DPOC na população sob vigilância pela Rede Médicos Sentinela de 2007 a 2009
Introdução
A Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC) é uma das principais causas de
morbilidade crónica, perda de qualidade de vida e de mortalidade a nível
mundial, associando-se a uma enorme sobrecarga a nível socioeconómico e gastos
em saúde.1 Em 2004, atingia cerca de 63,6 milhões de pessoas,2 prevendo-se que,
em 2030, ocupe o 3.o lugar como principal causa de morte (precedida pela doença
cardíaca isquémica e doença cerebrovascular), atendendo ao provável aumento do
consumo de tabaco e exposição ao fumo de combustíveis sólidos em ambientes
fechados.3 Atingirá, assim, o sétimo lugar em termos de peso de doença.4
A prevalência de DPOC oscila entre 4 e 20% nos adultos com mais de 40 anos,
aumentando com a idade, sobretudo entre os fumadores.5 Rondará os 4 a 10% na
população adulta europeia,6 e estudos que reportam a realidade portuguesa
apontam para taxas de prevalência de 5,3% nos homens e 4,0% nas mulheres.7
A incidência estimada em Portugal aponta para valores de 3,1 por 1000 nos
homens e 1,7 por 1000 nas mulheres, que aumentam a partir dos 40 anos.7 Um
estudo mais recente, efetuado na população da grande Lisboa com idades iguais
ou superiores a 40 anos,8 mostrou uma prevalência de DPOC de 14,2%, em estádios
iguais e superiores ao 1 da Classificação GOLD (The Global Initiative for
Chronic Obstructive Lung Disease),9 o que vem confirmar a ideia generalizada de
que a doença se encontra em crescimento e está, de facto, subdiagnosticada.10
Em Portugal, a DPOC constitui a segunda causa de internamento por doença
respiratória, associando-se a elevada frequência de consultas médicas e de
serviços de urgência, assim como por um significativo número de internamentos
hospitalares.10 Acarreta ainda custos relacionados com o consumo de fármacos e
de oxigenoterapia e ventiloterapia domiciliárias de longa duração.1
A caracterização epidemiológica da situação da DPOC em Portugal permitirá
construir estratégias para minimizar os impactos negativos da doença na
sociedade, através da prevenção e tratamento desta doença respiratória.11 O
envolvimento dos médicos de família na gestão de grande parte dos doentes com
DPOC torna pertinente a investigação da sua prevalência, assim como a carga de
trabalho gerada pelo acompanhamento destes doentes crónicos.10
No sentido de melhorar o conhecimento epidemiológico desta patologia, a Rede
Médicos-Sentinela (MS) procedeu, durante o triénio 2007 a 2009, ao registo e
notificação de consultas relacionadas com DPOC ocorridas na população de
utentes que mantém sob vigilância, visando caracterizar a população que
consulta o seu médico de família por motivos relacionados com esta doença.12,13
Assim, os objetivos deste trabalho foram:
1. Quantificar as consultas relacionadas com DPOC nos utentes das listas de
médicos pertencentes à Rede Médicos-Sentinela (MS) no triénio 2007-2009;
2. Avaliar os principais motivos de consulta relacionados com DPOC nessa
população durante o período do estudo;
3. Estimar as taxas de incidência anuais da DPOC, bem como o número de novos
casos da doença para a população portuguesa durante o triénio 2007-2009;
4. Caracterizar a terapêutica utilizada para DPOC nesta população.
Métodos
Foi realizado um estudo de coorte dinâmica das consultas (presenciais e não
presenciais) relacionadas com DPOC ocorridas nas listas dos Médicos Sentinela
durante o triénio 2007-2009.14,15
A Rede «Médicos-Sentinela» (MS) é um sistema de observação em saúde,
constituído por médicos de família, cuja atividade profissional é desenvolvida
em Centros de Saúde. Esta rede tem como principais objetivos estimar taxas de
incidência de algumas doenças ou de situações com elas relacionadas que ocorrem
na população inscrita, fazer a vigilância epidemiológica de algumas doenças que
ocorrem na comunidade, de forma a permitir a identificação precoce de eventuais
«surtos», e constituir uma base de dados que possibilite, em qualquer momento,
a análise epidemiológica aprofundada de doenças com interesse para a saúde
pública.
O presente estudo incluiu todas as consultas realizadas pelos Médicos-Sentinela
notificadores entre 2007 e 2009, a indivíduos com idade igual ou superior a 45
anos e com DPOC. Durante os três anos do estudo não é seguida efetivamente
sempre a mesma população, sendo possível que tenham entrado ou saído médicos da
rede e tenha havido modificações nas listas em análise. Para além disso, não
foram excluídos do denominador os utentes com diagnóstico já conhecido de DPOC.
As variáveis estudadas foram: idade e sexo do utente, motivo da consulta
relacionada com DPOC (início de sintomas, alteração do padrão de sintomas,
exacerbação, renovação de medicação, consulta de seguimento e/ou outros), tipo
de diagnóstico da doença (caso novo, caso conhecido ou caso sem diagnóstico),
atitude médica na consulta (aconselhamento/esclarecimento do utente,
referenciação e/ou prescrição de medicação) e medicação prescrita relacionada
com a patologia em estudo.
Com relação ao diagnóstico de DPOC, os casos notificados foram classificados
como: «Casos novos», onde se incluíram os novos diagnósticos de DPOC
notificados nos três anos de estudo, «Casos conhecidos», que incluíram todos os
casos de DPOC com diagnóstico prévio conhecido pelo médico, e em «Casos sem
diagnóstico», que incluiu todos as situações ainda em estudo e também consultas
relacionadas com pedidos de esclarecimento, aconselhamento, atestados e
declarações a pessoas sem diagnóstico. O conhecimento do médico face ao
diagnóstico era mutuamente exclusivo, sendo que na descrição da medicação podia
ser incluído mais do que um fármaco.16
Com base nos dados obtidos procedeu-se ao cálculo da frequência de consultas,
que corresponde ao número de consultas relacionadas com DPOC gerado por cada
mil utentes com idade igual ou superior a 45 anos inscritos nas listas dos
médicos sentinela notificadores, permitindo avaliar a carga de trabalho
associada à doença na consulta de medicina geral e familiar (MGF). Foram também
analisadas as consultas relacionadas com «novos casos» de DPOC, de maneira a
estimar a taxa de incidência anual da doença.
Para proceder à extrapolação dos resultados para a população portuguesa teve-se
em conta a população média com idade acima dos 45 anos em dezembro de 2008.17
Os cálculos efetuados utilizaram apenas a população com idade igual ou superior
a 45 anos em função da frequência de notificações ter sido reduzida abaixo
dessa idade e pelo facto de DPOC se desenvolver nos indivíduos expostos
sobretudo a partir das quarta e quinta décadas de vida (acima dos 35-40
anos).18,19
A colheita dos dados foi realizada utilizando o boletim de notificação criado
pela Rede MS, em papel ou em formato eletrónico, que é preenchido pelo médico e
enviado semanalmente para o Observatório Nacional de Saúde, onde os dados são
registados numa base de dados informática.
A análise estatística descritiva e analítica da base de dados criada foi feita
com os programas SPSS® (Statistical Package for Social Sciences) versão 17.0 e
Epi InfoTM, recorrendo-se aos testes qui-quadrado para a comparação de
proporções e t-student para a comparação de médias. O nível de significância
adotado foi de 0,05.
O presente trabalho foi elaborado no contexto de uma rede de investigação no
âmbito do Ministério da Saúde e utilizou dados recolhidos de forma anónima
pelos médicos de família da Rede Médicos Sentinela.
Resultados
População sob observação efetiva
Durante o triénio 2007-2009, a população sob observação efetiva acima dos 45
anos, definida pelo somatório do total de utentes inscritos nas listas dos MS
em cada ano do período em estudo, foi de 106.953 indivíduos, sendo 55,0% do
sexo feminino. A este valor correspondeu uma população média anual de 35.651.
Consultas relacionadas com DPOC de 2007 a 2009
Durante este período, o número de consultas relacionadas com DPOC foi de 2.916,
com uma média de idades de 72,1 anos, mínimo de 45 e máximo de 97 anos, desvio
padrão de 10,4. A maioria das consultas foi realizada a utentes do sexo
masculino (62,5%) com uma média de idades de 72,0 anos e de 72,3 anos nos
utentes do sexo feminino, não se verificando diferenças com significado
estatístico entre os dois valores (p = 0,365).
Frequência de consultas relacionadas com DPOC por 1000 inscritos
A frequência de consultas foi de 27,3/1000 inscritos: 37,9/1000 para o sexo
masculino e 18,6/1000 para o sexo feminino, aumentando progressivamente com a
idade e atingindo o valor máximo de 58,1/1000 no grupo etário dos 75 ou mais
anos. Verificou-se também que houve um predomínio de consultas a utentes do
sexo masculino com o aumento da idade. Para todos os grupos, à exceção do «45-
54 anos», verificaram-se diferenças estatisticamente significativas na
frequência de consultas entre os sexos (p < 0,001) (Quadro_I).
Conhecimento do médico face ao diagnóstico
Nas consultas relacionadas com DPOC, 91,8% dos casos já eram conhecidos, 6,2%
constituíram novos diagnósticos e em 0,9% não havia ainda um diagnóstico
estabelecido. Em 1,1% das situações a resposta não foi assinalada por parte do
médico notificador.
Motivos de consulta relacionada com DPOC
Não sendo mutuamente exclusivos, os motivos mais representados foram renovação
de medicação (62,0%) e consultas de seguimento (32,0%), como se pode observar
no Quadro_II.
Tratamento farmacológico prescrito
Ao longo deste período foi efetuada prescrição em 89,6% das consultas. Esta
consistiu maioritariamente em fármacos broncodilatadores de uso inalatório,
nomeadamente anticolinérgicos (25,1%) e β-adrenérgicos (20,3%). No Quadro_III
listam-se os fármacos prescritos de acordo com a classificação Anatomical
Therapeutic Chemical da Organização Mundial de Saúde.20
Das 952 prescrições de agonistas β2 seletivos, usados isoladamente e por via
inalatória, verifica-se que 55,6% (n=529) corresponderam a agonistas de longa
duração de ação. Relativamente aos anticolinérgicos, os de longa duração
corresponderam a 69,9% (n=826).
Novos casos de DPOC de 2007 a 2009
No período em estudo foram notificados 173 novos casos de DPOC, com uma média
de idade de 66,9 anos, mínimo de 45 e máximo de 90 anos, desvio padrão de 10,4.
A maioria dos novos casos ocorreu no sexo masculino (59,5 %). A média de idades
foi de 66,0 para o sexo masculino e de 68,4 anos para o sexo feminino, não
havendo diferenças estatisticamente significativas entre as médias (p = 0,137).
Taxa de incidência média anual de DPOC de 2007 a 2009
A taxa de incidência média anual de DPOC estimada para ambos os sexos, no
período de 2007 a 2009, foi de 161,8/100.000 (IC 95%: 139,4-187,7), sendo de
214,2/100.000 (IC 95%: 176,7-259,7) para o sexo masculino e 118,9/100.000 (IC
95%: 94,2-150,0) para o sexo feminino (Quadro_IV). As taxas de incidência de
DPOC foram significativamente maiores no sexo masculino, no total (p < 0,001) e
nos grupos etários 55-64 e 65-74 anos (p = 0,015 e 0,004 respetivamente).
Evolução da taxa de incidência de DPOC ano a ano
Ao longo do período em estudo, a taxa de incidência anual de DPOC atingiu o
valor mínimo de 141,1/100.000 (IC 95%: 103,4-192,8) em 2008 e máximo de 190,5/
100.000 (IC 95%: 148,7-244,1) em 2009 (Quadro_V). Não se verificaram diferenças
estatisticamente significativas entre os valores de cada ano.
Ajustamento à população portuguesa, de 2007 a 2009:
Extrapolando a taxa de 161,8 casos/100.000 para a estimativa da população
residente em Portugal em 2008 com idade igual ou superior a 45 anos (4.593.652
indivíduos),17 a média estimada de novos diagnósticos é, assim, de 7.432 novos
casos de DPOC por ano em todo o país (Quadro_VI).
DISCUSSÃO
Neste estudo de três anos e considerando os utentes com idade igual ou superior
a 45 anos, obteve-se uma população sob observação efetiva (PSOE) anual média de
35.651 utentes, representando 106.953 utentes em observação nos três anos.
Durante este período, foram notificados 173 novos casos de DPOC, o que leva a
uma taxa de incidência de 161,8 casos/100.000, que é superior nos homens (214,2
casos/100.000).
Relativamente à frequência de consultas, verificou-se um predomínio de
consultas a utentes do sexo masculino e a frequência de consultas aumentou
progressivamente com a idade, e atingindo o valor máximo de 58,1/1000 no grupo
etário dos 75 ou mais anos.
A Rede Médicos Sentinela é constituída por médicos que participam de forma
voluntária, o que possibilita uma elevada notificação de casos, uma boa
qualidade geral da informação e a caracterização de forma detalhada da
atividade clínica relacionada com DPOC neste grupo.
Reconhecem-se limitações associadas à utilização de dados provenientes da
notificação dos médicos da Rede MS. Podem decorrer erros de notificação por
imprecisões no diagnóstico, uma vez que não são definidos critérios diagnóstico
nem se pergunta ao médico qual o método utilizado para a confirmação do mesmo,
por duplicação de notificações e por alterações na notificação em períodos de
inatividade do médico. Estas situações podem levar quer a sub quer a
sobrenotificação de casos.
Ao tratar-se de uma amostra de conveniência de médicos de família, a PSOE pode
não ser representativa da população portuguesa, uma vez que não foi selecionada
de forma aleatória. Alguns grupos profissionais, que dispõem de subsistemas de
saúde, e os estratos sociais mais elevados ficam provavelmente sub-
representados. Por outro lado, as variações das listas dos médicos (por
transferências ou óbitos) e o facto de existirem utentes não utilizadores (que
não estão na realidade em observação) faz com que a população sob observação
tenha tendência para ser progressivamente sobrestimada e as taxas de incidência
subestimadas.
Estudos realizados na Rede MS mostraram também que os indivíduos com 75 e mais
anos estão ligeiramente sobrerepresentados na amostra de PSOE e que a PSOE não
é representativa da população portuguesa em termos de distribuição geográfica.
A frequência de consultas encontrada foi de 27,3/1000. Um estudo do Reino Unido
decorrido entre 1991 e 1992 aponta para taxas de consulta de 41,7/1000
habitantes dos 45-64 anos, 88,6/1000 dos 65-74 anos e 103,2/1000 dos 75 aos 84
anos.6
De acordo com o European Lung White Book e relativamente ao número médio de
consultas médicas por doenças respiratórias major em alguns países europeus, as
consultas por DPOC ultrapassam em larga escala as consultas por asma,
pneumonia, neoplasia maligna da traqueia e pulmões e tuberculose.6
As diferenças entre sexos foram concordantes com outros trabalhos, onde se
verificou maior carga de trabalho com indivíduos do sexo masculino. Um estudo
escocês publicado em 2010 encontrou taxas de consulta para DPOC ou
insuficiência cardíaca menores em mulheres e em grupos etários extremos (idade
inferior a 55 ou superior ou igual a 85 anos).21 Outro estudo, também escocês,
encontrou taxas de consulta nos cuidados de saúde primários por insuficiência
cardíaca de 17,2/1000 para os dois sexos, sendo superior na mulher (17,9/1000),
que aumentaram progressivamente com a idade.22 No entanto, tanto no global como
isoladamente, os valores encontrados nesse estudo apontam para uma carga de
trabalho menor com insuficiência cardíaca do que com DPOC. Em contrapartida, e
relativamente aos indivíduos do sexo masculino e comparando com os nossos
resultados, este estudo escocês aponta para uma carga de trabalho relacionada
com hipertensão arterial de 96,2/1000, valor bastante superior ao por nós
encontrado para DPOC (37,9/1000).
Estes resultados refletem a carga de trabalho de uma doença de declínio
progressivo de função, sendo de esperar que o volume de trabalho gerado pela
doença aumente com a idade.
Os motivos de consulta mais representados são expectáveis tendo em conta que se
trata de uma doença crónica de evolução progressiva, que exige terapêutica de
controlo/alívio, com a respetiva carga de consultas de seguimento associada.
Quanto ao tratamento farmacológico da DPOC, no total de prescrições efetuadas
pelos MS notificadores verificou-se um predomínio dos fármacos
broncodilatadores de uso inalatório, nomeadamente anticolinérgicos (25,1%) e β-
adrenérgicos (20,3%), logo seguidos pelas associações de fármacos com β-
agonistas (15,2%). Apesar de ainda nenhum tratamento farmacológico ser
indiscutivelmente capaz de travar o declínio da função pulmonar que caracteriza
a evolução da DPOC, os broncodilatadores constituem fármacos centrais no
controlo sintomático da doença e na redução das exacerbações, concretamente os
agonistas β2-adrenérgicos, anticolinérgicos e metilxantinas, usados
isoladamente ou em combinação.9
Já a opção dos MS por agonistas adrenérgicos de uso sistémico (cerca de 1,2%)
não foi tão significativa, o que condiz com as recomendações internacionais,
que defendem que β2- agonistas administrados por via oral têm uma ação mais
lenta e implicam mais efeitos laterais do que quando usados por via
inalatória.23
Considerando os broncodilatadores inalatórios prescritos, o maior volume de
prescrições correspondeu a fármacos de longa duração de ação, o que também
respeita as normas orientadoras da GOLD, que definem o uso regular destes
medicamentos como mais efetivo e conveniente do que a terapia com
broncodilatadores de curta duração de ação.24
A prescrição de xantinas, correspondente a cerca de 11% do total de
prescrições, não foi, neste estudo, tão significativa quanto a dos outros
broncodilatadores, tendência também defendida nas diretrizes da GOLD, que
privilegiam o uso de broncodilatadores inalatórios em detrimento da teofilina
sistémica, pelo seu maior risco de toxicidade.9
Cerca de 9,9% do total de prescrições medicamentosas foram de corticosteroides
inalatórios, valor que na realidade está subestimado, uma vez que muitas das
associações com β-agonistas poderão incluir corticosteroide na associação.
Apesar de não modificarem o declínio a longo prazo do FEV1, o tratamento
regular com corticosteroides inalados reduz a frequência das exacerbações em
pacientes sintomáticos com DPOC em estádios 3 e 4 e com exacerbações repetidas
da doença,25 benefícios que parecem ampliar-se com a sua associação a um β2-
agonista de longa duração de ação.26 Por outro lado, a evidência científica
atualmente disponível não é suficiente para recomendar o tratamento com cursos
prolongados de corticosteroide sistémico, que neste estudo respondem apenas por
1,5% do total de prescrições, sendo estes fármacos apenas efetivos no
tratamento das exacerbações da doença.9
Quanto à prescrição de oxigénio, um dos principais tratamentos não
farmacológicos para doentes com DPOC em estádio IV,27 correspondeu a 6,2% do
total de prescrições efetuadas pelos MS. Este valor pode estar subestimado
relativamente à percentagem real, já que os doentes com insuficiência
respiratória crónica, principais consumidores da oxigenoterapia domiciliária de
longa duração, poderão ter consultado um pneumologista responsável pelo seu
acompanhamento e vigilância hospitalares em consulta externa da especialidade
e, portanto, não renovar a sua medicação nos Cuidados de Saúde Primários.
O uso regular e generalizado de agentes mucolíticos, que neste estudo
representam apenas cerca de 4,5% do total de prescrições, não é atualmente
recomendado na DPOC, embora haja alguma evidência científica que suporta o
benefício destes fármacos na redução de exacerbações em doentes não tratados
com corticosteroides inalados.28
Cerca de 3% das prescrições corresponderam a antagonistas dos leucotrienos,
fármacos que na realidade não estão recomendados no tratamento farmacológico da
DPOC, mas sim como adjuvantes da corticoterapia inalada no controlo da asma.29
Estes resultados podem estar relacionados com erros de registo de medicação não
relacionada com DPOC em doentes que tenham simultaneamente DPOC e asma.
A vacinação antigripal é recomendada nos doentes com DPOC na medida em que pode
reduzir a incidência de doença grave e morte em cerca de 50%.30 A vacina
antipneumocócica também está recomendada em doentes com DPOC de idade igual e
superior a 65 anos, mostrando reduzir a incidência de pneumonia adquirida na
comunidade em pacientes com idade inferior a 65 anos e FEV1 inferior a 40%.31
No entanto, a percentagem de prescrições das vacinas antigripal e
antipneumocócica ficou aquém do esperado, tendo em conta a população de utentes
consumidores da consulta relacionada com DPOC (média de idades de 72 anos).
Esta subprescrição pode ser devida a vários fatores, entre os quais o facto de
muitos médicos não entenderem a vacinação como medicação relacionada com DPOC
(tema debatido na apresentação dos resultados na reunião anual da rede), o
desconhecimento dos médicos para a necessidade de vacinar estes doentes, a
recusa do doente em ser vacinado e ausência de registos por parte do médico
prescritor.
Relativamente à vacina antipneumocócica, é importante realçar que a frequência
de administração é menor que a da vacina antigripal, pelo que a taxa encontrada
pode não ser assim tão baixa. Muitos doentes poderão ter já realizado a
vacinação antes do período de tempo em análise, atendendo à média de idades
encontrada.
À semelhança de outros estudos da Rede Médicos-Sentinela, o cálculo da taxa de
incidência tem limitações relacionadas com a população em estudo, dado que ao
utilizar-se a PSOE como denominador da fórmula estamos a incluir utentes que já
têm o diagnóstico de DPOC e como tal não estão em risco de desenvolver a
doença. Assim, apenas poderemos obter taxas de incidência estimadas,
considerando que a PSOE estará toda ela em risco de desenvolver DPOC,
subestimando os valores reais. Este facto dificulta a comparação com outros
estudos que avaliaram a incidência de DPOC.
A taxa de incidência anual estimada de DPOC foi de 161,8/100.000. O estudo de
van Durme que estudou indivíduos com idade igual ou superior a 55 anos, durante
um período médio de 11 anos, obteve uma taxa de incidência global de 920/
100.000 pessoas/ano (IC 95%: 850-1000).32 De Marco e colaboradores obtiveram
uma taxa anual de incidência de 280/100.000 (IC 95%: 230-330), numa população
de adultos com idades compreendidas entre os 20 e os 44 anos, num estudo coorte
com a duração de 10 anos.33
No estudo de Geijer e colegas a taxa de incidência cumulativa de DPOC moderada
(estádio II da GOLD) a cinco anos, em homens com idades compreendidas entre os
40 e os 65 anos, foi de 8,3% (IC 95%: 5,8-11,4).34
Um estudo norueguês de Johannessen et al, que incluiu indivíduos dos 18 aos 74
anos, encontrou uma taxa de incidência cumulativa de 6,1% a 9 anos (IC 95%:
4,0-8,1), o que corresponde a uma taxa de incidência anual média de 0,7% na
população estudada.35
O uso de diferentes definições de DPOC, de valores de função pulmonar sem
broncodilatação e as diferenças na inclusão de determinados estádios de DPOC
torna difícil a comparação dos valores estimados entre estudos e com os deste
estudo, que se baseia na notificação dos casos, sem que fique explícita a forma
de se chegar ao diagnóstico.
Verificou-se um aumento não estatisticamente significativo nas taxas de
incidência estimadas entre 2008 e 2009. Uma razão para estes resultados pode
ser um efeito conhecido na rede, relacionado com um aumento do número de
notificações nos anos seguintes à apresentação dos resultados na reunião anual
da rede dos médicos-sentinela.
A extrapolação da estimativa da taxa de incidência obtida, 161,8 por 100.000,
para uma população residente em Portugal em 2008 com idade igual ou superior a
45 anos estimada em 4.593.652 indivíduos, permitiu calcular uma média estimada
de novos diagnósticos de 7.432 novos casos de DPOC por ano, em todo o país.17
Este cálculo apresenta algumas limitações em função da representatividade da
amostra já discutida anteriormente e das limitações no rigor dos cálculos da
população residente, estimada pelo Instituto Nacional de Estatística, mas
carecendo da confirmação que virá a ser possível quando estiverem disponíveis
os dados do Censo de 2011.
Apesar das limitações já referidas, com este estudo foi possível obter-se uma
estimativa da incidência de DPOC em Portugal. Estudos futuros com métodos
diferentes, poderão contribuir para calcular com maior exatidão uma taxa de
incidência de DPOC, determinar se esta é, em Portugal, diferente da observada
noutros países, estudar incidências específicas em determinados grupos de risco
e avaliar o peso desta doença nas consultas de medicina geral e familiar.