
Alternativamente poder-se-á recorrer a um sistema de trom bectomia mecânica
para remoção do trombo se a urgência do quadro clínico implicar a
revascularização ime diata. Existem essencialmente 3 tipos de sistemas de
trombectomia: rotacional (fig._5), hidrodinâmico e químico, mas o sistema
rotacional é o mais utilizado21.
O beneficio de sistemas de protecção distal não está demonstrado para estas
técnicas.
Debulking
Os sistemas de debulking são utilizados para excisar a lesão estenosante ou
oclusiva. A principal vantagem da sua utilização é a ausência de baro-trauma e
consequente resposta hiperplásica.
Essencialmente dividem-se em sistemas de aterectomia excisional (longitudinal),
aterectomia rotacional e foto-ablação por laser22.
A aterectomia excisional direcional (SilverHawk® (fig._6), Turbohawk®) consiste
genericamente numa lâmina de alta velocidade que «corta» e armazena a placa
longitudinalmente, enquanto que o sistema rotacional (Rotablator®, Diamond-
back®) funciona como uma «mini-broca» de diamante23.
A aterectomia com laser utiliza a fotoablação para converter o material
oclusivo em microbolhas que se dissolvem na corrente sanguínea e é o único
dispositivo de debulking com indicação aprovada para estenose intra-stent.
Os resultados da aterectomia excisional para a re-estenose cifram-se entre os
40 e os 70% a 12 meses24.
Todos os sistemas de aterectomia obrigam ao uso de protecção distal,
tipicamente filtro arterial, para profilaxia da embolização.
Stent-grafts (endopróteses)
Os resultados da utilização de endopróteses (fig._7) na doença oclusiva infra-
inguinal, simulando um bypass endo-luminal são conhecidos através do estudo
VIBRANT25 e apresentam taxas de permeabilidade a 12 meses de apenas 53%. Outro
estudo mais recente, o VIPER26, estabeleceu uma permeabilidade primária a 12
meses de 71% para lesões longas da AFS.
As vantagens da utilização de endopróteses na re-estenose intra-stent é a
limitação da hiperplasia mio-intimal. O maior problema na sua utilização é a
elevada taxa de trombose de (endo)prótese, associada a re-estenose dos limites
da mesma, e a erros de sizing da endoprótese27.
Outro factor limitativo da utilização deste tipo de material é o seu elevado
custo, pelo que é mais frequentemente reservado para casos de dissecção extensa
ou trombo residual.
Bypass femoro-popliteu
O bypass femoro-popliteu tem resultados bem establecidos desde há muito tempo
para a revascularização da AFS. A permeabilidade pode atingir os 70% a 5 anos
se for utili zada veia safena autóloga e de 50% no caso de prótese vascular
(PTFE ou Dacron).
No caso de doença recorrente da AFS, como é o caso da re-estenose intra-stent
recorrente, o bypass representa uma estratégia muito eficaz desde que os vasos
de run-off sejam adequados e o risco cirúrgico não seja excessivamente
elevado28.
A estratégia cirúrgica para resolução duma técnica endovascular é o factor que
distingue os cirurgiões vasculares dos outros intervencionistas e deverá ser
considerada quando o benefício for evidente.
Conclusão
A estenose intra-stent é um problema recente no espectro da patologia da
cirurgia vascular mas é seguramente uma patologia estabelecida e de frequência
crescente, reflectindo o progressivo aumento do número de procedimentos
endovasculares realizados.
Embora frequentemente sub-valorizada, esta complicação só pode ser eficazmente
resolvida se houver uma actua ção precoce, diminuindo assim a complexidade dos
procedimentos a realizar e o ônus financeiro a eles associado.
Por outro lado, a falência do stent primário não se acompanha sempre de
agravamento sintomático e nalguns casos, nenhuma intervenção subsequente é
necessária para a manutenção do estadio clínico.
O facto de existirem muitas opções para o tratamento destas lesões traduz a
dificuldade na sua abordagem e os resultados sub-óptimos obtidos. Não há
evidência científica que suporte o uso preferencial duma técnica nem uma
correlação directa entre a eficácia destes dispositivos e a melhoria clinica
dos doentes. Isto deve-se em parte à grande diversidade de factores que
condicionam a DAOP infra-inguinal, nomeadamente o tipo e extensão das lesões na
AFS, o estadio clínico inicial, a qualidade dos vasos distais e a presença de
colateralidade eficaz.
A avaliação individual do doente continuará, no mundo real, a determinar os
procedimentos a realizar, caso a caso.