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EuPTCVHe1646-706X2015000200003

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National varietyEu
Year2015
SourceScielo

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Dez anos de tratamento de aneurismas da aorta abdominal: exclusão endovascular vs. cirurgia aberta nas diferentes regiões portuguesas

Introdução Os aneurismas da aorta abdominal (AAA) infrarrenais afetam 1% dos indivíduos com mais de 55 anos de idade, aumentando posteriormente a sua incidência em 2- 4% por década1.Os homens têm 3 vezes mais probabilidade que as mulheres a desenvolver AAA2e são 10 vezes mais propensos a ter um AAA de 4 ou mais centímetros de diâmetro3. A idade é um fator de risco importante, com a incidência de AAA a aumentar acentuadamente após os 55 anos nos homens e após os 70 anos nas mulheres3. A maioria dos AAA são assintomáticos e indetetáveis ao exame físico, permanecendo desconhecidos até serem diagnosticados por exames de imagem realizados por outras razões4. Os aneurismas sintomáticos ou superiores a 5,5 cm de diâmetro têm indicação clássica para correção, enquanto os assintomáticos e de menores dimensões podem ser seguidos com vigilância periódica5. Contudo, a rotura pode ser a sua primeira manifestação6, com necessidade de intervenção urgente de modo a impedir a morte do doente.

As taxas de mortalidade descritas para a reparação de aneurismas intactos são frequentemente inferiores a 5%7, aumentando dramaticamente nos AAA em rotura, que apresentam uma mortalidade global de 80-90%, acoplada com as taxas de sobrevivência que variam entre 30-65% para aqueles doentes que chegam vivos ao hospital8. Nos países ocidentais, as 2 últimas décadas do século XX foram caraterizadas por um aumento progressivo da incidência de morte atribuída a AAA em rotura9. No entanto, no início do milénio parece definir-se um ponto de viragem nesta tendência, sendo que, tanto a prevalência, quanto a incidência de AAA começaram a declinar10. Vários autores têm estudado este fenómeno, atribuindo essa redução a alterações epidemiológicas (p. ex.: prevalência de tabagismo, longevidade das populações), bem como a uma maior deteção do aneurisma, com a sua subsequente reparação eletiva por métodos mais seguros13,14.

A correção dos AAA em rotura e íntegros pode ser por cirurgia aberta (CA) ou por cirurgia endovascular (EVAR)11. A técnica cirúrgica atual, introduzida pela primeira vez em 1952, foi gradualmente aperfeiçoada, tanto em termos técnicos como nos cuidados pós-operatórios, apresentando atualmente mortalidade e morbilidade perioperatória reduzidas quando realizada de forma eletiva.

Desenvolvido em 1991, a EVAR é uma abordagem menos invasiva, resultando numa menor agressão cirúrgica com um potencial de redução da mortalidade e morbilidade, bem como num tempo de recuperação mais curto. Os benefícios de cada tipo de cirurgia (aberta vs. endovascular) foram exaustivamente escrutinados, existindo diversos estudos publicados a comparar os seus resultados nas suas diversas vertentes12-15. Embora tais resultados variem frequentemente entre países, algumas variáveis parecem seguir um padrão similar. Tem sido descrito de forma sistemática uma menor mortalidade hospitalar da EVAR, que é perdida a longo prazo devido a complicações associadas ao procedimento. Tendo em conta toda a informação disponível, o tipo de cirurgia a ser executada deve ter em conta o perfil do doente.

Nos países ocidentais estima-se que o AAA é uma das 10 principais causas de morte em homens com mais de 65 anos6. Dada a sua prevalência, a elevada mortalidade e os custos inerentes ao seu tratamento, a ausência de informação nacional global sobre esta doença constitui uma falha epidemiológica grave. O presente estudo pretende colmatar esta lacuna e determinar, para cada região de Portugal continental e num período de 10 anos (2000-2010), a proporção de cada tipo de aneurismas submetido a reparação, a proporção de cada tipo de tratamento cirúrgico e a respetiva mortalidade hospitalar.

Métodos Participantes Foram incluídos todos os episódios relativos a doentes com o diagnóstico de AAA em rotura ou íntegros submetidos a reparação por CA ou EVAR, com altas entre os anos de 20002010. A informação foi obtida através de uma base de dados da administração central de saúde, com registos de todos os hospitais e centros hospitalares de Portugal continental.

Método A população alvo foi categorizada por sexo e idade. Para cada região nacional, foram calculados o rácio entre reparações de AAA em rotura e íntegros, a relação anual entre modalidades cirúrgicas utilizadas, a mortalidade intra- hospitalar associada a cada procedimento.

Recolha de dados Os dados foram extraídos de uma base de dados do Serviço Nacional de Saúde, habitualmente conhecida por base de dados dos Grupos de Diagnóstico Homogéneos (GDH). Esta base de dados inclui informação relativa aos vários episódios registados com um código CID-9-MC (Classificação Internacional de Doenças, Nona Revisão, Modificação Clínica), seja como diagnóstico principal ou secundário, atribuído a AAA em rotura ou íntegros e ao seu tratamento (tabela_1).

Descrição de variáveis As variáveis analisadas foram a mortalidade intra-hospitalar, tipo de correção cirúrgica (CA vs. EVAR), tipo de AAA (em rotura vs. íntegros), dias de internamento, as caraterísticas demográficas dos doentes e a localização dos hospitais de acordo com a Nomenclatura das Unidades Territoriais Estatísticas NUTS II (fig._1, tabela_2).

Análise estatística Foi calculada para cada região a percentagem relativa de cada tipo de AAA, o seu tipo de reparação e a mortalidade intra-hospitalar de cada tipo de cirurgia. As diferenças encontradas foram testadas pelo teste Qui-quadrado ou, nas amostras pequenas, pelo teste exato de Fisher. Toda a análise estatística foi realizada com o software IBM SPSS Statistics, versão 20.0.0, Somers, NY, EUA. Os gráficos foram elaborados através do Graph Pad-Prisma, versão 4.0, San Diego, CA, EUA.

Resultados No período referido foram tratados 3.101 AAA. A análise por regiões demonstrou que o Norte, Centro e Lisboa foram responsáveis por mais de 99% do total de cirurgias. A maioria dos AAA analisados foi corrigida por CA (n = 2.603, 83,9% do total de cirurgias no período analisado). Até 2005 não foi registado qualquer EVAR, tendo este sido registado pela primeira vez nessa data num hospital do norte do país. Dois anos mais tarde, este procedimento cirúrgico foi também codificado no Centro e Lisboa. Na região centro foram realizadas menos correções por EVAR do que no Norte e Lisboa (p < 0,05), sendo a relação CA/EVAR nestas 2 regiões semelhante (p = 0,664). A intervenção endovascular foi gradualmente adquirindo um papel mais importante na correção de AAA, representando 55, 33 e 55% de todos os procedimentos no Norte, Centro e Lisboa, respetivamente, em 2010. Até à conclusão do estudo, nenhum EVAR foi realizado em centros hospitalares do Alentejo e do Algarve. O número anual de CA e EVAR por região está sintetizado na tabela_3 e ilustrado na figura_2.

Em todos os centros hospitalares continentais a relação AAA íntegros vs. em rotura foi de 3:1. Esta proporção manteve-se sensivelmente constante ao longo de toda a duração do estudo (tabela_4, fig._3). No entanto, foi constatada uma variação regional na proporção de correção de AAA íntegros/em rotura, sendo a percentagem de reparação de aneurismas íntegros em Lisboa (75%) e no Norte (78%) significativamente mais elevada do que a observada no Centro (70%, p < 0,05).

A tabela_5 evidencia as caraterísticas demográficas dos doentes incluídos. Foram tratados 10-15 vezes mais homens que mulheres.

A análise da mortalidade de acordo com o tipo de AAA demonstra que as reparações de AAA em rotura estão associadas a uma mortalidade muito mais alta do que nos íntegros (tabela_6). De facto, a taxa de sobrevivência do AAA em rotura que chega vivo ao hospital é inferior a 50%, independentemente da região nacional. Em relação ao tipo de cirurgia, os dados revelam que, quer no Norte quer em Lisboa, a EVAR está associado a menor taxa de mortalidade intra- hospitalar (p < 0,05) quando escolhido para a reparação eletiva de AAA íntegros (2,1 e 5,0% vs. 6,6 e 8,7%, respetivamente). Por outro lado, nos casos de AAA em rotura, não foram encontradas diferenças significativas nas taxas de mortalidade entre EVAR e CA no Norte, Centro e Lisboa (tabela_5).

A análise dos dias de internamento por tipo de AAA e tipo de cirurgia revelou que a correção de AAA íntegros por EVAR se associou a menos 3 dias de internamento que a reparação por CA (p < 0,001) (tabela_7).

Discussão Dada a inexistência de dados que caraterizem as variações regionais na decisão terapêutica e na mortalidade intra-hospitalar do tratamento do AAA nos hospitais públicos portugueses, consideramos relevante a realização desta análise.

Ao contrário do descrito na literatura internacional16,em Portugal não foi observada uma diminuição da proporção de correção de AAA em rotura vs. íntegros ao longo dos 10 anos estudados. Este facto pode estar relacionado com a ausência de um programa de rastreio de AAA assintomáticos, revelando que a sua implementação poderá ser benéfica no impacto da mortalidade por AAA em Portugal.

A mortalidade observada em Portugal para a correção de AAA quer em rotura quer íntegros, por CA ou por EVAR, mantém-se significativamente superior à descrita em estudos internacionais (tabela_8)16--27. A mortalidade do tratamento eletivo de AAA íntegros, de 6,6% na região norte, 8,1% na região centro e 8,7% em Lisboa é significativamente superior à descrita como estado da arte pela Sociedade Europeia de Cirurgia Vascular (ESVS) de < 5%. Da mesma forma, a mortalidade de 2,1% na região norte, 3,2% na região centro e 5,0% em Lisboa na reparação por EVAR é substancialmente superior à recomendada pela ESVS de < 2%.

Estes dados demonstram que o potencial de melhoria no tratamento e cuidados dos doentes com AAA íntegros é enorme e deve ser priorizado.

Também a duração do internamento para correção de AAA íntegros é significativamente maior em Portugal que a referenciada nas recomendações da ESVS (8 vs. 3 dias para EVAR e 11 vs. 7 dias para CA). Parte desta diferença estará relacionada com o longo período de internamento pré-operatório que em Portugal é em média de 3 dias, quer para a CA quer para a EVAR (tabela_7). O período pós-operatório em Portugal, de 5 dias para a EVAR e 8 dias para a CA, aproxima-se da duração recomendada de internamento pela ESVS e revela que a articulação entre o dia de internamento e o agendamento cirúrgico pode ser um fator a melhorar no futuro em Portugal.

Ao contrário do observado em outros países (tabela_8), a EVAR não demonstrou, em hospitais nacionais, melhores resultados que a CA na reparação de AAA em rotura. Estes resultados merecem reflexão no sentido de aperfeiçoar a técnica, as indicações e as condições logísticas em que este procedimento é realizado no AAA em rotura, no sentido de aproximar Portugal dos números apresentados por outros países (tabela_8)28,29.

Um estudo que permita avaliar o seguimento dos doentes submetidos a correção de AAA em Portugal seria da maior importância.

Possíveis erros associados à utilização de dados secundários, nomeadamente a recolha de informação e codificação (através de códigos ICD-9-CM) no sistema de registo e a possível falta de formação específica para o uso correto das aplicações informáticas, associada a procedimentos complexos para o registo dos dados, podem ter prejudicado a inclusão da totalidade das cirurgias de reparação de AAA na base de dados hospitalar30.

Responsabilidades éticas Proteção dos seres humanos e animais. Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com os da Associação Médica Mundial e da Declaração de Helsinki.

Confidencialidade dos dados. Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.

Direito à privacidade e consentimento escrito. Os autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.

Autoria Os autores Ricardo Castro-Ferreira e Manuel Neiva-Sousa contribuíram de igual forma para a elaboração deste artigo.

Conflito de interesses Os autores declaram não haver conflito de interesses.


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