Maus-tratos à infância: As referências dos técnicos das Comissões de Proteção
de Crianças e Jovens [CPCJ]
Introdução
Ao analisar a existência e prevalência do abuso a crianças ao longo dos tempos,
será imprescindível falar acerca das conceções da infância, enquadrando a sua
relação com as conceções de abuso e proteção legal. A problemática relacionada
com os maus-tratos é uma realidade com dimensões e implicações gigantescas para
a sociedade, à qual não se pode mostrar indiferença. Os maus-tratos em crianças
e jovens constituem ainda, um grave e complexo problema social, resultando
essencialmente das várias vertentes do conceito de maus-tratos, relacionados
com fatores culturais, socioeconómicos e com a área profissional ao nível da
qual é feita a sua abordagem. Magalhães (2010, p.19) refere que ( ) os maus-
tratos resultam, essencialmente de três aspetos: das várias vertentes do
conceito de maus-tratos, relacionados com os fatores culturais, socioeconómicos
e com a área profissional ao nível da qual é feita a sua abordagem. A violência
contra as crianças e adolescentes é um grave problema de saúde, que deve ser
identificado e abordado por profissionais que atuam na área.
A preocupação e estratégias de proteção expressam-se através de textos e
documentos legais. Deve por isso ser um elemento ativo na proteção da criança
quando as relações que ela estabelece durante os primeiros anos de vida
revelam-se manifestamente inadequadas e prejudiciais ao seu desenvolvimento
harmonioso.
A Organização Mundial da Saúde [OMS] (2002) preconiza que as intervenções
nestas circunstâncias sejam a nível primário, secundário e terciário. A
intervenção a nível primário tem por objetivo evitar a sua ocorrência através
de práticas educacionais de paternidade e maternidade responsável. Neste nível
de intervenção, as ações propostas incluem a atenção à saúde pré-natal,
perinatal e na primeira infância, visando entre outras coisas, melhorar o
desenvolvimento e fortalecer os vínculos afetivos. Ao nível secundário, as
intervenções devem ser dirigidas para as famílias em situação de risco,
proporcionando informações sobre educação e recursos disponíveis na comunidade.
Já a intervenção a nível terciário está direcionada para minimizar os efeitos
dos maus-tratos, evitar novos episódios e proporcionar uma adequada gestão
terapêutica. O reconhecimento imediato desse problema e a rápida intervenção,
por parte dos profissionais, representam uma proteção efetiva para estas
crianças e uma possibilidade de se rever as relações parentais.
Silva (2011) refere que a violência contras as crianças e adolescentes é um
fenómeno complexo e multifatorial, isto é, envolve fatores socioeconómicos e
histórico-culturais, bem como a invisibilidade e impunidade. O mesmo autor
salienta que, as pesquisas efetuadas mencionam que, os principais tipos de
violência ocorrem entre as famílias (violência intrafamiliar), muitas vezes
praticada em ambiente doméstico, por pessoas de família, cuidadores ou pessoas
próximas da família (violência doméstica). No entretanto também acontece
noutros ambientes, como a escola, creches, lares, comunidade e ambientes
sociais de uma forma geral (Silva, 2011). Deste modo, a identificação do
problema deve, necessariamente, desencadear ações de proteção e notificação,
cumprindo com isso, as determinações contempladas na Lei. A atitude dos
profissionais na abordagem dos maus-tratos infligida contra a criança e o
adolescente encontra-se intimamente relacionada com a visibilidade ou não que o
problema assume no seu quotidiano. A reflexão sobre os conceitos dos diferentes
tipos de maus-tratos e as ideias a eles associadas contribuem para se entender
os possíveis encaminhamentos que dão aos casos identificáveis. Assim, a
efetivação de um atendimento depende da possibilidade de ser capaz de
identificar a presença ou a suspeita da violência nos diferentes casos. Por
outro lado, ter ou não visibilidade depende, de outros aspetos, como o da
escuta e do olhar que o profissional consegue no atendimento.
Pesquisas deram origem a novas definições do constructo. De Bogardus (Droba,
1933, p. 515) define atitude como (...) uma tendência para agir a favor ou
contra algo no meio ambiente, o que se torna por isso um valor positivo ou
negativo. Três quartos de século depois, Eagly & Chaiken (2007) argumentam
por uma definição mais inclusiva, em que atitude fosse considerada como uma
tendência psicológica expressa pela avaliação de uma entidade particular com um
certo grau de favorabilidade ou desfavorabilidade.
Considerando que as instituições, profissionais ou técnicos que contactam com
as crianças e jovens em situação de risco ou perigo são um dos pilares no
acompanhamento das situações diagnosticadas ou seja, as que estão sobre objeto
de intervenção da Lei. Deste modo, pretendemos verificar qual a perceção dos
técnicos face à representação dos maus-tratos às crianças, verificar qual a
perceção e sentimentos face ao mau-trato, vitima e agressor, bem como qual as
sequelas mais observadas e que identificam através da sua experiência, qual a
intervenção, recuperação e acompanhamento mais adequado, de forma a uma
integração mais adequada dessa criança.
Conscientes da complexidade do fenómeno e das muitas variáveis em jogo,
aceitámos o desafio ao procurar respostas para as questões que nos preocupam.
A investigação realizada contribui para um melhor conhecimento dos contextos e
práticas profissionais dos elementos constituintes das CPCJ´s, incidindo na
construção das atitudes e valores bem como as suas implicações na intervenção
institucional destas famílias.
Metodologia
Com a convicção de que os maus-tratos deixam marcas emocionais que têm mais
dificuldade em sarar que as marcas físicas, cabe a cada técnica ajudar na
diminuição dessas marcas, nomeadamente na ajuda na e para a família. A criança
que é maltratada no seio da família experimenta de uma forma permanente o facto
de ser maltratado por quem deveria ser responsável pela sua proteção, cuidado e
amor.
De modo geral os valores humanos têm sido definidos como critérios que guiam o
comportamento, desenvolvimento e manutenção das atitudes em relação às pessoas
e eventos bem como, capaz de justificar preferências e até para avaliação
cognitiva (Lima, 1993). Revendo a temática abordada na tipologia dos valores
humanos de Schwartz & Sagiv (1995), referimos como base, de que os valores
são como princípios abstratos que guiam ou justificam as atitudes, as opiniões
e os comportamentos. Tornando-se desejável que certas formas de pensar, sentir
e agir, sejam definidas como a expressão de sistemas organizados e duradouros
de preferência, que tanto podem ser analisados e encontrados no plano social,
como no plano individual. De facto, Estevam (2011) refere que, os valores podem
ser de grande utilidade, pois não só dando orientações de valores que mantêm as
relações pessoais, dando prioridade aos seus próprios interesses e valores
pessoais, como também indicam uma relação com os outros, focando a relação
interpessoal e os interesses coletivos e sociais, que podem predizer certas
atividades.
Partindo da análise dos pressupostos teóricos, definiu-se a seguinte questão:
Qual a perceção dos técnicos sobre abuso infantil?
Este estudo tem como objetivo, explorar as atitudes do técnico para os pais que
abusam, reconhecer os valores fundamentais do técnico e por último mas não
menos importante para contribuir e melhorar a implementação de estratégias de
intervenção perante a questão do abuso infantil. Foi escolhida uma pesquisa
quantitativa de abordagem exploratória descritiva. Na pesquisa efetuada tivemos
dificuldade em encontrar um questionário adequado ao nosso estudo,
confrontando-nos com a necessidade de construir um instrumento próprio. Na
elaboração do questionário, juntamente com a pesquisa bibliográfica, tivemos
presente a nossa experiência enquanto profissionais de saúde. Para LoBiondo-
Wood e Haber (2001), questionários são instrumentos de registo escritos e
planeados para pesquisar dados de sujeitos, através de questões, a respeito de
conhecimentos, atitudes, crenças e sentimentos. Neste instrumento de colheita
de dados é necessário ter uma atenção cuidadosa na sua preparação e na sua
organização. Antes de mais, as perguntas foram organizadas, de uma forma lógica
para quem a ele responde, por áreas temáticas claramente enunciadas. A recolha
de dados foi realizada através de um questionário anónimo e voluntário,
preenchido pelo entrevistado, e composto por perguntas fechadas e mistas.
População deste estudo foi composta por membros da Comissão de Proteção de
Crianças e Jovens do Distrito de Setúbal N=96; sendo a nossa amostra n = 67
elementos, no período de Maio a Julho de 2008, tendo sido recebidos e
considerados como válidos para efeitos do presente estudo 67 questionários,
representando uma taxa de retorno e adesão de 69.79%.
Resultados
Todas as variáveis em estudo foram analisadas individualmente. Com o objetivo
de organizar, apresentar e interpretar os dados recolhidos, efetuámos um
tratamento estatístico recorrendo ao programa de análise de dados SPSS
(Statistical Package for Social Sciences), versão 17.0 para Windows. Na análise
univariada, para as variáveis com níveis de medida nominal e ordinal
determinou-se as frequências absolutas e as percentagens; no caso das variáveis
com nível de medida quantitativo calculou-se os valores das médias e dos
desvios-padrão. Seguindo os procedimentos apontados por Vilelas (2009), em
primeiro lugar, deve proceder-se à delimitação dos objetivos e à definição do
quadro teórico referencial e, em seguida construir um corpus , isto é,
organizar o conjunto dos documentos que serão submetidos aos procedimentos
analíticos.
Deste modo, depois de definido o quadro teórico, iniciámos um trabalho
exploratório, constituído por todas as questões das entrevistas. Tentámos
reconstituir as ideias principais, a coerência e as contradições. Este permitiu
estabelecer um plano de categorias cuja orientação teve subjacente o
pressuposto teórico.
Começamos por fazer a análise descritiva de algumas caraterísticas da amostra
que nos parecem pertinentes, passando depois para a descrição dos resultados
obtidos. Para concluir, iremos analisar as relações entre os diferentes dados
recolhidos.
Verificamos deste modo que a maioria dos elementos da amostra se situa na faixa
etária dos 30 aos 39 anos com 39% da amostra, sendo a média de 38,93 anos com
desvio-padrão 9,845. Em relação à análise dos participantes do estudo por
género, verificámos, que a maioria dos elementos da CPCJ, concretamente 86,6%
era do sexo feminino o que corresponde a n=58 e sendo 13 % do sexo masculino
com um n=9. Relativamente ao estado civil verifica-se que, 47% dos inquiridos,
com n=31 dos elementos eram casados, seguidos de 38% com a representação de
n=25.
Quanto à área da Formação, salientamos que a grande parte da nossa amostra
apresenta como área de formação predominante o Serviço Social e a Psicologia
com 22.4% o que corresponde a n=15 segue-se com 6.4% a formação ligada à área
do Ensino, corresponde a n=11. A Enfermagem e a Educação Social apresentam
valores de n=2 ou que corresponde 3% da nossa amostra.
A situação de vinculação designada como de Cooptados representa uma percentagem
igual aos elementos que mantêm com a Comissão um vínculo de voluntariado. A
percentagem de elementos que integram a comissão há menos de 1 ano, em
detrimento dos elementos seniores ou seja os que integram as Comissões à
11anos. Na distribuição do número de horas verificasse a não existência de
número ou de um horário padrão, para os diversos elementos. Existindo uma
diversidade no nº de horas que cada elemento efetiva em trabalho na CPCJ.
Com base nos resultados obtidos, verificou-se que uma grande parte da nossa
amostra tem trabalhado na Comissão a menos de um ano, estes resultados vão
refletir sobre a prevenção, detenção e monitoramento de situações de maus-
tratos, visto que essas famílias são geralmente seguido por uma quantidade
enorme de serviços. Relativamente à associação entre experiencia na CPCJ e
maus-tratos, é relevante a maioria dos elementos (17,9%), associar
imediatamente e em primeiro lugar, a situação em que os maus-tratos estão
diretamente ligados a exposição de violência doméstica, Alcoolismo/
Toxicodependência e a Abuso Físico por Familiares. Foi respondido que sobre a
eventual alteração da atitude perante a vítima ter sido alterada com o número
de anos responderam 46,3% da nossa amostra respondeu que Nada ou Quase Nada,
ter sido alterado na sua atitude perante a vítima com o número de anos nas
Comissões. A análise indica que os sentimentos de Passividade e Negação com
28.4% ou n=19, são nada ou pouco frequentes para a maioria dos inquiridos. Por
outro lado, a Angústia e a Frustração surgem como muito ou mesmo extremamente
frequentes para bastantes inquiridos.
Em relação a uma eventual mudança de atitude em relação à vítima criança /
jovem, de acordo com o número ou anos de exercício na Comissão, observou-se que
46,3 % da amostra respondeu que nada ou quase nada havia mudado. Quanto ao
abuso no geral, a frustração foi o sentimento mais comum. Podemos observar os
sentimentos perante o agressor de Raiva a Insegurança e a Incerteza surgem como
os mais referidos como muito ou extremamente frequentes, sendo a Passividade e
a Negação os sentimentos escolhidos pela maioria como sendo pouco ou nada
frequentes. Quanto ao acompanhamento recomendado para a recuperação das
crianças, observámos que a maior número de inquiridos discorda com a
Institucionalização/ Hospitalização da criança/jovem vitimizado.
Verificou-se que o projeto de vida das crianças era uma grande preocupação para
os técnicos. A maioria dos elementos classifica o funcionamento das Comissões
como Bom com 52.2% (n=35),
Apurou-se que é necessário incorporar a singularidade de cada caso, com o
conhecimento elaborado a partir de milhares de famílias auxiliadas sobre
situações de abuso infantil e adolescente.
Discussão
Assim, muitas crianças ainda experimentam os dissabores das agressões.
Infelizmente, o uso da punição ainda é instrumento utilizado com frequência em
contexto familiar, na sociedade contemporânea. Mesmo encarado como algo normal
para alguns, os maus-tratos na infância podem acarretar problemas que muito
provavelmente terão impacto para toda a vida da vítima, levando-a a repetir por
vezes o comportamento violento.
O reconhecimento da ocorrência de maus-tratos contra crianças trouxe, como
consequência direta a necessidade de protege-la. É importante que os
profissionais saibam reconhecer uma criança vítima de maus-tratos e se
consciencializem que a omissão pode representar uma opção pela violência.
Deste trabalho podemos referir que houve dificuldade de comparação entre
géneros uma vez que as desigualdades, em termos de participação no estudo,
entre os sujeitos do sexo masculino e os do sexo feminino foram elevadas (13%
homens e 87% mulheres), no entanto poder-se-á extrapolar para a atribuição à
mulher, no núcleo familiar, a função dos cuidados educacionais e corporais dos
seus filhos (Bustamante e Trad, 2005), assim a sua profissão, assemelha-se a
uma extensão do lar, permitindo o aproveitamento desse potencial feminino na
prestação de cuidados.
Relativamente ao conceito de maus-tratos, verifica-se que é relevante a maior
concordância (concordo fortemente), com a referência a toda a forma de
violência, prejuízo ou abuso físico ou mental, descuido ou trato negligente,
maus-tratos ou exploração enquanto a criança se encontra sob custódia dos seus
pais, de um tutor ou de qualquer outra pessoa que a tenha a seu cargo, bem como
toda a forma de violência que afeta negativamente a saúde física e/ou psíquica
da criança e comprometem o seu desenvolvimento. O próprio conceito mostra um
alerta para como, é um conceito culturalmente construído, indicando que o que
se considera violência em determinada época e cultura tem significado
historicamente delimitado, como é referido por Faleiros e Faleiros (2008) ao
referir que ( ) as crueldades cometidas contra crianças pequenas fazem parte
da história, sem falar do direito de vida ou de morte dado ao pai sobre os
filhos. Somente em meados do século XIX começa a se esboçar uma preocupação com
a criança, que passa a ser encarada como uma pessoa em formação. ( ). Este
resulta, essencialmente de três aspetos: das várias vertentes do conceito de
maus-tratos, relacionados com os fatores culturais, socioeconómicos e com a
área profissional ao nível da qual é feita a sua abordagem; dos mecanismos
etiológicos, tais como problemas como a precariedade socioeconómica, o
alcoolismo, a baixa formação escolar ou o excesso de stress que são
frequentemente associados aos maus-tratos físicos, revestindo-se estes de maior
visibilidade relativamente a outras formas de violência, como os maus-tratos
emocionais, mais característicos dos núcleos socioeconomicamente favorecidos.
Depende também das várias modalidades de abordagem da problemática, desde a
intervenção (informal ou formal) à prevenção (Magalhães, 2010).
Os trabalhos relacionados com os diversos tipos de maus-tratos, em geral,
colocam essa problemática como uma questão de violência doméstica, uma vez que,
segundo eles, grande parte dos agressores eram os pais ou parentes. Verificamos
que os diferentes fatores que causariam ou influenciariam a ocorrência dos
distintos tipos de maus-tratos estariam presentes em quase todas as suas formas
de apresentação, não havendo, em geral, uma explicação específica para um
determinado tipo de violência. No entanto, a explicação mais recorrente refere-
se à reprodução das experiências de violência familiar vividas durante a
infância, contribuindo deste modo, para que se perpetuem os maus-tratos.
Considera-se que a vivência de determinada forma de violência influenciará no
desenvolvimento do sujeito, sendo que em muitas situações marcam profundamente
o ciclo vital (Silva, 2011).
A noção de atitude como predisposição socialmente apreendida para o
comportamento é aceite clássica e consensualmente pelas ciências sociais. Da
mesma forma, aceita-se que as atitudes são organizadas em sistemas cujo
carácter distinto é avaliativo e que é expressa afetivamente em termos de
intensidade (mais /menos, ou maior/menor) e direção (positiva/negativa) e que
orientam a ação tendo um componente cognitivo. Eagly & Chaiken (2007)
referem que atitude é uma tendência psicológica que se expressa mediante a
avaliação de uma entidade (objeto) concreta, com certo grau de favorabilidade
ou desfavorabilidade. No entanto relativamente à atitude, a questão fulcral é
que ela é complexa, isto é, simultaneamente estável e suscetível de mudar,
tendo algo de subjetivo e de objetivo e tem origem interna e externa. A
atitude, não existe no abstrato, está ligada a crenças e valores, com os quais
interage, determinando-se mutuamente.
Deste modo, a atitude dos profissionais na abordagem aos maus-tratos encontra-
se intimamente relacionada com a visibilidade que o problema assume no
quotidiano. Assim a efetivação de um atendimento depende da possibilidade de
ser capaz de identificar a presença ou a suspeita da violência nos diferentes
casos. Por outro lado, ter visibilidade depende de outros aspetos como a escuta
e o olhar que o profissional consegue na abordagem à situação. Quanto aos
dados que recolhemos sobre os sentimentos que os elementos vivenciaram face aos
maus-tratos, podemos concluir que os sentimentos mais manifestados foram a
angústia e a frustração e os menos referidos foram a passividade e negação.
Contudo, outros autores elegeram outras conclusões.
A atitude perante o agressor a maioria da nossa amostra referiu que a sua
atitude não se alterou nada ou quase nada com o decorrer dos anos. Referindo
que os sentimentos mais vivenciados são a raiva e a frustração. Podemos
concluir que as atitudes podem construir uma explicação psicológica para os
maus-tratos, com base na análise da personalidade de quem maltrata pode, de
certa maneira, apresentar de forma patológica o agressor, que é reprovado mas
compreendido pela sua patologia.
No nosso estudo mais de 50% dos elementos respondeu que as maiores repercussões
dos maus-tratos é a dificuldade nos relacionamentos interpessoais, com altos
níveis de agressão física e verbal, acompanhados por isolamento, rejeição e não
inserção no seu grupo de pares, indo de encontro ao referido por Oliveira
(1989) que salienta que as consequências da vitimização física são danos
causados no desenvolvimento físico, neurológico, intelectual e emocional.
Dentro das consequências psicológicas pode-se citar auto conceito negativo e
baixa estima, comportamento agressivo, dificuldade de relacionamento com
crianças e adultos, capacidade prejudicada de acreditar nos outros e
infelicidade geral. Estes resultados podem ser reforçados com os estudos
elaborados por Maughan, Cicchetti, Toth & Rogosch (2007), que ao examinar
os efeitos dos maus-tratos, verificaram que existe uma correlação entre os
ambientes patogénicos e a proporção na diminuiçãoda regulação da emoção
impedindo o bem-estar psicológico quando na interação com o adulto. Vieira
(2010) afirma que os maus-tratos infantis são um problema multidimensional, e
relacionado com uma multiplicidade de fatores que sendo um fenómeno universal,
ocorre em todas as culturas e sociedades. O problema da criança maltratada
exige uma intervenção que, de acordo o mesmo autor, só poderá ser eficaz se for
interinstitucional e multidisciplinar, essencialmente ao nível dos cuidados
antecipatórios e de modo a envolver toda a comunidade.
Para uma melhor recuperação destas crianças, os elementos, referiram que a
melhor estratégia seria o Trabalho de projeto de vida, com o menor e com a
família ou seja foi a opção que reuniu uma concordância mais forte. Esta
concordância vai de encontro ao que foi vinculado por Allport, Vernon &
Lindzey (1970) que sugeriram que a maioria das atitudes, são adquiridas através
do diálogo estabelecido entre a família e amigos, ou seja quando outras
instituições começam a moldar o indivíduo, a família já realizou esta
transformação. A família é o transformador do organismo biológico em ser
humano. A atitude substitutiva em nome dos técnicos não favorece o
desenvolvimento de competências e, pelo contrário, aumenta a postura da
delegação e assumir, também diminuindo a autoestima da família.
Este material biológico transformado tem como fundamento a cultura a que esta
família pertence, embora estas famílias são muito vulneráveis e onde estão
presentes múltiplos problemas de natureza fisiológica, psicológica ou social,
vivendo frequentes e não contínuas, situações de desorganização, em que o ciclo
familiar representa uma sucessão sem fim de crises, impossibilitando o
desempenho das funções familiares. O componente social age na formação da
atitude, na aquisição e desenvolvimento das mesmas, influenciando o indivíduo
indiretamente através da menor unidade do sistema social, que é a família. Esta
vinculação social irá, construir os modelos que promovem efeitos positivos ou
negativos em relação aos diversos agrupamentos humanos, determinando
comportamentos. Os modelos e as demais atitudes, que os seres em sociedade
manifestam, funcionam de certo modo, para compreender o mundo, para proteger a
nossa autoestima de forma a ajustarmo-nos no mundo complexo e de modo a
expressar os nossos valores fundamentais. Os aspetos que o social fornece vão
completar ou corrigir as atitudes iniciadas na família. Os resultados obtidos
também estão de acordo com Tyler, Brownridge e Melander (2011), onde são
referidas conclusões que apontam para o facto de pais com menor disponibilidade
afetiva e mais negligentes.
Quanto à prática corrente e acessível na CPCJ, na recuperação da criança,
encontra-se muitas vezes nos sistemas envolventes como a família alargada,
vizinhos, conhecidos, amigos, instituições e grupos de voluntários, que
sensibilizados pelos muitos problemas e dificuldades daquelas famílias,
desenvolvem mecanismos compensatórios que se tornam recursos importantes para a
intervenção, realçando a importância de não se tornarem uma forma de diminuir
as competências da família mas, antes pelo contrário alargá-las e implementá-
las. Cruz (2006, p.34) refere que, perante as famílias com padrões de
funcionamento conflituoso, existe uma grande dificuldade em assegurar a
totalidade as suas funções, em consequência do seu modo de funcionamento,
apresentando ( ) limites confusos, alianças fracas entre pais e filhos,
oposição à mudança, equilíbrio rígido e comunicação pouco clara.
De facto as Instituições podem ser elas mesmas modeladoras das atitudes nos
diferentes grupos sociais através da sua ideologia de uma forma direta ou
indireta, sendo os valores que nos orientam e fornecem parâmetros para o
julgamento, avaliação e adoção de condutas, doutrinas, crenças, ideologias e
culturas. Como referencial, temos os dados da Comissão Nacional de Proteção das
Crianças e Jovens em Risco de 2004, que refere as medidas mais aplicadas pelas
Comissões, continuam a ser as que se referem ao apoio em meio natural de vida,
com destaque para as medidas de apoio junto dos pais.
Do que foi referido acerca dos conceitos de atitude e conceções, é de referir
que as conceções são do campo do conhecimento e estão por essa razão,
relacionadas com o que pensamos, com conceitos intelectuais e com valores
morais. Ou seja as conceções que um indivíduo tem acerca de um assunto
determinam a sua atitude face a esse mesmo assunto. Assim, as atitudes estão
relacionadas com as posições assumidas, com as ações e pode-se dizer que são do
campo da ação.
Fazendo uma abordagem sobre a dimensão do conhecimento, Popadiuk & Choo
(2006) apontam que este é baseado na experiência, pensamento e sentimentos num
contexto específico, e é composto de componentes cognitivos e técnicos. O
componente cognitivo refere-se a modelos mentais de um indivíduo, crenças,
paradigmas e pontos de vista. O componente técnico refere-se ao know-how e às
habilidades que se aplicam em determinado contexto específico. Também discute
um terceiro tipo de conhecimento: o conhecimento cultural, que se esse refere
aos pressupostos e crenças usados para descrever e explicar a realidade, as
convenções e expectativas usados para atribuir valor e significado à uma nova
informação. Lima (1993), referenciou que o componente cognitivo é uma estrutura
de conhecimentos ou de crenças compartilhadas com outras pessoas. Tais
estruturas possibilitam ao indivíduo organizar e hierarquizar as informações
recebidas e assim auxiliam a construção das noções sobre o mundo externo e
sobre si mesmo.
Conclusões
Partimos do pressuposto que os profissionais são portadores de saberes e
experiências que adquiriram ao longo da sua vida pessoal e profissional que
ajudaram na formação das suas atitudes e saberes refletindo-se na sua prática
do quotidiano influenciando a sua ação e determinação na resolução de situações
de maus-tratos.
As questões orientadoras marcaram a direção, imprescindível e necessária a toda
a pesquisa, no entanto, sofrendo reformulações no decorrer da investigação; o
carácter recursivo da abordagem, as interações estabelecidas e o conhecimento
progressivo sobre o objeto de estudo assim o exigiram. O estudo evidenciou a
preocupação que os elementos das Comissões têm com as estratégias de
recuperação destas crianças bem como o trabalho de projeto de vida com o menor
e família. A possibilidade de inverter o destino de exclusão, gerando a mudança
de atitudes, valores, padrões de comportamento e alargando os conhecimentos e
competências indispensáveis à obtenção de uma qualificação profissional
portadora de autonomia económica, dignidade e relacionamentos sociais, depende
estreitamente da criação de um meio de socialização rico, não somente no plano
do relacionamento e das referências como no da interiorização de conhecimentos
e competências. A complexidade e multidimensionalidade dos problemas que
impedem estas crianças de serem protagonistas de trajetos sociais inclusivos
implicam o recurso a formas de intervenção de grande qualidade, designadamente
no que respeita às atividades de apoio ao estudo, de educação de atitudes,
valores e afetos, de aquisição de competências culturais em domínios como o
desporto, a música e outras formas de expressão artística. A possibilidade de
inverter o destino de exclusão, gerando a mudança de atitudes, valores, padrões
de comportamento e alargando os conhecimentos e competências indispensáveis à
obtenção de uma qualificação profissional portadora de autonomia económica,
dignidade e relacionamentos sociais, depende estreitamente da criação de um
meio de socialização rico, não somente no plano do relacionamento e das
referências como no da interiorização de conhecimentos e competências. Sem
esses requisitos decisivos não será possível reparar as marcas profundas e
dolorosas deixadas pelas privações materiais e pela debilidade ou rotura dos
laços afetivos no seio das suas próprias famílias.