Refletindo sobre a Qualidade da Supervisão no Ensino Clínico de Enfermagem em
Saúde Mental: Perspectiva dos Supervisores
Refletindo sobre a Qualidade da Supervisão no Ensino Clínico de Enfermagem em
Saúde Mental: Perspectiva dos Supervisores
Introdução
O presente artigo pretende refletir sobre a qualidade da supervisão de
estudantes em ensino clinico de saúde mental. A qualidade atualmente é algo
inquestionável que pressupõe análise, monitorização e avaliação numa perspetiva
contínua de melhoria. "O processo de formação em enfermagem, nomeadamente o
inicial, tal como e qualquer processo formativo, tem vindo a ser problematizado
e questionado, pensado e repensado pelo lugar de destaque que assume nos
contextos de mudança." (Fonseca, 2006, p. 9). O ensino clínico é uma fase
crucial da formação para a aquisição de competências. O processo de supervisão
no acompanhamento destes processos não é um processo recente. No entanto, a
conceptualização e implementação da supervisão clínica surge como consequência
da reorganização e desenvolvimento do ensino em enfermagem, da evolução da
profissão e, igualmente, das novas metodologias de avaliação de acreditação da
qualidade dos cuidados (Garrido, Simões & Pires, 2008). Ao supervisor
clínico é pedido que assuma uma tríade de papéis: professor, enfermeiro e
pessoa (Nascimento, 2007).
Cientes da particularidade deste papel, os autores pretenderam: analisar a
qualidade da supervisão clínica de estudantes em enfermagem no âmbito da saúde
mental, com base na perspetiva dos supervisores; identificar fatores que
contribuam para a qualidade da supervisão clínica de estudantes em enfermagem
no âmbito da saúde mental; descrever estratégias utilizadas para a qualidade da
supervisão clínica de estudantes em enfermagem no âmbito da saúde mental.
Construído num paradigma qualitativo, este trabalho será útil para refletir
sobre os atributos necessários para a qualidade da supervisão.
Sobre o Tema
A qualidade é preocupação a todos os níveis assumindo a sua definição alguma
complexidade. Hesbeen (2001) sublinha a dificuldade desta tarefa, afirmando
que: "Se me pedissem para definir o que é, (...), começaria por sublinhar a sua
complexidade, a sua subtileza, a sua dinâmica, o seu contexto político,
cultural, social, jurídico, organizacional, económico (...)" (2001, p. 49).
Donabedian (2003) considerado por muitos o pai da qualidade, evidencia esta
imprecisão ao afirmar que a qualidade pode ser qualquer coisa, que qualquer um
deseje. O autor desenvolveu um modelo que se tornou padrão no domínio dos
serviços de saúde, consistindo na avaliação da qualidade assente em três
componentes essenciais a estrutura, processo e resultados. Esta tríade de
elementos não é formada por partes autónomas e dissociadas entre si, mas por
elementos intimamente ligados e interrelacionados que mantêm uma linha de
causalidade e efeito (Mezomo, 2001). Os autores ousaram a aplicabilidade deste
conteúdo ao contexto da supervisão clínica, porque tal como refere Donabedian
(2003), o seu modelo, devido à sua simplicidade e capacidade de utilização
intuitiva, facilita a conceção de qualidade.
O ensino não tem sido alheio a esta temática, tendo nos últimos anos assistido
a alterações de fundo nos processos de formação, nomeadamente o surgir da
agência de acreditação do ensino superior (A3ES). "A Agência de Avaliação e
Acreditação do Ensino Superior assumirá a responsabilidade pelos procedimentos
de garantia da qualidade desse grau de ensino nomeadamente os de avaliação e
de acreditação, bem como pela inserção de Portugal no sistema europeu de
garantia da qualidade do ensino superior." (Portugal, Decreto-lei nº 369, 2007,
p. 8042). No âmbito da enfermagem, "A preocupação da formação coloca-se, na
apropriação de saberes teóricos e práticos, que se refletem na qualidade dos
cuidados de saúde prestados à comunidade, na responsabilidade e autonomia dos
cuidados de enfermagem patente na estrutura curricular do curso e no grau
académico que lhe é conferido." (Fonseca, 2006, p. 37). A formação em
enfermagem comporta uma vertente teórica, teórico-prática e o ensino clínico,
pelo que, "A formação em enfermagem só se concretiza quando aos estudantes são
proporcionadas as aprendizagens nos dois espaços formativos: a escola e as
organizações de Saúde" (Carvalhal, 2003, p. 22). Os ensinos clínicos,
vulgarmente designados por estágios, permitem a consciencialização gradual dos
diferentes papéis que o enfermeiro é chamado a desenvolver e das competências
requeridas para o seu desempenho (Matos, 1997).
Considerámos ensino clínico, todo o ensino que é realizado numa instituição de
saúde, onde se podem pôr em prática os conhecimentos adquiridos na escola e
onde serão confrontados com as situações reais do trabalho de enfermagem
(Garrido, Simões, & Pires, 2008). Esta conjetura coloca-nos perante a
necessidade de novos atores nos processos de formação "os Supervisores
Clínicos". "O conceito de supervisão clínica em Enfermagem, refere-se a uma
relação profissional centrada na exigência, na formação, no trabalho e no
desenvolvimento emocional, que envolve uma reflexão sobre o desenvolvimento das
práticas orientadas por um profissional qualificado. Compreende um conjunto de
estratégias (centradas no profissional e no grupo), incluindo perceptorship,
mentorship, supervisão da qualidade das práticas, promoção e acompanhamento dos
critérios de qualidade." (Simões, 2004, p. 64). O recurso ao supervisor clinico
agrega valor ao ensino clínico no sentido de ir ao encontro das necessidades de
formação e maximizando as oportunidades de aprendizagem para os alunos durante
as experiências reais (Henderson & Tyler, 2011).
O processo de supervisão em enfermagem poderá decorrer tendo como pano de fundo
diversos cenários, assumindo, cada um deles, contornos bem distintos no que diz
respeito quer ao papel do supervisor, quer ao papel do futuro enfermeiro. Nos
últimos anos surgiram diferentes modelos de supervisão clínica em enfermagem
(Garrido, 2004). Podemos encontrar inúmeros autores que contextualizam o
processo ou ciclo de supervisão em diferentes fases. Consideramos neste
percurso o modelo proposto por Nicklin (1997), que compreende seis fases:
análise da prática, identificação do problema, objetivo, planeamento,
implementação e avaliação, dado que conforme refere Abreu (2002) este modelo é
o que melhor se enquadra à prática clinica. "Neste sentido, é fundamental que
os supervisores em ensino clínico de enfermagem desenvolvam as capacidades
necessárias para colocar em prática diversas estratégias de supervisão, de modo
a criarem profissionais competentes a nível reflexivo." (Garrido, Simões, &
Pires, 2008, p. 28). A par com esta problemática surge neste percurso a
especificidade do contexto "O ensino clínico em Saúde Mental." Conforme nos
referem estes autores (Florentim & Franco, 2006), os serviços de
psiquiatria e saúde mental ainda constituem nos nossos dias fontes de "tabus"
socialmente estabelecidos, sendo necessário a sua desmitificação. Schafer,
Wood, & Williams (2011) exacerbam os efeitos do estigma e da discriminação
nas pessoas com alterações da saúde mental, entre os quais enfermeiros e
alunos.
Metodologia
O estudo insere-se numa abordagem de natureza qualitativa, através de um estudo
fenomenológico. A fenomenologia é uma corrente filosófica com o propósito de
"descrever um determinado fenómeno ou a aparência das coisas enquanto
experiências vividas" (Streubert & Carpenter, 2002, p. 49).
Os participantes do estudo foram elementos escolhidos de modo intencional dado
o conhecimento privilegiado que detinham sobre o fenómeno em estudo. O
instrumento de recolha de dados foi a entrevista semiestruturada para o qual
foi realizado um guião. Para todas as entrevistas foi realizado um
consentimento informado tendo sido solicitado a autorização por escrito. Ao
longo do estudo foram salvaguardados os princípios éticos inerentes a uma
investigação.
A idade dos participantes oscilou entre os 28 e 46 anos, sendo a média de
idades de 38,1 anos. No que se refere à experiência no âmbito da supervisão, o
tempo oscilou entre os 3 e 15 anos, e a média foi de 8,6 anos (Tabela 1). As
entrevistas decorreram no início do mês de Março de 2011, num total de sete.
Posteriormente foram transcritas, codificadas, realizada uma pré-análise,
explorado o conteúdo e produzida a interpretação dos dados. (Bardin, 2004)
TABELA 1 ' Caracterização dos Participantes
Análise e Discussão dos Dados
Da análise das entrevistas aos participantes emergiram áreas temáticas
previamente determinadas sendo elas a estrutura, processo e resultado, e
categorias e subcategorias resultantes das propriedades do texto e das unidades
de registo. Conforme nos refere Bardin (2004) a categorização poderá ser
fornecida previamente ou não, sendo neste caso utilizado os dois processos.
No desenrolar deste ponto serão confrontadas opiniões de outros investigadores
com os resultados, sendo transcritas apenas algumas das unidades de registo
para melhor interpretação do fenómeno em estudo.
Estrutura
Relativamente à área temática Estrutura surgiram as seguintes categorias:
recursos organizacionais, recursos materiais, recursos humanos e formação dos
intervenientes.
As diferentes organizações envolvidas são a escola, as instituições de saúde e
neste caso concreto a especificidade dos serviços. Algumas das
responsabilidades inerentes à qualidade da supervisão clínica foram atribuídas
às escolas. "Relativamente à escola pode-se considerar como elemento
facilitador o programa de ensino, penso que às vezes não facilitam muito no
caso da minha experiência achava que tinha muitas lacunas relativamente a este
estágio especificamente e acho que também tinha a ver com o plano de estudos da
escola."E1 Conforme nos refere Borges (2010), a escola deve identificar os
problemas e deverá fazer uma aproximação entre os conteúdos programáticos e os
problemas mais sentidos na prática. As instituições de Saúde, "dificultam às
vezes no acolhimento aos alunos, às vezes lá está se o contexto for facilitador
ajuda, se o contexto for dificultador a nível de chefias, é mais difícil."E2. A
este nível, de acordo com o Despacho Ministerial 1/87 de 21/4/87 e reforçado no
Despacho 8/90 de 28/2/90 :"...os estabelecimentos e serviços dependentes do
Ministério da Saúde devem prestar a maior colaboração às Escolas Superiores de
Enfermagem nomeadamente, facilitando campos de estágio de natureza e qualidade
adequados à formação de novos enfermeiros." (Portugal, Decreto de Lei nº 64,
1990, p. 2706). É também evidenciada a importância da escolha correta dos
serviços. "É importante o recrutamento dos melhores serviços para se
organizarem os ensinos clínicos. Embora os objetivos estejam definidos nos
planos de estudos para os estudantes fazerem um conjunto de práticas
relacionadas com aquelas aprendizagens tem que se tentar perceber se os locais
disponíveis permitem que aqueles objetivos sejam cumpridos."E7. A escola deve
conhecer as características do local de ensino clínico, para adequação aos
objetivos de estágio, à duração, ao número de alunos a colocar nesse campo de
estágio, pois estes são alguns dos fatores que podem influenciar a qualidade da
supervisão em ensino clínico (Silva & Silva, 2004).
No âmbito dos recursos materiais é salientado a importância deste tema "Algumas
escolas preocupam-se em fornecer documentação de apoio ao supervisor" E2. "Nós
na escola temos um guia orientador do ensino clínico, ou seja do estágio onde
estão referenciados os documentos, toda a bibliografia que será importante para
os alunos. Esse documento é fornecido no início do ano letivo, no início de
cada segmento, de cada estágio e é uma lista interessante de documentos que a
escola possui. A escola tem acesso a várias bases de dados, que é facultado aos
alunos na própria escola. Depois há documentos, nomeadamente, da Organização
Mundial de Saúde, guias que são fornecidos individualmente, pelo professor."E6
Sendo porém referido a necessidade de adequação das grelhas de avaliação ao
contexto da Saúde Mental. "Em relação às grelhas de avaliação que existem, pelo
que eu percebo são elaboradas pela escola a pensar em todos os campos de
estágio, e a nível de saúde mental / psiquiatria ... não funciona."E3.
Os recursos humanos são também visados conforme nos refere este entrevistado
"Penso que o principal problema, poderá estar nos recursos humanos para a
supervisão. Penso que o problema está mais centrado aí."E5, sendo referidos
aspetos como o rácio tutor/aluno, enfermeiro/doente e supervisor/aluno. Estes
fatores também são referidos por Martins (2009), nomeadamente a quantidade de
recurso humanos e materiais do ensino clinico, além da necessidade do número
adequado de alunos por tutor e por supervisor. "É habitual um excesso de alunos
por supervisor é, já tive 11 alunos, é muito para orientar devidamente no mesmo
momento de ensino clinico, mesmo período de tempo."E2 "Um dos fatores mais
dificultadores da minha experiencia é a sobrecarga dos enfermeiros na prestação
direta dos cuidados, isto é, esta sobrecarga limita-os a umas tarefas que não
deixam margem disponível para executar algumas tarefas de maior exigência, de
maior planificação e isto dificulta os alunos na perceção desses tipos de
atividades é uma das principais dificuldades que são detetáveis."E3.
A necessidade da formação dos intervenientes é salientada pelos entrevistados.
"A nível de supervisão clinica de enfermagem, eu penso que era muito necessário
que isso fosse uma formação, eu já nem digo que fosse uma coisa formal, mas que
houvesse por parte das instituições que acolhem os alunos, uma formação para
profissionais que fossem trabalhar em supervisão ou tuturiação"E2. "A
supervisão terá muito a evoluir se houver um maior investimento das
instituições em formar pessoas com capacidades de supervisão e pessoas com
capacidades de tutoria para serem elementos de maior referência e com padrões
de acompanhamento mais estruturados para os alunos."E3. Este aspeto é visado
por estes autores"(...) Importante e incontornável é a necessidade de existir
uma política formativa efetiva e sustentada, como condição fundamental, para a
qualidade da formação dos docentes, profissionais e estudantes" (Garrido,
Simões, & Pires, 2008, p. 67).
No referente aos supervisores é visível o carácter informal desta aprendizagem,
decorrentes na maioria pela reprodução do comportamento dos pares. "Fui criando
ao longo do tempo algumas estratégias, e também baseando-me na observação de
colegas que são supervisores pronto acabei por tirar algumas ideias como é
óbvio dos outros supervisores que tinham mais experiência do que eu."E1. Tal
como referem estes autores, é previsível que os enfermeiros na ascensão deste
papel fiquem perdidos, sem diretrizes para o seu desempenho, sem linhas
orientadoras, sem rumo. (Silva, Pires & Vilela, 2011).
Processo
Da área temática Processo emergiram as seguintes categorias: parcerias,
qualidades do supervisor, papel do supervisor, processos da supervisão e
contributos. A parceria entre os diferentes intervenientes do processo é
realçada como um atributo essencial, indo ao encontro dos resultados
evidenciados por Borges (2010) no seu estudo sobre parcerias na supervisão,
referindo que "A criação de parcerias é apontada como uma alternativa na
melhoria de todo o processo supervisivo." (Borges, 2010, p. 6) A este nível,
são referidas a parceria entre a Escola/instituição de Saúde, Supervisor/
Escola, Tutores/escola, Instituição/alunos, e entre os diferentes grupos
profissionais, conforme se observa nos diferentes enxertos das entrevistas.
"A escola não pode despachar os alunos por correio, como muitas vezes é feito,
enviam as avaliações e os guias num envelope e são entregues nos serviços,
tenho dificuldade em perceber isto desta forma."E6 Conforme nos refere o
Entrevistado 7 "acho que deve haver um grande esforço e uma tentativa constante
de colocar em cima da mesa de ambas as partes a informação que seja relevante
para tirar melhor partido deste contrato entre escola e instituição."E7.
O Supervisor é referido por maior parte dos entrevistados como o elemento que
faz a "Ponte" entre as duas instituições (E1, E2, E4, E5, E7). No entanto,
conforme nos refere o entrevistado 1 para "O supervisor poder fazer a ponte
entre a escola e o estágio tem de perceber quais os reais objetivos da escola e
o que escola pretende realmente que o aluno desenvolva ao longo do estágio, uma
vez que o supervisor não está por dentro do que é lecionado na escola."E1.
A parceria com os tutores também é realçada "A disponibilidade dos colegas
tutores facilita muito todo o desenrolar do estágio. (...) por vezes verifica-
se que os tutores não estão devidamente informados sobre os objetivos do alunos
e o nível de formação do aluno"E3.
As relações existentes entre os profissionais de enfermagem dos locais de
estágio e os da escola caracterizam-se sobretudo por alguma formalidade e
distanciamento. Os enfermeiros mantêm-se, geralmente, à margem de todo o
processo. (Garrido, Simões, & Pires, 2008). Salienta-se a necessidade do
envolvimento dos alunos a nível institucional, "Enquanto supervisor tentei
sempre que o estudante se sentisse envolvido não só naquela enfermaria mas
também no contexto global da unidade institucional. E acho que os estudantes
beneficiam com isso, porque se sentem de certa forma também eles parte da
própria engrenagem da instituição. Acho que um bom acolhimento por parte da
organização é fundamental.E7.
Por último, a importância da parceria entre os diferentes grupos profissionais
do serviço. "Outro fator, que acho que pode ser facilitador ou dificultador,
dependendo de como está desenvolvido na organização é o trabalho ou a relação
que existe entre os profissionais das diferentes áreas. Nós, na saúde mental,
encontramos muito disto. Os limites de cada área profissional e nós aqui
esbarramos e existem muitos conflitos por isso. Que se pode refletir no aluno.
A boa definição do que cada um faz, é algo necessário e algo que deve ser
trabalhado."E4. Deveremos investir no sentido de evoluirmos de uma supervisão
em colaboração para uma supervisão em parceria, que deverá constituir o grande
objetivo final da supervisão em ensino clínico. (Simões, 2004).
No que se refere às características do supervisor, tal como nos referem estes
autores, são um determinante no êxito da formação dos diferentes profissionais,
sendo apontados um leque alargado de qualidades que os supervisores devem
possuir, nomeadamente empatia, autoestima positiva, facilidade no
relacionamento interpessoal, saber ouvir, capacidade de observação,
comunicação, competência técnica, responsabilidade, liderança, planeamento e
organização (Garrido, Simões, & Pires, 2008). Neste estudo foram realçadas
as competências técnicas, conhecimentos científicos, empatia, disponibilidade,
paciência, inteligência emocional, humildade, o conhecimento do contexto e a
experiência profissional. Neste último item e devido às características
específicas do contexto da saúde mental o entrevistado 5 refere:
"Não concordo, de todo, que alguém possa ser supervisor de uma área sobre a
qual nunca teve experiência clínica sobre isso. (...) Portanto alguém que tem
especialidade em saúde mental e nunca trabalhou no contexto, vai ser supervisor
só porque tem a especialidade? (...) dizer a alguém que para ser supervisor em
saúde mental tem que ter x anos de experiência.(...) Esta falsa questão do
contexto clínico deve ser bem esclarecida.
O contexto em saúde mental é muito diversificado. (...) Quando refiro
experiência no contexto clínico refiro-me a experiência em contextos similares
ao que vai fazer a supervisão."E5.
No que se refere ao Papel do Supervisor, "o supervisor tem um papel
extremamente importante, 1o deve sempre fazer ver aos alunos, que acima de tudo
devem ver nele o espelho, mesmo que a equipa não espelhe exatamente aquilo que
deveria ser o trabalho do enfermeiro, devem ter no supervisor esse espelho."E2
"No caso do supervisor da saúde mental, (...) o supervisor tem que assegurar, e
conseguir a motivação dos estudantes para as práticas que vão realizar."E7
"precisa de ser moderador em todo este processo."E3 O supervisor deve promover
a reflexão "Isto porque se nós conseguirmos pensar e assumir de uma vez por
todas este papel, de que tudo aquilo que o aluno vai fazendo deve ser alvo de
feedback ao longo do dia, ao longo do turno e ele aprende assim, esta reflexão
da acção e pós acção".E4. Simões (2004) evidencia que "o papel do supervisor é
acompanhar um indivíduo ou grupo, no sentido de motivar e incentivar, dialogar,
esclarecer e encaminhar para uma meta previamente determinada" (Simões, 2004,
p. 83).
Na categoria referente aos processos da supervisão salienta-se o tempo
destinado à supervisão, o cronograma do ensino clínico e a presença ou não de
um modelo de supervisão.
Conforme nos referem estes entrevistados "O tempo para dedicar à supervisão é
sempre pouco." E2 "Eu acho que o ideal era um acompanhamento permanente se
possível mesmo diário."E1 A valorização do tempo de permanência dos
supervisores também é realçada no estudo de Simões, Alarcão, & Costa
(2008).
O cronograma do ensino clínico, nomeadamente o tempo destinado ao mesmo
conforme referem estes entrevistados "Em termos do tempo que é dado para o
ensino clínico, o que deve estar claro é qual é o tempo necessário para atingir
determinado objetivo. Por exemplo, se o objetivo for só de observação, se quer
observar um doente a fazer electroconvulsivoterapia não preciso de um estágio
de 10 semanas. Uma ou duas semanas é o suficiente. Se tiver um estágio quando o
objetivo é treinar determinadas funções, intervenções, adquirir competências do
ponto de vista instrumental, já preciso de um tempo maior. O que se faz
habitualmente é o processo inverso."E5. Por outro lado "Nós achamos que a área
que gostamos deve ser aquela que deve ter mais tempo. Mas acho que para um
aluno de licenciatura, quatro semanas chega, desde que bem exploradas. E4. Por
outro lado um dos entrevistados salienta que "Hoje em dia considero que seria
mais vantajoso por exemplo em cada 5 dias de estágio tirar 1 para o aluno estar
na escola a fazer a sedimentação daquilo que foi observando, analisando e que
foi vendo."E7.
"À forma sistemática como a supervisão clínica é aplicada chama-se modelo
(...). Os modelos permitem-nos estruturar e descrever para onde vamos, como
vamos, e o que podemos utilizar no decurso da ação." (Garrido, Simões, &
Pires, 2008, p. 16). A maioria dos entrevistados referiu não utilizar nenhum
modelo de Supervisão. (E1, E3,E4,E5,E7). Embora, esteja subjacente de modo
informal em alguns enxertos das entrevistas a "1ª fase era 1º perceber porque o
aluno está assim, porque o aluno cometeu aquele erro, ou porque não sabe
aquilo, o que se está a passar, porque está com aquele comportamento/ problema.
Depois de uma forma educativa, tentava-lhe fazer ver estratégias para poder
resolver esse problema, quer ele tenha sido um acontecimento, quer ele seja um
comportamento, uma atitude."E2.
A Supervisão clínica está relacionada com o auto-desenvolvimento, crescimento
profissional e desenvolvimento de competências dos estudantes (Abiddin, 2008).
Os resultados deste estudo reportam para contributos para a qualidade dos
cuidados e o desenvolvimento de competências dos alunos. "Os alunos trazem
sempre experiências novas, cada um tem a sua experiência de vida e acabam por
com maior ou menor frequência trazer novo conhecimento para a equipa
terapêutica e se for devidamente trabalhado vai enriquecer a prestação de
cuidados.E3. "Costuma-se dizer que os alunos são chatos porque fazem muitas
perguntas, questionam muito os enfermeiros, mas obriga os enfermeiros a pensar,
a reflectir as práticas e claramente a melhorar."E6. A supervisão é salientada
como preponderante para o desenvolvimento de competências do aluno "O aluno sem
o supervisor não desenvolve, com certeza, competências que desenvolveria se o
tivesse. O supervisor acaba por ser um descodificador daquilo que o aluno vai
encontrando no seu dia-a-dia e isto prova-se pelas solicitações que o aluno faz
ao supervisor.E4. "Neste contexto específico as competências chave que o aluno
deve desenvolver são a Relação terapêutica, comunicação mais dentro desse
aspecto." E1.
Resultado
Na última área temática Resultado emergiram as seguintes categorias:
estratégias para avaliar os processos, momentos de avaliação e instrumentos
para avaliar os recursos humanos.
"No que respeita à avaliação, predominam várias formas e estratégias que têm
sempre subjacente os princípios pedagógicos e científicos definidos pela
escola, ou seja, a avaliação é entendida como contínua, dinâmica e sistemática,
que permite apreciar e quantificar os progressos da aprendizagem e a aquisição
de competências (conhecimentos, capacidades e atitudes necessárias ao
desempenho profissional futuro)." (Barroso, 2009, p. 25). Os resultados deste
estudo salientam como estratégias para avaliar os processos: os estudos de
caso, as reflexões, o delineamento de objetivos específicos, os incidentes
críticos, o relatório final, as reflexões semanais, avaliação. No âmbito
específico da Saúde Mental, é referido que "Para além destes trabalhos, pedia
para realizar uma atividade mais dentro das terapias de relaxamento, dinâmicas
de grupo uma coisa simples porque eles não tinham conhecimento nenhuns acerca
disso."E2.
Também cabe ao supervisor fazer a avaliação formativa e sumativa, incutindo ao
supervisor um papel mais formal. Assume-se maior dificuldade na avaliação
sumativa, ou seja, na atribuição de uma classificação (Fonseca, 2006). São
referidos pelos entrevistados dois momentos de avaliação intercalar e final.
"Primeiro o aluno faz a sua auto-avaliação, depois o tutor dá a avaliação do
aluno em termos qualitativos, o aluno preenche a grelha de avaliação enquanto
instrumento de auto-avaliação e o supervisor pega nos dados e da informação que
tem das actividades que vai supervisionando e preenche a grelha de avaliação do
aluno. Posteriormente, reúne, individualmente, com cada um dos alunos, debatem
e validam aquela grelha de avaliação."E3. A avaliação tem por objetivo a
aferição de conhecimentos, competências e capacidades dos estudantes e a
verificação do grau de cumprimento dos objetivos fixados para determinado
ensino clinico. Contudo, o âmbito da avaliação é um terreno conceptualmente
profuso e difuso; apesar de alicerçada em indicadores de sucesso (Barroso,
2009, p. 54).
Numa era marcada por uma preocupação contínua relativamente à qualidade, a
avaliação de desempenho é um processo fundamental com vista ao desenvolvimento
dos recursos humanos numa organização e consiste em avaliar os indivíduos no
desempenho dos seus papéis (Frederico & Leitão, 1999). Ao longo das
entrevistas salientam a importância desta avaliação mas descrevem a sua
ausência formal incidindo essencialmente sobre a autoavaliação e avaliação
pelos alunos "Nunca aconteceu formalmente nenhum tipo de avaliação mas eu acho
que era importante E2". "É só um processo de auto-avaliação e reflexão
pessoal".E4.
No que se refere à avaliação por parte dos alunos, este entrevistado refere que
"Esta avaliação podia ser mais e melhor trabalhada, porque o facto de a
avaliação ser feita num ambiente eletrónico e não ser obrigatória, implica, por
exemplo, se um supervisor der excelentes notas a avaliação é sempre positiva,
se der notas piores então os alunos que se sentem penalizados ou a nota é
inferior utilizam a avaliação para poder mostrar a sua insatisfação com o
supervisor."E5 Sugerindo que "O supervisor deveria ser avaliado se cumpre todos
os requisitos formais que estão inerentes à supervisão: Ele fez reunião prévia
com os alunos? Explicou os objetivos? Teve reuniões de orientação? Disse aos
alunos como poderiam ultrapassar as dificuldades? Portanto se criássemos uma
check-list de coisas, fez não fez, se fez, como fez? Aí sim, seria o ideal."E5.
Considerações Finais
O trabalho aqui apresentado pretendeu refletir sobre a qualidade da supervisão
no Ensino Clínico de Enfermagem de Saúde Mental, através da perspetiva dos
supervisores, evidenciando os atributos necessários para a qualidade dos
processos de formação em ensino clinico de enfermagem. Foram identificados
fatores que contribuem ou que poderiam contribuir para a melhoria deste
processo, nomeadamente, os recursos organizacionais, recursos materiais,
recurso humanos, a essencialidade da formação dos intervenientes, as parcerias,
as qualidades e o papel do supervisor, os processos supervisivos, os
contributos da supervisão, os instrumentos e os momentos de avaliação, e os
instrumentos para avaliar os recursos humanos.
Ao analisar os resultados questionamo-nos quais os contributos que deste estudo
poderiam advir para a qualidade da Supervisão em Ensino Clínico de Enfermagem
de Saúde Mental. Dadas as considerações, explicitações e sugestões que deste
estudo emergem, ousamos sugerir um modelo, para numa perspetiva de continuidade
e não de término, possa ser replicado num novo estudo de carácter quantitativo
ou em outros contextos (Figura 1). Este diagrama reflete os resultados que
emergem deste estudo que incorporam os atributos da qualidade descritos por
Donabedian (2003),ao qual conciliámos o Modelo de Nicklin (1997), que incorpora
as diferentes fases do processo de enfermagem, assim como, a perspetiva cíclica
deste processo subjacente a um ciclo de melhoria contínua da qualidade.
FIGURA 1 ' Modelo proposto pelos resultados
O ensino clínico pretende ser um campo de experiências onde o estudante
simultaneamente desenvolve conhecimentos e competências que conduzem a uma
intervenção refletida. Na medida, em que é fundamental que o aluno em ensino
clínico de Saúde Mental seja capaz de demonstrar capacidade para refletir,
analisar e aplicar os conceitos de saúde mental e psiquiátrica às diferentes
situações clinicas, o supervisor assume neste âmbito um papel preponderante
para a evolução deste processo.
O presente trabalho forneceu dados importantes para os atributos considerados
essenciais para garantir a qualidade deste papel. Isto porque, um caminho para
a qualidade exige reflexão para a construção da mudança.