Conceção do programa de intervenção em enfermagem ‘Melhorar competências com os
outros’
Introdução
As competências sociais são consequência de uma aprendizagem comportamental e
relacional positiva e um dos determinantes de trajetórias de vida. A
adolescência é uma fase em que o relacionamento interpessoal sofre grandes
modificações, em que se estabelecem novas relações e em que as relações com o
grupo de pares se intensificam tornando-se mais relevantes. É esperado que os
adolescentes, adquiram as habilidades, atitudes e comportamentos que lhes
permitam crescer de forma saudável, a realizarem-se quando chegarem a adultos e
a tornarem-se socialmente competentes. É consensual hoje em dia a importância
da intervenção precoce na área da saúde mental da infância e adolescência
através de estratégias de prevenção e promoção da saúde. As diretrizes
internacionais e nacionais convergem no sentido de uma preocupação crescente
acerca da promoção da saúde e de estilos de vida saudáveis.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (WHO, 2001) certos tipos de
perturbações mentais e comportamentais, como a ansiedade e a depressão, podem
ocorrer em consequência da incapacidade de fazer face adaptativamente a uma
ocorrência vital stressante. Torna-se assim necessário que os profissionais de
saúde adquiram novas competências ou competências complementares, que lhes
permitam uma crescente capacitação para a promoção de estilos de vida saudáveis
na escola (Loureiro, 2013).
Por isso, deve ser dada prioridade a novas áreas de formação como as
metodologias de intervenção ativas-participativas, o trabalho interpares, e a
promoção de competências pessoais e sociais, pelo potencial de comunicação
interpessoal que promovem. Enquanto profissionais de saúde, cabe aos
enfermeiros organizar, coordenar, executar e avaliar intervenções de enfermagem
aos vários níveis de prevenção e sendo a enfermagem uma profissão que tem como
objetivo prestar cuidados de enfermagem às pessoas, sãs ou doentes, ao longo do
ciclo vital, entende-se que o desenvolvimento de programas de intervenção para
a promoção/desenvolvimento das competências sociais dos adolescentes fará
sentido. O principal objetivo desta investigação é a conceção de um programa de
treino de competências sociais concetual e metodologicamente fundamentado, com
o propósito de modificar e/ou melhorar competências dos adolescentes.
Metodologia
O programa de treino de competências sociais, denominado 'Melhorar
competências com os outros', assenta numa abordagem preventiva e
educacional em contexto escolar, colocando a ênfase na pessoa, enquanto agente
ativo da sua aprendizagem e mudança. Considera-se o aspeto motivacional
fundamental para o desenvolvimento e aprendizagem das competências sociais
individuais e de grupo.
Da presente investigação fizeram parte dois estudos prévios: o primeiro, com
uma abordagem quantitativa, permitiu identificar que cerca de 50% dos
adolescentes inquiridos apresentavam algum tipo de dificuldades ao nível das
suas competências sociais; o segundo estudo, com uma abordagem qualitativa,
permitiu perceber que as dificuldades identificadas no desenvolvimento das
competências sociais estavam relacionadas com o défice no conhecimento sobre
como ser socialmente competente e o défice no conhecimento sobre como fazer
para ser socialmente competente (Loureiro, Frederico-Ferreira, & Santos,
2013).
Referencial Teórico e Objetivos do Programa 'Melhorar Competências com os
Outros'
Relativamente à identificação das dificuldades/constrangimentos dos
adolescentes ao nível das competências sociais que se pretendem modificar ou
melhorar, os modelos teóricos explicativos escolhidos foram, o Modelo de
Perceção Social de Argyle (1983), o Modelo Cognitivo (McFall, 1982), o Modelo
do Condicionamento Operante de Skinner (1978), o Modelo da Assertividade (Wolpe
& Lazarus, 1966) e o Modelo da Aprendizagem Social de Bandura (1977). Estes
modelos têm uma explicação essencialmente fundamentada na área da psicologia do
desenvolvimento cognitivo e psicossocial, e propõem estratégias de intervenção
focalizadas para os défices identificados.
Optou-se, portanto, por uma abordagem eclética, uma vez que é aquela que adota
as técnicas e procedimentos que melhor respondem às dificuldades e défices
identificados, consonante com uma intervenção mais efetiva (Del Prette &
Del Prette, 1999).
Utilizou-se o sistema de classificação das competências sociais de Gresham e
Elliot (1990), que considera as quatro competências sociais empatia,
assertividade, cooperação e autocontrolo. A Enfermagem, enquanto ciência e
profissão fundamenta a sua prática num vasto leque de conhecimentos, onde se
incluem os modelos e teorias de enfermagem. Ao ponderar sobre o papel do
enfermeiro enquanto terapeuta/formador em Treino de Competências, centrou-se
esta abordagem em três teorias de enfermagem - Teoria da Relações
Interpessoais, Teoria do Cuidar e Teoria das Transições por serem as mais
relevantes para um quadro de referência estruturante de uma prática de cuidados
num processo que se espera dinâmico, de desenvolvimento e de crescimento
pessoal.
Com a implementação do programa, pretendeu-se: ajudar os adolescentes a tomarem
consciência dos comportamentos e atitudes que desenvolvem com os outros no dia-
a-dia, diminuir as dificuldades de comunicação em aspetos particulares da
interação social, desenvolver a comunicação interpessoal, praticar a
assertividade, aprender habilidades sociais e ser capaz de resolver problemas
sociais, em suma, aumentar o repertório de classes de resposta através do
desenvolvimento e aprendizagem de novas competências sociais. Manter e
generalizar os comportamentos aprendidos a outros contextos de interação
social, permitirá aos adolescentes enfrentar e adaptar-se a novas situações de
uma forma mais saudável.
Metodologia do Programa 'Melhorar Competências com os Outros'
O programa foi desenhado tendo por referência as orientações teóricas de
Gresham e Elliot (1990), Del Prette e Del Prette (1999) e Caballo (2008) e
existiu particular preocupação com as exigências metodológicas que uma
intervenção deste tipo impõe, nomeadamente, os aspetos éticos e deontológicos,
as características do grupo, o tipo de informação a transmitir, a estrutura,
dinâmica, os conteúdos das sessões, as técnicas utilizadas, o local onde as
sessões decorreram e os tipos de avaliação do programa.
Relativamente aos princípios éticos e deontológicos assumiu-se como uma
necessidade que todos os elementos do grupo, participantes e formador,
conhecessem orientassem a sua conduta de forma a garantir a confiança de todos
na participação no programa. Impôs-se o desenvolvimento de atitudes de
respeito, compreensão e dos princípios éticos, dos quais se destacam, a
responsabilidade (todos os elementos devem assumir a responsabilidade dos seus
atos e manter uma relação autêntica com todos), a confidencialidade (toda a
informação obtida no decorrer do programa só pode ser transmitida publicamente
com autorização expressa da pessoa a quem a informação diz respeito), o
relacionamento profissional (no decorrer do programa o formador deve manter com
os participantes uma relação estritamente profissional), o compromisso por
parte do formador de fornecer informação no final do programa, aos
participantes que a solicitarem.
A escolha do grupo ' estudantes que frequentavam o 12º ano de escolaridade e
que não apresentavam perturbações graves do desenvolvimento. Optou-se pelo
formato grupal misto dadas as vantagens inerentes. Considerou-se o grupo
fechado, mantendo sempre os mesmos participantes de forma a manter um clima de
amizade e confiança. A informação sobre o programa: objetivos e constituição do
programa, competências sociais abordadas, conteúdos, metodologia de trabalho
proposta, número de sessões, desenvolvimento de cada sessão, local onde vão
decorrer, a importância da motivação pessoal e do envolvimento de cada um para
o crescimento de todos, assunção de um compromisso de participação e de
cumprimento do horário estabelecido para as sessões operacionalizado em
documento assinado por cada participante na primeira sessão. Relativamente à
dinâmica das sessões, existe alguma diferença consoante se trate da primeira,
da última ou das sessões intermédias. Estas têm uma estrutura organizada em
torno de uma determinada ordem sequencial de momentos que asseguram a coerência
interna de cada sessão.
A operacionalização do programa baseou-se numa abordagem cognitivo-
comportamental, em que o roleplaying, o reforço, o feedback, e a modelação
foram algumas das técnicas e procedimentos preconizados. A modelação pode ser
maximizada em formato grupal, pois é transformada num processo contínuo, uma
vez que os participantes ao observarem os comportamentos dos colegas e do
formador a um nível mais molecular de intervenção têm a possibilidade de
confrontar e reestruturar as suas ideias e expetativas (Olaz, 2009).
Em termos documentais foi elaborado um conjunto de materiais necessários à
operacionalização das sessões (lista de presenças, compromisso de participação,
fichas para o trabalho de grupo, ficha de avaliação da sessão e certificado de
participação) e criado um ficheiro pedagógico. Quanto à avaliação, seguiram-se
as orientações teóricas que consideram a existência de quatro momentos
sequenciais de avaliação deste tipo de programas (Caballo, 2008), a avaliação
antes, durante e depois da implementação do programa e num período de
acompanhamento pós-programa (folow-up). Quanto à forma de avaliação, foram
utilizados escalas, questionários, guião de entrevista, fichas de registo e
registo de observação de ocorrências (Lemos & Menezes, 2002; Spence, 2003).
Conteúdos do Programa
Os conteúdos temáticos que deram corpo ao programa inserem-se nas quatro
competências sociais referidas. A partir dos resultados relativos aos dois
estudos prévios foi possível identificar as situações consideradas pelos
estudantes como mais difíceis em situação de interação social e que se
relacionam, de um forma geral, com a falta de conhecimento para lidar com as
situações do dia-a-dia de forma socialmente competente, com a incapacidade para
gerir emoções, com o medo da avaliação negativa pelos outros e com uma baixa
autoestima. Concretamente, as habilidades sociais referidas como mais
deficitárias foram 'responder apropriadamente a provocações',
'manifestar opinião', 'dizer não', 'lidar com as
críticas', 'mediar conflitos', 'falar em
público', 'encerrar relacionamento' e 'apresentar-se/
iniciar/finalizar uma conversa' que correspondem às competências
assertividade e autocontrolo e por isso foram os conteúdos mais trabalhados no
programa. Esta avaliação prévia foi um indicador importante para a intervenção.
Programa de curta duração, integrou 12 sessões de 55 minutos, realizadas com
uma frequência semanal. Constituído por quatro módulos, o número de sessões
variou em cada módulo, sendo proporcional às dificuldades identificadas para
cada competência. A conceção dos módulos baseou-se nas orientações de Jardim e
Pereira (2006) e Rijo et al. (2006).
Resultados e Discussão
Módulo 1 ' Comunicação Humana
O início do programa realizou-se de uma forma mais lúdica no sentido de captar
o interesse e motivação dos participantes facilitar a sua integração, quer no
grupo quer na metodologia do programa. O programa progrediu trabalhando a
importância de se prestar mais atenção ao outro, de desenvolver a escuta ativa
e o respeito, de compreender a perspetiva das outras pessoas quando se
encontram em situação de interação social. Discutiu-se a importância de
correção das crenças irracionais, de autoconhecer-se e de aprender a
autovalorizar-se desenvolvendo uma autoestima saudável. Pretendeu-se levar os
participantes a compreender a complexidade da comunicação humana, a necessidade
de contar com o ponto de vista dos outros e a importância de interpretar
corretamente as mensagens (Tabela_1).
Módulo 2 ' Comportamento Assertivo
Abordou-se a assertividade enquanto competência social, descreveram-se os
vários estilos comunicacionais (assertivo, agressivo, passivo e manipulativo),
aos diversos níveis (comportamental, padrões de pensamento, sentimentos e
emoções, consequências para o próprio). O objetivo principal foi a aprendizagem
de conteúdos e o treino de competências que permitisse aos participantes
sentirem-se bem consigo próprios e com os outros, entender as vantagens da
assertividade e conseguindo aderir a este estilo de comportamento em contextos
interpessoais específicos (Tabela_2).
Módulo 3 ' Cooperação Focalizou-se essencialmente na mediação e resolução de
conflitos e coordenação de grupo. O objetivo foi trabalhar em conjunto para um
fim comum assumindo diferentes papéis no grupo, valorizaram-se as atitudes de
partilha e de compromisso, o respeito pelas regras e normas e a expressão de
apoio e solidariedade (Tabela_3).
Conclusão
O treino de competências sociais nas escolas, através da implementação deste
tipo de programas, contribui para o autoconhecimento dos adolescentes, para o
estabelecimento de relações interpessoais positivas e para a valorização
pessoal, aspetos que podem ajudar a levar a cabo as tarefas desta etapa da
vida, como a construção da identidade pessoal, através do desenvolvimento de um
autoconceito positivo e de uma autoestima saudável. O conhecimento acerca da
relação entre os processos de aprendizagem, o desenvolvimento das competências
sociais e fatores determinantes, nos adolescentes, ajuda os enfermeiros a
compreenderem os mecanismos que podem influenciar o desenvolvimento adequado
dessas competências. Neste sentido, as intervenções de enfermagem devem incluir
a avaliação das competências e identificação de necessidades e posteriormente o
planeamento e implementação de intervenções significativas de transmissão de
conhecimentos e treino de competências, sustentadas em conhecimento
cientificamente testado.
Implicações para a Prática Clínica
O exercício profissional dos enfermeiros insere-se num alargado contexto de
atuação. Para além das intervenções de prevenção da doença e de promoção dos
processos de readaptação da doença, o enfermeiro deve, assumir um papel
inovador e empreendedor no sentido de criar oportunidades de intervenção,
formação e investigação no contexto dos determinantes da saúde e em diversos
setores de ação estratégica. Sabe-se que a adolescência é uma fase da vida em
que a maioria dos jovens não procuram os serviços de saúde por terem uma
perceção positiva acerca do seu estado de saúde e porque subestimam a
necessidade de ajuda de outros pela convicção de serem capazes de lidar
sozinhos com os seus problemas (WHO, 2010).
Neste sentido, o programa de intervenção concetualizado pode colmatar esta
necessidade conduzindo os profissionais numa prática que vai também de encontro
a um dos valores definidos no Plano Nacional de Saúde Mental 2007/2016
(Resolução do Conselho de Ministros, n.º 47/2008) nomeadamente, a proteção dos
grupos especialmente vulneráveis, onde se incluem as crianças e os adolescentes
pela implementação de programas de desenvolvimento pessoal e social. Este
estudo contribui para o conhecimento dos enfermeiros na área das competências
sociais integrando os aspetos teóricos inerentes à sua própria formação sendo
portanto um contributo inovador e complementar. Acresce que se apresenta uma
ferramenta que os enfermeiros podem utilizar como suporte ao desenvolvimento de
políticas promotoras da saúde dos adolescentes nas escolas. Contudo, porque o
contexto escolar é complexo e dinâmico importa caraterizá-lo ao nível da
identificação de necessidades específicas para a implementação deste tipo de
programas, direcionando a intervenção aos problemas detetados.