Atividades de ocupação terapêutica: intervenções de enfermagem estruturadas em
reabilitação psicossocial
Atividades de ocupação terapêutica ' intervenções de enfermagem estruturadas em
reabilitação psicossocial
Introdução
O cuidar em Enfermagem promove os projetos de saúde que cada pessoa define, na
procura da satisfação global das suas necessidades, concretizando o seu
funcionamento social. Este princípio convoca intrinsecamente a reabilitação
psicossocial na perspetiva das pessoas virem a atingir o seu máximo potencial
de funcionamento e participação na sua comunidade.
A ocupação terapêutica parece ser algo comum e ancestral. Para os ambientes
terapêuticos de Enfermagem, é algo intrínseco à prática clinica, que urge
estabelecer como construto científico.
Com este ensaio propomos uma definição de Atividade Ocupacional Terapêutica
(AOT) de uso universal e transversal em Enfermagem, prescrita por Enfermeiros,
clinicamente focada, enquanto ação conjunta com o cliente para o seu máximo
desempenho, autonomia e satisfação.
Foi uma construção com processo de maturação de alguns anos, edificada com os
fundamentos conceptuais que usamos na nossa prática da Docência, e com o
histórico da diversidade de experiencias clínicas, aliado à atual experiencia
na supervisão de estudantes de licenciatura e de mestrado em Enfermagem.
Apresentamos neste artigo o que entendemos por AOT, enquadrando as suas
caraterísticas e domínios. É definido o enquadramento conceptual das
intervenções autónomas e das escolas de pensamento elencadas nas competências
de pensamento e ação do cliente, no sentido de racionalizar o contínuo de
independência/dependência, e permitir a tomada de decisão clínica. Descreve-se
também todo o processo de organização e planificação com ênfase nos benefícios,
no impacto na saúde e no funcionamento social da pessoa e da comunidade.
Sobre o Conceito de AOT ' Atividade Ocupacional Terapêutica
O princípio major do processo de reabilitação psicossocial é oferecer às
pessoas incapacitadas pela doença mental, a oportunidade de atingir o seu
máximo potencial de funcionamento independente na comunidade, ensinando-lhes o
desempenho de habilidades físicas, emocionais, e intelectuais necessárias à
vida em autonomia, no nível mais alto possível de bem-estar, e com a menor
ajuda possível dos profissionais de saúde (Melo-Dias, p.60, 2014).
Numa proposta de consenso, ensaia-se aqui a definição do conceito de AOT '
enquanto atividade ou conjunto de atividades organizadas e sistemáticas que
estruturam e dirigem o desempenho funcional do participante, enquadradas na
relação interpessoal enfermeiro-cliente e na avaliação das necessidades humanas
fundamentais (NHF), utilizando técnicas terapêuticas selecionadas e prescritas
consoante o/s objetivo/s pretendido/s, com efeitos psicoterapêuticos,
psicoeducacionais, psicomotricionais, psicossociais, socioterapêuticos, e
espirituais, no sentido de promover, prevenir, habilitar, manter e/ou recuperar
e desenvolver as habilidades da pessoa na obtenção do potencial máximo de
desempenho, de autonomia e de satisfação nas suas NHF, nas atividades de vida,
na ocupação para a realização, e na recreação.
A utilização da ocupação como atividade terapêutica estabelece uma dinâmica
particular entre os seus três elementos nucleares: terapeuta-cliente-atividade.
Em algumas situações, a atividade funciona como objeto intermediário entre o
terapeuta e o cliente, noutras é o terapeuta que funciona como intermediário
entre o cliente e a atividade.
A ocupação terapêutica, entendida como um processo adaptativo e contínuo no
qual a pessoa desenvolve a sua identidade e competência, participando em
atividades ocupacionais, ao longo do ciclo vital, e nos diferentes contextos
ambientais onde se insere, permite a expressão individual, a construção
identitária e o desenvolvimento de vínculos sociais e culturais, e possibilita-
lhe sentir-se elemento ativo da sociedade, com reflexos no seu bem-estar, e na
sua saúde global.
As atividades de ocupação terapêutica em enfermagem de saúde mental e
psiquiátrica têm como características fundamentais:
O = Objetiva - orientada por objetivos e clinicamente validada por indicadores
de avaliação.
C = Congruente - apresenta sintonia e congruência com o quotidiano.
U = União - envolve e une o terapeuta e cliente, quer no plano, quer na ação.
P = Prescrição - O enfermeiro na utilização do seu raciocínio clínico,
cientificamente fundamentado, prescreve o programa/sessão de AOT, respeitando a
avaliação das NHF, em triangulação com o exame do estado mental do cliente.
A = Adaptada - é adaptada ao ambiente e é gradativa, permitindo sucesso na
atividade. Os processos, o ambiente, os instrumentos, os materiais de trabalho,
são adaptados e atingidos através da execução de passos/etapas gradativos
sensíveis ao setting.
C = Consentimento - o/a participante devidamente esclarecido e informado
consente a sua participação e envolvimento na atividade.
A = Acrescenta - é de alguma forma significativa para o cliente, acrescentando
sempre algo à sua forma de sentir, perceber, executar, desempenhar, e
memorizar.
O = Orientação - dirige-se sempre para a qualidade de vida, autonomia e
satisfação do funcionamento pessoal e social do participante.
Domínios de Utilização da AOT
Os domínios em que as AOT podem ser clinicamente relevantes e decisivos para a
reabilitação psicossocial do cliente são:
§ Pessoal e Doméstico ' por exemplo, atividades básicas de gestão pessoal,
gestão do espaço pessoal e doméstico, treino de habilidades, etc.
§ Recreação e de Lazer ' por exemplo, atividades de prazer, alegria e bem-
estar, habitualmente feitas porque se quer, e não porque as temos de fazer.
§ Expressão Pessoal ' música, drama, psicomotricidade, jogos, artes plásticas.
§ Formação/Aprendizagem - Psicoeducação, Educação para a Saúde.
§ Relações Interpessoais - dinâmica de grupos, resolução de problemas, treino
de motivação, treino de assertividade, reuniões.
Para uma correta ponderação dos objetivos a estabelecer e para uma pertinente
escolha dos indicadores de avaliação, deveremos focar-nos nas pessoas nas suas
dimensões: Sensoriomotora, Cognitiva, e Psicossocial.
Sensório-neuro-motora - pode ser descrita em sensorial (sinais recebidos pelos
sentidos...), neuromuscular (como reflexos, amplitude de movimentos, tónus
muscular, força, resistência e postura), e motora (coordenação de movimentos,
controlo motor).
Cognitiva - refere-se à capacidade de utilizar as funções mentais mais
complexas: estar alerta, categorização, sequenciamento, generalização,
orientação, memória, capacidade de compreender e organizar a informação, de dar
forma aos pensamentos e ideias, amplitude da atenção, resolução de problemas, a
habilidade de aprender.
Psicossocial - refere-se à gestão das inter-relações e ao processamento das
emoções: o autoconceito, os interesses e os valores; a habilidade de gerir o
tempo, os seus papéis de vida e a participação nas interações sociais,
adaptação aos estímulos do ambiente.
Apresenta-se também relevante para a planificação e sensibilidade das AOT a
noção de contexto, podendo ter uma dimensão temporal e uma dimensão ambiental.
Na dimensão temporal podemos compreender a idade cronológica do cliente, o seu
estádio desenvolvimental, a posição/papel na sua fase de vida (ex: carreira
profissional, formação, educação), e ainda défices e comorbilidades. Na
dimensão ambiental podemos compreender o aspeto estrutural (refere-se aos
"objetos"), social (refere-se às pessoas significativas, aos grupos sociais, à
influência das normas sociais e as expectativas de desempenho de papéis) e
cultural (refere-se às crenças, hábitos, padrões de comportamento, expectativas
passadas de geração em geração, fatores sociopolíticos, oportunidades de
educação/aprendizagem, trabalho/empregabilidade, e suporte financeiro).
Quadro Conceptual
Intervenções Autónomas de Enfermagem
O exercício clínico da enfermagem centra-se na relação interpessoal entre um
enfermeiro e uma pessoa/grupo. O estabelecimento da relação terapêutica, neste
âmbito, distingue-se pela formação e experiência do enfermeiro que lhe permite
entender e respeitar os outros, num quadro onde procura abster-se de juízos de
valor e desenvolver em parceria as suas capacidade (Ordem dos Enfermeiros,
2001).
As intervenções de enfermagem tomam por foco de atenção a promoção dos projetos
de saúde que cada pessoa vive e persegue. Procura-se prevenir a doença e
promover os processos de readaptação após a doença. Procura-se, também, a
satisfação das NHF e a máxima independência no funcionamento pessoal e social,
incluindo a adaptação funcional aos défices e a adaptação a múltiplos fatores
em desequilíbrio ' frequentemente através de processos de aprendizagem do
cliente (OE, 2001).
O exercício de Enfermagem insere-se num contexto de atuação multiprofissional,
distinguindo-se dois tipos de intervenções de enfermagem: as intervenções
interdisciplinares, iniciadas por outros técnicos, e as intervenções autónomas,
iniciadas pela prescrição do enfermeiro (OE, 2001).
No âmbito do exercício autónomo, o enfermeiro presta cuidados e realiza
atividades de enfermagem com a finalidade de obter, em parceria com o cliente,
a satisfação relativa das suas necessidades.
As atividades de enfermagem devem ser entendidas como intervenções cujo âmbito
requer uma relação e interação social, num formato potenciador dos cuidados e
obrigatoriamente integradas na mesma planificação sistémica e sistemática, com
o mesmo foco global de atenção, visando a satisfação das necessidades, mais
especificamente nos aspetos que abordam a decisão, a ação e a interação com o
cliente, procurando a máxima adaptação funcional através de processos de
aprendizagem cognitiva, comportamental e afetiva.
É neste enquadramento conceptual e clínico que inserimos as AOT enquanto
intervenção autónoma, cuja responsabilidade pela prescrição e implementação
técnica da intervenção, pertence ao enfermeiro, implicando a capacidade de
tomada de decisão que orienta o exercício profissional autónomo.
Competências de Receção, de Compreensão, e de Envio
Considerando as competências em geral, reconhecemos três tipos:
§ Competências de Receção - capacidade de perceber de forma eficiente pistas
ou sinais relevantes;
§ Competências de Processamento - capacidade de avaliar a informação recebida,
de identificar os objetivos a médio e longo prazo, e de planear uma resposta
comportamental que antecipe as possíveis consequências;
§ Competências de Envio - comportamentos verbais, não-verbais e comportamentos
paralinguísticos que entram na interação social (Coelho e Palha, 2006).
As competências de receção e de processamento (ou perceção social) implicam-se
na habilidade do sujeito em interpretar as pistas dos estímulos sociais
relacionando-as com a experiência passada, de forma a ser capaz de as usar num
vasto leque de diferentes situações sociais.
Por exemplo, às pessoas com perturbações psicóticas (PP) faltam frequentemente
as habilidades percetivas devido a perturbações na seleção das pistas (Mueser
& Sayers, 1992 citados por Coelho e Palha, 2006). As pessoas com
perturbações do humor (PH) têm o pessimismo e perfecionismo, que conduzem ao
excesso de realismo, à desesperança e ao desamparo (Segrin, 2000). Esta
tendência para uma avaliação pessoal e social negativa, concorre e conduz a um
défice na performance das habilidades sociais.
Nas competências de envio, muitos clientes exibem um pobre comportamento
interpessoal precisamente porque o seu foco de atenção é primariamente interno
e apenas intermitentemente e seletivamente direcionado para o outro. Mesmo fora
de um contexto terapêutico, estes indivíduos raramente percebem os outros
pontos de vista e mostram pouco interesse nos outros. Esta dificuldade de
atender à maioria das pistas relevantes parece ainda mais agravada com a falta
de habilidades em pedir esclarecimentos, em generalizar alternativas, e na
falta de iniciativa para lidar com os problemas do quotidiano. Acresce ainda,
por ex. nas PP que as pessoas são sensíveis à crítica, evitando ou escapando às
situações em que podem ser criticados ou nas quais possa haver conflito,
apresentando elevados níveis de depressão e baixa autoestima (Yusupoff et al.
1996, citados por Coelho et al. 2002; Coelho e Palha, 2006).
Nas PH, por ex. as pessoas expressam mais sentimentos depressivos, mal-estar
pessoal, autoavaliação negativa, agressividade verbal e menos conteúdo com
vista à solução de problemas.
No comportamento não-verbal, as pessoas com PP, por ex. apresentam expressões
faciais inapropriadas, gestos e posturas inadequados, e tendência para evitar o
contacto ocular, sentindo-se desconfortáveis em situações sociais em que este é
importante. Nas PH, por ex. as pessoas apresentam menor expressividade facial e
corporal, assim como menor contacto ocular com o interlocutor.
No comportamento paralinguístico, nas PP, por ex. em determinados indivíduos, a
voz é monótona, tem menos entoação vocal, e o fluxo verbal é lento, o que além
de desagradável na conversação, torna difícil a interpretação (Bellack et al.
1997, citados por Coelho e Palha, 2006). Nas PH as pessoas falam lentamente,
mostram pausas mais longas, e levam mais tempo a responder às interpelações dos
outros, e com um tom monótono (Segrin, 2000).
Modelos Teóricos
No 'Modelo Cognitivo Comportamental' tendo como principal objetivo
encorajar a mudança comportamental, o Enfermeiro ao longo da AOT regista tudo
aquilo que o cliente é capaz de fazer e todos os reforços que sejam
significativos para esse cliente, oferecendo-lhe esse reforço em cada passo
alcançado com vista ao comportamento desejado. Na mesma perspetiva, quando a
resposta não é a adequada o enfermeiro pode ir fornecendo pistas que permitirão
ao cliente alcançar esse passo e generalizar para atingir os seguintes.
No 'Modelo de Aprendizagem Social' as consequências do
comportamento influenciam a sua repetição, a observação de modelos exteriores
(e.g. pessoas, filmes, livros, ...) acelera mais as aprendizagens do que se
esse comportamento tivesse de ser executado pelo "aprendiz" por si só.
São aquisições de comportamentos que resultam da interação (interna e externa)
por observação e imitação de um modelo.
São quatro os determinantes deste modelo: 'Processo de Atenção'
(por modelos mais disponíveis e mais significativos); 'Processo de
Retenção' (o modelo com caraterísticas significativas será o mais
recordado quando não estiver presente); 'Processo de Reprodução'
(traduz as conceções do comportamento armazenado na memória em ações
correspondentes); 'Processo de Reforço' (um comportamento
recompensado tem mais probabilidades de ser imitado pelos observadores
(Bandura, 1977; Woolfolk, 2000).
Colheita de Dados, Raciocínio, e Técnicas Específicas a Utilizar nas Sessões
Teoria das Necessidades Humanas Fundamentais
O modelo de Virgínia Henderson congrega a Saúde, as Necessidades Humanas
Fundamentais (NHF), e o Cliente como agente da sua própria saúde e
independência na satisfação das necessidades e ainda o papel do enfermeiro em
todos estes processos, nomeadamente na sua função única de ajudar a pessoa na
realização e satisfação das necessidades e atividades que realizaria se tivesse
força, vontade, e conhecimento necessários podendo construir novamente um
estado de autonomia e independência no seu projeto de vida.
O conceito "Necessidade" define-se como necessidade vital que a pessoa deve
satisfazer a fim de conservar o seu equilíbrio físico, psicológico, social ou
espiritual, e de assegurar o seu desenvolvimento (Phaneuf, 2001), mas também de
défice, falta de algo que pode ser superado pelos cuidados prestados por
enfermeiros (Powers, 2006; Fortin, 2006; Amar & Gueguen, 2007 citados por
Rosa e Basto, 2009)
Para Henderson a saúde é uma abordagem global, em que o ser humano é
considerado como um ser completo, com um conjunto diverso de NHF, corretamente
integrado no seu meio (Berger & Malloux-Prier, 1995), numa visão
biopsicossocial e espiritual dos cuidados.
A satisfação das necessidades apresenta variação relativa num continuum
independência/dependência, segundo o grau (qualidade/quantidade) de ajuda que a
pessoa requer ou precisa (quadro_1).
Estes seis níveis podem constituir uma base teórica crucial para definir/
avaliar os indicadores de avaliação do desempenho dos clientes nas AOT.
A necessidade de ocupar-se com vista a realizar-se refere-se à vontade de
realizar coisas para si, de assumir os diferentes papéis que lhe incubem em
função da sua idade e género, de cumprir as tarefas associadas aos diferentes
estados do seu desenvolvimento (papel de estudante, de trabalhador, de esposo/
a, de pai/mãe, e ainda o papel de doente que é marcado pelo nível de adesão e
colaboração às indicações terapêuticas (Phaneuf, 2001).
É fundamental contar com o papel da motivação na gradação do conceito deste
continuum. Em termos pragmáticos a motivação é o conjunto de forças percebidas
que levam a pessoa a agir, influenciada pelas suas experiências e outros
fatores externos (Ryan & Deci, 2000; Deci & Ryan, 2000), ou seja, o
esforço ou energia que a pessoa está disposta a despender para realizar uma
tarefa. Considerando que o comportamento do ser humano é impelido por
motivações intrínsecas e extrínsecas (Sprinthall & Sprinthall, 1993),
podemos considerar diferentes níveis de motivação na procura da independência:
ausência total; extrínseca (suscitada pela equipa prestadora de cuidados); e
intrínseca (determinada internamente pela sua convicção e não pela
vulnerabilidade). Assim, a independência só pode ser real e durável se a
motivação e convicção para agir for intrínseca.
Raciocínio e Decisão Clínica na Seleção da Atividade Ocupacional Terapêutica
Raciocínio clínico na prática de enfermagem será um processo de pensamento do
Enfermeiro, fundamentado nos conhecimentos (teóricos e práticos) e experiência
(profissional e pessoal), envolvendo toda a complexidade, reflexividade,
criatividade, intuição e cognição (do enfermeiro, do cliente em foco, e do
contexto), de modo a sistematicamente selecionar, comparar, testar, inferir e
decidir sobre as evidências clínicas do percurso clínico do cliente, gerando
decisões e conclusões que permitam atingir resultados esperados (Melo-Dias e
Lopes, 2010).
O raciocínio suporta-se ainda das seguintes razões clínicas: Minimiza o erro
aumentando a precisão e acuidade; Modela os cuidados; Pode ter efeitos
significativos na rapidez de obtenção de resultados, e na brevidade da alta
clínica (Magalhães e Lopes, 2013).
O processo de raciocínio clínico aplicado às AOT em Enfermagem de Saúde Mental
e Psiquiátrica (ESMP) corresponde à decisão e escolhas de tratamento, em que o
terapeuta perante as possibilidades e opções disponíveis constrói um modelo/
tipo de atividade dirigido ao(s) cliente(s) e às suas necessidades, respeitando
os princípios científico, ético, e estético.
As indicações terapêuticas para prescrever AOT em ESMP expondo o participante a
uma variedade de respostas potencialmente eficazes para lidar com a situação
problemática, são: 1-Manutenção do máximo bem-estar; 2-Promoção das funções
biopsicossociais; 3-Promoção da adaptação/integração social; 4-Implementação da
recuperação/reabilitação; 5-Avaliação das situações clínicas: défices,
incapacidades; 6-Prevenção da "degradação" cognitivo-comportamental; 7-
Prevenção da hospitalização prolongada, e do fenómeno "porta-giratória".
Objetivos, Determinantes, e Benefícios da AOT
Objetivos
Apresenta-se intencionalmente, uma coleção de objetivos, disponíveis para serem
utilizados no planeamento de programas ou sessões de AOT. Note-se que os
objetivos poderão ser organizados e dirigidos à sessão propriamente dita (serão
assim objetivos gerais ou finalidades) e/ou organizados e dirigidos ao
desempenho dos participantes (sendo assim objetivos específicos ou resultados
esperados):
§ Implementar estratégias de gestão das incapacidades;
§ Manter o contacto com a realidade dos settings;
§ Gerir as respostas do doente aos focos em défice;
§ Melhorar a qualidade de vida;
§ Concentrar o participante em algo útil (distraindo-o da sintomatologia e da
doença);
§ Melhorar a coordenação, a postura e o tónus muscular;
§ Diminuir a ansiedade;
§ Estimular o relacionamento interpessoal;
§ Obter cooperação e interesse do cliente para o seu tratamento;
§ Facilitar a integração no meio familiar e profissional;
§ Preparar para a vida na comunidade e no trabalho;
§ Prevenir o risco de deterioração e de internamento prolongado;
§ Promover hábitos de vida saudáveis;
§ Promover o desenvolvimento do autorrespeito e autorresponsabilização;
§ Promover o uso construtivo do tempo de lazer;
§ Desenvolver habilidades de autocuidado;
§ Proporcionar reeducação;
§ Manter o máximo nível de funcionamento pessoal e social;
§ Reduzir comportamentos problemáticos.
Determinantes das AOT em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica
Existem variáveis que determinam a escolha e decisão do tipo de AOT a
prescrever:
- Relacionadas com o setting: a) Estigma social; b) Normas e filosofia de
cuidados da instituição; c) Dificuldades de financiamento dos programas; d)
Motivação dos terapeutas.
- Relacionadas com a pessoa: a) Biofísica: Perda ou limitação de capacidades
motoras, dor, e atraso/perturbação no desenvolvimento global; b) Psicológica:
incapacidade de realizar o teste de realidade; ausência de insight crítico;
incapacidade para estar atento e concentrado; ausência ou diminuição da
capacidade de perceber/evitar os riscos/perigos; c) Psicossociológica:
Limitação das habilidades comunicacionais; limitação/pobreza no relacionamento
interpessoal; incapacidade de participar em grupos; alterações estruturais ou
funcionais do ambiente de vida; estigma e falta de conhecimentos sobre recursos
disponíveis; d) Ocupacional: Incapacidade de se autocuidar; dificuldades na
aprendizagem; limitações nas habilidades funcionais de jogar/trabalhar.
Benefícios das AOT em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica
Os benefícios correlacionados com os objetivos específicos dos clientes são:
§ Promoção da organização comportamental, a nível individual e grupal;
§ Oferece sentido de utilidade social, o 'novo primeiro passo'
para o retorno ao trabalho/família, ou descoberta de novos interesses ou
aquisição da destreza necessária;
§ Edificação da autoestima e autoimagem, despertando interesses;
§ Ressocialização, responsabilidade e cooperação pelas atividades grupais;
§ Redução dos comportamentos inapropriados/desadequados/problemáticos;
§ Prevenção da deterioração física e cognitiva geral;
§ Construção de uma imagem gratificante do Enfermeiro na execução e realização
de AOT's em ESMP.
Processo de Planeamento das AOT
As respostas humanas aos processos de desenvolvimento, de doença e às
necessidades específicas de cada cliente, bem como o tempo e tipo de
internamento, as caraterísticas culturais e demográficas, as expetativas e
projetos de vida, as perturbações causadas pelos novos papéis, a dor e
sofrimento (físico, mental e social), as dificuldades de adaptação e o
comprometimento das capacidades psíquicas, influenciam o desenho das
intervenções de enfermagem nas AOT (McGurk, et al. 2013; Melo-Dias, 2014;
Rainforth, & Laurenson, 2014).
As AOT deverão proporcionar o máximo de utilidade das suas intervenções ao
máximo de clientes possível, mantendo o vínculo com a personalização,
especificidade e habilidades disponíveis e a desenvolver, garantindo o seu
fundamento na evidência científica (Mueser, Deavers, Penn, & Cassisi,
2013).
As formas e procedimentos de colheita de dados, de intervenção e de avaliação
deverão ser estabelecidos de acordo com os problemas/focos de enfermagem e
respostas humanas apresentadas, acrescendo a condição de doença e a fase
clínica, numa perspetiva global do tempo de duração do tratamento.
O planeamento de uma AOT é sempre centrado na pessoa, alvo da sua intervenção,
sendo perspetivado pelo Enfermeiro a interação das três variáveis: a pessoa, a
ocupação, e o ambiente.
O programa de AOT respeita sempre a avaliação prévia das NHF e as preferências
dos clientes e estilo de vida, mantendo a adequação clínica, num cliente
adequadamente informado.
As estratégias, ações e atividades específicas são descritas em pormenor de
forma a proporcionar uma melhor integração do cliente na sua escolha e
elaboração, bem como proporcionar que sejam avaliadas por pares de forma a
aferir a sua utilidade, eficiência e eficácia.
O desenho base de qualquer AOT em ESMP quer numa só sessão ou várias, será:
§ Tema ou Título. Indicação da Data, Hora, Local, e Duração prevista.
§ População alvo (indicação dos critérios de escolha dos participantes).
§ Objetivo Geral ou Finalidade
§ Objetivos Específicos ou Resultados Esperados.
§ Estratégias e Metodologia (descrição completa e cronológica de todas etapas
a realizar).
§ Recursos necessários (diversos: humanos, materiais, financeiros,
estruturais, intelectuais).
§ Avaliação (indicação dos critérios ou indicadores mensuráveis).
§ [Aspetos éticos a considerar (se for necessário)].
Avaliação do Desempenho dos Participantes
Esta avaliação é feita através dos indicadores de avaliação definidos no
planeamento, sintónicos com os objetivos específicos ou resultados esperados
(de uma ou todas as dimensões sensoriomotora, cognitiva, e psicossocial), e que
se concretizem sensíveis à intervenção do Enfermeiro, explicitando
quantitativamente e qualitativamente resultados clínicos.
Papel do Enfermeiro
O papel terapêutico do enfermeiro em AOT's contêm os demais requisitos
básicos de intervenção na área científica da saúde, assegurando-se da
eficiência e eficácia com pessoas com doenças mentais, nomeadamente excelentes
competências interpessoais, familiaridade com os princípios das teorias de
desenvolvimento e das terapias cognitivo-comportamentais, entusiasmo pelo
trabalho, resiliência para gerir procedimentos minuciosos, bem como adaptá-los
às exigências situacionais, e ainda a capacidade de recolher dados
comportamentais para processos de feedback e feedforward.
Consideram-se princípios gerais da ação socioterapêutica do Enfermeiro nas
AOT's:
1. Tomada de consciência de si mesmo durante a relação terapêutica.
2. Conhecimento dos procedimentos/intervenções da atividade;
3. Conhecimento das habilidades e das necessidades humanas fundamentais dos
clientes, não perspetivando desenvolvimentos acima dos níveis pré-formação (e/
ou pré-mórbidos).
4. Instrui o mais sensível possível, numa rotina semelhante ao quotidiano do
cliente.
5. Reforço e supervisão prevenindo o esquecimento do doente.
6. Encorajamento, sem pressionar o cliente.
7. Utilização de ajudas técnicas na ausência de capacidades motoras e/ou
sensoriais.
8. Flexibilidade na adaptação dos procedimentos às sugestões dos clientes.
9. Sintonia de todos os que trabalham com o cliente, conhecendo o que está a
ser trabalhado.
(Hoeman, 1996; Coelho, 1999; Cordo, 2003; OE, 2011)
Conclusão
Apresentamos a proposta de definição de Atividade Ocupacional Terapêutica em
Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica, que enfatiza a pessoa no centro da
decisão, desde logo, através do consentimento informado da sua participação,
sendo sempre o cliente quem "motiva" as dinâmicas que o terapeuta vai
desenvolvendo durante a execução. Prospetiva-se, por isso, entre a tríade
enfermeiro-cliente-atividade, uma relação terapêutica entre os dois primeiros
elementos e um ajustamento do terceiro.
As AOT decorrem no ambiente clínico de enfermagem, com base da caracterização
NHF dando resposta a problemas/focos de atenção de enfermagem, sendo por isso
prescritas, implementadas e avaliadas pelos enfermeiros, em função do
raciocínio clínico e diagnósticos de enfermagem.
Nas AOT a relação Enfermeiro-Cliente é a energia que vai "alimentar" as
diferentes dimensões, sejam de natureza sensoriomotora, cognitiva ou
psicossocial, daqui se confirma a necessidade da presença efetiva do enfermeiro
em todas as fases planeadas da atividade, não tendo viabilidade clínica na
delegação da sua execução.
As AOT têm o seu suporte científico, entre outros, nos modelos Cognitivo-
Comportamental, de Aprendizagem Social e na Teoria das Necessidades Humanas
Fundamentais de Virgínia Henderson.
O método reconhece-se como reprodutível e com ele é possível construir
conhecimento, e podemos ainda questionar se se podem generalizar estes
resultados para a população. De facto, as variáveis que interferem na forma
como se pensa, se sente e se age convocam que haverá atividades e indicadores
estruturados que poderão ser generalizáveis, embora não de forma metódica de
todos os resultados a todos.
Encorajamos a utilização desta ferramenta terapêutica, porque, para o
Enfermeiro, um resultado significativo é prevenir a morbilidade e promover os
processos de readaptação, procurando-se a satisfação das necessidades humanas
fundamentais e a máxima independência na realização das atividades da vida (OE,
2001).
Esperam os autores desenvolver nos enfermeiros leitores deste artigo, um
movimento que vá, necessariamente, além da aceitação passiva da razoabilidade
desta proposta de intervenção sistematizada de enfermagem e pensem, como diria
Paulo Freire, de forma implicante e dialética, ou de forma mais pragmática '
colocar em prática e depois pensar como fazer melhor (Freire, 2001).