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EuPTCVHe1647-21602014000200006

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National varietyEu
Year2014
SourceScielo

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Competências para o trabalho na área de reabilitação psicossocial

Introdução muitos anos, os utentes que apresentavamalgum défice ou "anormalidade" no seu comportamento eram discriminados, marginalizados, excluídos da sociedade e desvalorizados quanto à sua autonomia e independência. Sendo que a proposta de reabilitação psicossocial surge na contra corrente dessa realidade.

Segundo Faro (2006, pág. 129) "A reabilitação é um processo de desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes com os quais os pacientes possam viver com dependência mínima, para que se sintam capazes como seres humanos produtivos", isto é através da reabilitação é possível que cada utente desenvolva habilidades e competências teórico/práticas que lhes possibilitem uma vida diária mais estável, tornando-os mais independentes e autônomos na realização das suas tarefas.

A Coordenação Nacional para a Saúde Mental (2008), valoriza as intervenções reabilitadoras e refere que todas as pessoas com problemas de saúde mental têm o direito à qualidade nos cuidados de saúde, incluindo as que pertencem a grupos especialmente vulneráveis, devendo o plano de reabilitação promover e proteger os direitos humanos e reduzir o impacto das perturbações mentais, com o objetivo de contribuir para a promoção da saúde mental nas populações.

As pessoas portadoras de alguma deficiência e com limitações na sua inserção social, poderão ver cumpridos os seus objetivos através do seu esforço, mas também se tiverem uma equipa que os acompanhe, apoie e os ajude através das suas competências, a alcançar uma etapa positiva, com adaptação e reinserção social, de acordo com as suas necessidades.

Segundo Babinsk e Hirdes (2004) para o trabalho em reabilitação psicossocial num novo paradigma é necessário que os profissionais estejam comprometidos com uma nova abordagem ao doente mental.

Desta forma, surge a necessidade de compreender a dinâmica dos trabalhadores de reabilitação, os seus objetivos e as suas competências, a fim de contribuir para a formação destes trabalhadores e para uma melhoria na qualidade da reabilitação dos utentes.

Neste sentido, propusemos como objetivo principal deste estudo, identificar as competências necessárias para o trabalho em reabilitação psicossocial do ponto de vista dos próprios trabalhadores.

Metodologia Para alcançar o objetivo proposto utilizamos o método descritivo, exploratório, inserido num paradigma qualitativo, uma vez que se pretendeu compreender as competências dos trabalhadores de reabilitação psicossocial, através das suas opiniões e experiências partilhadas.

O local escolhido para a realização deste estudo foi o Espaço T, uma instituição de reabilitação situada na cidade do Porto, que presta apoio à integração social e comunitária, com o fim de combater a pobreza, a exclusão social e de apoiar as pessoas com dificuldades bio-psico-sociais.

Foi utilizado como instrumento de recolha de dados a entrevista semiestruturada, aplicada a 10 elementos, indicados pelo Diretor do serviço.

Portanto, a amostra foi constituída de forma intencional e por saturação, sendo utilizado como critério de inclusão o desenvolvimento de uma prática direta junto do utente, com o objetivo de reabilitação.

Assim, neste estudo, os entrevistados foram denominamos de trabalhadores, com formações diversas (90% deles com o curso superior) e não representam uma categoria profissional específica.

As entrevistas foram realizadas no mês de fevereiro de 2013 após a obtenção do consentimento livre e informado e gravadas em aparelho áudio para garantir uma melhor precisão das informações.

Os dados recolhidos foram transcritos cuidadosamente e foram tratados através da análise de conteúdo, cujas as categorias são apresentadas de seguida.

Resultados Os trabalhadores de reabilitação psicossocial idealmente, devem respeitar e corresponder com as necessidades de cada utente auxiliando-os durante o seu tratamento e na sua integração na sociedade.Desta forma, é essencial desenvolver atividades que lhes permitam sociabilizar e interagir com os outros e também permitir que se tornem mais independentes nas atividades da vida diária.

Partindo deste princípio, procuramos conhecer quais são as competências que estes trabalhadores apresentaram como importantes para o desenvolvimento deste trabalho.

Os resultados serão apresentados e discutidos a seguir, através das categorias que emergiram da análise de conteúdo e que representam as principais competências manifestadas pelos trabalhadores em reabilitação psicossocial, do ponto de vista dos próprios trabalhadores: §  Competência na resolução de novos problemas e situações complexas; §  Competência comunicativa e relacional; §  Competência para o trabalho em equipa; §  Competências atitudinais; §  Competências para a aprendizagem ativa; §  Competências "reabilitadoras": "resgatar no outro" desempenho, autonomia, identidade e dignidade.

Discussão Competência na Resolução de Novos Problemas e Situações Complexas Num trabalho complexo e dinâmico, os trabalhadores de reabilitação psicossocial, devem desenvolver as suas competências para se adaptarem e lidarem com novas situações, procurando uma resolução adequada para cada situação.

Neste sentido, a flexibilidade foi destacada pelos entrevistados, como uma das características essenciais na resolução de novos problemas.

Ser flexível, é possuir a capacidade de aceitar a realidade sem criar barreiras, é ter uma mente aberta a novas soluções, é ser criativo e adaptar-se a trabalhar de diferentes formas (Hasselmann, 2009).

As expressões seguintes ilustram a flexibilidade e a capacidade de adaptação valorizada pelos trabalhadores: "É sempre diferente, nunca é igual, nós chegamos contatamos com realidades diferentes e essas realidades mudam de dia para dia." (E1) " um trabalho bastante polivalente e acabamos por ir adaptando o trabalho às necessidades."(E4) Segundo Martins, Kobayashi, Ayoub, e Leite (2006), os movimentos e as transformações que ocorrem no trabalho, trazem conflitos e desafios que devem ser enfrentados, utilizando a flexibilidade nos diversos papéis profissionais de equipa e nas ações diárias.

As frases abaixo fazem referência a competência identificada: "Eu atendo aqui todo o tipo de pessoas, portanto os dias vão variando." (E5) "Ao longo das aulas não tenho sempre o mesmo sistema, tento sempre adaptar a cada pessoa." (E9) Foi possível identificar esta categoria na maioria das expressões dos trabalhadores, porque valorizam esta competência para a resolução de novos problemas, destacando o interesse e a flexibilidade como necessários para o trabalho desenvolvido no processo de reabilitação, especialmente para encontrar estratégias adaptativas.

Competência Comunicativa e Relacional Segundo Silva (2011), o trabalho dos profissionais está baseado nas relações humanas que se estabelece. A comunicação é base de tudo para criar uma boa relação terapêutica, sendo um dos métodos mais utilizados para emitir, transmitir e capturar as informações.

Das entrevistas realizadas, pode-se constatar que os trabalhadores de reabilitação destacam a relação e a comunicação, como o grande elo para desenvolver uma boa interação com os utentes: "Gosto de ensinar, transmitir conhecimentos, comunicar com eles, conhecer novas realidades, porque nestas formações contactamos com todo o tipo de gente." (E10) "Gosto da convivência com eles e de estar com eles a conversar." (E1) "Gosto da relação que se estabelece com os alunos e quando sinto que as pessoas estão a gostar." (E8) De acordo com o que foi mencionado, a comunicação é fundamental na reabilitação psicossocial, porque para além de permitir que a pessoa exponha os seus problemas, é uma das formas que os reabilitadores utilizam para compreende-los e adaptar estratégias que vão ao encontro das suas necessidades.

De acordo com Deslandes e Mitre (2009), a comunicação procura um consenso que se baseia numa troca ativa e pacífica de informações entre os utentes e os profissionais. O exercício da compreensão envolve um processo ativo e de construção que procura significados e interpretações.

Os trabalhadores do Espaço T, referem uma boa capacidade de comunicação, mas também interesse em manter uma boa relação com os utentes, porque acreditam que para além de facilitar o processo de reabilitação, também lhes permitem adquirir outros conhecimentos e valores com a relação que estabelecem.

Competência para o Trabalho em Equipa Segundo Crevelim e Peduzzi (2005), o trabalho em equipa é um trabalho coletivo, que estabelece uma relação recíproca entre as intervenções técnicas e a interação dos profissionais. Assim sendo, é possível coordenar os planos de ação utilizando a comunicação e a empatia, de forma a corresponder com todas as necessidades da equipa.

Trabalhar em equipa torna-se uma das competências mais importantes na reabilitação psicossocial, porque para alcançarem um objetivo comum, necessitam de trabalhar em conjunto. Esta ligação proporciona vantagens não para cada elemento, como também para os utentes, porque trabalham todos para a mesma finalidade e na presença de algum problema, existe uma resolução mais eficaz.

Nos resultados obtidos neste estudo, denota-se que a ligação entre os elementos da equipa significa um fator importante em todo o processo da reabilitação psicossocial:  "Em equipa trabalho sempre, é assim o trabalho social, implica trabalhadores em equipa, e eu não faço um trabalho isolado, nunca poderei fazer (...) estamos os dois a trabalhar nesses planos...está também a trabalhar o colega do outro lado." (E2) "Nós trabalhamos em equipa (...) temos sempre inter-relações, assim é que funciona." (E3) SegundoAraújo e Rocha (2007, p 456) "o trabalho em equipe tem como objetivo a obtenção de impactos sobre os diferentes fatores que interferem no processo "saúde-doença", sendo que esta prática possibilita ao profissional reconstruir- se na prática do outro e realizar uma intervenção na realidade em que estão inseridos".

As citações seguintes manifestam a valorização das relações estabelecidas entre os elementos da equipa: "Aqui o trabalho é sempre feito em equipa, porque as pessoas chegam e precisam de vários apoios (...) eu aqui sinto-me um bocado como irmãos, são pessoas que eu conheço muito bem." (E5) "Sinto que aprendo diariamente com todos e para mim isso é muito gratificante." (E10) Os trabalhadores entrevistados reconhecem ganhos com o trabalho em equipa, como as novas aprendizagens, além de ser possível verificar que existe conforto por se integrarem na equipa em questão.

Competências Atitudinais Associadas às competências profissionais, estes trabalhadores valorizam certas características pessoais que acabam por influenciar o seu trabalho na reabilitação.

De certa forma, apresentam um perfil profissional que consideram importante para que se obtenha mais rendimento e aproximação dos objetivos a que se propõem.

Segundo Martins, Kobayashi, Ayoub, e Leite (2006), o profissional é um agente de transformação de conhecimentos, habilidades e atitudes, em competências entregues à organização, ressaltando o entendimento de agregação de forma a melhorar o processo e atingir as metas pertendidas.

Algumas transcrições a seguir ilustram as características pessoais que se destacaram nos trabalhadores: "Tu tens desafios novos que queres encarar, que queres abraçar e tu próprio os crias. É engraçado e motivador tu teres que resolver os problemas diariamente." (E2) Os profissionais revelam empenho, dedicação, responsabilidade, colaboração e aceitação de novos desafios como importantes características no desenvolvimento dos projetos. Demonstram interesse na visualização social positiva do trabalho que é elaborado pela equipa e pelos utentes.

As citações que se seguem ilustram estas afirmações: "O que eu gostava mesmo era que a cidade perceba que aqui se tenta fazer um trabalho honesto, sincero e diferente." (E5) "É lutar por um objetivo comum, porque muitas pessoas são desprezadas e parece que o mundo está contra tudo isso." (E9) "Estou disposta a novos desafios." (E10) Os trabalhadores entrevistados parecem acreditar que o desempenho profissional também recebe interferências das características pessoais e atitudinais que cada um apresenta. Demonstram que para reabilitar é necessário desenvolver competências e perfis especiais. Além disso, os entrevistados manifestaram satisfação com as competências e características atitudinais que apresentam no desenvolvimento do trabalho em reabilitação.

Competências para a Aprendizagem Ativa Segundo Leite e Costa (2007), a gestão do conhecimento desenvolve o ambiente das organizações mas também acaba por desevolver o conhecimento científico.

O conhecimento deve ser construído pelo esforço, pela investigação e também quando surgem dúvidas que necessitam de ser esclarecidas.

Ao longo da vida é necessário aprofundar as habilidades, para que desta forma se consiga superar os conflitos, as ideias inaqueadas e reorganizar o pensamento de acordo com as nossas acções.

Ser ativo implica estar presente em formações, adquirir conhecimentos diariamente com experiências ou outras situações, ou seja, é reaproveitar e utilizar todas as vivências para se adaptar e preparar para as transformações que vão ocorrendo ao longo da vida.

Segundo Hesbeen (2003), os profissionais de reabilitação psicossocial devem ter uma formação de base, que passe por três etapas ( etapa: ser generalista; etapa: aquisição de conhecimentos e aptidões especializadas; etapa: prática de cuidados).

Em reabilitação é importante dar continuidade a formação básica e a formação especializada, porque o ser humano está em constante mudança, assim sendo, cada profissional, deve constantemente adquirir novos saberes e aptidões.

Os resultados obtidos nas entrevistas deste estudo vêm ao encontro destas afirmações, sendo que os trabalhadores demonstram ter a necessidade de se atualizarem, conforme se verifica nas seguintes expressões: "A experiência é que me vai fazendo, vai-nos dando os conhecimentos e depois é um pouco, a pessoa ter de ser autodidata, tem que se pegar nos livros e dar uma vista de olhos tirando informações." (E1) "Estou sempre a receber formações, ou tu estagnas ou então realmente te empenhas e investes em ti, mas isso é constante, não podes parar se não depois ficas para trás." (E2) "Eu pessoalmente sempre procurei formação paralela (...) eu acho que não um único ano em que eu não tenha um pequeno curso." (E4) É evidente o interesse dos entrevistados na aquisição e atualização de conhecimentos como uma forma de aprimorar as suas competências e consequentemente, o atendimento prestado.

Competências "Reabilitadoras": "Resgatar no Outro", Desempenho, Autonomia, Identidade e Dignidade Segundo Hesbeen (2003), a competência diz respeito à capacidade que o profissional tem em se organizar e prestar cuidados numa dada situação, desta forma, os profissionais devem de organizar o seu trabalho e estabelecer prioridades e estratégias, intervindo de forma individualizada com cada utente, para que seja possível que ele desenvolva os seus objetivos e que se torne reinserido na sociedade.

Neste estudo, foi possível identificar um conjunto de ações específicas da reabilitação, que exigem competências igualmente específicas para a realização dos objetivos e da missão do serviço de reabilitação (Espaço T), assim sendo, ilustram-se algumas citações dos trabalhadores que refletem estas competências: "Nós , temos uma missão de, primeiro, proporcionar a eles alguns momentos de compreensão, de que se sintam bem, de que aprendam a viver em sociedade (...) que entrem na vida ativa, não é que seja fácil, mas esse é sempre o objetivo." (E1) "É dotar as pessoas de competências pessoais, sociais, que elas também adquirem nas actividades." (E2) Ao apresentarem as competências "reabilitadoras", eles justificam o próprio objetivo do seu trabalho e a missão do serviço de reabilitação, ou seja, estão a reabilitar os utentes numa vertente psicossocial para a vida. Os excertos abaixo ilustram estas afirmações: "Objetivo principal é a promoção e a integração de um conjunto muito diferenciado de pessoas, é promover uma mudança social, a aceitação da diferença... no fundo é ajudar por um lado a integração das pessoas, por outro lado à sensibilização da comunidade para a aceitação dos mesmos." (E3) "Reabilitar-se e, por outro lado, fazer com que a sociedade também as aceite na sua diferença." (E5) "Permitir que as pessoas aumentem os seus conhecimentos e que isso também lhes seja útil para utilizarem no dia-a-dia e sem dúvida a integração de todos." (E8) "Permitir a integração de todos na sociedade (...) e reaprender outras competências." (E9) "É reabilitar as pessoas sem as rotular pelas características que apresentam; todos nós temos direito a igualdade." (E10) As competências "reabilitadoras", para os entrevistados, significam respeitar os direitos dos indivíduos, não discriminar, oferecer oportunidades, integrar, aceitar as diferenças, entre outros aspectos, que representam o objetivo do próprio trabalho em reabilitação.

Conclusões Os serviços de reabilitação psicossocial podem contribuir positivamente para a qualidade de vida dos portadores de doenças mentais e para a sociedade como um todo. Neste sentido, estes serviços revestem uma importância fundamental e merecem uma atenção especial. Por reconhecer tal importância, pretendeu-se com o estudo das competências, contribuir no âmbito da formação dos trabalhadores e da constituição de equipas mais adequadas para o trabalho em reabilitação psicossocial.

Desta forma, foi possível conhecer as competências que os próprios trabalhadores consideram necessárias para o trabalho e compreender que devem de ser adquiridas num processo dinâmico e de construção, ou seja, aprofundadas através de uma procura constante de novos e diversificados conhecimentos, dando relevância a todas as suas experiências.

Após a realização deste estudo, consideramos que os profissionais reconhecem a importância do domínio dos conhecimentos específicos que resultam da sua formação, treinamento e experiência, uma vez que indicam as competências necessárias para o exercício de funções reabilitadoras.

Verificou-se que as experiências vividas junto dos utentes é a principal fonte para a aquisição das competências desejadas, porque é através da prática que conseguem identificar os problemas, aplicar os conhecimentos e desenvolver estratégias de acordo com cada situação.

O principal contributo deste estudo será na área de formação dos profissionais para atuarem na área de reabilitação. Acreditamos que a adequação da formação possibilitará uma atuação profissional mais qualificada e com maiores possibilidades de resultados positivos na reintegração social e também de forma a contribuir para um estudo continuado na área de saúde mental e reabilitação.


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