Revisitando um clássico: Mastering space hegemony, territory and international
political economy
RECENSãO
Revisitando um clássico. Mastering space hegemony, territory and international
political economyi
Elisa Pinheiro De Freitas1
1Bolsista de Pós-Doutorado Júnior (PDJ) do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPQ), Departamento de Geografia da Universidade de
São Paulo (USP). E-mail: elisafreitas@usp.br
As relações entre as unidades políticas que constituem o sistema internacional
têm sido afetadas, na atual conjuntura, pelas constantes inovações que se
verificam nos campos da informação, comunicação e transportes. Os fluxos de
capitais, bens, serviços e pessoas tendem a não respeitar os limites
fronteiriços dos estados-nações. Num mundo cada vez mais interdependente, tais
factos implicam mudanças na organização espacial das atividades económicas.
Compreender as transformações que ocorrem no âmbito da economia política
internacional, bem como o caráter geográfico que marca as relações
internacionais, é o objetivo deste livro de John Agnew e Stuart Corbridge.
Caso estejamos à procura de respostas para perguntas, tais como, qual o papel
do estado nacional num mundo cada vez mais articulado pela força das grandes
empresas transnacionais- ou que outras potência(s) teria(m) condições para
influenciar o plano das relações internacionais após o declínio da hegemonia
dos estados Unidos-, esta obra oferece-nos um diagnóstico inusitado ao fugir
do óbvio, o que a torna leitura obrigatória ainda nos dias atuais, sobretudo
para aqueles que se debruçam sobre temas próprios da geografia política,
ciência política, economia e relações internacionais.
Nos últimos dois séculos, conforme assinalam os autores, a economia política
internacional distinguiu-se pelo aspecto da hegemonia exercida pelos estados,
entidades territoriais, sobre o espaço. Disputas a envolver estados nacionais,
que buscavam exercer o controle sobre os recursos naturais e/ou defender sua
posição estratégica, imprimiram um ritmo particular às relações internacionais.
Não obstante, como expõem Agnew e Corbridge, atualmente é crescente a
desterritorialização, tanto do poder político quanto do económico. Na era da
globalização, o controle sobre o espaço não é mais uma prerrogativa apenas do
estado nacional. Daí a emergência do espaço de relações no qual operam
diferentes atores.
O livro está estruturado em três partes. Na introdução (Capítulo 1), os autores
discutem a tradição geopolítica para a compreensão das relações internacionais
bem com a origem do uso do vocábulo geopolítica e o seu vínculo ao nazismo
alemão e ao determinismo geográfico. Ressaltam ainda que o termo tinha sido
usado pelo geógrafo inglês, Halford Mackinder (considerado como um dos
fundadores da geopolítica e geoestratégia), ao se referir ao modelo geográfico
de influências no conflito global e à liderança britânica no âmbito mundial.
Entre os anos de 1950 e 1960, os estudos em relações internacionais estavam
interessados em abordar questões referentes à segurança nacional e ao
militarismo. No entanto, conforme salientam os autores, no período pós 1970, o
mercado baseado numa economia mundial ampliou-se e incorporou alguns países da
ásia, áfrica e américa Latina.
Para compreender essas mudanças, os autores resgatam o termo geopolítica e o
rede- finem como correspondendo à divisão do espaço mundial por diferentes
instituições (empresas transnacionais, movimentos sociais entre outros) nas
suas esferas de influência. Em contraposição à velha geopolítica e aos seus
conceitos correlatos (posição, primazia do estado territorial nas relações
internacionais, espaço vital etc.) os autores propõem a geopolítica crítica
que, segundo Agnew, investiga as suposições geográficas e designações que
constituem a política mundial, procurando explicar as práticas através das
quais os atores políticos espacializam a política internacional e a representam
num mundo caracterizado por diferentes tipos de lugares. Sob essa perspectiva,
o espaço não pode ser apreendido como algo fixo, mas em permanente movimento,
em decorrência das práticas espaciais geradas pelos diversos atores que operam
em diferentes escalas geográficas.
Após a discussão dos pressupostos da geopolítica crítica, os autores buscam,
na primeira parte do livro, constituída pelos capítulos 2, 3 e 4, recuperar o
significado do conceito de espaço, a partir de uma perspectiva gramsciana (o
espaço produzido, diferenciado e contestado em qualquer projeto hegemónico).
Ademais, refletem sobre os conceitos de ordem geopolítica, de discurso
geopolítico e de armadilha territorial. A ordem geopolítica pode ser
compreendida como um contexto histórico-geográfico no qual um conjunto de
atividades, estratégias, instituições e regras dirigem a economia política
internacional. Ressaltam os autores nesta obra que a qualificação geopolítica
chama a atenção para os elementos geográficos da ordem mundial.
Após apresentarem os principais esquemas interpretativos sobre o sistema
internacional, Agnew e Corbridge ressaltam que, desde a expansão europeia, três
ordens geopolíticas se consolidaram. A primeira, conhecida como o Concerto da
europa (período da hegemonia britânica) emergiu em 1814, após o Congresso de
Viena, tendo-se estendido até 1875. A rivalidade entre as potências europeias
causaria a segunda ordem, designada como inter-imperial. Esta entrou em
declínio com o fim da segunda guerra Mundial (1945). Um mundo marcado pelo
processo de descolonização e pelo surgimento de duas superpotências (EUA e
URSS) marcaria a ordem geopolítica da guerra fria. A crise económica mundial
da década de 1970 que, segundo os autores, culminou com os limites do modo de
regulação fordista, assinalou a decadência da guerra fria e o aparecimento de
um novo período, no qual a soberania dos estados nacionais tem sido desafiada,
tanto pelo aumento dos fluxos (capitais, bens, serviços, pessoas etc.), quanto
pela ação de atores não-estatais (empresas transnacionais, organizações não-
governamentais, movimentos sociais, blocos económicos, etc.). De acordo com os
autores, os momentos de transição de uma ordem geopolítica para outra sempre
foram marcados por eventos de natureza distinta, que alteraram o equilíbrio de
poder entre os estados nacionais.
As ordens geopolíticas, constituem-se e consolidam-se à medida que são capazes
de produzir os discursos que as justificam. Para os autores, o discurso
geopolítico corresponde às formas de compreender e narrar a geografia da
economia política internacional. Os grupos sociais que se apoderam das
estruturas dos estados nacionais, ou seja, as elites políticas, tendem a criar
padrões e regras que se estendem por todo o tecido social.
Para a ordem geopolítica do Concerto da europa (1815-1875), empregou-se e
difundiu-se o discurso da geopolítica civilizacional (a europa como padrão de
civilização); a ordem geopolítica inter-imperial foi justificada por meio do
discurso da geopolítica naturalizada (o estado territorial como um organismo
que precisa de uma contínua expansão espacial) e, por sua vez, através da ordem
geopolítica da guerra fria, disseminou-se o discurso geopolítico ideológico
(capitalismo em contraposição ao socialismo e vice-versa).
Os discursos geopolíticos constituíram-se na legitimação das ações realizadas
pelos estados territoriais em cada período da economia política mundial.
Contudo, não se pode deixar de alertar para o seguinte facto: os discursos
geopolíticos tendem a modificar-se. Isto significa que aos velhos elementos
constitutivos dos discursos são acrescentados novos. assiste-se, portanto, ao
longo dos tempos, à reelaboração dos discursos.
Na segunda parte do livro, composta pelos capítulos 5, 6 e 7, os autores
aprofundam as discussões introduzidas na primeira parte e demonstram que o
declínio dos EUA como a principal potência do sistema internacional é relativo,
uma vez que a economia doméstica norte-americana nos últimos anos não tem
apresentado bom desempenho, mas as suas companhias têm obtido significativa
margem de lucro. Como explicar este facto - Ressaltam ainda que o foco sobre as
questões do mundo atual, não se pode enredar exclusivamente por discussões que
se prendem com a questão territorial, porque muitas vezes esta constitui uma
armadilha. Os autores esclarecem que o sistema internacional contemporâneo
caracteriza-se pelo facto de nenhuma economia nacional ter o pleno controlo
sobre os diferentes atores que operam à escala global. E outro aspecto do mundo
contemporâneo resulta do facto do poder estar disperso por diferentes regiões
do globo. Estes factos tendem a caracterizar a emergência da ordem geopolítica
do Liberalismo transnacional, justificada pelo discurso neoliberal e pela
primazia do mercado autorregulado.
Na terceira parte do livro, (Capitulo 8) discute-se a constituição de novos
discursos geopolíticos e as questões referentes ao multilateralismo, os dilemas
relacionados com a identidade nacional e representação, no contexto da
globalização.
Este livro demonstra o esforço dos autores em debater as transformações do
mundo contemporâneo de forma interdisciplinar ao recorrerem aos estudiosos das
diversas áreas das ciências humanas. é muito interessante a forma como
articulam os conceitos de estado, território, soberania, equilíbrio de poder,
hegemonia, nacionalismo, divisão internacional do trabalho, entre outros, e as
teorias daquelas áreas sem perder a coerência metodológica. John Agnew e Stuart
Corbridge recuperam ainda os autores clássicos da geografia política, bem como
as teorias desenvolvidas neste campo do conhecimento. Ainda propõem a abordagem
sobre estes temas seja feita através de uma geopolítica crítica, ou seja,
consideram que os estudos sobre as relações económicas e políticas
internacionais não podem prescindir de compreender o papel dos elementos
geográficos na constituição de uma ordem internacional.
Pode-se afirmar que esta obra, pela complexidade dos temas abordados, significa
uma grande contribuição para a afirmação da geografia política e da geografia
económica e constitui um contributo incontornável para a ciência política e
relações internacionais. Aqueles que se interessam por compreender as questões
relacionadas com a globalização, o enfraquecimento dos estados nacionais, o
(re)surgimento dos nacionalismos, os blocos económicos e os fenómenos
transnacionais, não devem deixar de ler este clássico.
NOTES
iAgne J, Corbridge S (1995) Mastering space. Hegemony, territory and
international political economy.London-New York, Routledge.