Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

EuPTHUAp0872-96622006000100006

EuPTHUAp0872-96622006000100006

National varietyEu
Year2006
SourceScielo

Javascript seems to be turned off, or there was a communication error. Turn on Javascript for more display options.

Empresarialidade e empresário: Revisão da literatura

Introdução O estudo do fenómeno da criação e do desenvolvimento de pequenas empresas é uma área de estudo recente e em crescente desenvolvimento no campo da investigação científica. Mais conhecida nos meios académicos pelo termo anglo-saxónico entrepreneurship, esta área do conhecimento engloba, hoje em dia, um alargado leque de teorias e abordagens que permitem que seja apelidada de programa de investigação científica”1 (Veciana, 1999) ou paradigma2 (Bygrave, 1989a, 1989b, 1993).

O objectivo deste artigo é apresentar uma revisão de literatura sobre o tema. Começa-se por discutir o próprio conceito de entrepreneurship e os correspondentes termos utilizados na língua portuguesa. Na segunda parte procede-se a uma sistematização das diversas abordagens presentes na literatura económica, pessoal, comportamental, sócio-cultural e gerencial. Segue-se a discussão de cada uma dessas abordagens, em particular das que se centram sobre o empresário como objecto de estudo. Finalmente conclui-se sobre a necessidade de complementaridade das diversas abordagens para uma verdadeira compreensão da figura complexa que é o empresário.

Empresarialidade versus Entrepreneurship O termo entrepreneurship deriva da palavra francesa entrepreneur, que significa empreendedor (Carland et al., 1988; Kets de Vries, 1977). O seu uso na acepção moderna foi introduzido por Shumpeter em 1912 (1934) que descreveu o entrepreneur como a pessoa que destrói a ordem económica através da introdução de novos produtos, novos métodos de produção, novas formas de organização ou novas matérias-primas. Na versão Shumpeteriana, o empreendedor é, sobretudo, um destruidor criativo, um inovador. Todavia, não é explícito se esta inovação implica, ou não, a criação de uma nova organização. Talvez por isso, o significado do termo entrepreneurship e portanto o seu objecto de estudo não reúna consenso na comunidade científica.

Para alguns autores (Gartner, 1985, 1989; Hoy, 1987) entrepreneurship resume-se à criação de novas organizações, enquanto que para outros (Carland et al., 1988; Veciana, 1999; Bygrave, 1989a) inclui também aspectos relacionados com o desenvolvimento de pequenas empresas e de projectos inovadores em grandes empresas corporate entrepreneurship ou intrapreneurship.

Na verdade, esta área do conhecimento surgiu como reacção a uma excessiva preocupação com aspectos impessoais das grandes organizações, que dominou as teorias organizacionais até à década de 70. Como resposta, começaram a surgir, associados ao termo entrepreneurship, estudos especificamente direccionados para os aspectos negligenciados por estas teorias, em particular, o empresário (i.e., o indivíduo gerador de actividade empresarial) mas também para todo o processo por ele iniciado e dirigido (Veciana, 1999). Neste contexto, surge também a ligação ao tema das empresas familiares.

Veciana (1999) denomina este programa científico como empresário, função empresarial e criação de empresas, rejeitando o termo empresarialidade (empresarialidad em espanhol3) ou empresarismo por não serem termos habituais na sua língua mãe. Todavia, por razões práticas de escrita e de eficácia na comunicação, a utilização da expressão proposta por Veciana torna-se demasiado longa, o que torna qualquer trabalho sobre este tema, muito pesado em termos de leitura. Aliás, o próprio autor reconhece esta limitação quando afirma que «por razones de brevedad» (p. 14) se refere a este programa simplesmente como criação de empresas.

A problemática em torno do termo a utilizar, coloca-se, também no caso português. Se o termo entrepreneur que pode ser traduzido, de igual forma, por empresário ou empreendedor terá lógica afirmar que o termo entrepreneurship é o equivalente a empresarialidade ou empreendedorismo.

Considera-se, no entanto, que o termo empresarialidade, também utilizado por outros autores (Almeida et al., 1994), é o mais adequado para transmitir o sentido de entrepreneurship, fundamentalmente por duas razões: - É um termo mais simples que empreendedorismo e enquanto este se associa, normalmente, ao espírito de iniciativa possível de existir em qualquer actividade humana, e não exclusivamente na área empresarial , o termo empresarialidade remete simultaneamente para a ideia de empresa como empreendimento (acto de levar a cabo uma tarefa importante e difícil; acto ou efeito de empreender4) e empresa como organização económica - Apesar de ser pouco habitual em português e de (ainda) não constar no dicionário de língua portuguesa, não nega as regras de composição de palavras desta língua e traduz de forma compreensível e eficaz o sentido de entrepreneurship”5.

Assim, de uma forma geral, pode-se afirmar que o termo empresarialidade aqui utilizado se refere ao processo de criação e desenvolvimento de projectos empresariais incluindo o empresário como factor fundamental desse processo.

Abordagens teóricas à empresarialidade A empresarialidade, como área de estudo ou programa de investigação científica, é relativamente recente e autonomizou-se a partir da contribuição de diversas áreas do conhecimento (Bygrave, 1989a; Bull & Willard, 1993).

São várias as sistematizações sobre o que tem sido a investigação sobre a empresarialidade.

Gartner (1985), referindo-se especificamente ao fenómeno da criação de novas empresas, organiza a investigação publicada de acordo com as variáveis estudadas. Distingue quatro perspectivas de análise que incidem sobre: (1) o(s) indivíduo(s) (empresários), (2) o processo, (3) o meio ambiente e (4) a organização. Considerando que cada uma destas variáveis descreve apenas uma dimensão do fenómeno e que a empresarialidade é um fenómeno complexo e multidimensional, este autor propõe um modelo de análise em que todas estas variáveis e a interacção entre elas sejam consideradas.

Gibb (1993), relativamente ao processo de desenvolvimento (crescimento) das pequenas empresas, classifica a literatura em quatro abordagens: - Abordagem da personalidade empresarial/empreendedora; inclui estudos que descrevem o tradicional papel do empresário na literatura económica, que procuram ligar as características pessoais e os objectivos do empresário com um comportamento estratégico e inovador, e outros estudos centrados na motivação e traços comportamentais.

- Abordagem do desenvolvimento organizacional da pequena empresa, de carácter teórico ou normativo; inclui modelos de estádios de crescimento que podem contemplar a relação entre os objectivos pessoais e os objectivos empresariais e a influência da família e das redes no comportamento empresarial.

- Abordagem da gestão empresarial; centra-se na capacidade da empresa para tomar decisões racionais acerca do desenvolvimento do produto/mercado e rentabilidade e a capacidade associada de planear o desenvolvimento. Inclui também aspectos relacionados com a orientação estratégica.

- Abordagens sectoriais; frequentemente centram-se em análises pragmáticas de sectores industriais e o impacto de factores e limitações exteriores. Incluem-se também os estudos sobre as relações entre as pequenas e as grandes empresas.

Goss (1991) refere-se também a diferentes perspectivas sobre o fenómeno das pequenas empresas e sugere que para uma análise adequada destas é necessário adoptar uma abordagem sociológica, que consiste em determinar empírica e teoricamente a natureza das inter-relações entre os significados, definições e capacidades do proprietário e dos seus trabalhadores, a estrutura do negócio e as limitações ambientais.

Bygrave (1989a) classifica os principais temas desenvolvidos na área da empresarialidade em quatro grupos, de acordo com a abordagem utilizada: pessoais, sociológicos, organizacionais e ambientais. Estas abordagens são ainda cruzadas com as várias fases do processo empresarial desde a ideia empresarial ao crescimento da empresa.

Bull e Willard (1993) agrupam a literatura existente sobre criação e desenvolvimento de pequenas empresas em cinco grandes grupos: i) estudos que incidem sobre a definição da palavra entrepreneur (empresário ou empreendedor), ii) a abordagem dos traços de personalidade (trait approach), que se debruça sobre as características psicológicas das pessoas identificadas como empresários, iii) estudos das estratégias de sucesso, que procuram explicações para o êxito de empresas novas e existentes, iv) a formação de novas empresas e v) estudos dos efeitos dos factores ambientais sobre as acções empresariais.

Veciana (1995, 1999) propõe dois critérios para classificar estas teorias: a abordagem teórica e o nível da análise. Este autor considera quatro abordagens teóricas, nomeadamente: (1) económica, (2) psicológica, (3) sócio-cultural ou institucional e (4) gerencial; e três níveis de análise: micro (nível individual), meso (nível de empresa) e macro (nível global da economia).

A comparação das várias classificações apresentadas evidencia os seguintes aspectos: - O estudo da empresarialidade desenvolve-se em torno de três elementos centrais: (1) o empresário, (2) a empresa e (3) o meio envolvente (ou contexto). Alguns autores incluem ainda o processo, mas este pode ser visto como uma análise dinâmica de um ou vários destes elementos (p.e. no caso de Gartner, 1985), o processo corresponde às actividades desenvolvidas pelo empresário).

- Estes elementos são frequentemente analisados isoladamente análises unidimensionais mas cada vez mais os autores defendem e propõem o estudo conjunto dos elementos e das suas interacções modelos multidimensionais.

- As diversas abordagens ou perspectivas teóricas mencionadas podem cruzar-se com os três elementos identificados (empresário, empresa e meio envolvente) da seguinte forma: as abordagens psicológica e comportamental centram-se sobre o empresário; a abordagem económica e a sócio-cultural podem incidir sobre qualquer dos três elementos; a abordagem gerencial ou organizacional incide essencialmente sobre a empresa (apesar de indirectamente também considerar o empresário como agente decisor e o meio ambiente com o qual a empresa interage).

Com base nestas considerações, sugere-se uma classificação bastante próxima da classificação de Veciana (1995, 1999) mas que difere nos seguintes aspectos: - Optou-se por substituir o termo abordagem psicológica por abordagem pessoal na medida em que permite a inclusão de outras características, para além das psicológicas, que são frequentemente referidas na literatura.

- Considera-se a teoria do comportamento do empresário como uma abordagem distinta da abordagem gerencial/organizacional e que incide simultaneamente sobre o empresário e a empresa.

- Inclui-se a teoria das redes também ao nível do ambiente geral.

- Distingue-se entre abordagens que incidem sobre apenas um elemento do processo empresarial (abordagens unidimensionais) e as abordagens que procuram estudar simultaneamente os vários elementos deste processo e as suas inter-relações (abordagens multidimensionais).

Consideram-se, pois, cinco abordagens teóricas à empresarialidade que se aplicam aos três elementos centrais, acima identificados, da seguinte forma: 1 A abordagem económica: explica o fenómeno da empresarialidade como resultado de uma racionalidade económica, seja a nível do empresário, da empresa ou do sistema económico.

2 A abordagem pessoal: centra-se sobre as características pessoais do empresário, não as psicológicas mas também as relativas a outros atributos pessoais (p.e. idade, sexo, antecedentes, etc.), muitas vezes em contraste com gestores ou com não-empresários.

3 A abordagem comportamental: incide sobre o comportamento do empresário, isto é, nas acções que desenvolve para desempenhar a sua função. Esta abordagem, contrariamente à anterior, incide sobre o que ele faz e não sobre o que ele é. O que ele faz apenas interessa na medida em que está ligado ao processo de criação e desenvolvimento da empresa.

4 A abordagem sócio-cultural: enfatiza os factores sócio-culturais incluindo os factores institucionais formais que determinam o espírito empresarial e a criação de empresas num determinado momento e lugar. Pode também ser adoptada no estudo do empresário (ou potencial empresário), da empresa ou do contexto.

5 A abordagem gerencial: incide sobre as características da empresa e da sua organização, não se aplicando, por isso, ao estudo da fase anterior à criação da empresa. Deriva, em grande parte, da literatura sobre gestão. Inclui aspectos relacionados com o processo de decisão e a escolha estratégica e tem normalmente uma vertente normativa. Esta abordagem, porque não incide sobre o indivíduo (empresário ou potencial empresário), não se inclui na análise que se segue.

O Empresário

Abordagem económica É largamente, e desde muito, reconhecido que os empresários são a principal fonte de crescimento para muitas economias. Os primeiros estudos sobre o tema surgiram numa perspectiva eminentemente económica procurando explicar a função do empresário na economia. Autores como Say, Marshall, Shumpeter, Cantillon, Mangoldt Weber, Knight, Kihlstrom e Laffont, procuraram explicar e justificar a função e o benefício do empresário. Nesta perspectiva, o empresário é visto essencialmente como um organizador e a função empresarial é apontada como o quarto factor de produção”6 que consiste, essencialmente, em (1) decidir qual o produto a produzir para satisfazer as necessidades humanas; (2) determinar e adquirir os meios de produção (meios materiais, capital e trabalho); (3) estabelecer um plano geral da produção e decidir sobre a combinação óptima de factores; (4) dirigir todo o processo de produção e comercialização; (5) correr o risco inerente a dito processo (Veciana, 1999, p. 85).

Shumpeter (1934) procurou diferenciar a função empresarial de outras funções mais rotineiras de gestão introduzindo a inovação e a descontinuidade como factor diferenciador da função empresarial.

Para este autor, partindo de um mercado em equilíbrio, o empresário teria a função de introduzir a descontinuidade através da introdução de novas formas de organização da produção.

Leibenstein (1968), através da sua teoria da eficiência-X, procura também explicar o papel crítico do empresário na economia. Para este autor a actividade empresarial traduz-se no conjunto de «actividades necessárias para criar e dirigir uma empresa que actua em mercados que não estão bem estabelecidos ou claramente definidos e/ou nos quais se desconhecem totalmente partes relevantes da função de produção» (1968, p. 73). O empresário é, neste contexto, visto como um operador inter-mercado, com o atributo específico de completar o que não existe. Isto traduz-se em quatro tarefas principais: ligar os diferentes mercados, suprir as deficiências de mercado, completar inputs e criar e fazer crescer entidades transformadoras de inputs ou geradoras de outputs.

Kirzner (1973) reconhece também o papel central do empresário na economia mas, ao contrário de Shumpeter, parte da premissa de que o mercado é imperfeito e está em desequilíbrio.

É precisamente esta situação que gera as oportunidades de negócio que o empresário identifica e com base nas quais actua, conduzindo o mercado para um equilíbrio que nunca chega a ser alcançado.

O estudo da função empresarial nos seus primórdios por parte dos economistas teve também como principal objectivo explicar o benefício do empresário um tipo de rendimento distinto da renda da terra, do juro do capital e do salário do trabalhador (Veciana, 1999). Com este objectivo, a teoria do risco foi a que teve mais adeptos (Cantillon, Mangoldt, Weber, Knight, Kilstrom e Laffont).

Dos últimos desenvolvimentos desta teoria destaca-se a teoria de Kilstrom e Laffont (1979) que assenta na ideia de que a decisão de se converter em empresário depende da propensão ao risco e parte da premissa de que todas as pessoas têm a mesma aptidão para desempenhar, indistintamente, funções de empresário e trabalhador. Estes autores propõem uma teoria geral do equilíbrio da criação de empresas que assenta num modelo que postula que perante uma dada taxa de salário a pessoa tem a escolha entre dirigir uma empresa com risco e benefício incerto ou trabalhar com um salário fixo, sem riscos.

A ideia de que o empresário possui características e capacidades próprias que o distinguem de outros agentes do mercado ideia central na abordagem pessoal também estava presente nos escritos de alguns dos economistas do início do século XX.

Say7 (citado in Veciana, 1999), por exemplo, refere: «ser empresário requer a combinação de qualidades morais que frequentemente não se encontram juntas». Estas incluíam a capacidade de fazer julgamentos, a constância, um certo conhecimento da natureza humana, a capacidade de organizar e de fazer cálculos, possuir uma certa energia, ser capaz de suportar condições adversas, o talento de imaginar as melhores especulações e as melhores formas de as realizar.

Mas estas e outras descrições do empresário e das suas funções forneciam, em geral, uma descrição abstracta movendo-se em torno de definições platónicas ou essencialistas.

Actualmente, a abordagem económica da empresarialidade reconhece as suas limitações.

Baumol (1993) referindo-se aos empresários inovadores os que maior impacto têm no crescimento económico e no progresso da produtividade reconhece a dificuldade (se não impossibilidade) de os descrever e analisar sistematicamente. E à questão o que faz o empresário? responde «não é possível saber que este é sobretudo um inovador». Isto significa que as suas acções e processos de decisão não são rotineiras e, por isso, estão para além de qualquer cálculo sistemático.

Abordagem pessoal As dúvidas que alguns autores levantaram sobre a possibilidade de definição do empresário não esmoreceram o interesse dos investigadores sobre o tema. De facto, muita da investigação sobre a empresarialidade continua a centrar-se sobre o empresário-indivíduo, colocando a questão porque é que certos indivíduos iniciam uma empresa enquanto que outros, em condições similares, não? (Gartner, 1989; Baron, 1998). As respostas baseiam-se agora na procura do empresário real ou empírico e partem de duas premissas fundamentais: i) o empresário é diferente do resto da população; ii) os empresários de sucesso são diferentes dos empresários de menor sucesso (Hoy, 1987; Baron, 1998; Buttner & Bruskiewicz, 1993; Gartner, 1985; Veciana, 1999). Assume-se, pois, que apesar da grande diversidade de empresários, existem algumas características que aparecem numa proporção bastante superior nas amostras de empresários em comparação com a população geral e nos empresários de sucesso em relação ao resto da população empresarial. Nesta abordagem incluem-se duas teorias que diferem nas bases que utilizam para distinguir ou classificar os empresários: a teoria dos traços e a teoria cognitiva.

A teoria dos traços centra-se nas características pessoais dos empresários, transformando o porquê em quem ou seja, as questões porque é que um indivíduo cria uma empresa? e porque é que um empresário tem mais sucesso que outro?, são respondidas a partir do pressuposto porque têm certas qualidades inerentes.

Esta abordagem pode ser reconhecida em qualquer investigador que procure identificar traços que diferenciem os empresários dos não empresários (Carland et al., 1988; Hoy, 1987; Wislow & Solomon, 1989; White & Reynolds, 1993; Green et al., 1996) ou que estabeleçam tipologias que relacionem traços e características pessoais dos empresários com o desempenho do negócio (Birley & Westhead, 1994; Chell et al., 1991; Dunkelberg & Cooper, 1982; Hankinson et al., 1997; Herron & Robinson, 1993; Khan, 1986).

A definição de quem é o empresário implica, à partida, que se estabeleça quais os sujeitos que deverão ser objecto de análise. E se isto poderia parecer uma tarefa simples, a verdade é que até hoje não existe consenso em torno desta questão. A quantidade de definições de empresário presentes na literatura é prova evidente disso (Gartner, 1989).

A panóplia de definições existente sugere que o empresário aparece na literatura associado a uma ou à conjugação de várias das seguintes definições: (1) fundador, (2) proprietário, (3) organizador/gestor, (4) inovador. Por outras palavras, para alguns, a simples propriedade de um negócio permite a atribuição do nome de empresário, para outros, este nome apenas deve ser atribuído a um tipo particular de proprietários, normalmente os que têm características empreendedoras. Uns inclinam-se mais para a noção de empresário (o que explora um negócio ou dirige uma empresa por conta própria), outros para a noção de empreendedor (o que toma a iniciativa e/ou ousa fazer alguma coisa difícil ou arriscada).

São muitas e variadas as características dos empresários estudadas na literatura. Grosso modo, elas podem classificar-se em (1) características demográficas, (2) antecedentes familiares, (3) antecedentes profissionais, (4) formação/qualificações, (5) atitudes, (6) valores e (7) motivações.

As várias características estudadas sob esta abordagem, podem ainda agrupar-se em características hard ou objectivas e características soft ou subjectivas. As primeiras referem-se a dados concretos normalmente de natureza descritiva e incluem as características demográficas, os antecedentes familiares, a formação e qualificações, os antecedentes profissionais. As segundas, referem-se a aspectos inerentes à própria definição do empresário como indivíduo a motivação, as atitudes e os valores e, por isso, são particularmente úteis para efeitos de explicação de comportamentos e desempenhos.

Relativamente a este último grupo, cabem algumas considerações: As motivações do empresário para iniciar o seu negócio são um tema abordado desde a década de 60 através da investigação pioneira de McClelland (1961, 1965). Surgem na literatura, normalmente divididas em dois grupos: motivações positivas e motivações negativas. As positivas correspondem a um desejo de melhorar a sua situação, e incluem, por exemplo o desejo de poder, sucesso e dinheiro. As negativas correspondem a uma necessidade de sair de, ou de evitar, uma situação indesejada ou insuportável, normalmente imposta do exterior, e inclui a insatisfação com o trabalho, a perda ou o medo de perder o emprego. Por outras palavras, as primeiras correspondem a uma lógica de recompensa, enquanto que nas segundas se trata de evitar um castigo. também quem distinga entre motivações intrínsecas e extrínsecas (Manimala, 1996) por vezes referidas na literatura anglo-saxónica como pull e push factors. As primeiras referem-se aos desejos do indivíduo, enquanto que as segundas se referem a imperativos (circunstâncias) ambientais que forçaram (ou conduziram) os indivíduos a tornarem-se empresários (perda de emprego, necessidade de encontrar uma fonte de rendimento, etc.).

Um outro aspecto que ressalta das diferentes características é, não a grande variedade de atitudes atribuídas aos empresários, como também o facto de que essas atitudes são por vezes contraditórias, tal como diversos autores constataram (Kets de Vries, 1977; Hoy, 1987; Gartner, 1989; Carland et al., 1989; Chell & Haworth, 1993; Gibb, 1993; Veciana, 1999). Note-se, por exemplo, que: - Para uns, os empresários têm uma elevada consciência e envolvimento social, mas para outros, trata-se de pessoas marginalizadas.

- Para uns, são pessoas auto-confiantes e com alto grau de auto-estima, mas para outros, são pessoas com sentimentos de impotência, baixa auto-estima e com sentimentos de rejeição.

- Para uns, são pessoas inovadoras e abertas à inovação e com alta tolerância à incerteza e ambiguidade, enquanto que para outros, os empresários gostam da ordem e da conformidade.

- Para uns são ingénuos, para outros são maquiavélicos.

- Para uns são flexíveis, para outros são rígidos.

Apesar dos resultados, até certo ponto pouco animadores, da abordagem dos traços, alguns investigadores não desistiram de estudar os empresários e as suas diferenças, mas adoptaram uma abordagem algo diferente uma abordagem enfatizando o papel do processo cognitivo na empresarialidade (Baron, 1998; Buttner & Gruskiewicz, 1993; Palich & Bagby, 1995; Busenitz & Lau, 1996; Levenhagen & Thomas, 1993).

Nesta perspectiva, assume-se que aquilo que se pensa (e como se pensa) tem um impacto significativo nas atitudes e na intenção de iniciar um negócio (Busenitz & Lau, 1996; Huuskonen, 1993). Esta abordagem também designada por teoria cognitiva explora a percepção individual e a forma como esta se desenvolve e se transforma em comportamentos e atitudes. Baseia-se, por isso, no paradigma subjectivo, e assenta em conceitos como ambiguidade, construção social e estabelecimento (enactment) dos significados (Levenhagen & Thomas, 1993).

Um pequeno mas crescente corpo de investigação parece conduzir à conclusão de que os empresários, de facto, diferem das outras pessoas em alguns aspectos cognitivos.

Buttner e Gryskiewicz (1993), com base no modelo de Adaptação-Inovação de Kirton, desenvolvido nos finais da década de 70, procuram identificar o estilo de resolução de problemas dos empresários. Segundo este modelo, os indivíduos podem situar-se num contínuo entre um estilo orientado para a adaptação e um estilo orientado para a inovação. Conclui que os empresários têm uma orientação significativamente mais inovadora que os gestores. Distinguem também entre empresários com orientação mais inovadora versus menos inovadora.

Huuskonen (1993), na análise dos factores que influenciam a decisão de se tornar empresário, desenvolve um modelo onde procura especificar a influência dos antecedentes, dos factores pessoais e da realidade objectiva sobre a percepção do empresário. Esta constitui a realidade subjectiva que pode conduzir à decisão de criação da empresa.

Palich e Bagby (1995) comparam os resultados do processo cognitivo de empresários e não-empresários. Concluem que, contrariamente ao que a teoria geralmente afirma, os empresários não têm uma maior propensão ao risco; eles diferem sim, em termos de como pensam acerca das situações de negócios: os empresários tendem a categorizar cada situação como tendo mais forças, oportunidades e potencial para o ganho do que os não empresários, ou seja os primeiros resultaram mais optimistas.

Busenitz e Lau (1996), com base na ideia de que algumas culturas produzem muito mais empresários do que outras, desenvolvem um modelo cross-cultural de cognição empresarial e procuram clarificar porque é que alguns indivíduos tendem a ser mais prolíferos na criação de novas empresas que outros dentro e fora do seu país natal. Argumentam que factores tais como o contexto social (capital social), os valores étnicos ou culturais e variáveis individuais, têm também um impacto significativo na natureza da cognição individual e mostram como esta pode ser uma fonte de vantagem competitiva. Distinguem entre estrutura cognitiva (esquema que representa os conhecimentos ou mapa mental) e processo cognitivo (forma como o conhecimento é recebido e utilizado).

Baron (1998) explora as potenciais fontes de erro ou distorção nos mecanismos cognitivos dos empresários. Sugere que os empresários trabalham frequentemente em situações caracterizadas por altos níveis de incerteza, novidade, emoção e pressão de tempo que tendem a limitar ou ultrapassar a sua capacidade de processar informação e, consequentemente, a aumentar a susceptibilidade a um certo número de distorções cognitivas. São estas condições específicas de trabalho que conduzem a diferenças de cognição relativamente ao resto das pessoas. Apesar deste estudo ter sido desenvolvido com o objectivo de ajudar a desenvolver técnicas para apoiar o empresário a evitar os erros e armadilhas cognitivas acima descritas, Baron (1998) reconhece, no entanto, que não se pode tornar os empresários resistentes a todas as fontes de erro cognitivo, tornando-os seres humanos totalmente racionais.

Essa pretensão, para além de ser impossível, poderia ter implicações negativas: olhando o mundo com olhos totalmente racionais, o empresário poderia nem sequer iniciar a sua empresa. De facto, note-se que Busenitz e Lau (1996), por exemplo, consideram que um maior uso de distorções e heurística na tomada de decisão permite um processamento de informação mais rápido o que se poderá relacionar positivamente com a intenção de iniciar um negócio.

Abordagem Comportamental Os defensores da teoria comportamental, nomeadamente Gartner (1989), argumentam que a abordagem dos traços tem sido infrutífera, pois, ainda que aparentemente o empresário pareça deveras diferente, as características que normalmente se lhe atribuem existem em muitas outras pessoas que nada têm a ver com a empresarialidade. Assim, enquanto que na abordagem dos traços um empresário é visto como um conjunto de traços de personalidade, nas abordagens comportamentais um empresário é considerado na perspectiva das actividades que ele desenvolve para a criação de uma organização. O que diferencia o empresário de um não-empresário é o facto de que os empresários criam empresas enquanto que os outros não. Como refere Gartner (1989), se a questão central é como é que surgem as organizações os empresários devem ser vistos em relação ao seu papel de tornar possível o seu surgimento. Por isso se diz que o foco da atenção é sobre o que o empresário faz e não sobre o que ele é (Gartner, 1989; Veciana, 1995).

Se a empresarialidade é comportamental, então pode dizer-se que estes comportamentos cessam assim que a organização é criada. O indivíduo que cria a organização é empresário (empreendedor) assumindo, posteriormente, outros papéis inovador, gestor, proprietário de pequena empresa, etc. Isto significa que ser empreendedor não é um estado fixo de existência mas sim um papel que os indivíduos assumem para criar organizações (Gartner, 1989). Nesta linha, Gartner (1985), refere-se às acções que um empresário desenvolve para criar uma empresa: a localização de uma oportunidade de negócio, a acumulação de recursos, a produção e colocação do produto no mercado, a construção de uma organização e a resposta às exigências do governo e da sociedade.

Contrariamente à teoria dos traços, que assume em grande medida que o empresário tem características e capacidades inatas, a teoria comportamental assume que existem certos comportamentos e destrezas que caracterizam os empresários e que podem ser aprendidos ao longo da vida.

A questão fundamental é quais são esses comportamentos e como se adquirem essas destrezas. Como referem Gartner (1989) e Johannissson (1986), algumas investigações sugerem que se adquirem à medida que se vai agindo. Por isso, os empresários que começaram mais do que uma organização parecem ter mais sucesso e ser mais eficientes no lançamento da sua segunda e terceira organização.

Uma capacidade que desenvolvem pode ser a de identificar e avaliar problemas (Gartner, 1989) ou a de desenvolver redes (Johannisson, 1986). Mas, fica por responder até que ponto o comportamento empresarial/empreendedor pode ser ensinado.

Note-se que a abordagem comportamental a criação de organizações como um evento contextual, resultado de muitas influências. Neste sentido, pode dizer-se que o empresário é apenas uma parte do complexo processo de criação de uma nova empresa.

Note-se também, que esta abordagem segue, em grande medida, o trilho das investigações na área de estratégia empresarial e comportamento organizacional (Mintzberg, 1975; Senge, 1990), substituindo as palavras estratega ou gestor por empreendedor/empresário.

Viu-se que enquanto as teorias dos traços e cognitiva tendem a perspectivar o empresário como um estado fixo de existência, a teoria comportamental de Gartner (1989) perspectiva-o como um estado perene ou provisório que evolui necessariamente para outro (p.e. o de gestor). CzarniawskaJoerges e Wolff (1991), num interessante artigo, propõem uma outra visão: a de que a condição de empresário corresponde a um papel no teatro organizacional que alterna com outros dois papéis cruciais: o de gestor e o de líder. Aplicando a metáfora do teatro, estes autores utilizam uma perspectiva subjectiva de análise, continuando e estendendo a tradição da interpretação simbólica dos papéis daí a sua denominação de teoria dos papéis.

Nesta linha de pensamento, também Johannissson (1998) argumenta que o empresário pode ser estudado como uma pessoa real que desempenha vários papéis. Isto significa, não que não é possível destrinçar entre a vida privada (social) e profissional (empresarial) do empresário, mas também que o empresário desempenha simultaneamente (ou consoante as necessidades) o papel de anarquista e organizador (Johannissson, 1992; Johannissson et al., 1994). Como anarquista, necessita independência para criar e seguir a sua própria visão; como organizador, funciona como gestor de dependências, criando alianças e coligações para concretizar essa mesma visão.

Abordagem Sócio-Cultural A abordagem sócio-cultural, como foi referido, centra-se sobre os factores sócio-culturais que afectam a empresarialidade. Quando aplicada ao empresário, esta abordagem enfatiza a influência de factores não económicos, externos ao empresário, que desencadeiam a decisão de criar uma empresa e que interferem no processo de tomada de decisão ao longo da sua existência. O desenvolvimento desta abordagem surge, em grande medida, pelo reconhecimento de outras racionalidades, para além da racionalidade económica, nas transacções de mercado e na decisão de criar uma empresa, por influência da teoria institucional.

A ideia de que ser empresário é uma característica inata, mais ou menos implícita em algumas abordagens pessoais, não reconhece que as ideias e as ambições estão pessoalmente envolvidas em situações sociais e que o individualismo é, em si mesmo, um fenómeno social. No entanto, outros autores, no âmbito do que vulgarmente se denomina teorias do desenvolvimento social da personalidade e da contingência, reconhecem que a empresarialidade () pode ser compreendida quando considerado o tipo de situações enfrentadas pelos indivíduos e os grupos com quem os indivíduos se relacionam.

Esta perspectiva considera que os indivíduos podem mudar ao longo da sua vida e que, apesar de não se poder inferir que se podem fazer empresários pela simples manipulação do ambiente, eles podem ser apoiados se, eles e uma parte relevante do seu ambiente, forem assistidos nesse sentido.

Gibb e Ritchie (1982) distinguem esta perspectiva (que apelidam de engenharia social) da (tradicional/ aleatória) abordagem dos traços tal como apresentada no Quadro 1.

Gibb e Ritchie (1982) desenvolveram uma tipologia de empresários explicitamente com base nos antecedentes e influências sociais ao longo da vida de um indivíduo. Neste sentido, Gibb (1993) chama a atenção para o facto de que será inútil procurar estabelecer tipologias ou descrições de empresários a menos que se utilize uma abordagem que inclua mais do que as características sociais, psicológicas e económicas. Deve basear-se também nos seus comportamentos, juntamente com uma abordagem contingencial. Como refere este autor: «Diferentes tipos de comportamento empresarial são necessários em diferentes mercados para alcançar o crescimento, e diferentes traços, capacidades e habilidades serão necessárias dependendo dos níveis de incerteza e complexidade do ambiente» (p. 16).

Por influência desta perspectiva, nos últimos anos tem crescido a consciência de que o empresário fornece apenas uma explicação parcial. Por isso, têm surgido modelos e tipologias que incorporam o factor contingencial e incluem para além do empresário, outros aspectos relativos à organização e ao ambiente. Por exemplo, Miettinen e Hedberg (1993) defendem a aplicação da teoria da contingência ao estudo do empresário, na medida em que a personalidade e o comportamento mais eficaz depende das circunstâncias ambientais e organizacionais. Assim, desenvolvem um estudo em que procuram estudar a congruência entre indivíduo e ambiente. Para isso, consideram empresários em três contextos diferentes: cidades, campo e locais de passagem. Na mesma linha, também Manimala (1996) assume que as políticas de empresa (estuda em particular as políticas de lançamento da empresa) são influenciadas pela personalidade do fundador, pelas características do meio e pelas características emergentes da organização. Chell e Haworth (1993) desenvolvem uma tipologia com base em várias dimensões da personalidade e contextuais (organizacionais), nomeadamente a orientação para o crescimento e o estádio de desenvolvimento do negócio. Outras aplicações e desenvolvimentos desta abordagem surgem em estudos do empresário numa perspectiva cross-cultural.

Um outro exemplo de uma abordagem sócio-cultural aplicada ao estudo do empresário é a teoria psicodinâmica de Kets de Vries (1977) que explora as forças sociais e psicodinâmicas que influenciam a empresarialidade. Este autor propõe uma conceitualização da personalidade empresarial de acordo com um modelo que apelidou reactivo. Segundo este modelo, o futuro empresário reage contra as exigências iniciais que lhe foram impostas pela sua família e ambiente imediato. A formação da personalidade desenvolve-se num sentido psicodinâmico forma-se através de uma reacção de defesa. Neste sentido, conseguir estabelecer uma empresa torna-se um importante símbolo de prestígio e de poder e uma forma de apoiar um inseguro sentimento de autoconfiança.

A teoria dos modelos é também uma abordagem sócio-cultural e baseia-se na ideia de que um factor externo que influi de forma decisiva na decisão de criação de empresas é a existência de «factos (exemplos ou provas) que tornem verosímil a possibilidade de criar uma empresa» (Veciana, 1999, p. 22). É a existência de modelos que explica que em meios familiares em que ou houve empresários seja mais provável que surjam novos empresários. Da mesma forma, esta teoria explica porque em certas áreas geográficas se criam mais novas empresas que noutras, ou seja, porque é que nas regiões industriais onde existe uma forte cultura empresarial se criam bastantes novas empresas e porque é que é tão difícil fomentar a criação de empresas noutras regiões onde não se esta circunstância. A literatura sobre distritos industriais (Becattini, 1989, 1994; Garofoli, 1994a, 1994b) bem como a teoria das redes (Johannissson, 1993) apoiam também fortemente esta teoria.

A teoria da marginalização assenta, à semelhança de outras teorias referidas, no pressuposto de que a criação de uma empresa não é, normalmente, fruto de um processo inteiramente racional de análise e decisão. De facto, várias investigações sobre o empresário e o processo de criação da empresa tornaram evidente a importância de algum acontecimento, geralmente negativo, que desencadeou e/ou precipita o processo de criação da empresa. Pode ser a perda de emprego ou o facto de pertencer a um grupo minoritário ou desfavorecido (p.e. ser mulher, pertencer a uma etnia minoritária). Nestes casos, a pessoa socialmente marginalizada procura uma saída profissional (e social) através da criação de uma empresa. Esta teoria foi avançada por Brozen11 na década de 50 (referido in Veciana, 1999) e confirmada mais recentemente, por diversos autores (Young, 1971; Min, 1984).

Conclusão: o Empresário uma Figura Complexa e Fundamental A importância do empresário no processo de criação e desenvolvimento de pequenas empresas é por demais reconhecida, o que se reflecte, não na imensidão de estudos que lhe são dedicados, como também na variedade de abordagens através das quais é estudado.

A abordagem económica foi a primeira a chamar a atenção para a importância do empresário.

Assente na lógica da racionalidade económica, pode constituir uma ferramenta útil no processo de tomada de decisão do (potencial) empresário. Esta abordagem tem, pois, como refere Baumol (1993), bastante potencial para os aspectos normativos da empresarialidade. Todavia, dado o carácter não sistemático da empresarialidade, a sua utilidade bastante reduzida em termos descritivos e explicativos.

A abordagem pessoal é a que mais literatura produziu. Essencialmente, os investigadores procuram conhecer as características e os estilos cognitivos que identificam e distinguem os (potenciais) empresários de sucesso. A teoria cognitiva está mais centrada na compreensão dos aspectos (ir)racionais, de como se formam os julgamentos e se tomam as decisões. Alguns dos resultados destes estudos acabam por ser incorporados na abordagem dos traços (por exemplo o reconhecimento de que os empresários têm percepções mais optimistas). Não existe, no entanto, um consenso relativamente a um (ou vários) perfil(s) de empresário(s), nem sequer em relação à possibilidade de o estabelecer. Por isso, alguns investigadores preferiram afastar-se desta linha de investigação que incide sobre construções não-observáveis e centrar-se sobre as acções que os empresários desenvolvem abordagem comportamental.

Foi a crescente consciencialização da importância dos factores externos não-económicos na formação e desenvolvimento da personalidade, nos processos cognitivos, nas atitudes e comporta- mentos, que fez com que, na análise do empresário e do processo de decisão, se desenvolvessem várias teorias no âmbito da abordagem sócio-cultural que estudam especificamente a influência destes aspectos nos empresários e nos seus comportamentos.

Neste conjunto de abordagens é possível identificar a existência de duas linhas de investigação distintas: - Por um lado, na linha da teoria da administração desenvolveu-se a teoria da empresarialidade, com base em pressupostos determinísticos e com uma abordagem essencialmente económica.

Nesta linha, os indivíduos são vistos como decisores racionais que tentam maximizar os lucros através da optimização dos recursos. Relaciona-se, pois, com o desenvolvimento de capacidades formais que capacitem os indivíduos para melhor planear e implementar as decisões racionais. Os seus objectivos são essencialmente normativos.

- Por outro lado, desenvolve-se a teoria da empresarialidade com base em pressupostos voluntaristas. O empresário/empreendedor é visto como um promotor de inovações que criativamente destrói a ordem estabelecida no mercado (Shumpeter, 1934). Criatividade, intuição e empenho são algumas das características que tipicamente lhe são atribuídas. A procura destas e outras características tem, essencialmente, fins explicativos.

A abordagem normativa sugere que a empresarialidade pode ser aprendida, mas, por outro lado, sugere-se que os empresários têm capacidades subjectivas tais como visão e intuição que são específicas de cada indivíduo e que não podem ser transmitidas. A resolução deste paradoxo pode estar na adopção de uma perspectiva subjectivista, i.e., considerar que existem diferentes percepções da realidade (Weick, 1979, 1995). O facto de existirem diferentes percepções da realidade significa que a realidade é ambígua. Assim, enquanto que a maioria das pessoas são atraídas por percepções colectivamente definidas e aceites, os empresários/empreendedores possuem percepções divergentes que constituem a sua própria visão e que defendem convictamente. A realização dessa visão exige que o empresário seja capaz de desempenhar vários papéis que lhe permitam pôr em causa as percepções colectivas instaladas e introduzir as suas próprias percepções apresentando-as como uma construção lógica e coerente aos olhos das outras pessoas. Para conseguir tudo isto, as capacidades dos empresários não se podem restringir a capacidades técnicas e formais. A intuição, o conhecimento tácito e as capacidades de socialização e de acção, de cariz mais informal, são qualidades que o empresário de sucesso deverá também possuir. Esta perspectiva exige também a consideração de voluntarismo e determinismo no processo empresarial, ou, se se quiser, a existência de dependência e independência na acção empresarial.

Em suma, cada abordagem oferece contribuições parciais e por vezes paradoxais. É o reconhecimento de que todas as abordagens são necessárias que permitirá um conhecimento do empresário como pessoa real e completa. Aliás, a revisão da literatura permite constatar que as diferentes abordagens frequentemente se interpenetram e que, frequentemente, não é fácil estabelecer uma linha divisória.

Por exemplo, se a teoria dos traços teve inicialmente uma perspectiva estática e centrada exclusivamente no empresário, a introdução da contingência proporciona-lhe, não uma flexibilidade que a aproxima da teoria dos papéis, como permite a consideração de variáveis sócio-culturais. Para além disso, verifica-se que, mais do que um abandono da teoria dos traços a favor da teoria comportamental, cada vez mais existe o reconhecimento de que ambas as abordagens são necessárias (Carland et al., 1988; Gartner, 1989). Isto revela-se na existência de estudos que consideram simultaneamente traços de personalidade e traços comportamentais. É o caso de Dunkelberg e Cooper (1982), Hakinson et al. (1997), White e Reynolds (1993) e Gartner (1989), entre outros. Se a teoria comportamental procura identificar os comportamentos que caracterizam os (bons) empresários, a teoria dos traços procura identificar as características distintivas que poderão estar na base desses comportamentos.


Download text