Avaliação da eficácia de um programa de desenvolvimento de competências em
adolescentes com vista à promoção da saúde mental
Introdução
A promoção de saúde mental refere-se a uma intervenção com vista ao aumento das
capacidades pessoais para adotar comportamentos saudáveis. Promover
intervenções de prevenção em crianças e jovens poderá reduzir 25 a 50% das
desordens mentais na idade adulta (Kim-Cohen et al., 2003).
O Instituto de Medicina (IOM) recomenda a inclusão da promoção da saúde mental
nas estratégias de prevenção nos adolescentes, focando-se essencialmente no
bem-estar, e não na prevenção da doença, embora estas estratégias possam por si
só diminuir a incidência de doença mental. Os objetivos da prevenção da doença
mental passam por capacitar os indivíduos de competências necessárias para
atingir positivamente as metas desenvolvimentais, bem como para promover o
desenvolvimento adequado de autoestima, mestria, bem-estar e inclusão social
(Tusaie, 2008).
Competência foi definida como sendo a "capacidade para operacionalizar um
conjunto de conhecimentos, de atitudes e de aptidões, numa situação concreta,
de modo a ser bem-sucedido"(Jardim, 2007, p. 79). Atualmente a promoção de
competências e capacidades deve ser realizada a todas as crianças, para que,
quando enfrentem a adversidade num momento posterior das suas vidas, tenham já
desenvolvidas as competências necessárias para lidar com a situação (Tusaie,
2008).
A evidência científica sugere que quanto mais reduzidos forem os riscos na
adolescência, menos vulnerável fica a criança a uma saúde mental pobre e a
problemas sociais e emocionais. As intervenções adequadas devem incluir
atividades para ensinar conhecimentos, atitudes e competências às crianças
(Blank et al., 2010).
Perceção de si próprio positiva (autoconhecimento, locus de controlo e
autoestima), autocontrole, capacidade de tomada de decisão (resiliência e
autonomia, perspetiva e temperamento ou autocontrolo), sistema moral de crenças
e capacidades de comunicação pró-social são as cinco principais competências
para a promoção da capacidade de se desenvolver positivamente. As competências
encontram-se interligadas, sendo possível desenvolvê-las de forma estrutural, a
partir de programas de prevenção baseados na evidência, como os programas de
treino de competências (Guerra & Bradshaw, 2008).
Uma meta-análise acerca de programas de prevenção em sexualidade, alimentação e
consumo de drogas, permitiu concluir que os programas focados apenas num só
domínio comportamental são mais eficazes do que os programas que discutem os
temas de forma geral e os que são baseados em teoria também surtem mais efeito
do que os não baseados em teoria. Constatou-se ainda que o treino de
competências pessoais e sociais revelou surtir efeito (Peters, Kok, Dam, Buijs
& Paulussen, 2009).
Resiliência define-se como a capacidade do indivíduo em alcançar resultados
positivos, partindo de situações adversas, como sejam situações de maior
stresse, que aumentam por si só, a probabilidade de ocorrência de doença
mental, doença física ou dificuldades de adaptação social (Wolchik, Schench
& Sandler, 2009).
O Programa "Strong Kids" foi aplicado e avaliado com vista ao desenvolvimento
de resiliência nos adolescentes. Este programa engloba 12 sessões (de 45 a 50
minutos) de treino de competências em ambiente escolar. A intervenção decorreu
em 139 estudantes do sexto ano de escolaridade, sendo a avaliação realizada com
base num estudo quase-experimental com grupo de controlo. Para além de outros
resultados, foi possível verificar que após a implementação da intervenção,
existiam diferenças estatisticamente significativas em relação aos
conhecimentos e competências acerca de comportamentos promotores de saúde
social e emocional, sendo superior no grupo experimental (Gueldner &
Merrell, 2011).
Para Vaz Serra (1986), citado por Teixeira (2010, p. 7), o autoconceito
consiste na "perceção que um indivíduo tem de si próprio nas mais variadas
facetas, sejam elas de natureza social, emocional, física ou académica".
Um estudo quase experimental com 104 participantes de idades compreendidas
entre os 14 e os 17 anos, com vista a promover o nível de autoestima,
autoconceito, bem-estar psicológico e satisfação com a vida, com 8 sessões de
90 minutos cada, demonstrou ser eficaz, promovendo um aumento de autoconceito
(a média aumentou 2,77) (Araújo, 2011).
Quando se fala de fatores de risco, relativamente à capacidade de adaptação e
de resiliência, perante situações adversas, entre as crianças e adolescentes,
parecem existir diferenças, nomeadamente entre o sexo masculino e feminino,
sendo que o processo de adaptação social parece variar entre sexos. Parecem
também existir outros fatores contribuintes, tais como a estrutura monoparental
e o nível socioeconómico, apesar de ser necessário, nestes casos, distinguir
entre os efeitos reais do evento (Costa e Bigras, 2007).
Metodologia
Este estudo apresentou um caráter longitudinal, quase-experimental, com pré-
teste e pós-teste e com grupo de controlo. Pretendeu-se responder à questão de
investigação: "Qual a eficácia de um programa de intervenção psicoterapêutica
para o desenvolvimento de resiliência e autoconceito dos adolescentes?"
A população deste estudo compreendeu os estudantes adolescentes do 8.º ano de
escolaridade de um Agrupamento de Escolas do distrito de Leiria (194 alunos). A
amostra foi constituída por metade dos alunos de duas turmas (21 estudantes),
uma turma para o grupo de teste (10 alunos) e outra para o grupo de controlo
(11 alunos), o que corresponde a 11,34% da população, tendo sido selecionada
por amostragem não probabilística por conveniência, tendo em conta o critério
de facilidade de acesso por parte do investigador. Como critérios de inclusão,
definiram-se pertencer às turmas selecionadas nas quais será aplicado o
programa de intervenção e aceitar participar no estudo.
Para avaliar os resultados da intervenção foi utilizado um questionário de
autopreenchimento aplicado aos estudantes da amostra antes e depois da
intervenção. O questionário era constituído por duas partes: a primeira
compreende questões de caracterização da amostra, e a segunda engloba duas
escalas de avaliação de competências.
Para avaliar o autoconceito, foi utilizada a PIERS-HARRIS Children's
Self- Concept Scale 2 (PHCSCS-2), elaborada por Piers & Herzberg (2002)
traduzida e validada para a população portuguesa por Veiga (2006). A avaliação
do autoconceito por esta escala é realizada com base em seis fatores: o aspeto
comportamental, o estatuto intelectual, a aparência física, a ansiedade, a
popularidade e a satisfação e felicidade, sendo que quanto mais elevada a
pontuação, mais positivos os níveis de autoconceito.
A escala Califórnia Healthy Kids Resilience Assement Module (Versão 6.0)
(HKRAM-6), foi elaborada por Benard (1991, 1995), e traduzida e validada para a
população portuguesa por Martins (2007). Avalia 11 fatores protetores (recursos
externos), a partir de 3 grupos de itens: "Relações afetivas‟, "Expectativas
elevadas" e "Participação significativa", com base nos recursos família/casa,
envolvimento escolar, comunidade, e grupo de pares. Avalia também 8 traços de
resiliência (recursos internos), reunidos em 3 grupos "Competência social‟,
"Autonomia e Sentido do Eu‟ e "Objetivos e Aspirações‟. Para além dos recursos
internos e externos, a escala avalia ainda 7 indicadores do desenvolvimento e
promoção de resiliência. Quanto mais elevada a pontuação, maior o nível de
resiliência.
A Intervenção realizada teve como objetivo o desenvolvimento destas
competências e foi aplicado num total de 7 sessões semanais, com a duração de
45 minutos. Foi realizada em sala de aula, em horário definido de acordo com a
disponibilidade da turma. As intervenções, baseadas em alguns programas já
realizados (Araújo, 2011; Carvalho, 2012; Gueldner & Merrell, 2011), foram
estruturadas por sessões, tendo sido dedicadas 4 sessões à promoção do
autoconceito e 3 sessões à promoção da resiliência. Foram respeitados todos os
procedimentos éticos inerentes a este tipo de estudo.
Resultados
A amostra selecionada foi constituída por 10 alunos no grupo de teste e 11
alunos no grupo de controlo, sendo que todos apresentaram idades compreendidas
entre os 13 e os 15 anos, tendo a maioria 13 anos (50% no grupo de teste e
63,6% no grupo de controlo). Em relação ao sexo, 70% dos alunos do grupo de
teste é do sexo masculino, enquanto no grupo de controlo, a maioria é do sexo
feminino (72,7%). Em relação à prática de atividades extracurriculares, apenas
40% dos alunos no grupo de teste e 54,5% no grupo de controlo praticavam, sendo
a sua maioria desportos de competição (futebol, ténis, entre outros). 70% do
grupo de teste e 72,7% do grupo de controlo referem ter um amigo ou grupo de
amigos da mesma idade fora da escola, mencionando os restantes que não têm.
Apenas 20% dos alunos no grupo de teste e 9,1% no grupo de controlo consideram
não ter um melhor amigo, respondendo os restantes elementos de forma
afirmativa.
No grupo de teste, a maioria (60%) refere viver com ambos os pais e 80,5%
refere ter irmãos a viver com eles, enquanto no grupo de controlo a maioria dos
alunos (54,5%) refere viver apenas com a mãe e não ter irmãos a viver com eles
(63,6%). Dos inquiridos, 90% dos alunos no grupo de teste e 72,7% no grupo de
controlo referem ter irmãos, que são, na sua maioria, mais velhos (1 ou 2
irmãos).
Considerando as diferenças entre as variáveis sociodemográficas e as diferenças
entre os grupos, estas só são estatisticamente significativas (p=0,049) no
facto de terem ou não irmãos a viver com eles.
Tendo em consideração os resultados dos níveis de autoconceito e resiliência
antes e depois da intervenção, foram encontradas diferenças estatisticamente
significativas entre os dois grupos. Antes da intervenção foram encontradas
diferenças estatisticamente significativas no autoconceito (bem como nos seus
fatores aparência física e satisfação/felicidade), e no recurso externo
participação significativa na escola da escala de resiliência (Tabela_1). Os
valores mais elevados pertencem ao grupo de teste.
Após a intervenção, verifica-se que os grupos apresentam diferenças
estatisticamente significativas, nos fatores de aparência física e satisfação/
felicidade do autoconceito, bem como no valor total de autoconceito. Os
recursos externos de resiliência em que se encontraram diferenças
estatisticamente significativas foram a participação significativa na escola e
as elevadas expectativas dos adultos em casa. Também aqui os valores mais
elevados pertencem ao grupo de teste.
Comparando os dois momentos em cada grupo, antes (T1) e após (T2) a
intervenção, foi considerado um p<0,10 para erro Tipo I e II, pois trata-se de
grupos de pequenas dimensões. Desta forma, foram encontradas algumas diferenças
estatisticamente significativas, sugerindo um efeito positivo da intervenção.
Desta forma, no grupo de teste, encontraram-se diferenças estatisticamente
significativas na perceção da aparência física (aumento) e nas elevadas
expectativas pelos adultos na escola (redução). Já no grupo de controlo, as
diferenças estatisticamente significativas encontradas foram na popularidade e
nas elevadas expectativas dos adultos me casa e dos pares e pró-sociais, tendo
em todos os casos ocorrido um decréscimo das pontuações (Tabela_2).
Discussão
Selecionar um grupo de participantes, considerando o seu nível de autoconceito,
pode tornar-se vantajoso pelo facto de que a intervenção foi aplicada nos
alunos com valores mais baixos e portanto, com maior necessidade de trabalhar
esta competência. No entanto, pode levar à constituição de grupos pouco
homogéneos em relação a outros aspetos, o que poderá inviabilizar a comparação
entre grupos. Em termos sociodemográficos, apesar de existirem algumas
diferenças entre os grupos, apenas a diferença entre o facto de ter irmão a
viver ou não com eles é significativa. O tamanho dos grupos para a intervenção
era o adequado, de acordo com Yalom (2008), que preconiza que os grupos tenham
5 a 10 elementos.
Diferenças estatisticamente significativas foram encontradas, nomeadamente
entre o autoconceito e os seus fatores aparência física e satisfação/
felicidade, bem como no recurso externo participação significativa na escola da
escala de resiliência. Estes resultados demonstram haver algumas diferenças à
partida entre os dois grupos, sendo os valores mais elevados pertencentes ao
grupo de teste. No final, após a intervenção, as diferenças estatisticamente
significativas em relação ao autoconceito mantiveram-se, embora em relação aos
seus fatores, essas diferenças passassem a ser na aparência física e
satisfação/felicidade. Também a diferença estatisticamente significativa se
manteve em relação à participação significativa na escola, tendo-se encontrado
também diferenças entre as elevadas expectativas dos adultos em casa, no que
concerne aos recursos externos.
Pode então perceber-se que poderá ter havido algum efeito da intervenção ao
nível da aparência física e satisfação/felicidade, bem como ao nível das
expectativas dos adultos em casa. Isto porque existem diferenças entre os
grupos, sendo que no grupo de teste, os níveis destes fatores são
significativamente superiores.
Em relação às diferenças estatisticamente significativas entre os momentos pré
e pós intervenção, o grupo de teste aumentou os seus níveis de perceção da
aparência física, o que significa uma melhoria. No entanto, parece ter ocorrido
um decréscimo nas elevadas expectativas pelos adultos na escola. No grupo de
controlo, as diferenças estatisticamente significativas encontradas foram na
popularidade e nas elevadas expectativas dos adultos em casa e dos pares e pró-
sociais, havendo sempre um decréscimo dos seus valores.
O facto de ter ocorrido um aumento num dos fatores do autoconceito no grupo de
teste e uma diminuição dos níveis em três fatores no grupo de controlo pode
indicar eficácia da intervenção, nomeadamente na promoção da perceção positiva
da aparência física, na popularidade e nas elevadas expectativas dos adultos em
casa e dos pares pró-sociais.
Estudos semelhantes obtiveram resultados mais significativos, o que se poderá
dever, quer ao tempo de intervenção ser demasiado curto, quer ao número de
sessões não ter sido suficiente, não permitindo desenvolver determinados
fatores das competências trabalhadas (Araújo, 2011; Gueldner & Merrell,
2011). Desta forma, seria pertinente, tal como nos estudos encontrados e que
revelaram maior eficácia nas intervenções, prolongar as sessões para cerca de
90 minutos, bem como aumentar o número de sessões para cerca de 8 a 12 (Araújo,
2011; Costa e Bigras, 2007; Gueldner & Merrel, 2011; Teixeira, 2010).
Conclusão
Promover intervenções como a que foi desenvolvida mostra-se eficaz,
considerando o desenvolvimento de determinadas competências específicas nesta
população. Nos adolescentes, a necessidade de desenvolvimento de competências é
importante para a realização de escolhas saudáveis no futuro. No entanto,
afirmar que estes resultados se devem à intervenção exige uma aplicação da
mesma numa amostra mais ampla, como forma de obter resultados estatisticamente
mais significativos. Resultados mais significativos estatisticamente
permitiriam demonstrar uma evolução entre os dois momentos no grupo de teste e
uma efetiva eficácia da intervenção realizada.
Implicações para a Prática Clínica
Este estudo apresenta relevância na determinação de intervenções de enfermagem
de saúde mental e psiquiatria eficazes. Percebendo-se a eficácia da intervenção
realizada, poderá ser aplicada em amostras semelhantes, constituídas por
adolescentes com necessidade de intervenção ao nível da promoção de
competência.