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EuPTCVHe1647-21602014000100003

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National varietyEu
Year2014
SourceScielo

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Bullying escolar e avaliação de um programa de intervenção

Introdução A escola, como espaço privilegiado de contacto pessoal, constitui o ambiente propício ao inter-relacionamento e desenvolvimento das crianças e dos jovens, sendo mesmo considerada como um dos mais importantes agentes socializadores com forte influência na construção das suas identidades. Todavia, esta mesma escola que, durante gerações, foi contemplada como um local seguro, tornou-se, nos dias de hoje, um palco de conflitos e de tensões e, na forma mais radical, pode mesmo ser considerada como um lócus de produção e reprodução de violência perpetrada sob as mais variadas formas (Abramovay, 2005).

A violência escolar, não sendo um problema novo, é um fenómeno complexo e múltiplo que não pode ser ignorado. Na verdade, a incidência de comportamentos de violência nas escolas tem vindo a crescer nos últimos anos, preocupando toda a comunidade educativa, face ao clima de insegurança que se instala à maior probabilidade de insucesso escolar, aos comprometimentos físicos e emocionais ou mesmo a sentimentos de insatisfação com a vida (Mendes, 2010). Segundo Olweus (1999, p. 10)  A student is being bullied or victimised when he or she is exposed repeatedly and over time to negative action on the part of one or more other students. O fenómeno do bullying não se refere apenas às agressões que acontecem ocasionalmente, nos intervalos ou fora da escola, mas à violência que se manifesta como um comportamento ligado à agressividade verbal (ex., chamar nomes, gozar de modo desagradável, ameaça), física (ex., bater, empurrar, dar encontrões), social (ex., deixar de fora do grupo, ignorar) e sexual (ex., tocar em partes do corpo do outro deixando-o desconfortável).

Neto (2005) considera-o um problema de saúde pública que afeta a saúde das crianças e adolescentes em diversas dimensões. Sansone & Sansone (2008) identificam-no como um fenómeno social que transcende o género, a idade e a cultura.

Da diversa literatura pesquisada, podemos constatar que é possível definir critérios que permitam identificar comportamentos suscetíveis de ser qualificados como bullying, designadamente o facto de se tratar de uma conduta agressiva intencional, com carácter repetitivo e sistemático onde se destaca uma desigualdade de poder entre os alunos envolvidos, o agressor e a vítima (Fontaine & Réveillère, 2004; Lisboa, Braga e Ebert, 2009; Mendes, 2011; Olweus, 1993; Pereira, 2002; Roberts & Morotti, 2000).

Estudos realizados em vários países revelam que os estudantes observam e relatam, frequentemente, experiências de bullying nas escolas. Os resultados da investigação realizada em países como a Austrália, Canadá, Reino Unido, Japão, Escandinávia e Croácia, publicados em 2012, demonstram que 7% a 23% dos entrevistados foram identificados como bullies (agressores), 5% a 12% como vítimas e 2% a 21% como bully/victims (agressores/vítimas) (Sesar, Barišić, Pandža & Dodaj, 2012).

Segundo Martins (2005, p. 403) O fato do bullying ser um fenómeno grupal, sugere que os programas de prevenção da violência escolar devem dirigir-se mais aos grupos, escolas e turmas, do que aos indivíduos; e o facto de se manifestar sob diferentes formas ' físico, verbal e indireto ' sugere que as estratégias de intervenção ou prevenção deverão levar em consideração o tipo de bullying que pretendam prevenir ou erradicar.

Sendo assim e partindo do pressuposto que a Escola, como Instituição, é garantia de que o ensino é transmitido num ambiente seguro e saudável, propomo- nos, no âmbito deste estudo, caracterizar o fenómeno bullying no seio de um grupo de estudantes que frequentam um estabelecimento de ensino do Norte de Portugal e avaliar o impacto que um programa de intervenção, em que esteja envolvida a comunidade educativa, pode exercer na prevenção e combate a este fenómeno.

Metodologia Participantes:Na avaliação inicial (novembro de 2012: n= 313) da dimensão do fenómeno em causa, a seleção dos estudantes foi feita de forma aleatória e estratificada por anos de escolaridade, obtendo uma amostra de 313 estudantes de turmas do e ciclos do ensino básico. No segundo momento de avaliação (junho de 2013: n=298) avaliou-se o programa de intervenção. Na realização deste estudo foram tidos em consideração todos os procedimentos éticos de acordo com os padrões estabelecidos na Declaração de Helsínquia. Para além dos estudantes foram incluídos numa oficina de formação vinte docentes que representavam as turmas incluídas na amostra.

Instrumentos:O Instrumento utilizado para a avaliação do fenómeno do bullying no AVENP foi o Questionário Diagnóstico do Bullying na Escola da Direção Geral da Saúde ' Ministério da Saúde.

Visão Geral do Programa(Nós e os Outros): Depois de termos conhecimento da dimensão do fenómeno, foi elaborado um programa de intervenção que intitulamos Nós e os Outros, o qual foi aprovado pela Direção do AVENP e pelo Conselho Cientifico-Pedagógico da Formação Contínua de Professores.

Com este Programa pretendeu-se: i) Determinar a distribuição do comportamento de bullying no AVENP ii) colaborar com os educadores e outros intervenientes no trabalho com adolescentes e jovens a desenvolver um programa de intervenção; iii) implementar um programa de intervenção e; iv) avaliar o efeito de um programa de intervenção sobre bullying na escola em causa.

O Programa contemplou três dimensões: Dimensão I ' Formação a pais/encarregados de educação e assistentes operacionais; Dimensão II ' Na escola e espaços exteriores à escola: otimização dos recreios e espaços com menos supervisão; melhoramento dos transportes escolares e; Dimensão III - Intervenção com os estudantes: desenvolvimento de competências sociais positivas, incidindo nas práticas diárias de convívio baseado no respeito, enfatizando estratégias de comunicação eficazes, o espírito de grupo e de cooperação, o aumento da autoestima e o respeito pela diferença.

No que se refere à Dimensão I foram realizadas duas ações de formação direcionadas aos pais/encarregados de educação e aos assistentes operacionais, no sentido de lhes dar conhecimento e sensibilizá-los para o projeto.

Relativamente à Dimensão II e III, foi efetuada uma de oficina de formação a vinte docentes que teve a duração de 30 horas, sendo 15 horas de sessões formais conjuntas e 15 horas de sessões de trabalho autónomo. A oficina de formação decorreu entre Fevereiro e Maio de 2012, tendo os seguintes objetivos: i) promover a discussão sobre o fenómeno do bullying na comunidade escolar; ii) desenvolver conhecimentos sobre a natureza do bullying; iii) reconhecer as características dos intervenientes no bullying; iv) reconhecer os sinais de alerta do bullying; v) analisar dados nacionais e internacionais reveladores das consequências do bullying na saúde das crianças e futuros adultos; vi) desenvolver estratégias de gestão do bullying; vii) desenvolver estratégias de comunicação eficaz com todos os atores educativos; viii) desenvolver estratégias promotoras de saúde e bem-estar em sala de aula e nos espaços escolares; ix) sensibilizar para a importância do envolvimento de toda a comunidade na dinâmica preventiva e interventiva; planear a inclusão da área da prevenção da violência em meio escolar no projeto educativo da escola e no plano de atividades da turma e; x) promover a conceção de materiais pedagógicos adequados ao contexto, adaptando-os ao público-alvo.

Neste sentido, foram abordados os conteúdos e estratégias que a seguir se mencionam: i) Introdução à problemática da violência escolar/bullying; ii) Natureza do bullying (conceito); iii) características dos intervenientes no bullying (vitimas, agressores, testemunha - observador); iv) sinais de alerta e risco do bullying; v) consequências do bullying (pessoais, familiares e sociais); vi) a família dos intervenientes no bullying; vii) a comunicação interpessoal; viii) lidar com a diferença; ix) competências de comunicação e; x) competências sociais; xi) a interação grupal e; estratégias de gestão do bullying.

A oficina de formação seguiu quatro fases metodológicas: Fase: Dos doze temas previstos, foram abordados os seis primeiros, através da leitura e discussão de textos, apresentação de temas teóricos, visualização de vídeos e análise de estudos científicos em sala de formação e, trataram-se os restantes seis através da técnica de rol-play, leitura e análise de textos; Fase: Os formandos aplicaram em contexto de sala de aula as estratégias de gestão de bullying abordadas nas sessões anteriores; Fase: Fez-se uma reflexão sobre a aplicabilidade das intervenções e ajustaram-se de acordo com as situações apresentadas melhorando as práticas e; Fase: Realizou-se a avaliação da implementação das estratégias no espaço escolar, com a apresentação dos trabalhos desenvolvidos e implementados com os estudantes em sala de aula, nos espaços exteriores e interiores da escola, a partir do diagnóstico feito, de acordo com as sugestões que lhes foram transmitidas ao longo da oficina de formação. No final da oficina de formação foi realizada a sua avaliação através do preenchimento de uma ficha de avaliação da ação, de um relatório de reflexão crítica dos formandos, de um relatório dos formadores e de um relatório do consultor.

Análise estatística: Os dados do questionário foram tratados com recurso ao programa informático Statistical Package for Social Sciences (IBM-SPSS, versão 21), com recurso a testes estatísticos no contexto de um design intra-sujeitos.

Resultados O fenómeno do bullying foi avaliado em dois momentos no mesmo grupo de estudantes do e 3ºciclos do ensino básico distribuídos pelos diferentes anos letivos refletindo cada momento o antes e após a implementação do programa de intervenção. A perda de sujeitos entre os dois momentos foi de 15 indivíduos, correspondendo a 4.8% do total de estudantes incluídos na amostra (Tabela_1).

Globalmente, a percentagem de estudantes que afirmou, em algum momento, ter sido vítima de bullying nos últimos dois meses foi de 14.6% na primeira avaliação e de 10.7% na segunda avaliação. Relativamente aqueles que se assumem como agressores em algum momento nos últimos dois meses, as percentagens variam entre 4.7% para o bullying sexual e 23.4% para o bullying verbal.

Procurou-se a existência de diferenças com significado estatístico no que se refere ao relato da prática de comportamentos agressivos no caso dos estudantes que se identificam como bully-provocadores e também, em relação àqueles que relatam terem sido vítimas de bullyingentre os dois momentos de avaliação. As respostass variaram ordinalmente entre nunca (1) e várias vezes por semana (5).

Para cada uma das duas vertentes foram analisadas quatro dimensões do bullying (físico, verbal, social e sexual). A análise dos resultados através do Teste de Wilcoxon revelou a existência de significado estatístico marginal para os comportamentos agressivos de bullying verbal (Z= -1.808, p=.071). A intensidade do fenómeno relatado pelos estudantes que assumiram comportamentos de agressividade verbal diminuiu marginalmente depois da implementação do programa de intervenção. Na análise descritiva verifica-se que a percentagem daqueles que relatam nunca terem comportamentos de agressividade verbal nos últimos dois meses aumentou de 76.6% para 80.5% entre os dois momentos. Estes dados revelam ainda que o bullying verbal é a dimensão do fenómeno com maior prevalência (Tabela_2).

Ainda, como se verifica na Tabela_2, constatou-se, também, uma tendência de aumento dos estudantes que relatam nunca ter sido vítimas de bullying nos últimos dois meses em todas as quatro dimensões analisadas e um aumento residual do número de estudantes que revelaram terem comportamentos de agressividade nos últimos dois meses nas dimensões social e sexual. No entanto, em nenhuma destas dimensões das duas vertentes foram encontradas diferenças significativas que possam atribuir essa variabilidade ao programa de intervenção desenvolvido.

Discussão As percentagens de práticas de bullying encontradas neste estudo aproximam-se de outras investigações (Sesar, et al., 2012; WHO-Europe, 2012) que variam entre 5 a 12%. Relativamente aos agressores os dados também apontam para a comparabilidade com dados internacionais (Sesar, et al., 2012; WHO-Europe, 2012). Os resultados sugerem uma diminuição da existência do bullying verbal como consequência do programa de intervenção, o que indica uma alteração comportamental, ainda que ténue, decorrente das atividades desenvolvidas.

Provavelmente, este facto deve-se à enfatização da comunicação interpessoal, estratégias de comunicação e competências sociais abordadas na oficina de formação. O facto de ter diminuído ligeiramente o número de estudantes que nunca revelaram ter práticas de agressividade nos últimos dois meses, no que se refere ao bullying social e sexual, pode ser justificado pela baixa prevalência dessas práticas específicas e, simultaneamente, no segundo momento, os estudantes estarem mais sensibilizados para o fenómeno e reconhecerem mais facilmente estas práticas como agressivas. De realçar, que o momento avaliativo foi efetuado no final do ano letivo, para garantirmos que os sujeitos avaliados nos dois momentos fossem os mesmos. Contudo, em termos de Educação para a Saúde (EPS), a avaliação de alteração de comportamentos exige um processo de mudança contínuo e prolongado, para que essa alteração ocorra, pelo que, novas avaliações serão necessárias no futuro.

Conclusões (Implicações para a Prática) Para prevenir o bullying, os programas devem envolver toda a comunidade escolar (estudantes, professores, pais, e outros elementos que integram direta ou indiretamente a escola). O programa apresentado foi de encontro a este princípio. Para além deste aspeto, a necessidade de intervenção nesta área foi detetada por este AVENP, condição imprescindível para que esta tivesse sido efetuada. Ao longo do ano letivo, foi sentido e demonstrado interesse em todos os atores escolares relativamente ao projeto, o que facilitou o seu envolvimento e a implementação do programa. Embora este tenha terminado, a Escola em causa mantem-se atenta a este fenómeno e, inclusivamente, no presente ano letivo (2013/2014) comemorou o dia mundial do combate ao bullying (20 de Outubro).

No entanto, considera-se pertinente que este tema conste do programa educativo desta Escola, o que permitiria uma abordagem e consciência longitudinal do fenómeno. Sendo um problema com características muito alternantes, a Escola tem o papel de o monitorizar, no sentido de, com frequência, se modificarem práticas. O programa de intervenção apresentado respondeu às necessidades da Escola, dado que foi enfatizada a necessidade de percecionarem o fenómeno como complexo, sendo da responsabilidade de todos e que exige continuidade. Neste sentido, o programa implementado teve implicações importantes para as práticas pedagógicas que promovem a saúde, e concretamente, a saúde mental dos estudantes.


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