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EuPTCVHe2182-51732012000100004

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National varietyEu
Year2012
SourceScielo

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Estudo RADAR: Risco Aumentado de Diabetes em Amarante

INTRODUÇÃO A diabetes mellitus tipo 2 (DM2) é uma doença crónica associada a complicações bem conhecidas e com impacto negativo significativo na qualidade de vida dos doentes e das suas famílias. Algumas destas complicações podem constituir uma séria ameaça à sobrevivência dos doentes. Para além de ser uma importante causa de morbimortalidade, implica elevados gastos em saúde. Em 2008, os custos diretos com a doença, em Portugal, ascenderam aos 900-1100 milhões de euros, o que representou 7% da despesa em saúde para o mesmo ano.1,2 O aumento da prevalência de DM2 tem sido identificado como um importante problema de Saúde Pública.3 Em 2000 estimava-se que o número de pessoas com DM2, em todo o mundo, era de 171 milhões. Para 2030 prevê-se que esse número mais do que duplique.4 Em Portugal, segundo o Relatório Anual do Observatório Nacional da Diabetes, em 2008 a prevalência de DM foi de 11,7% e a de Pré- Diabetes de 23,2% da população portuguesa, com idades compreendidas entre os 20 e os 79 anos.2 Assim, é reconhecida a necessidade de desenvolver estratégias de prevenção primária da DM2 que permitam, através da redução dos factores de risco modificáveis associados à doença, reduzir a prevalência da mesma.3,5,6 Para tal é fundamental identificar os indivíduos com risco acrescido de DM2 quando ainda se encontram normoglicémicos, intervindo no sentido de prevenir a evolução para Pré-diabetes e, posteriormente, Diabetes.3,5,6 Nesse sentido têm sido desenvolvidas várias escalas com o objetivo de estratificar o risco de vir a desenvolver DM2.3 São disso exemplo o «Diabetes Risk Test» da Associação Americana de Diabetes e o «Finnish Diabetes Risk Score» (FINDRISC) desenvolvido na Finlândia e validado para a língua inglesa. O FINDRISC demonstrou ser um método simples, rápido, pouco dispendioso e não invasivo para determinar o risco de desenvolver DM2 nos próximos 10 anos.7 Também tem demonstrado ser útil para identificar indivíduos com Diabetes não diagnosticada e Pré-Diabetes.8-9 As escalas de estratificação do risco de DM2, ao possibilitarem a identificação dos indivíduos com risco acrescido de desenvolver a doença, permitem que as estratégias de prevenção primária sejam direccionadas ao grupo de indivíduos que delas realmente beneficiam.3,5,6 Vários ensaios clínicos têm demonstrado que os indivíduos com risco acrescido de diabetes podem reduzir significativamente o seu risco e protelar o início da doença adoptando uma dieta saudável, aumentando o nível de actividade física e mantendo ou reduzindo o seu IMC.10-15 A Sociedade Europeia de Cardiologia e a Associação Europeia para o Estudo da Diabetes recomendam, nas Guidelines da Diabetes, Pré-Diabetes e Doenças Cardiovasculares, que a avaliação do risco de desenvolver DM2, usando as escalas disponíveis, deve fazer parte da rotina dos cuidados de saúde (nível de evidência A e classe de recomendação II) e que o rastreio do potencial de diabetes pode ser realizado de forma eficiente usando um score de risco não invasivo combinado, subsequentemente, com uma prova da tolerância à glicose oral (PTGO) naqueles com score de risco elevado (nível de evidência A e classe de recomendação I).16 O Programa Nacional de Prevenção e Controlo de Diabetes de 2008 contempla, como estratégia de intervenção, a identificação de grupos de risco acrescido de desenvolvimento de diabetes, através do preenchimento do Questionário de Avaliação do Risco de Diabetes Mellitus Tipo 2, a ser aplicado pelos profissionais de saúde.17 Embora esta versão traduzida do FINDRISC conste no Programa Nacional de Prevenção e Controlo de Diabetes e esteja disponível no programa informático SAPE®, ainda não está validada para a população portuguesa. Contudo, a Sociedade Portuguesa de Diabetologia, em colaboração com a Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal, a Faculdade de Medicina de Coimbra e a Direção-Geral de Saúde pretendem, até Novembro de 2013, desenvolver o projeto de «Validação da Escala de Risco de Desenvolver Diabetes para a População Portuguesa FINDRISC Portugal».18 Estudos realizados na Europa aplicando o questionário FINDRISC obtiveram valores médios de risco de 9,1 (Finlândia) e 10,7 (Espanha).8,19 Nos estudos de Makrilakis et al (Grécia) e Salinero-Fort et al (Espanha), 19,1% e 19,5% dos participantes apresentaram FINDRISC igual ou superior a 15, respetivamente.19,20 Este estudo teve como objectivo caracterizar os utentes dos Cuidados de Saúde Primários quanto ao risco de virem a desenvolver Diabetes Mellitus tipo 2 através da aplicação do questionário FINDRISC.

MÉTODOS Tipo de estudo: Observacional, analítico transversal Local do estudo: Centro de Saúde de Amarante População do estudo: Utentes inscritos nas Unidades de Saúde do CS de Amarante (duas Unidades de Cuidados Personalizados, uma Unidade de Saúde Familiar e uma Unidade de utentes sem médico de família atribuído) com idades compreendidas entre os 18 e os 79 anos (N=28523).

Critérios de exclusão: Pessoas com diabetes, grávidas, pessoas acamadas, internadas ou a viver em instituições não se podendo deslocar ao CS, pessoas afásicas, surdas ou com doença mental incapacitante ou com dificuldades de compreensão da língua portuguesa.

Caracterização da amostra e técnica de amostragem: Com base no estudo de Salinero-Fort et al definiu-se como prevalência esperada de FINDRISC 15 o valor 19%. Partindo deste valor e para uma população de 28523 utentes, um nível de precisão de 5% e um intervalo de confiança de 95%, calculou-se, através do programa EpiInfo® 3.4.3, uma dimensão amostral de 235 indivíduos. Prevendo-se 50% de perdas por recusa na participação ou ausência de contactos atualizados, aumentou-se a dimensão da amostra para 470, tendo sido arredondado esse valor para 500 utentes. Através do programa «Gerador de amostras aleatórias para centros de saúde portugueses v 1.0», efetuou-se uma amostragem aleatória simples, estratificada por sexo e idade.

Variáveis em estudo: Foram estudadas a variável género e as variáveis incluídas no questionário FINDRISC idade, peso, altura, índice de massa corporal (IMC), perímetro abdominal, prática de atividade física, alimentação com vegetais e fruta, história pessoal de Hipertensão Arterial, história pessoal de hiperglicemia, história familiar de diabetes e a pontuação FINDRISC. O questionário FINDRISC é composto por 8 perguntas, o risco total é calculado somando o valor dos parâmetros individuais e varia entre 0 e 24. O risco individual é expresso em probabilidade de vir a desenvolver DM2 nos próximos 10 anos (Anexo_1).

Métodos de recrutamento de participantes: Os utentes aleatorizados foram convidados a participar no estudo através de uma carta de motivação, explicando o objectivo do estudo e convidando a pessoa a deslocar-se ao CS para uma entrevista individual com um dos investigadores, com dia e hora marcados. Nessa carta era disponibilizado o contacto telefónico do investigador para o caso do participante desejar marcar para outro dia e hora.

Plano de minimização de viéses: Para aumentar a taxa de resposta os utentes foram contactados por telefone na véspera do dia marcado com o objetivo de confirmar a participação. Nos casos em que foi demonstrado interesse em participar mas noutro dia, foi feita nova marcação de acordo com a disponibilidade do utente. Nos casos em que a carta foi devolvida, o utente foi contactado por telefone tendo sido efetuadas um máximo de três tentativas, em dias e horas diferentes. Foi elaborado um texto modelo para o contacto telefónico. Para uniformizar critérios inter-observador as primeiras 10 entrevistas foram realizadas pelos investigadores a pares definindo-se como proceder às medições directas. O peso e a altura foram medidos sem sapatos e acessórios e o perímetro abdominal avaliado ao nível da linha média entre a última costela e a crista ilíaca.

Métodos de recolha de informação: Os dados foram recolhidos através do Questionário de Avaliação de Risco de DM2 (FINDRISC), preenchido por entrevista pessoal e observação direta (peso, altura e perímetro abdominal) após explicação detalhada do estudo e assinado o consentimento informado pelo investigador e pelo participante.

O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética da Administração Regional de Saúde do Norte.

Tratamento dos dados: Os dados foram codificados e registados em base de dados informática (Microsof Excel®). Para o tratamento estatístico, utilizou-se o programa SPSS® v. 17.0. Realizou-se uma análise descritiva de cada uma das variáveis do estudo, as variáveis quantitativas expressaram-se em medidas de tendência central e de dispersão e as qualitativas em frequências absolutas e relativas. Procedeu-se à divisão da amostra entre utentes com pontuação de FINDRISC 15 e <15. Foi usado o teste t de Student para comparação de médias e o teste de qui-quadrado ou o teste de Fisher para a comparação de proporções.

Em todos os casos o nível de significância adoptado foi de 0,05.

RESULTADOS Participaram no estudo 203 utentes, o que corresponde a uma taxa de resposta de 40,6%. Em relação aos não respondentes (Quadro_I), 55% eram do sexo masculino e maioritariamente pertenciam à faixa etária entre os 28 e os 38 anos.

A média de idades dos participantes no estudo foi de 45 anos (DP=15) e 62% eram do género feminino. Relativamente aos fatores de risco de DM2 considerados no questionário FINDRISC (Quadro_II), constatou-se que 17% dos participantes eram obesos, 42% apresentavam valores de perímetro abdominal definidores de obesidade central e 45% tinham história familiar de DM2. Quanto aos fatores de risco relacionados com estilos de vida verificou-se que 25% dos participantes não ingeria frutas e legumes diariamente e 45% não praticava atividade física regularmente.

A média da pontuação total obtida no questionário FINDRISC foi de 9,3 (IC95%: 4,5-14,3) e 12,8% (IC95%: 7,8% 17,8%) dos participantes apresentaram alto risco de desenvolver DM2 nos próximos 10 anos (FINDRISC 15). Considerando apenas os participantes com idade superior a 45 anos, 22% apresentaram alto risco de desenvolver a doença (FINDRISC 15).

A estratificação do risco dos participantes no estudo desenvolverem DM2 nos próximos 10 anos, segundo o questionário FINDRISC, encontra-se representada no Gráfico_1. Considerando como ponto de corte a pontuação FINDRISC 15 usado nos estudos grego e espanhol para definir os indivíduos com risco elevado de desenvolver DM2, procedeu-se à análise comparativa dos dois grupos (Quadro IV).19-20

DISCUSSÃO Os resultados obtidos revelaram que, ao nível dos cuidados de saúde primários, cerca de 13% dos utentes apresentam um alto risco de desenvolver DM2 nos próximos 10 anos. Esta percentagem foi inferior à obtida noutros estudos realizados na Europa, usando a mesma escala de risco. Nos estudos de Makrilakis et al e de Salinero-Fort et al 19,1% e 19,5% dos participantes, respetivamente, apresentaram FINDRISC 15.19-20 Contudo, salienta-se que estes estudos usaram diferentes metodologias de seleção dos participantes e a média de idades foi superior à do nosso estudo, e sendo a idade um dos fatores de risco considerados no questionário, tal pode ter contribuído também para a diferença observada. Por outro lado, as características particulares da população portuguesa poderão ter contribuído para o valor obtido, uma vez que a escala FINDRISC ainda não foi validada em Portugal.

Dentro do grupo de pessoas de alto risco, as médias de FINDRISC e de IMC estão próximas dos valores encontrados no estudo de prevenção primária finlandês que utilizou o score FINDRISC para identificar e referenciar os indivíduos de alto risco.21 A prevalência de excesso de peso (46,3%) e obesidade (17,2%) é superior à encontrada no estudo de prevalência realizado em Portugal entre 2003 e 2005 (39,4% e 14,2%, respetivamente).22 O presente estudo apresenta algumas limitações. O questionário FINDRISC usado para avaliar o risco dos utentes virem a desenvolver DM2 ainda não está validado para a população portuguesa. A taxa de resposta obtida foi inferior à prevista pelo que não foi possível obter a dimensão calculada da amostra. A impossibilidade de contactar alguns dos utentes da amostra constituiu o principal motivo de não participação no estudo e incluiu os que apresentavam moradas incompletas e/ou desatualizadas, números de telefone ou telemóvel errados e/ou desatualizados e aqueles que não foram contactáveis nas 3 tentativas de contacto telefónico estabelecidas no protocolo do estudo. Um dos fatores que pode ter contribuído para esta baixa taxa de resposta foi a desatualização da base de dados SINUS® do Centro de Saúde. Salienta-se ainda que o estudo foi realizado numa população de uma zona geográfica específica de Portugal pelo que não é possível generalizar os resultados à população portuguesa.

Consideram-se como pontos fortes deste estudo o uso de uma amostra aleatória de base institucional, a avaliação do risco de DM2 usando uma escala de risco internacional aplicada em inúmeros estudos e a implementação de um plano para minimização de viéses para diminuir as diferenças entre observadores na recolha de dados. Destaca-se ainda que este estudo constituiu uma oportunidade para iniciar estratégias de prevenção primária, na medida em que, os utentes que apresentaram fatores de risco de DM2 modificáveis, independentemente do risco total, foram alertados e aconselhados sobre as medidas a adotar para reduzirem o seu risco individual. Para além disso, aqueles que apresentaram FINDRISC 15 foram sinalizados aos respetivos médicos de família, para poderem ser melhor caracterizados através da PTGO e consequentemente, desenvolvidas estratégias mais intensivas de modificação dos estilos de vida.

Por fim, este estudo sugere que um em cada oito utentes apresenta um risco elevado de desenvolver DM2 nos próximos 10 anos. Tendo em conta que um dos  pilares da Medicina Geral e Familiar é a promoção da saúde e prevenção da doença, a divulgação destes resultados é importante no sentido de promover a aplicação de questionários simples e rápidos que permitam a identificação dos indivíduos com elevado risco de desenvolver DM2.

Uma vez que os recursos são limitados, a aplicação do questionário FINDRISC vai permitir selecionar os indivíduos (com risco aumentado de desenvolver DM2) que deverão ter o seu estado glicémico caracterizado, recorrendo à determinação da glicemia em jejum ou a uma PTGO, sendo que apenas esta última permitirá diagnosticar a pré-diabetes (anomalia da glicemia em jejum ou tolerância diminuída à glicose).3 Para além disso, vai permitir que a intensidade das intervenções para modificação dos estilos de vida seja ajustada ao nível de risco, assegurando que os que apresentam risco aumentado recebem intervenções mais intensivas.3 No futuro, seria interessante a realização de ensaios clínicos a longo prazo, com indivíduos de alto risco submetidos a diferentes programas de intervenção nos estilos de vida no sentido de verificar se na população portuguesa os resultados são sobreponíveis aos de outros países europeus, avaliando o custo- eficácia desses programas e procurando atingir como objetivo final e primordial a diminuição da prevalência da diabetes no nosso país.


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