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EuPTCVHe1647-21602014000300002

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National varietyEu
Year2014
SourceScielo

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O doente com esquizofrenia e com filhos

Introdução Os estudos epidemiológicos demonstram que as perturbações psiquiátricas e os problemas de saúde mental tornaram-se uma das principais causas de morbilidade e de incapacidade e nas sociedades atuais, em que uma em cada quatro famílias tem pelo menos um elemento que sofre uma perturbação mental ou comportamental (World Health Organization, 2001; Xavier, M., Caldas de Almeida, J., Martins, E., Barahona, B. e Kovess, V., 2002; Plano Nacional de Saúde Mental 2007-2016, Resumo Executivo, 2008).

A esquizofrenia, encontra-se entre os dez principais motivos de sobrecarga social a longo prazo, com taxas de prevalência na população mundial que não chegam, regra geral, a 1% (World Health Organization, 2001; Plano Nacional de Saúde Mental 2007-2016, Resumo Executivo, 2008; Sadock & Sadock, 2008).

As pessoas com esquizofrenia requerem uma maior atenção psiquiátrica a longo prazo, ocupam cerca de 25% do total das camas psiquiátricas e representam 50% dos internamentos psiquiátricos (Mueser & McGurk, 2004).

Objetivou-se estudar e caracterizar os doentes com o diagnóstico de esquizofrenia, que têm filhos e que mantêm contacto com eles, com vista a potenciar o reconhecimento das suas dificuldades e necessidades, contribuindo para a definição de estratégias de intervenção nestas famílias.

A ausência de trabalhos portugueses sobre este tema e a falta de consensos nos trabalhos que têm sido publicados, nomeadamente quanto à prevalência de psicopatologia dos filhos de doentes com esquizofrenia, aliado ao interesse despertado pelo estudo da esquizofrenia e pela importância atribuída à família, motivou o presente estudo.

Esquizofrenia Sendo considerada como a doença mental mais incapacitante (Marques-Teixeira et al., 2006), o conceito tem sofrido várias alterações ao longo dos tempos, não havendo unanimidade de conceptualização da patologia, pelo que contínua envolta de grande subjetividade, apesar dos esforços para a sua objetivação (Vaz-Serra et al., 2008).

Considerada responsável por uma parte importante da morbilidade psiquiátrica, é transversal à geografia social (Sadock & Sadock, 2008), apresentando ainda pouco consenso quanto aos fatores que influenciam ou causam o seu aparecimento, apontando a evidência científica para uma etiologia multifatorial da doença (Dalery & D'Amato, 2001).

Caracteriza-se por dois grupos de sintomas: ·           Positivos, que incluem essencialmente ideias delirantes, alucinações, transtorno formal do pensamento, comportamento extravagante e desorganizado que refletem uma distorção/exagero das funções que estão normalmente presentes na fase aguda da doença. Estes sintomas cognitivos, comuns nos doentes com esquizofrenia, têm efeito ao nível da memória, com défices de atenção, concentração, compreensão e abstração (Cardoso, 2002; Sadock & Sadock, 2008; American Psychiatric Association, 2011).

·           Negativos, que refletem uma perda ou diminuição de funções (diminuição da intensidade ao nível das emoções, das motivações, da vontade e da afetividade/relações interpessoais, o empobrecimento do pensamento e do discurso e o isolamento social) que, em condições normais se encontram presentes (Sadock & Sadock, 2008; American Psychiatric Association, 2011).

Enquanto os sintomas positivos da esquizofrenia são, muitas vezes, exuberantes e atraem a atenção, os sintomas negativos tendem a prejudicar a capacidade da pessoa em ter uma vida quotidiana dita normal, impedindo ou limitando a manutenção de relacionamentos familiares estáveis.

Não sintomas patognomónicos, apenas um quadro prodrómico, que se caracteriza, em grande parte, pelos sintomas negativos: alteração do ciclo de sono/repouso, apatia, isolamento, descuido na higiene pessoal, comportamentos poucos habituais/ideias bizarras, dificuldades escolares e profissionais, entre outros.

Esta sintomatologia tem uma relação muito importante e direta com as possíveis repercussões da doença na família e nos filhos. Os efeitos dos sintomas negativos no funcionamento do indivíduo são, habitualmente, o primeiro sinal para a família de que algo está errado, sendo também a principal preocupação da família, que muitas vezes vêm esse indivíduo como "preguiçoso" ou "desmotivado" (Carvalho, 2012a).

A sintomatologia característica da esquizofrenia pode-se agrupar de uma outra forma, em função das áreas atingidas, sendo a aparência e conduta (um aspeto descuidado ou um importante abandono da sua higiene pessoal); transtornos percetivos e sensoriais (aparecimento das alucinações: auditivas, visuais, olfativas, gustativas e cinestésicas); transtornos do pensamento (conteúdo - delírios; controlo - roubo do pensamento; controlo do pensamento, imposição do pensamento entre outros; curso - bloqueio do pensamento; forma - desagregação do pensamento, pobreza do pensamento, tangencialidade entre outros); alterações do humor e da afetividade (apático e indiferente, com sintomas depressivos e manifestações de ansiedade, irritabilidade e euforia e com manifestações típicas de embotamento afetivo/ambivalência afetiva); alterações da psicomotricidade (manifestações de agitação psicomotora, maneirismos, estereótipos motores entre outros; alterações cognitivas (o tipo e a gravidade da sintomatologia variam consideravelmente no decurso da doença e o aparecimento pode ser, de uma forma insidiosa e gradual ou de uma forma explosiva e instantânea) (Carvalho, 2012a).

Em Portugal, a esquizofrenia representa a primeira entidade responsável pela doença mental (21,2%), seguida da depressão (14,9%), valores de referência que incluem os serviços de internamento, consultas e urgências de todo o país, sendo a região Norte a que apresenta os valores mais elevados, para a esquizofrenia e para as psicoses afetivas (Rede de Referenciação de Psiquiatria e Saúde Mental, 2004).

A esquizofrenia é a principal causa de procura de cuidados de saúde (36,5%), sendo o 3.º motivo de procura de consulta médica em consultas externas (12,4%) (Rede de Referenciação de Psiquiatria e Saúde Mental, 2004), responsável pelo aumento do número médio de dias de internamento nos serviços de Psiquiatria (35,4 vs 20,0 dias no internamento de Psiquiatria), é uma das doenças com maior prevalência, afetando cerca de 60-100 mil pessoas, em que 60-70% dos doentes não se casa e mantêm contactos sociais muito limitados (Ministério da Saúde ' Direcção Geral Saúde, 2004).

No estudo Schizophrenia Outpatient Health Outcomes (SOHO), que incluiu 10 países, entre os quais Portugal, verificou-se que 64,4% vivem dependentes da família, 18,6% referem ter uma relação com um cônjuge/companheiro, a maioria está desempregada (35%), em situação de reforma (33,7%) e 41,5% referiram não ter atividades sociais com os amigos ou familiares. No que se refere à qualidade de vida, 70,5% dos doentes sentem dificuldade em executar as suas atividades diárias, 76,5% apresentam comorbilidade de ansiedade/depressão, cerca de metade referem sentir desconforto ou dor, 25% não são capazes de realizar tarefas ligadas a cuidados pessoais e 60% sofrem de disfunção sexual (Marques-Teixeira et al., 2006).

Os familiares mais próximos à pessoa com esquizofrenia são os primeiros a percecionar diferenças na personalidade e/ou nos comportamentos desse membro da família, processando-se a diferentes níveis: alterações do comportamento social, desinteresse por atividades e passatempos; negligência no autocuidado; desconfiança; existência de ideias delirantes, aliados à falta de motivação, à gestão financeira, à dificuldade para completar as tarefas e à não adesão ao regime terapêutico (Silva e Carvalho, 2011).

Esta falta de interesse manifesta-se também pelo isolamento social e pela maior dificuldade em entrar/continuar no mercado de trabalho, devido aos deficits provocados pela doença, pela presença do estigma social, pelos comportamentos não adequados e imprevisíveis), assim como pela perda de autonomia.

Culturalmente o doente com esquizofrenia ainda representa o estereótipo do "louco". A imprevisibilidade que ocorre na relação com o doente com esquizofrenia tem um efeito profundo nos membros da família.

A presença de um doente com esquizofrenia na família alterará a dinâmica familiar e irá pôr em evidência algumas das dificuldades e fragilidades do doente e de toda a família, potenciando a descompensação de um ou mais dos seus membros (Hanson, 2001).

A avaliação da dinâmica familiar é um fator importante para a percepção da coesão eflexibilidade familiar, assim como a importância da comunicação e da satisfação familiar no núcleo familiar (Carvalho et al., 2014), em que o modelo circumplexo de Olson é um recurso interessante e permite classificar as famílias com base na sua pontuação no que respeita à coesão e flexibilidade ou adaptabilidade (Olson, 2011).  

Objetivos O estudo pretende estudar e caracterizar um grupo de doentes com esquizofrenia com filho(s) de idades compreendidas entre os 6 e os 18 anos e que mantêm contacto regular com eles.

Metodologia Estudo transversal, quantitativo, de cariz descritivo e exploratório.

A amostra foi constituída por 38 doentes, correspondentes a 38 famílias com filhos (50 filhos), referenciados numtotal de 3.056 doentes com o diagnóstico de esquizofrenia, seguidos no hospital especializado.

O protocolo de colheita de dados incluiu uma entrevista estruturada e instrumentos de avaliação. Na entrevista foram privilegiados os dados relativos à caracterização socioeconómica e clínica dos doentes.

Foi utilizada a escala de funcionalidade (DSM IV) com as subescalas de avaliação do funcionamento (AGF); de avaliação global da atividade relacional (EAGAR) e de avaliação da atividade social e laboral (EAASL), em que pontuam de 1-100 (American Psychiatric Association, 2011). Para a caracterização social da família foi utilizada a Escala de Graffar, que permitiu avaliar aspetos sociais importantes como: profissão, instrução, fontes de rendimento familiar, conforto do alojamento e os aspetos da habitação/bairro, com uma pontuação entre 5 e 25 pontos, categoriza a família em 5 classes, em que a classe mais baixa (I) revela melhor índice social.

Utilizou-se ainda o Family Adaptability and Cohesion Evaluation Scales (FACES IV), de Gorall, Tiesel e Olson, (2006), na versão portuguesa de Rolim, Rodrigues e Lopes, composto por 62 questões, com duas dimensões centrais (a coesão e a adaptabilidade/flexibilidade), e que permitiu caraterizar as perspetivas individuais, face à família quanto aos níveis de coesão e de flexibilidade/adaptabilidade, assim como os níveis de satisfação e de comunicação familiar.

Procedimento A seleção da amostra foi constituída por indivíduos adultos de ambos os sexos, com o diagnóstico de esquizofrenia e que têm filhos com idades compreendidas entre os 6-18 anos, com contacto frequente e que aceitaram participar no estudo, a partir da população de doentes com o diagnóstico de esquizofrenia, seguidos num hospital especializado do norte de Portugal.

Foram explicados os objetivos e a finalidade do estudo e solicitada a participação e o consentimento informado dos doentes, assim como o consentimento expresso da Comissão de Ética da instituição.

A colheita de dados decorreu de março de 2008 a dezembro de 2009 no domicílio dos doentes selecionados. Foram utilizadas estratégias para referenciação dos doentes: 1.      Solicitado apoio ao pessoal de Enfermagem da consulta externa que ajudou a referenciar o maior número de doentes (melhor conhecimento) com filhos.

2.      Colaboração de outros profissionais de saúde mental pelo conhecimento que encerram quanto aos doentes e às suas famílias.

3.      Consulta dos processos clínicos para deteção de referências à existência de filhos.

Dos 3.056 doentes com o diagnóstico de esquizofrenia, seguidos no hospital especializado, referenciaram-se 213 (6,9%) doentes com filhos, sendo possível contactar 155 famílias (72,8%) e sinalizar a existência de 274 filhos.

A amostra foi constituída por 38 doentes, correspondentes a 38 famílias com filhos (50 filhos).

As variáveis quantitativas contínuas foram analisadas através de medidas de tendência central e de dispersão e as do tipo nominal foram analisadas de acordo com as frequências relativas e absolutas, com recurso ao Software Statistical Package for the Social Sciences (IBM SPSS Statistics 19).

Neste estudo apresenta-se uma parte da investigação "Esquizofrenia e família: repercussões nos filhos e no cônjuge" apenas centrada nos progenitores com esquizofrenia.

Resultados A amostra foi constituída por 38 indivíduos dos quais 52,6% do sexo feminino e 47,4% do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 31-51 anos, com Média=40,87 (±4,82).

Os indivíduos casados representam 60,5% da amostra e os solteiros e divorciados representam 15,8% do total da amostra.

Apresentam baixa escolaridade (84,2% têm estudos inferiores ao ensino obrigatório). O 1.º ciclo representa 42,1% dos doentes, seguindo-se o 2.º ciclo (26,3%) e o 3.º ciclo (15,8%). Apenas 10,5% tem o ensino secundário e 5,3% ensino superior.

No que respeita à situação profissional e laboral, 47,4% mantêm-se ativos ainda que com profissões não qualificadas segundo a classificação nacional de profissões. Na situação de reforma encontram-se 34,2%.

O contacto permanente com os filhos é uma realidade para 76,3% progenitores doentes, sendo que em 23,7% esse contacto faz-se apenas ao fim de semana (Tabela_1).

Os agregados familiares são maioritariamente compostos por agregados reduzidos com dois elementos (23,7%) e com 3 pessoas (42,1%).

Quanto às famílias dos doentes, 47,4% correspondem a classe média baixa de acordo com a Escala de Graffar.

Todos os doentes tiveram acompanhamento em consulta de Psiquiatria e 92,1% estiveram internados em serviços de Psiquiatria. O tempo de doença (esquizofrenia) apresenta amplitude de 30 anos [2-32], com M=11,95 ±8,32 anos.

Foram aplicadas as subescalas de funcionalidade de acordo com o DSM IV: avaliação global do funcionamento (AGF), avaliação global da atividade relacional (EAGAR) e avaliação da atividade social e laboral (EAASL). A EAGAR apresenta amplitude de [60-90] com M=75,39±9,32, tal como a AGF com valores entre os [65-90] e com M=77,45±8,59.

A EAASL apresenta amplitude entre [61-95] com M=75,58±11,67, revelando bons índices de funcionalidade por parte dos doentes.

Relativamente às reações dos familiares à sua doença, 55,5% dos doentes referiram aceitação pelo aparecimento de a doença e compreensão/apoio a reações de choque, enquanto 44,4% manifestaram-se profundamente preocupados com o futuro, referindo ter reagido mal ou mesmo muito mal.

Sendo a convivência com os filhos um aspeto central do estudo, importava perceber quando ocorreu o nascimento do 1.º filho: antes ou após manifestações da doença. Em 61,8% dos casos o nascimento do 1.º filho foi anterior ao processo de doença. Ao contrário, em 38,2% das famílias as manifestações da esquizofrenia apareceram antes do nascimento dos filhos.

O relacionamento conjugal ou marital foi anterior à sintomatologia em 66,7% dos doentes e 33,3% ocorreu depois das manifestações da doença.

Pela análise das frequências do FACES IV verificou-se que os doentes percecionam a sua família como unida (58,6%) e muito flexível (69%), com um nível de comunicação familiar moderado (51,7%). Referem, no entanto, um baixo nível de satisfação familiar (55,2%) ou mesmo muito baixo (20,6%).

Os doentes apresentam resultados compatíveis com 10 tipos de família diferentes, no entanto, 55,2% dos doentes consideram a sua família como flexível e unida. Das famílias dos doentes estudadas apenas duas foram classificadas como caóticas e emaranhadas.

Discussão A questão do género é um dos aspetos mais abordados quando se fala da esquizofrenia, motivado pelas diferenças que estão associadas, desde o início da doença, à sintomatologia e às consequentes repercussões. Na população em estudo verificou-se a existência de maior prevalência da doença em homens (61%) tal como em evidenciado em outros estudos (Dalery & D'Amato, 2001; Sadock & Sadock, 2008).

Relativamente a doentes com filhos, este valor altera-se sendo que 52,6% dos doentes são do sexo feminino. Este facto é justificado pelo início tardio da doença e sintomatologia menos exacerbada na mulher (Dalery & D'Amato, 2001).

Apresentam uma média (idade) próxima dos 40 anos, mas apesar do início precoce da doença, estes doentes apresentam um tempo longo de doença aliado ao facto de os filhos mais novos terem pelo menos 6 anos, pelo que está coerente com o que seria de esperar. Seria expectável que os doentes que vivem maritalmente fossem em maior número que os solteiros, o que se verifica, com a condição de casado/ união facto a representar mais de 65% da amostra. Quando analisamos a população em estudo, verificamos que 59,1% dos doentes eram solteiros. Os doentes que têm filhos têm ou tiveram uma relação marital (casados, divorciados/separados e viúvos) apresentando valores próximos dos 80%.

As dificuldades na convivência marital podem ser um dos fatores importantes para justificar estes resultados. Dalery & D'Amato (2001) referem que 61% dos homens não viviam em casal (depois dos 25 anos) contra 40% das mulheres. Os mesmos autores referem que 42% das mulheres têm capacidade para manter uma relação conjugal estável, contra apenas 12% dos homens. As mulheres jovens pré-esquizofrénicas encontram-se melhor adaptadas que os homens, antes da descompensação clínica da doença, sendo que 40% das mulheres são casadas no momento do primeiro internamento, versus 30% dos homens, o mesmo se verificando com o desenvolvimento psicossexual em que 16% das mulheres nunca tiveram relações sexuais antes do início da doença, contra 40% dos homens (Dalery & D'Amato, 2001).

A sintomatologia é percecionada de forma diferente. Existe uma maior tendência dos homens para comportamentos antissociais e comportamentos de hiper- reactividade, maior sintomatologia negativa nos homens e uma maior prevalência de sintomatologia positiva nas mulheres (Dalery & D'Amato, 2001, p.32).

Relativamente ao nível de ensino e de escolaridade verifica-se que os doentes apresentam baixa escolaridade - 84,2%, possuindo a escolaridade obrigatória ou nível inferior, sendo que 42,1% têm o 1.º ciclo de estudos.

Os baixos índices de escolaridade, associados às dificuldades impostas pela doença, assim com a presença de algum estigma social, levam a maior dificuldade no acesso a profissões mais qualificadas e melhor remuneradas. Cerca de metade dos doentes encontra-se no ativo, demonstrando que, apesar de todas as dificuldades impostas pela doença, apresentam funcionalidade suficiente que lhes permite exercer as suas profissões.

Os agregados familiares são constituídos na sua maioria por famílias nucleares com filho(s) e cônjuge. Alguns contam com a presença dos ascendentes dos doentes, no entanto, em muito menor escala do que acontece com os doentes que não constituíram família e que vivem dependentes dos pais ou de familiares. A utilização da classificação social da família de Graffar confirmou que as famílias pertencem maioritariamente à classe média baixa, estando de acordo com a baixa escolaridade, baixo acesso ao emprego/empregos melhor remunerados, dificultando, consequentemente, condições de habitação.

O contacto com os filhos era um fator fundamental na seleção da amostra sendo que 76,3% das crianças vivem permanentemente com o progenitor doente.

Pela realidade profissional e pelo acompanhamento de doentes nos serviços de internamento de Psiquiatria, muitas vezes tem-se a perceção que os doentes com esquizofrenia não têm contacto com os descendentes, sendo a custódia dos filhos entregue a terceiros - institucional ou familiares (Carvalho, 2012a).

A constituição da família e a opção de ter filhos foi maioritariamente anterior à doença. O nascimento do 1.º filho ocorreu, em 61,8% dos casos, antes do processo de doença, pelo que as crianças passaram por um processo de adaptação e de alterações do ambiente familiar. O mesmo se verificou com as relações conjugais em que 66,7% iniciaram o seu relacionamento antes da ocorrência de manifestações da sintomatologia própria da esquizofrenia.

O FACES IVpermite dar resposta ao modelo Circumplexo de Olson, importante para o diagnóstico das relações familiares, uma vez que que se centra em dimensões que são relevantes nos modelos de abordagem familiar e da terapia familiar, em que se foca no sistema relacional e integra as 4 dimensões: a coesão; a flexibilidade; a comunicação e a satisfação familiar (Olson, 2011), sendo que a coesão reflete o grau de ligação emocional que os membros da família partilham uns com os outros e a adaptabilidade, podem ser definidas como o grau de flexibilidade, capacidade do sistema familiar para mudar a sua estrutura do poder, as regras do funcionamento e os papéis relacionais em resposta a uma situação de stress situacional (Olson, 2011).

Em função dos resultados destas dimensões do instrumento de avaliação, podemos inferir um conjunto de potenciais problemas/diagnósticos de enfermagem, dos quais a focos de atenção como a comunicação, a satisfação familiar, a coesão e a flexibilidade familiar (FACES IV), podendo ser englobados nos processos familiares (Carvalho, 2102b) Todos os doentes inquiridos têm acompanhamento psiquiátrico com média de 12 anos de acompanhamento em serviços de Psiquiatria. O tempo de duração do acompanhamento psiquiátrico, no sexo masculino, é praticamente o dobro do sexo feminino (15,94±9,45 / 8,35±5,12), sendo que as mulheres apresentam uma evolução menos grave, menos recidivas, menos hospitalizações e internamentos mais curtos (Dalery & D'Amato, 2001).

A evolução mais benigna na mulher permite melhor manutenção das capacidades de viver em casal e menores repercussões sociais da doença, quer na autonomia, quer na capacidade de trabalho (Dalery & D'Amato, 2001).

O despiste de comorbilidade psiquiátrica, associado ao consumo de substâncias como indicador de comportamentos aditivos, muitas vezes atribuídos aos doentes com esquizofrenia, não se revelou um forte atributo.

A funcionalidade do doente foi um dos aspetos equacionados como podendo ter alguma relação com as alterações produzidas no seio familiar (Carvalho et al., 2014). Embora possa ser difícil comparar ou tirar ilações, uma vez que os doentes estudados são, talvez, daqueles que dentro da população com o diagnóstico com esquizofrenia, possam ter maior grau ou maior índice de funcionalidade global, uma vez que, em algum momento da sua vida, constituíram família, tiveram um ou mais descendentes e mantêm contacto com eles. Os índices obtidos demonstram que os doentes apresentam globalmente uma boa capacidade funcional.

Uma criança com sintomas ou problemas próprios da idade, ainda que transitórios, constituiu um problema adicional e a incapacidade por parte do progenitor doente para desempenhar adequadamente o seu papel parental implica um esforço suplementar para os restantes membros da família (Somers, 2007; Clarke, 2008).

Conclusões Constata-se que o grupo de doentes estudados apresentava bons índices de funcionalidade, também confirmada pelo número significativo de doentes profissionalmente ativos.

Admite-se que o bom nível de funcionalidade das suas famílias possa relacionar- se com a constituição, manutenção e funcionamento das famílias, embora o desenho utilizado não tenha permitido apurar se a limitação imposta pelo presente estudo em analisar os doentes com filhos e que mantinham contacto com eles, não tenha acarretado a seleção dos mais funcionais.

Este grupo de doentes não evidenciou comportamentos aditivos ou comorbilidade psiquiátrica associada.

A existência da doença por si não foi motivo identificado para que as famílias não pudessem funcionar. Os doentes apresentam uma perceção da sua família como funcional e a maioria das famílias são caracterizadas como flexíveis e unidas.

Foram identificadas dificuldades como o baixo nível socioeconómico, baixa formação escolar/académica e consequentes dificuldades laborais ou de acesso ao mercado do trabalho. Foram referidas dificuldades no acesso aos serviços de saúde e no acesso à informação sobre a doença.

Globalmente representam famílias funcionais com bons níveis de satisfação e comunicação familiar sendo, na sua maioria, consideradas como famílias flexiveis e unidas.

Implicações para a Prática Clínica Estes resultados, podem ser importantes no combate ao estigma da doença mental, como fator de exclusão social, a que estes doentes e família ainda estão sujeitos, desmistificando a ideia de que a família do doente com esquizofrenia podem ser "mais" problemáticas.

Este estudo é um pequeno contributo para uma área ainda pouco estudada, uma vez que os estudos centram-se mais nos doentes e nos cuidadores e não tanto, no doente como integrado na família e com os descendentes a seu cargo, pelo que são necessários novos trabalhos que incluam estes sub-grupos e em que a família seja estudada como um todo.


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