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EuPTCVHe1647-21602012000100002

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National varietyEu
Year2012
SourceScielo

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Prevalência dos Focos de Enfermagem de Saúde Mental em Pessoas Mais Velhas: Resultados da Pesquisa Documental Realizada num Serviço de Psiquiatria Prevalência dos Focos de Enfermagem de Saúde Mental em Pessoas Mais Velhas: Resultados da Pesquisa Documental Realizada num Serviço de Psiquiatria Introdução A saúde mental concorre de forma determinante para o bem-estar da população e constitui um recurso essencial para a adaptação às exigências da vida contemporânea. O seu contributo assiste de forma preponderante à realização dos objectivos de vida e à manutenção de padrões adequados de resposta ao nível da aprendizagem, produtividade e inclusão social das pessoas (Jané-Llopis & Gabilondo,2008). As evidências sugerem que as perturbações mentais têm uma acuidade particular nas pessoas mais velhas, atingindo cerca de 20% desta população, constituindo a depressão e a demência as principais condições de morbilidade, às quais se encontra associado um conjunto de problemas que condicionam a independência e autonomia dos mais idosos (Benedetti, Borges, Petroski & Gonçalves, 2008). Como problemas mais relevantes identificam-se algumas alterações relacionadas com a aprendizagem, a cognição, a memória, a orientação, a solidão, a auto-estima, a tristeza e o suicídio, que comprometem a funcionalidade global das pessoas mais velhas e interferem com a realização das suas actividades básicas e instrumentais, acarretando também sofrimento físico e psicológico (Passos, Sequeira & Fernandes, 2010). Os problemas de saúde mental são, deste modo, expressos por um conjunto de alterações psicológicas e comportamentais que afectam de forma significativa os objectivos e expectativas de vida das pessoas mais velhas, constituindo-se como uma barreira ao envelhecimento activo e bem-sucedido. Muitas destas manifestações constituem focos relevantes para a prática de enfermagem de saúde mental, pelo que se torna imperativo identificá-los, de modo a disponibilizar uma assistência mais dirigida aos problemas e necessidades específicas destas pessoas. O presente estudo tem por base os resultados de uma pesquisa documental realizada num serviço de internamento de psiquiatria de curta duração, incluída no projecto de investigação sobre "As necessidades das pessoas mais velhas com problemas de saúde mental", desenvolvido no âmbito do Programa Doutoral em Gerontologia e Geriatria do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto e da Universidade de Aveiro (ICBAS-UP/UA). O objectivo é identificar os focos de atenção de enfermagem, na área de saúde mental mais comuns nas pessoas mais velhas com doença mental, internadas no serviço, tendo por base os registos informáticos inseridos no Sistema de Apoio à Prática de Enfermagem (SAPE). Pretende-se também obter um melhor conhecimento sobre os principais focos de enfermagem que afectam as pessoas idosas com problemas de saúde mental, de modo a criar uma base de informação para o desenvolvimento de um questionário de avaliação clínica de enfermagem de saúde mental.

METODOLOGIA

Tipo de estudo Foi realizada uma pesquisa documental exploratório-descritiva, com abordagem quantitativa, baseada nos dados contidos nos instrumentos de registo clínico utilizados no serviço.

Participantes O estudo envolveu uma amostra consecutiva num total de registos de 71 idosos, com idade igual ou superior a 65, de ambos os sexos, utentes do Serviço Nacional de Saúde, com doença mental diagnosticada pela CID-9 (Hart, Stegman & Ford, 2009), internados no Serviço de Psiquiatria de uma unidade de saúde da região norte de Portugal, durante 12 meses, no período de Janeiro a Dezembro de 2010. A amostra integra todas as pessoas com 65 e mais anos internadas no serviço, no período em análise.

Instrumentos Foi utilizado o Sistema de Apoio à Prática de Enfermagem (SAPE) para aceder aos dados relativos aos focos de enfermagem e o Sistema de Apoio ao Médico (SAM) para recolha de outros dados clínicos. Para completar a caracterização sócio- demográfica e clínica, efectuou-se também a consulta do processo individual de cada utente. Foi construído um formulário para registar e organizar os dados sócio-demográficos e clínicos de interesse para o estudo, obtidos a partir dos instrumentos referidos.

Procedimento Começou por se efectuar uma consulta e recolha dos dados do SAPE, procurando identificar os focos de enfermagem utilizados pelos enfermeiros. Seguidamente procedeu-se a uma análise quantitativa para determinar a prevalência dos focos de enfermagem na população em estudo. Na análise, apenas foram considerados os focos relacionados com a saúde mental e cada um foi contabilizado uma vez, independentemente do número de vezes que tinha sido activado ou suspenso, na mesma pessoa, durante o referido período. Os focos de atenção de enfermagem foram classificados de acordo com a Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem ' CIPE, versão βeta 2 (Conselho Internacional de Enfermeiros, 2000), em uso na instituição. Efectuou-se também uma consulta ao SAM e ao processo individual de cada utente para recolher dados relativos à caracterização sócio-demográfica e clínica. Para completar estes dados, nalguns casos, foram contactados os utentes ou os seus familiares/cuidadores, de modo a confirmar/actualizar ou a aceder a dados adicionais. Por fim foram realizadas algumas entrevistas informais aos enfermeiros, no sentido de conhecer os critérios utilizados para a selecção dos focos de enfermagem e para a respectiva parametrização. Foram também analisados os critérios clínicos usados por estes, para a discriminação entre os diferentes focos de enfermagem. No desenvolvimento do presente estudo foram cumpridos todos os procedimentos éticos, tendo sido obtida autorização da Comissão de Ética e da Direcção da Instituição onde decorreu. Foram também acauteladas as medidas necessárias para salvaguardar o anonimato dos participantes e a confidencialidade da informação.

Análise Dos Resultados Após recolha de dados, tendo por base os instrumentos e procedimentos enumerados, estes foram organizados e classificados, tendo o seu tratamento sido efectuado através do recurso ao IBM SPSS, versão 19. Em primeiro lugar, foi efectuada uma análise descritiva dos dados. Dos 71 casos analisados, a maioria era do sexo feminino (78.9%) e viúva (38%), com uma média de idades de 73.7 (DP=6.5) anos, variando entre 65 e 89 anos. A média de dias de internamento foi de 20.2 (DP=17.8), variando entre 1 e 96 dias. A maioria dos sujeitos (91.5%) tinha escolaridade inferior a 4 anos e vivia em áreas rurais (63.4%). O diagnóstico psiquiátrico mais prevalente foi a demência (36.6%), seguido da depressão (26.8%) e da esquizofrenia/outras psicoses (14.1%). Em 98.6% havia comorbilidade somática e todos tinham em curso tratamento com psicofármacos. As principais características sócio-demográficas e clínicas dos participantes estão apresentadas em detalhe na Tabela 1.

TABELA 1 ' Características sócio-demográficas e clínicas dos participantes

Prevalência dos focos de enfermagem A partir dos registos do SAPE, procuramos conhecer a distribuição de frequências dos focos de enfermagem. Os resultados permitiram a identificação de 13 focos de atenção de enfermagem de saúde mental: os mais prevalentes foram insónia (70.4%), humor e processo do pensamento (60.6%), confusão (43.7%), crença errónea (40.8%) e tristeza (36.6%). Para uma melhor apreciação dos resultados, os focos encontrados são apresentados por ordem alfabética e em detalhe na Tabela 2.

TABELA 2 ' Distribuição de frequência dos focos de enfermagem

Distribuição dos focos de enfermagem pelos diagnósticos médicos No sentido de conhecer a distribuição dos focos de enfermagem em relação aos diagnósticos médicos, procedeu-se também a uma análise de distribuição de frequência (Tabela 3). Os resultados permitiram verificar que a grande parte dos focos de enfermagem aparece com maior frequência nos diagnósticos de depressão e demência, que foram os mais prevalentes. Por sua vez, os focos relacionados com alterações do humor (humor, tristeza, vontade de viver e auto- estima) e perturbações ansiosas (ansiedade) aparecem com maior frequência nas pessoas com diagnóstico de depressão, ao passo que os focos relacionados com alterações do comportamento (agitação e insónia) e da cognição (alucinação, orientação, processo do pensamento, crença errónea, comunicação e confusão) surgem mais nas pessoas com diagnóstico de demência.

TABELA 3 ' Distribuição de frequência dos focos de enfermagem pelos diagnósticos médicos

Análise de associação entre os diagnósticos médicos (demência e depressão) e os focos de enfermagem Identificados os focos de enfermagem mais prevalentes, bem como a sua distribuição pelos vários diagnósticos médicos considerados, procurou-se analisar a existência de eventuais associações entre os diagnósticos de demência e depressão e os focos de enfermagem. Para isso, foram utilizados testes de Qui-quadrado.

Assim, foram encontradas associações significativas entre estes diagnósticos médicos e alguns focos de enfermagem, nomeadamente: a) Ansiedade [X2 (1) = 11.33, p< .01.]: está presente na maioria dos pacientes diagnosticados com depressão (52.6%), enquanto que na maioria dos pacientes diagnosticados com demência (92.3%) está ausente.

b) Confusão [X2 (1) = 20.78, p< .001.]: está presente na maioria dos pacientes diagnosticados com demência (88.5%), enquanto que na maioria dos pacientes diagnosticados com depressão (78.9%) está ausente.

c) Tristeza [X2 (1) = 18.18, p< .001.]: está presente na maioria dos pacientes diagnosticados com depressão (78.9%), enquanto que na maioria dos pacientes diagnosticados com demência (84.6%) está ausente.

d) Humor [X2 (1) = 8.94, p< .01.]: está presente na maioria dos pacientes diagnosticados com depressão (94.7%), assim como na maioria dos pacientes diagnosticados com demência (53.8%).

e) Processo de pensamento [X2 (1) = 9.01, p< .01.]: está presente na maioria dos pacientes diagnosticados com demência (80.8%), enquanto que na maioria dos pacientes diagnosticados com depressão (63.2%) está ausente.

Análise de associação entre as variáveis sócio-demográficas e os focos de atenção de enfermagem Procedeu-se também a uma análise de associações entre algumas variáveis sócio- demográficas, como idade e género com os focos de enfermagem, mais uma vez utilizando testes de Qui-quadrado. Desta forma, foi encontrada uma associação significativa entre a idade e o foco confusão [X2 (1) = 5.77, p< .05.]. Na maioria dos pacientes com idades entre 65 e 80 anos (62.7%) o foco confusão está ausente, enquanto que, nos pacientes com idade superior a 80 anos (75.0%), está presente. Relativamente ao género não foram encontradas associações estatisticamente significativas.

Análise de associação entre as variáveis sócio-demográficas e os diagnósticos médicos (demência e depressão) Efectuou-se ainda uma análise de associações entre idade e género com os diagnósticos de depressão e demência. Verificou-se uma correlação positiva e significativa entre idade e depressão e demência (rpb= .48, p< .01). Assim, mais idade está associada ao diagnóstico de demência. Verificou-se também uma associação significativa entre género e depressão e demência [X2 (1) = 5.47, p< .05]. Assim, a maioria dos indivíduos do sexo masculino (90.0%) tem diagnóstico de demência, ao passo que a maioria no sexo feminino (51.4%) tem diagnóstico de depressão.

Discussão dos Resultados Os resultados apresentados apontam para uma maior prevalência da demência e depressão, o que vai de encontro aos dados apresentados por Benedetti et al.

(2008), que colocam estas duas condições clínicas como as perturbações mentais mais prevalentes nas pessoas mais velhas. No que diz respeito à ocorrência de sintomas depressivos nos idosos, os estudos apontam para uma prevalência acima dos 10% (Snowdon, 2002). Também, em relação à demência, tem-se demonstrado que esta apresenta uma expressão significativa como condição de morbilidade na população idosa, com um aumento significativo à medida que a idade avança, sendo que as síndromes demenciais podem variar entre 1% nas pessoas dos 65 aos 69 anos até 55% a partir dos 95 anos (Lopes & Bottino, 2002). Os resultados obtidos no presente estudo são sensíveis aos dados descritos anteriormente, apresentando uma prevalência algo superior aos valores estimados para a população idosa em geral, uma vez que foram obtidos a partir de uma amostra de pessoas em regime de internamento psiquiátrico. Contudo, estão muito próximos de outros estudos em populações psiquiátricas (Gonçalves-Pereira et al., 2007; Fernandes et al., 2009; Hancock, Reynolds, Woods, Thornicroft & Orrell, 2003; Mateos, Ybarzábal, Garcia, Amboage & Fraguela, 2004; Reynolds et al., 2000). No que diz respeito aos focos de atenção de enfermagem identificados, verificou-se também uma aproximação em relação aos dados disponíveis. A presença de um vasto número de focos relacionados com os domínios cognitivo e comportamental vai de encontro aos dados apresentados por outros autores (Baltes & Smith, 2006; Fernández-Ballesteros, 2009; Passos et al., 2010; Sequeira, 2006, 2010; Small, 2002). Também a ocorrência de alguns focos na área do humor revela conformidade em relação à perspectiva de outros autores, que apontam para a presença destas manifestações associadas a diferentes quadros depressivos (Passos et al., 2010; Paul, 2007; Paúl, Ayes, & Ebrahim, 2006; Sequeira, 2006, 2010; Unutzer, 2007). No serviço em análise, a parametrização dos dados no Sistema de Apoio à Prática de Enfermagem (SAPE), tendo por base a Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE), obedeceu a um resumo mínimo de dados que assentou na seleção dos focos mais frequentes, em contexto de internamento psiquiátrico de curta duração. Este processo tem sido maturado, tendo por base a experiência desenvolvida pelos enfermeiros na utilização destas ferramentas, bem como através da análise dos resultados clínicos obtidos a partir do uso dos focos de enfermagem parametrizados.

Exemplo destes desenvolvimentos é o facto de alguns focos como "Memória" e "Tentativa de suicídio", que até ao final de 2010 não faziam parte do conjunto de focos frequentes, passarem a integrar este resumo, a partir da última revisão da parametrização. Este procedimento, associado à natureza e às condições de resposta do serviço, levou a que alguns focos de enfermagem, apresentados na literatura como frequentes nas pessoas mais velhas, não tenham sido identificados neste estudo. A partir das entrevistas informais realizadas com os enfermeiros, foi possível efectuar uma análise mais segura relativamente aos critérios de selecção dos focos de enfermagem e à respectiva parametrização. Permitiram também identificar outros domínios, cuja resposta está a ser enquadrada no âmbito dos focos parametrizados, que podem constituir- se como diferentes áreas de atenção para a prática clínica e que sugerem a presença de outros focos característicos das pessoas idosas com problemas de saúde mental. Deste modo, impõe-se a necessidade de se proceder a outras análises, que permitam clarificar melhor estes aspectos e proporcionar dados mais objectivos e realistas sobre o fenómeno em estudo.

Conclusões Neste estudo, os diagnósticos mais frequentes foram o de depressão e de demência, seguidos de psicose e perturbação bipolar. Associado à depressão e à demência, aparecem alguns focos de atenção de enfermagem de saúde mental, que devem constituir o principal objectivo das intervenções neste âmbito. Os resultados permitiram também identificar um vasto número de focos de enfermagem de saúde mental, que podem estar presentes nas pessoas mais velhas com doença mental. A sua análise sugere que os focos humor, ansiedade e tristeza aparecem mais associados ao diagnóstico de depressão, enquanto que os focos processo do pensamento e confusão aparecem mais associados à demência. Tendo em conta o trabalho que se pretende desenvolver, estes dados fornecem uma informação relevante para perspectivar os próximos passos da investigação, especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento de um questionário de enfermagem de saúde mental. Uma vez que os focos parametrizados no serviço, dizem respeito a um resumo mínimo de dados elaborado pelos enfermeiros, de acordo com a natureza clínica e as condições específicas da unidade de internamento, bem como em função das possibilidades de resposta por parte destes técnicos de saúde relativos aos problemas/necessidades apresentados pelos utentes, entende-se que será necessário aprofundar a pesquisa. Neste sentido é fundamental conhecer melhor os principais focos de atenção de enfermagem de saúde mental, que possam estar presentes nas pessoas mais velhas.


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