O peso da mente feminina: associação entre obesidade e depressão
Introdução
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a obesidade é definida como uma
doença em que o excesso de gordura corporal acumulada pode atingir graus
capazes de afectar a saúde. O excesso de gordura resulta de sucessivos balanços
energéticos positivos, em que a quantidade de energia ingerida é superior à
quantidade de energia dispendida. Os factores que determinam este desequilíbrio
são complexos e incluem factores genéticos, psicológicos, socioeconómicos,
culturais e ambientais. Este desequilíbrio tende a perpetuar-se, pelo que a
obesidade é considerada uma doença crónica.
O diagnóstico da obesidade é realizado a partir do índice de massa corporal
(IMC), que se calcula pela fórmula [IMC = Peso (kg) / Altura (m2)]. Através
deste parâmetro, são considerados obesos os indivíduos cujo IMC se encontra num
valor igual ou superior a 30 kg/m². Podem-se igualmente definir vários níveis
de obesidade de acordo com o IMC: grau 1 (entre 30 e 34,9 kg/m2); grau 2 (entre
35 e 39,9 kg/m2); grau 3 (superior a 40 kg/m2).
Nas últimas décadas a obesidade tem adquirido proporções epidémicas e a OMS
reconhece que se não forem tomadas medidas drásticas para prevenir e tratar a
obesidade, mais de 50% da população mundial será obesa em 2025. Em 2008, 10% da
população masculina e 14% da população feminina,1 a nível mundial, era obesa,
segundo esta organização.
Segundo o boletim da Sociedade Portuguesa Para o Estudo da Obesidade (SPEO),2
no ano de 2000, a prevalência da obesidade era de 12,9% nos homens e 15,4% nas
mulheres. No Inquérito Nacional de Saúde 2005/2006,3 estimava-se que 15,2% dos
residentes em Portugal, com mais de 18 anos, eram obesos.
Em 2008, foi publicado um estudo de Isabel do Carmo e colaboradores,4 que
considera que entre, 2003 e 2005, 14,2% da população portuguesa era obesa.
Esta patologia leva a um aumento da prevalência da diabetes, hipertensão
arterial, dislipidémia, hiperuricemia, litíase vesicular, síndrome do ovário
poliquístico, doença coronária, doença vascular cerebral e alguns tipos de
cancro.5 Está ainda associada a dificuldades respiratórias e do aparelho
locomotor e a um aumento significativo da mortalidade.
A nível psicológico, a alteração da imagem corporal resultante do aumento de
peso poderá provocar uma desvalorização da auto-imagem e do auto-conceito, no
obeso, diminuindo a sua auto-estima. Em consequência, poderão surgir sintomas
depressivos e ansiosos, uma diminuição da sensação de bem-estar e um aumento da
sensação de inadequação social, com uma consequente degradação da relação
interpessoal.
Enquanto as consequências físicas da obesidade são bem estabelecidas, a relação
entre a obesidade e a depressão ainda é incerta e os resultados relatados não
têm sido consensuais.
Em 2008, Atlantis E. e colaboradores6 concluíram que, em geral, havia um fraco
nível de evidência que apoia a hipótese da associação entre obesidade e
depressão e que seriam necessários mais estudos para estabelecer essa relação
de causalidade.
Recentemente, Luppino e colaboradores7 realizaram uma meta-análise que veio
confirmar a associação entre depressão e obesidade e a reciprocidade desta
relação.
Sendo a obesidade uma patologia muito frequente, associada a elevada
morbilidade e mortalidade, surgiu a hipótese de estudar a associação entre a
obesidade e a depressão, para melhor adequação das estratégias preventivas e
terapêuticas, caso esta associação se verificasse. Assim, com este trabalho
pretendeu-se:
• determinar a prevalência de obesidade e de depressão em obesos na USF BRIOSA;
• verificar se existe associação entre obesidade e depressão e se esta é
diferente entre géneros.
MÉTODOS
Foi realizado um estudo analítico, observacional e transversal na USF BRIOSA
durante o mês de Novembro de 2010.
A área de influência da USF BRIOSA abrange essencialmente freguesias da cidade
de Coimbra. Aproximadamente um terço da população inscrita tem o ensino médio
ou superior sendo que quase metade da população trabalha ao nível do sector
terciário. A taxa de desemprego, ainda que crescente nos últimos anos, é
inferior à nacional.
A população do estudo correspondeu aos utentes inscritos na USF BRIOSA, em
Novembro de 2010, com idade superior a 18 anos e com, pelo menos, um registo do
IMC nos últimos 12 meses (01 de Novembro de 2009 a 30 de Novembro de 2010). No
caso de haver mais que um registo, considerava-se o mais recente. Foram
excluídas todas as mulheres que estiveram grávidas nalgum período, durante os
últimos 12 meses. Toda a população foi estudada, perfazendo um total de 5700
utentes.
Foram estudadas as seguintes variáveis: género (feminino e masculino), IMC e
depressão. A variável depressão foi definida como a codificação de P76 na lista
de problemas activos, segundo a 2.a edição da Classificação Internacional de
Cuidados Primários (ICPC-2).
Os dados foram recolhidos através do programa informático MedicineOne® e
tratados no programa estatístico Epi info®. A análise estatística incluiu o
cálculo do Odds Ratio (OR) bruto.
RESULTADOS
Foram estudados 5700 utentes, dos quais 62,2% eram do género feminino. A idade
variou entre os 18 e os 98 anos, com idade média de 47,8 anos. A prevalência de
obesidade na população foi de 18,7%. A prevalência de depressão nos obesos da
população estudada foi 30,8%.
Foi feita análise estatística para verificar se existia alguma associação entre
obesidade e depressão na população estudada (Quadro_I) através do cálculo do
Odds Ratio (OR = 1,33).
Quando se fez a estratificação por géneros (Quadro_II) verificou-se que a
associação entre obesidade e depressão apenas se verificava no género feminino
(OR= 1,51 versus OR = 1).
DISCUSSÃO
Neste estudo foi encontrada uma prevalência da obesidade de 18,7%, superior à
encontrada noutros estudos nacionais, nomeadamente no Inquérito Nacional de
Saúde 2005/2006, que foi de 15,2%. Isabel do Carmo e colaboradores consideraram
que, entre 2003 e 2005, 14,2% da população portuguesa era obesa. Com base no
Observatório de Saúde Global da OMS, os valores encontrados também eram
superiores, visto que, em 2008, consideraram que 10% dos homens e 14% das
mulheres, a nível mundial, eram obesos. Os intervalos de confiança não foram
incluídos uma vez que toda a população foi estudada.
Consideram-se como aspectos positivos deste estudo o facto de ser um estudo
inovador em Portugal, da dimensão da população estudada e de não haver erro
amostral.
Este estudo poderá ter algumas limitações. Apenas participaram no estudo
utentes com registo de IMC, o que pode, de alguma forma, sobrestimar a
prevalência. É o caso de adultos jovens sem patologias em que o exame periódico
de saúde recomendado não é anual. Se este subgrupo for excluído, as
prevalências de obesidade e depressão serão diferentes, o que altera as
estimativas das variáveis.
A presença de um código ICPC-2 pode não reflectir a prevalência exacta da
depressão na população estudada. O código P76 pode permanecer na lista de
problemas do doente após remissão clínica da doença. Por outro lado, poderão
existir pessoas com diagnóstico de depressão que não tenham o código P76
registado. Nesse caso seria útil incluir as pessoas com prescrição crónica de
antidepressivos sem codificação do ICPC-2 associada. Embora tivesse que se ter
em conta o uso de antideressivos para patologias que não a depressão, tais como
fibromialgia, profilaxia da enxaqueca, bulimia, por exemplo. Também seria útil
incluir as pessoas com P03 (Sensação de depressão).
Segundo a ICPC-2, a codificação de P76 inclui também depressão pós-natal/
puerperal e neste estudo não foi tido em conta este aspecto. No puerpério
muitas mulheres ainda não voltaram ao peso habitual. No entanto, uma vez que
foram excluídas as mulheres que estiveram grávidas durante o período do estudo,
o impacto deste factor é pequeno.
A colheita de dados foi feita através dos registos da plataforma informática,
podendo-se, dessa forma, estar perante um viés de informação. Poderão existir
duas variáveis de confundimento, uma vez que a presença de outras
comorbilidades não foi tida em conta, assim como o tipo de antidepressivos.
Sabe-se que algumas classes de antidepressivos podem levar a aumento de peso e
algumas comorbilidades podem limitar a mobilidade e desta forma influir no
peso. Teria sido mais vantajoso usar o OR ajustado por modelo de regressão
logística.
Os resultados encontrados poderão contribuir para a adopção de estratégias
preventivas e tratamentos mais eficazes que poderão ser diferentes entre
géneros, com melhores resultados em saúde.