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EuPTHUAp0872-34192015000100010

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National varietyEu
Year2015
SourceScielo

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Recensão crítica da obra RECENSÃO Recensão crítica da obra De l'artification. Enquêtes sur le passage à l'art Natália Azevedo 2 Universidade do Porto

De l'artification. Enquêtes sur le passage à l'art é o volume 20 da coleção Cas de figure, organizado pelas sociólogas Nathalie Heinich e Roberta Shapiro, e centra-se na análise do conceito de artification e na discussão das suas virtualidades e tensões quando aplicado ao estudo do mundo da(s) arte(s).

Enquadra-se numa coleção que procura desenhar uma relação possível entre as ciências sociais, no caso a sociologia, e o espaço público, quer quanto aos modos de diagnóstico da realidade social contemporânea, quer quanto à síntese refletida sobre os instrumentos operatórios de leitura e intervenção nos espaços sociais. Como se refere na sua apresentação, La science sociale sort de son laboratoire pour reconquérir sa place dans l'espace public1.

O volume de 336 páginas que aqui se apresenta, sob um formato quase de bolso, integra o contributo teórico-empírico de diferentes autores e sob olhares direcionados para objetos peculiares do mundo da(s) arte(s). Para além dos sempre necessários índices de autores e remissivo, que dimensionam a vertente pedagógica da própria publicação, o volume tematiza um conjunto significativo de objetos, atores e contextos artísticos. Propõe-nos uma circulação entre a dança hip-hope a fotografia, o circo e a magia, a arte naïfe a arte bruta, a banda desenhada e o património, o cinema e o teatro, a moda e a arte sacra, o grafittie o artesanato, entre alguns outros. Fá-lo como forma de dar respostas à questão: o que é a arte?, ou de modo mais adequado às preocupações dos autores, quando e como é que algo se torna arte?. Numa primeira aproximação ao conceito, artification (neologismo que numa tradução literal significa artificação) é o processo pelo qual práticas sociais e culturais do quotidiano se transformam em arte(s); é o processo de fabricaçãodo objeto artístico. Tais interrogações têm um lugar central na contemporaneidade das políticas culturais de iniciativa pública (locais, regionais e centrais) das democracias europeias, na relação direta com vetores tensos e dinâmicos como cultura/artes/ democratização cultural ou sociedade/poder político/economia da cultura e dasartes.

A organização formal do livro obedece a um modelo transversal, onde deambulam olhares da antropologia da arte, da história cultural e da sociologia pragmática. Expõem-se casos empíricos de passagem de não artes a artes, ressalvando- se os contextos de emergência e as condições que as sustentam enquanto artes - onze estudos originais (Enquêtes); e ensaiam-se exercícios de generalização de propostas de leitura da produção/criação artística no contexto francês e europeu - cinco sugestões de síntese (États de lieux). O livro traduz um esforço de consolidação das possibilidades de objeto e de prática metodológica da sociologia da arte que, na sua trajetória histórica, oscilou entre a heteronomia e a autonomia da obra de arte como efeito direto das disciplinas que estiveram na sua origem (a estética, a história da arte e a sociologia). Hoje, no cruzamento dos vértices da criação, receção, mediação e (definição) da obra de arte, a sociologia da arte tende a situar-se como uma sociologia das artes, na pluralidade teórico-metodológica dos seus pontos de partida e de chegada.

O livro faz uma clarificação operacional do conceito de artificationno contexto das sociedades marcadas pela globalização cultural e artística. Os autores entendem-no como um processo de transformação da não-arte em arte que entraîne un déplacement durable de la frontière entre arte et non-art, et non pas d'abord une élévation sur l'échelle hiérarchique interne aux différents domaines artistiques (2012: 20). Situam-se fora da perspetiva de classificaçãoe de legitimaçãodos fenómenos artísticos, assumem a deslocação e relativização das fronteiras entre categorias artísticas e tornam visíveis novas formas de arte. Por outro lado, e face ao contexto contemporâneo da extensão e visibilidade quotidianas das atividades artísticas (com o alargamento do número de artistas, dos públicos e dos mercados das artes e da cultura), esta evidência empírica desenha um duplo processo: o alargamento das chamadas artes estabelecidas e o consubstanciar de novas formas de arte, quer nos espaços convencionais de criação/receção, quer no espaço público e na sobreposição entre diversos lugares da criação/mediação/receção artísticas.

De l'artification perspetiva as ações dos sujeitos, os sentidos que dão às suas ações e os efeitos que têm sobre as suas práticas. De cariz etnográfico, e numa relação estreita com a materialidade das ações quotidianas (sob suporte analítico de uma sociologia pragmática), a dimensão processual da análise cruza uma antropologia da arte com uma inscrição microssociológica dos atributos formais e semânticos dos objetos artísticos, sem obliterar a presença necessária de uma sociologia de cariz institucional (as instituições da cultura e das artes do mundo ocidental). Concentra-se a atenção sobre as ações (e não apenas sobre os discursos das ações) observadas (e não apenas narradas ou reconstituídas) em situações reais do mundo cultural e artístico.

Nesse sentido, os autores propõem um afastamento (apenas temporário, do nosso ponto de vista) quanto às propostas meso-sociais, assentes em análises dos factos externos ao ato criativo: abordam os conteúdos e o valor da obra de arte, os quadros institucionais e organizacionais da produção, receção e distribuição das obras de arte segundo pressupostos externos, lógicas de campo e convenções instituídas. Isto é, a arte como produto das estruturas e atores institucionais, que criam as barreiras culturais e as hierarquias artísticas.

Ao domínio do paradigma da classificação e da legitimaçãoe, como tal, do interesse pela operação semântica do campo artístico, sugere-se a descrição sistemática e necessária das situações e dos atores criadores, prévia a esse esforço institucional da classificação hierarquizada dos modos de arte.

Por via da artification, é possível compreender a génese dos objetos artísticos e as condições da sua existência, com base numa teoria da ação dos sujeitos. Ao paradigma da avaliação, que faz parte do mundo da arte, contrapõe-se o paradigma da identificaçãodo mundo artístico na sua origem e existência processual. Assume-se a diferença entre qualificação (identificação)e legitimação (avaliação)dos objetos artísticos, ainda que entre ambas haja uma relação causal circular. Num primeiro momento, os objetos são designados com base em processos concorrentes de descrição porque diferentes atores o fazem; num segundo momento, são alvo de avaliações positivas ou negativas, legitimadas ou não legitimadas, no quadro do mundo da(s) arte(s). Não se define a prioriaquilo que é uma obra de arte ou um artista, mas induzem-se as suas propriedades efetivas. Para o efeito, os autores constroem indicadores marcadores observacionais que vão desde a análise dos domínios/setores artísticos e dos atores sociais (criadores, mediadores, mercados, públicos), passando pelos resultados (duráveis e em curso) e pelos efeitos da artification (como, por exemplo, legitimação e autonomização das práticas, esteticização e autentificação das obras, entre outros), até às abordagens terminológica, jurídica, cognitiva, institucional ou estética, para citar apenas alguns, do processo em si.

A arte é o resultado de processos sociais, datados e situados, e não um corpusde objetos definidos uma única vez e por todos os que representam instituições e disciplinas consagradas. É uma proposta in progress, contraditória e tensa. A pluralidade dos sentidos dados àquilo que se entende como artes constitui, nesse esforço disciplinar, a virtualidade por excelência de uma sociologia das artes que se afirma enquanto tal. Este Cas de figure é um contributo a cruzar com os demais existentes.


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