Sustentabilidade: diferentes perspectivas, um objectivo comum
CONTEXTO HISTÓRICO
A evolução histórica da Humanidade mostra claramente as mudanças que ocorreram
na relação entre homem e natureza. O homem sempre modificou o ambiente natural
em que está inserido para garantir a sua sobrevivência. Porém, com o passar dos
anos, essas modificações foram cada vez maiores.
Após a Revolução Agrícola, caracterizada pela notável alteração da relação
entre homem e natureza (o homem passa a domesticar os animais e a dominar as
técnicas de plantio), surgiram as primeiras cidades e com elas o uso
insustentável dos recursos naturais. Deste modo, emergiram os primeiros grandes
impactos ambientais, como por exemplo, a extinção de espécies, a destruição das
florestas e o desvio de cursos de água. Como resultado desta nova forma de
vida, que passou do nomadismo para o sedentarismo, ocorreu o aumento da
capacidade produtiva humana e o surgimento de outros ofícios que não estavam
directamente ligados à produção de alimentos.
A complexidade deste novo contexto social exigiu uma maior cooperação entre as
pessoas para a manutenção da qualidade de vida. Segundo Dias (2006) ,«nesse
momento, a melhoria da qualidade de vida dava-se em detrimento do mundo
natural, pois a concepção predominante era de luta do homem contra a natureza»
(p. 4). No entanto, as profundas alterações que ocorreram no ambiente natural
foram posteriores, com a Revolução Industrial.
Até então «a maior parte das calamidades que afligiam os homens tinham uma
origem natural. A Revolução Industrial veio alterar a situação na medida em que
as ameaças passaram sobretudo a surgir no interior das próprias sociedades»
(Beaud, 1995, p. 23).
A Revolução Industrial surgiu em Inglaterra no Séc. XVIII e expandiu-se pelo
mundo a partir do Séc. XIX. O seu intuito era promover um crescimento económico
e com isso uma melhor qualidade de vida para a população. De facto, a Revolução
Industrial trouxe alguns benefícios sociais como o conforto, o aumento da
esperança média de vida, a evolução dos meios de comunicação, transporte e
alimentação. Porém, os meios utilizados para proporcionar estes benefícios
apresentaram consequências devastadoras, como o consumo excessivo de recursos
naturais, a poluição do ar, da água e do solo, além da concentração
populacional e dos problemas sociais oriundos dela.
«Na segunda metade do Séc. XX foram empregados mais recursos naturais na
produção de bens que em toda a história anterior da humanidade» (Dias, 2006, p.
7). Como resposta à ineficiência deste processo de industrialização e dos
desastres oriundos dela, a Humanidade começou a organizar-se de modo a formular
uma nova estratégia de desenvolvimento onde o meio ambiente era considerado
como parte fundamental do processo de evolução da sociedade.
Na Figura 1, apresentada abaixo, apresenta-se uma linha do tempo com os
acontecimentos mais importantes relacionados com o desenvolvimento sustentável.
Figura 1
Principais acontecimentos relacionados com o desenvolvimento sustentável
Como se pode observar, as questões ambientais começaram a ser pontualmente
questionadas nos anos 1950 e 1960, mas foi a partir da década de 1970 que a
Humanidade tomou consciência de que os recursos naturais eram limitados e a
possibilidade de esgotamento de alguns destes recursos era real.
O CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
O desenvolvimento sustentável apresenta três pilares centrais: o
desenvolvimento económico, a protecção ambiental e a inclusão social (Figura
2).
Figura 2
Pilares do desenvolvimento sustentável
Como se pode ver na Figura 2, o desenvolvimento sustentável depende do
equilíbrio dinâmico entre os três pilares. O desenvolvimento económico refere-
se à geração de riqueza, a protecção ambiental diz repeito aos impactos no
sistema natural e social e a inclusão social aborda os problemas relacionados
com a má distribuição de rendimento, saúde e oportunidades.
Maurice Strong, no prefácio do livro de Ignacy Sachs (1993), afirma que o
conceito de desenvolvimento sustentável surgiu a partir do termo
«ecodesenvolvimento», apresentado na Conferência de Estocolmo em 1972.
«Ecodesenvolvimento» é um termo usado para descrever um desenvolvimento
ecológico através da gestão positiva do ambiente para benefício humano e da
natureza (Gilpin, 1997).
Segundo o Dictionary of Environment and Sustainable Development (Gilpin, 1997),
o desenvolvimento sustentável é um desenvolvimento que propicia um benefício
económico, social e ambiental a longo prazo, tendo em conta as necessidades
actuais e das gerações futuras e exige:
* uma maior ênfase na conservação dos recursos naturais e dos sistemas de base
sobre os quais todo o desenvolvimento depende;
* uma maior consideração à equidade social no contexto nacional e
internacional, com particular atenção nos países mais pobres;
* um horizonte de planeamento que ultrapasse as necessidades e aspirações da
actual geração.
Para se alcançar o desenvolvimento sustentável é necessário abordar as
variáveis que o constituem. Para Sachs (1993), o desenvolvimento sustentável
possui diferentes dimensões que podem ser analisadas individualmente ou
colectivamente. Abaixo segue um resumo das cinco dimensões defendidas pelo
autor:
* Dimensão social: trata-se de um processo de desenvolvimento baseado na
distribuição de renda, a fim de reduzir a distância entre os padrões de vida
de abastados e não-abastados.
* Dimensão económica: deve ser avaliada mais em termos macrossociais do que
apenas por meio de critérios pontuais de lucratividade empresarial, com o
intuito de promover mudanças estruturais que actuem como estimuladores do
desenvolvimento humano sem comprometer o meio ambiente natural.
* Dimensão ecológica: propõe um sistema produtivo mais eficiente com soluções
ecologicamente correctas e economicamente viáveis através do uso de
tecnologias limpas e fontes de energia alternativa renováveis.
* Dimensão espacial: sugere um dimensionamento espacial adequado, onde haja
equilíbrio entre as populações rural e urbana.
* Dimensão cultural: propõe um novo modelo desenvolvimentista que valorize a
continuidade das tradições e pluralidade dos povos.
Para a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento ' CMMAD (1991)
desenvolvimento sustentável é um processo de transformação no qual a exploração
dos recursos, a direcção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento
tecnológico e a mudança institucional se harmonizam, a fim de atender às
necessidades e aspirações humanas sem comprometer as futuras gerações.
Segundo Almeida (2002), o termo desenvolvimento sustentável tem como base o
reconhecimento do insustentável padrão de desenvolvimento das sociedades
contemporâneas. Para o autor, o termo nasce da compreensão que os recursos
naturais são finitos e que as injustiças sociais são provocadas pelo modelo de
desenvolvimento adoptado pela maioria dos países.
De acordo com Spangenberg (2001), a sustentabilidade é essencialmente um novo
modo de ver o mundo, baseado nas relações de justiça e partilha de
responsabilidade intra e inter-gerações (Figura 3).
Figura 3
Objectivo do desenvolvimento sustentável
Embora a expressão desenvolvimento sustentável seja muito utilizada, não existe
um conceito único que a defina. Assim, pode dizer-se que o conceito de
desenvolvimento sustentável inclui a utilização de recursos com o carácter de
perpetuação, envolvendo crescimento económico, preservação ambiental e bem-
estar social.
O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E A RELAÇÃO ENTRE OS PAÍSES DESENVOLVIDOS E EM
DESENVOLVIMENTO
«...caso se integrem as preocupações relativas a meio ambiente e
desenvolvimento e a elas se dedique mais atenção, será possível satisfazer as
necessidades básicas, elevar o nível da vida de todos, obter ecossistemas
melhor protegidos e gerenciados e construir um futuro mais próspero e seguro.
São metas que nação alguma pode atingir sozinha; juntos, porém, podemos ' em
uma associação mundial em prol do desenvolvimento sustentável.»
Agenda 21 (Capítulo 1, p. 1)
As primeiras discussões sobre o desenvolvimento sustentável que envolveram as
diferentes perspectivas entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento
ocorreram na Conferência de Estocolmo, Suécia, em 1972. Os países desenvolvidos
queriam limitar o desenvolvimento económico dos países em desenvolvimento,
alertando para a exploração excessiva dos recursos naturais, mostrando-se
favoráveis a restrições ao modelo que utilizavam. Os países em desenvolvimento,
como resposta, afirmaram que as grandes potências queriam conter a expansão do
seu parque industrial, destacaram a pobreza como a maior poluição e defenderam
o desenvolvimento a qualquer custo.
Os encontros que se sucederam a partir daí foram muito importantes para se
entender as diferenças e as necessidades que existem entre os países do Norte
(desenvolvidos) e do Sul (em desenvolvimento) e de que maneira cada um pode
contribuir para o desenvolvimento sustentável. Desta forma constatou-se que os
principais problemas dos países em desenvolvimento são o grande crescimento
populacional e a falta de tecnologia para a exploração eficiente dos recursos
naturais, enquanto que os países desenvolvidos apresentam uma população estável
e uma boa infraestrutura social, porém consomem excessivamente os recursos
naturais, devido ao seu estilo de vida.
No Séc. XX, a população mundial aumentou de 1,6 mil milhões para 6,1 mil
milhões. Este crescimento ocorreu sobretudo nos países em desenvolvimento e a
maior parte dos futuros aumentos ocorrerão nas regiões mais pobres do mundo,
como se pode ver na Figura 4:
Figura 4
Percentagem da média da taxa de crescimento populacional entre 2001 e 2015.
A taxa de crescimento populacional mede a velocidade à qual a população dos
países muda. Na Figura 4 nota-se claramente as diferenças existentes entre o
crescimento populacional dos países do Norte e do Sul. O rápido crescimento
populacional pode aumentar os problemas económicos, sociais e ambientais, tais
como a inacessibilidade aos recursos, a generalização da pobreza, o desemprego
e a degradação ambiental.
Para Lentz (2001), os países em desenvolvimento exercem uma grande influência
no estabelecimento de uma economia mais sustentável porque:
* 80% da população mundial vive nestes países;
* actualmente, eles utilizam apenas 20% dos recursos mundiais;
* alguns destes países possuem os principais recursos naturais intocáveis, os
quais são responsáveis pelo equilíbrio dos ciclos naturais.
A Figura 5, apresentada abaixo, revela a discrepância entre as despesas
relativas ao consumo total dos países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Figura 5
Despesas do consumo total
De acordo com a United Nations Development Programme (UNDP, 1998) 20% da
população que vive nos países mais ricos são responsáveis por 86% das despesas
totais do consumo privado, enquanto que os 20% mais pobres são responsáveis por
apenas 1,3%. Para uma melhor clarificação desta discrepância, a Tabela 1,
abaixo, faz uma análise comparativa entre os cinco países mais ricos e os cinco
mais pobres do mundo.
Tabela 1
Análise comparativa entre os cinco países mais ricos e os cinco mais pobres do
mundo
Esta realidade é bem expressa no exemplo de Kazazian (2005): «Em 1990, um
americano de classe média consumia um volume de energia equivalente ao de 3
japoneses, 6 mexicanos, 14 chineses, 38 indianos, 168 bengaleses, ou ainda 531
etíopes» (p. 26).
Van Weizsäcker (1997), em Lewis et al. (2001) confirma o fenómeno ao afirmar
que a taxa de consumo per capita na Alemanha é quinze vezes superior à da
Índia, o que significa que 80 milhões de alemães causam mais danos ambientais
que 900 milhões de indianos. Este facto demonstra que os modelos de consumo e
produção, particularmente nos países desenvolvidos, são uma das principais
causas da degradação do ambiente mundial.
Apesar da enorme diferença entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento,
observa-se, na Figura 5, um crescimento contínuo do consumo em todos eles. É
importante lembrar que, com a globalização, o estilo de vida, o comportamento e
os modelos de consumo dos países desenvolvidos estão a estender-se para os
países em desenvolvimento. Imagine agora o que aconteceria se os países em
desenvolvimento tivessem os mesmos padrões de consumo dos países desenvolvidos.
Segundo Savitz (2007), estima-se que, em 2050, com a população mundial a
aproximar-se dos nove mil milhões, serão necessários recursos de cinco planetas
como a Terra, para que os povos da China, da Índia e da África consumam
recursos com a mesma intensidade dos americanos de hoje.
O conceito de «Pegada Ecológica» ou «Ecological Footprinti», criado por William
Rees e Mathis Wackernagel no início da década de 1990, mostra claramente esta
realidade. A «Pegada Ecológica» permite calcular a área de terreno produtivo
necessária para sustentar o nosso estilo de vida. É importante salientar que
não são só os americanos que possuem um estilo de vida insustentável. Segundo
Garcia (2008) de acordo com o conceito de «Pegada Ecológica», cada português
precisa de 4,2 hectares de território produtivo para suprir as suas
necessidades, entretanto Portugal só possui 1,6 hectares por habitante.
Portanto, seriam necessários 2,7 países como Portugal para sustentar o estilo
de vida nacional.
De acordo com estas informações, não há dúvida de que mudanças significativas
devem ocorrer no actual modelo de produção e consumo dos países desenvolvidos e
em desenvolvimento. Meadows et al. (1972) apresentou as consequências deste
comportamento no livro Os Limites do Crescimento, alertando sobre os possíveis
impactos caso todos os países do mundo adoptem o padrão de vida americano.
Como se pode ver na Figura 6, durante o período de 1950 a 1995, os países em
desenvolvimento registaram uma taxa de crescimento anual superior aos países
desenvolvidos. Porém, «os países em desenvolvimento não conseguiram chegar
perto dos países industrializados porque, nesse mesmo período, a sua população
também cresceu mais» (Lomborg, 2002, p. 87).
Figura 6
PIB per capita para países desenvolvidos e em desenvolvimento em PPC$ de 1985,
1950-1995
É também essencial destacar a desigualdade dos valores apresentados nos eixos,
referentes à «Renda por pessoa». Em 1950, a «Renda por pessoa» nos países
desenvolvidos era superior à dos países em desenvolvimento no ano de 1995.
CONCLUSÃO
A mudança para uma forma de desenvolvimento mais sustentado exige
responsabilidade, ética e compromisso. Apesar das diferenças sociais,
económicas e ambientais variarem de país para país, todos têm de seguir juntos
em prol da mesma causa. Cada nação terá de definir a sua própria estratégia de
mudança; no entando, todas deverão chegar a um consenso sobre o conceito básico
de desenvolvimento sustentável, já que este deve ser um objectivo mundial,
enfrentado em conjunto por todas as nações.
Observe-se, por exemplo, a avaliação geral feita pela Comissão Brundtland. Esta
concluiu que a economia internacional deve acelerar o crescimento global,
respeitando ao mesmo tempo as restrições ambientais, e frizou a necessidade de
se modificar as relações económicas internacionais, para reduzir os
desequilíbrios, as desigualdades e o alto nível de dependência entre os países.
Para a Comissão Brundtland (CMMAD, 1991), os objectivos primordiais para a
política de desenvolvimento baseada no conceito de desenvolvimento sustentável
são:
* reactivar o crescimento;
* alterar a qualidade do crescimento;
* satisfazer as necessidades essenciais nos campos do emprego, alimentação,
energia, água e saneamento;
* manter a população num número sustentável;
* conservar e melhorar a base de recursos;
* reorientar a tecnologia e atenuar os riscos; e
* integrar o ambiente e a economia na tomada de decisões.
Para que estes objectivos sejam alcançados, torna-se necessário a transição
para um novo sistema económico, onde haja uma relação harmoniosa entre produção
e consumo em todos e entre todos os países.
Não podemos correr o risco de testar até onde o nosso planeta poderá resistir a
este modelo de desenvolvimento, pois as consequências podem ser irreversíveis.
Devemos ampliar a nossa percepção sobre a complexidade dos sistemas que regem a
natureza e as estruturas socioeconómicas e refletir sobre a actual relação
existente entre nós seres humanos e o ambiente que nos cerca. Assim,
conseguiremos agir de forma consciente, promovendo um novo modelo de
desenvolvimento baseado na economia da permanência, reduzindo a poluição e
aumentando a qualidade de vida de todos.
Nota:
Com o apoio do Programa AlBan, Programa de bolsas de alto nível da União
Europeia para América Latina, bolsa n.º E06M100663BR.