As Famílias com Doentes Mentais
As Famílias com Doentes Mentais
Introdução
As orientações políticas sobre a saúde, e, particularmente sobre a saúde mental
vão no sentido de se manterem os doentes mentais na comunidade. Aí, as
observações relativas à responsabilidade da família sobre o adoecer de um dos
seus membros são frequentes. Em muitas situações e, aparentemente cada vez
mais, a família, ou a ausência dela, constitui o centro de perturbações
emocionais.
Alguns comportamentos, mais ou menos agressivos, que, por vezes, se verificam
nas famílias têm uma dimensão diferente das observadas noutros contextos. Por
outro lado, espera- se que seja aqui que qualquer elemento do grupo familiar
encontre suporte psíquico e emocional para responder às complexas exigências da
sociedade actual.
A família é reconhecida como o grupo social mais significativo da sociedade e
tem sofrido alterações ao longo dos tempos, tanto na sua estrutura como no
desempenho dos seus papéis e nas interacções com a comunidade. A família
constitui o primeiro lugar de toda e qualquer educação e, assegura a ligação
entre o afectivo e cognitivo e a transmissão de valores (Unesco: 1996).
Apesar de sabermos que os jovens de hoje adquirem a sua identidade também fora
da família, esta não pode deixar de se responsabilizar pelo crescimento dos
seus membros. É nela que cada um encontra o espaço educativo por excelência, e
é frequentemente considerada o núcleo central de individualização e
socialização essencialmente devido à multiplicidade de estímulos para o
desenvolvimento de emoções e afectos, positivos e negativos, entre todos os
elementos que são essenciais para um crescimento saudável. Estas interacções
interferem com o desenvolvimento dos seus membros no interior da família sendo,
também, este o espaço onde se adquire o conceito de saúde e hábitos de vida
saudável.
Quando em presença de doença mental a familia enfrenta situações mais complexas
do que aquelas que viveria se esta condição não existisse, talvez por não ter
conhecimento sobre a doença, por não compreender a sintomatologia ou porque as
perspectivas de vida, tanto do doente como dos outros membros da familia
poderão ser afectadas. Mesmo quando se adaptam com a presença da doença fazem-
no à custa de muitas privações. Reduzem a sua participação em eventos, mudam
hábitos sociais e no relacionamento familiar, intensificam a atenção sobre o
doente e convivem com o estigma e mitos que ainda hoje persistem (Nasi, Stumm,
Hildebrandt, 2004). Estas autoras acrescentam que a equipe de saúde,
frequentemente, só se preocupa com o doente e com sua medicação. Reforçam ao
familiar que a única alternativa é o uso correto da medicação e muitas vezes
esquecem-se de se aproximar desta família que também precisa de atenção e de
acompanhamento adequado.
Ao analisarmos muitos dos estudos publicados sobre as familias que convivem com
doentes mentais encontramos concordancia sobre o sofrimento de todo o agregado.
Por outro lado, não é fácil encontrar estudos que tenham a familia como actores
centrais no sentido de os ajudar a adequar estratégias com as quais eles
próprios se sintam bem, isto é, que procurem o bem estar de todos e cada um
individualmente.
Outros estudos têm demonstrado que as famílias muitas vezes não sabem como
resolver os seus problemas por desconhecerem a doença mental e sistemas de
apoio comunitário a que possam recorrer (Amaral e Durman, 2004; Colvero, Ide e
Rolim, 2004). Perante estas dificuldades as relações e as possibilidades de
convivência entre os doentes e os seus familiares são prejudicadas. Esta
coabitação com o doente e com a doença deve permitir à família "ser tratada
como um cliente que necessita de cuidado, porque apresenta problemas
específicos" (Oliveira e Loyola, 2004: 221). Por isso defendemos que o centro
da intervenção deve ser a família para que possa realmente expressar as suas
reais dificuldades para, então, poder usufruir de uma melhor qualidade de vida.
Este conceito já foi expresso pelo Comité Económico e Social Europeu (2006: 11)
ao defender que se deve criar uma estratégia para resolver os problemas de
saúde mental mas terá que ser apoiada na sociedade do conhecimento para que
haja "uma ideia clara dos conceitos relacionados com a saúde mental e do que
abrangem" mas também que tenha capacidade para captar a amplitude do problema e
a dinâmica que ele comporta.
A Comissão responsável pela elaboração do Plano Nacional de Saúde Mental 2008-
2016 reconhece que há problemas que contribuem para o reduzido progresso na
área da psiquiatria, nomeadamente "i) A reduzida participação de utentes e
familiares; ii) A escassa produção científica no sector da psiquiatria e saúde
mental; iii) A limitada resposta às necessidades de grupos vulneráveis; e iv) A
quase total ausência de programas de promoção/prevenção" (PNSM, 2008, p.59).
Paralelamente o Ministério da Saúde, pela voz da Alta Comissária para a Saúde,
expressa que o Ministério da Saúde "está empenhado em executar as recomendações
da OMS-Euro, de forma a obter mais ganhos em saúde para a população portuguesa,
a assegurar a sustentabilidade do sistema de saúde e a reduzir desigualdades em
saúde", Março último após o conhecimento da avaliação do Plano Nacional de
Saúde 2004-2010 que prova que as metas em saúde mental não foram alcançadas.
A Família do Doente Mental: Breve Abordagem
Uma família saudável será aquela que, em situação de ajustamento e adaptação a
uma situação de stress: i) é capaz de dar resposta às necessidades dos seus
membros, de lidar de forma eficaz com as transições; ii) é flexível face à
distribuição do poder; e iii) mantém os padrões de interacção e as regras de
funcionamento entre si e com a comunidade onde se insere (McCubbin e McCubbin,
1993). Olson e colaboradores (1989) consideram, ainda, a necessidade de
manutenção de um equilíbrio de coesão e de adaptabilidade, facilitadores de uma
boa comunicação entre os seus membros.
Observamos no dia-a-dia que as perturbações mentais exercem grande impacto
sobre o equilíbrio das famílias, porque "essas famílias proporcionam não só
apoio físico e emocional, mas suportam também o impacto negativo do estigma e
da descriminalização" (OMS, 2002: 58). Quando estas famílias não conseguem
utilizar as suas estratégias de adaptação, necessitam de ajuda externa,
"...fontes de suporte (...) comunitário, disponíveis" (Martins: 2002: 139), que
lhes permita recuperar o equilíbrio.
A literatura revela-nos que o aparecimento da doença mental num membro da
família faz com que esta família precise de ajuda para lidar com "... a culpa,
a sobrecarga, o pessimismo e o isolamento social, que surgem do sofrimento que
a loucura imprime, tanto para eles quanto para a pessoa que adoece" (Souza e
Scatena, 2005: 174).
Também referem que cada família que convive com a doença mental vive essa
experiência de uma forma única e constitui sempre "um momento crítico do seu
ciclo de desenvolvimento" (Souza e Scatena, 2005: 177).
É necessário encontrar soluções para ajudar a família a repor o seu equilíbrio
emocional. Por isso, é necessário ir-se ao encontro destas pessoas para que
sejam elas a expressarem o que pensam e como convivem com a situação no
quotidiano.
A revisão da literatura especializada demonstra que as primeiras tentativas
sistemáticas de avaliar o impacto da sobrecarga da doença mental para a família
surgiram em 1955, que investiga os problemas emocionais e cognitivos
apresentados pelas esposas durante a doença dos seus maridos, ao processo de
ajustamento à doença na família, e à insatisfação das famílias face à
informação disponível e ao acesso aos profissionais de saúde (Marsh:1992).
Schene et al. (1993) ao fazer uma revisão de 21 instrumentos mais usados, para
avaliar o impacto da doença mental na família, lembram-nos que todos os
pesquisadores consideram os sintomas e os comportamentos do doente como sendo
factores de stress crónicos com os quais os membros da família devem aprender a
lidar. As alterações da dinâmica familiar verificam-se a vários níveis, tais
como: i) sentimentos de angústia; ii) consequências financeiras resultantes de
desemprego ou assiduidade precária; iii) interacção familiar prejudicada; iv)
afastamento rede social da família; v) estigma; vergonha; vi) pouca
participação em actividades de lazer; de entre outras.
Face a tanta complexidade nas dinâmicas familiares destas famílias, é
necessário ir ao seu encontro para que se possa construir um projecto
terapêutico que as ajude a encontrar resposta para as suas dificuldades,
incorporadas e articuladas com outros sectores sociais centradas no modelo de
intervenção em promoção da saúde.
Assim, pretendemos com este estudo: identificar necessidades em saúde nas
famílias com doentes mentais para que possam desenvolver estratégias saudáveis
para ultrapassar as dificuldades causadas pela doença. É nosso objectivo,
também, contribuir para a promoção da saúde das famílias com doentes mentais.
É esse o nosso propósito ao tentarmos identificar os seus recursos e as suas
necessidades para a implementação de um modelo de promoção de saúde.
Metodologia
Após o cumprimento de todos os procedimentos éticos, tanto junto das
Instituições onde os doentes estavam internados e dos familiares a entrevistar,
seguimos o nosso percurso de colheita de dados até à sua análise.
Amostra
O universo do nosso estudo integra familiares de doentes com diagnóstico
formulado pelo psiquiatra das entidades hospitalares onde forem realizadas as
entrevistas. A amostra é constituída por vinte famílias num total de trinta e
cinco elementos.
Instrumento de Colheita de Informação
A escolha de um instrumento de colheita de dados esteve condicionada pela
informação que pretendíamos obter. Assim, porque consideramos o Modelo Calgary
de Avaliação da Família como uma estrutura multidimensional: estrutural, de
desenvolvimento e funcional que permitem colher dados importante para o
conhecimento da família, optamos por elaborar uma entrevista semi-estruturada
baseada nestes fundamentos. Também consideramos que estas três categorias de
avaliação são fundamentais e conceptualiza o exercício do enfermeiro de
família. O modelo original foi apresentado por Wrigth e Leahey em 2002.
O guião da entrevista semi-estruturada foi, assim, construído a partir do
Modelo de Avaliação Familiar de Calgary e é constituído por 19 questões.
Procedimentos
Procedemos à selecção aleatória das famílias, para a realização das
entrevistas, que obedecessem aos critérios de inclusão atrás descritos. As
famílias que entraram no estudo respeitavam os critérios pré estabelecidos.
Teriam que ter um familiar internado com um diagnóstico do foro psiquiátrico
formulado pelo médico da unidade de cuidados onde decorria o internamento, e,
simultaneamente, aceitassem participar no estudo.
Foi utilizado um guião de entrevista semi-estruturada.
Para que pudessem decidir livremente se iriam ou não participar nas
entrevistas, foram informados sobre todos os procedimentos a adoptar.
Foram respeitados todos os princípios éticos exigidos num processo de
investigação tanto no que se referem aos procedimentos com as Instituições
envolvidas como com os familiares.
É um estudo qualitativo. Os dados estão a ser analisados com recurso à análise
de conteúdo com o auxílio do software nvivo8. Não estando esta fase do trabalho
concluída, já encontramos, no entanto, alguns resultados que nos permitem tirar
algumas conclusões.
Análise dos Resultados
Assim, e face ao que atrás ficou expresso, temos dados que nos permitem
identificar algumas dificuldades dos familiares.
Quando as famílias estão conscientes da situação de doença de um familiar,
poderíamos esperar que fossem capazes de agir em conformidade e gerir as suas
vidas dentro de padrões normais do grupo social onde estão inseridos, isto é,
tivessem assimilado um coping capaz de agir com naturalidade no meio onde
habitam. No entanto, encontramo- las inseguras pela complexidade do
comportamento da doença, pela pouca informação que têm sobre a evolução, como
se comportarem perante as manifestações do doente e com dificuldade em gerir as
suas emoções. Verificamos que um elevado número de familiares declaram não
saber nada sobre a doença, inclusive, em alguns casos, atribuem a causa a
"cismas", como nos relata, por exemplo, a filha de uma doente: "...isto são
muitas cismas, porque ela, ela começou por achar-se gorda, começou por sentir-
se feia, começou a engolir tudo para dentro dela e nunca falava com ninguém
(...) depois daí cresceu um monstro dentro da cabeça dela com muitas fantasias"
(F5e1). Noutros casos consideram que a situação de instabilidade social do País
contribuiu para o agravamento da doença "... como ficou doente e se fala numa
crise tão grande ele começou a pôr na cabeça dele que ia passar fome" (F10c).
Não duvidamos que isso tenha influência, mas uma intervenção adequada dos
enfermeiros podem ajudar a compreender melhor estas razões e a aceitá-las como
factores desencadeadores do desequilíbrio. Relativamente à capacidade de
reorganização familiar face à doença observamos que as famílias referem ter
mais dificuldade de se reorganizar face ao aspecto económico. As
responsabilidades de educação são tidas em conta, normalmente com preocupação,
especialmente quando está em causa o desempenho escolar como podemos confirmar
pelos discursos de familiares: "...o menino que tem 12 anos, perdeu um ano de
escola..." (F13d), ou: "As minhas filhas sentem muito a falta da minha esposa
[voz trémula]. A mais nova é muito boa aluna, a mais velha nem tanto e como
agora perde algum tempo a ajudar-me com as tarefas lá de casa, estuda menos e
tenho medo que as notas baixem..." (F20c). É evidente a reorganização face aos
papéis dos membros da família, mas com prejuízo para algum deles, neste caso a
educação formal.
Manifestam dificuldade em lidar com a incerteza dos comportamentos do elemento
doente "...nunca se está sossegada, nunca se sabe se a refeição vai ser
sossegada, se não vai. (...) é sempre uma incerteza" (F11a), ou: "É a incerteza
do futuro, é a incerteza. Quando ele sair daqui é ... Porque a gente é
constantemente enganada. (...) a gente tá sempre a jogar na defesa, sempre a
ver o que vai acontecer e sabe (...) isto cria uma angustia dentro de nós"
(F11g). Estas dificuldades de convivência tornam-se muito mais claras quando o
desejo, muitas vezes oculto, é verbalizado: "se houvesse uma casa onde estes
doentes pudessem ficar... (...) Se houvesse possibilidade de ficar aqui, (...)
seria melhor ele ficar aqui!" (F3c).
Quem pode intervir directamente junto destas famílias no sentido de as ajudar
ou de encaminhar para a obtenção de apoios para minorar o seu sofrimento,
muitas vezes manifestado por sentimentos de angustia, são os enfermeiros. No
entanto, quando pedimos aos familiares de quem recebem apoio para lidar com as
situações mais complexas, algumas que requerem novo internamento, os relatos
são todos muito próximos "Não sei... Só se for pelo mesmo... pelo mesmo
processo que foi agora. Porque ele agora veio com a guarda p'raí".(F1b) e
"Só sei como fizemos desta vez. Fomos ao delegado de saúde e polícia..." (F1b).
Discussão dos Resultados
Os extractos de algumas entrevistas são disso exemplo: "custa-me vê-lo assim e
não poder fazer nada (...) eu não sei o que hei-de fazer" (B1). "isto já se
arrasta há dois anos e não consigo médico que consiga descobrir o problema dele
(C1). Aparentemente a situação que lhes traria mais tranquilidade seria a de
prolongar o tempo de internamento "era bom que ele estivesse cá muito tempo a
ver se fica completamente curado, mas isso depende (...) depende do doutor, não
é? ..."(A1) ou "A minha mulher quer que ele esteja aqui meio ano. Mas eles com
certeza também não querem que ele esteja aí meio ano. Às tantas querem
despacha-lo" (A2).
Adaptar-se à uma situação de doença mental não é fácil. Nas famílias que
entrevistamos podemos identificar um sentimento de insegurança e desconforto
diante da imprevisibilidade do seu comportamento futuro e apesar de aguardarem
alguma expectativa positiva convivem com o medo de que algo súbito possa
acontecer: "a mudança de humor (...) ele em cinco minutos consegue ficar super
agressivo e esse é o problema maior (B2). "É inseguro ter uma pessoa daquelas
em casa porque não se pode estar 5 minutos descansados (...) tem de haver
sempre uma pessoa que o acompanhe 24 horas por dia ou senão não estamos
descansados" (C1).
A integração no meio é relativamente fácil de se conseguir quando se conhece os
espaços e como nos movemos neles. Com comportamentos imprevisíveis pode tornar-
se embaraçoso ou incapacitante esta adaptação social. Para ajudar a ultrapassar
esta dificuldade a família deve ter ao seu dispor alguma informação sobre os
possíveis comportamentos que o doente pode apresentar face a uma situação de
descompensação.
As famílias revelam não saber o que fazer porque não sabem nada sobre a doença
ou sobre como lidar com o seu familiar e notamos a diferença que elas próprias
sentem sobre a explicação que lhes é dada se enfrentam um problema orgânico ou
um problema psíquico. O filho de C faz um paralelismo interessante sobre a
informação que recebeu ao ser-lhe diagnosticada uma doença orgânica e
respectivos cuidados e a informação recebida relativamente à doença do pai: "No
caso da minha doença, chamaram-me a mim, à minha esposa e à minha mãe e
explicaram como devia lidar com a situação em casa, os cuidados que devia ter,
o que devia ou não fazer, explicaram tudo ao pormenor", conta "aqui a única
informação que nos deram foi em caso de acontecer..., chamar a ambulância (...)
e evitar as coisas ao alcance dele. O que é complicado porque é uma pessoa que
toma dez comprimidos por dia" (C 1).
Um aspecto que pode ser entendido como um certo "pôr à margem" os familiares,
(pelos profissionais de saúde) é o facto de encontrarmos com relativa
frequência expressões que denotam não terem conhecimento do estado e do evoluir
da doença, como: "Não. Nunca fui informada de nada. Não sei" (A1). E continua:
"Eu... o que sei é que quando ele é agressivo eu deixo e muitas vezes fecho-me
no quarto (...) ou fecho-me na casa (...) onde eu estou, estou fechada! daí por
um bocado saio outra vez e já está melhor" (A1). "Só na net...e a psiquiatra
falou comigo mas...é assim dá-me a ideia que eles também não sabem como lidar"
(B1). Aparentemente este comportamento agressivo do doente poderia ser
controlado ou minorado com pequenas interacções na relação entre mãe e filho se
houvesse alguém do exterior que mediasse a interacção.
Outras situações encontradas que não se coadunam com viver com qualidade de
vida são as dificuldades em manter relacionamentos afectivos com os outros,
incluindo os que lhe estão próximo e perdas de competência social, embora
algumas vezes o tentem ocultar justificando o afastamento como: "Eu acho que
eles têm vergonha (...) do filho ter um problema" (B1). "Enquanto família nunca
tivemos, do resto da família, grande apoio (...) a partir do momento que surgiu
o problema..." (C2); "escondem, abafam (...) na minha família tentam abafar"
(C3); ou "... se me perguntarem digo que está na praia" (A1).
Os recursos que se podem utilizar para lidar com a situação desagradável podem
ser internos ou externos mas passam sempre pela aquisição de algumas
competências que se vão adquirindo com a própria convivência. Podem passar por
aprender a lidar com a doença e com as suas implicações, deixando muitas vezes
projectos por realizar: "eu ter os meus objectivos, eu trabalhar e lutar por
ter uma vida melhor e ter ao meu lado uma pessoa que é completamente diferente
de mim (...) é complicado (...) é muito complicado" (B1). Estar com estes
doentes em casa é uma permanente carga emocional e que facilmente nos é
transmitida: "eu já percebi que a doença não tem cura (...) o internamento é um
descanso" (B2), ou: "eu não sei como lidar com ele" (C3). Ao longo dos anos,
com a tomada de consciência que a doença mental não tem cura leva a um
sentimento de exaustão "sinto-me frustrada porque (...) sei que ele vai criar
outra vez expectativas como quando saiu da outra vez e não vai acontecer nada e
depois vai outra vez abaixo (...) vai acontecer exactamente a mesma coisa;
portanto daqui a um ano se calhar nem isso vai estar aqui outra vez (...)
perceba a minha impotência." (B1). Alguns elementos referem ser importante a
ajuda divina, através da oração: "Peço todos os dias a Deus" (A1).
Os apoios que as famílias encontram quando o seu familiar descompensa, no final
da primeira década do século XXI, são o recurso às forças policiais. Com falta
de serviços de acompanhamento destas famílias a única forma de encontram quando
o elemento doente entra numa nova crise o primeiro recurso é a GNR (Guarda
Nacional Republicana). "Fui à guarda (leia-se: GNR)" ... delegação de saúde e o
delegado... de um dia pró outro tratou dos papéis, e trouxe-o p'r'
aqui" (B1).
Depois de várias décadas a estudar-se as repercussões que a doença mental traz
para as famílias, como demonstram os estudos Marsh (1992), podemos concluir que
continua a ser necessário insistir na necessidade de incluir a família em todo
o processo do cuidar.
Os familiares estão envolvidos com o doente e, por isso, as estratégias de
intervenção terapêutica terão que contemplar todos os elementos do agregado que
sintam essa necessidade para que se restabeleça o equilíbrio. Assim tornar-se-á
mais fácil que a família adopte comportamentos e padrões de interacção familiar
compatíveis com a gestão da ansiedade que o impacto da doença causa, melhora a
capacidade de envolvimento nos novos papéis e funções da família, a qualidade
das relações com o doente e ajustam novas atitudes em relação à doença, se for
necessário.
Sabemos que nem sempre é fácil identificar-se correctamente a causa da doença
mental. Sabemos, inclusive, que a maior parte das vezes há um emaranhado de
causas, ligadas entre si que torna complexo atribuir qual dela tem mais
influencia na desadaptação do individuo ao meio onde está inserido. No entanto,
pensamos que os conhecimentos actuais permitem oferecer uma informação à
família que a ajude a aceitar as alterações de comportamento do seu familiar,
causadas pela doença que, por sua vez, serão facilitadoras das relações
interfamiliares.
As políticas de saúde actuais vão no sentido de se manterem os doentes na
comunidade, mas isso só será possível se a família estiver preparada para lidar
com eles e com as implicações da doença mental. A "... culpa, a sobrecarga, o
pessimismo e o isolamento social..." (Souza e Scatena, 2005: 174) são
manifestações comuns a todas as famílias do nosso estudo, tal como o isolamento
social e conflitos interpessoais na família.
Tivemos oportunidade de observar que os familiares se deslocam aos serviços de
internamento em vários momentos, essencialmente nas seguintes situações:
visitar o doente, falar com o médico para que este colha informações sobre o
doente ou quando o doente vai passar um fim-de-semana a casa. Em todos os
momentos as intervenções são centradas no doente. Se questionam sobre a
evolução do estado de saúde do seu familiar as respostas mais frequentes são:
"está bem", "está melhor". As famílias ao dirigirem-se aos técnicos aguardam
mais que isto. Estes momentos podem ser reservados, também, para um diálogo
centrado na família. Uma correcta intervenção junto das famílias, esclarecendo
sobre os sintomas e reforço sobre a necessidade de adesão à terapêutica são
importantes, mas as possibilidade de sucesso são mais elevadas se forem
acompanhadas de estratégias para lidar com o familiar doente, como evitar os
conflitos a críticas desvalorativas ao doente bem como um encaminhamento
correcto se observarem alguma alteração do comportamento ou se se prevê uma
situação geradora de maior ansiedade que possa implicar alguma mudança nos
cuidados ao doente. Algumas vezes, acredito, que se as famílias tivessem a
abertura por parte dos enfermeiros ou dos médicos do serviço de lhes poderem
telefonar numa situação geradora de stress, a sobrecarga emocional diminuiria
consideravelmente. São pequenas intervenções que podem ser úteis pois permitem
ao familiar não se sentir só e sabe a quem recorrer em momentos de crise e
fariam a diferença em todo o processo terapêutico.
Está-se a cuidar a família quando esta é ajudada a compreender os
comportamentos do doente, quando lhe é reconhecido o esforço para cuidar do seu
familiar, ora vigiando comportamentos, ora colaborando para a adesão
terapêutica, mas, e essencialmente, escutando- os e valorizando as suas
dificuldades, centrando-as nos problemas actuais auxiliando-a a negociar
soluções ou adoptar novas formas para lidar com os problemas.
Conclusões
Face a uma análise que ainda não é exaustiva, devido à fase de desenvolvimento
do estudo, já podemos, no entanto, extrair algumas conclusões.
Assim, algumas famílias têm dificuldade em se adaptar à situação de doença
mental num dos seus membros, vivendo permanentemente em situação de angustia e
medo, chegando a manifestarem esgotamento.
Têm dificuldade em se organizarem face à ocorrência de doença. Muitas vezes nem
aceitam que haja doença o que dificulta a procura de estratégias eficazes para
lidarem com a situação. Frequentemente preferem isolar-se dos grupos sociais,
inclusive da família alargada para tentarem esconder o estigma que ainda
permanece na comunidade. Esta realidade é bem documentada na expressão: "é
daquele tipo de doenças invisíveis que á partida, se fosse uma perna partida ou
uma dor qualquer... não....é aquela dor silenciosa que as pessoas custam um
bocado... eu próprio apesar de já acompanhar isto á oito anos, foi-me difícil
de entender" (F15c).
A conclusão que se torna mais pertinente reter refere-se à atitude dos
enfermeiros perante o sofrimento destas famílias.
Não encontramos referências claras a apoio que estes profissionais oferecem.
Na fase em que se encontra o estudo ainda não nos atrevemos a apontar soluções
no sentido de ajudar as famílias a desenvolver estratégias saudáveis para que
sejam capazes de ultrapassar as dificuldades causadas pela doença mental.
Acreditamos que teremos oportunidade de concluir este objectivo num futuro
próximo e partilha-lo com todos os que lidam com estas famílias.
Devemos lembrar que se o objectivo da promoção da saúde familiar é recuperar a
saúde de todos os membros da família, quando, por qualquer razão esta está
ameaçada (Stanhope e Lancaster, 1999), pelos dados que já possuímos podemos
afirmar que ainda há muito a fazer para ajudar as famílias dos doentes mentais.
Não nos devemos esquecer que quem cuida é o enfermeiro e este deve ter "cada
vez mais clara a percepção das capacidades, das qualificações e das
competências que desenvolvem quotidianamente" não podendo nem devendo ter
"dificuldade em assumir um papel mais significativo na construção e
desenvolvimento da saúde das pessoas, grupos e sociedade" (Amendoeira, 2006:
24).