O mecenato: uma perspectiva económico-fiscal
INTRODUÇÃO
A acção social do Estado, dificultada no capítulo do fornecimento de serviços
públicos por força das limitações orçamentais, tem vindo a ser complementada e,
nalguns casos, substituída, pela iniciativa do terceiro sector. A mobilização
da sociedade civil, muitas vezes através da benemerência e do voluntariado,
dedica-se a causas e áreas de intervenção bastante diversas. Engloba,
designadamente, a saúde, a educação, o ambiente, o combate à pobreza, a ajuda à
terceira idade e o desenvolvimento cultural e científico.
O conhecimento dos factores que influenciam os donativos privados contribui
para a eficácia da captação de financiamento por parte das instituições do
terceiro sector, contribuindo para a sua viabilidade económica. Por outro lado,
compreender o papel central que o efeito preço dos donativos desempenha no
respectivo montante, bem como na apreensão dos motivos que estão na base do
comportamento filantrópico empresarial, reveste-se de capital importância na
definição da política fiscal, vertida, em particular, no regime do mecenato
patente no Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) e em outros diplomas,
designadamente no Estatuto do Mecenato Científico.
Os decisores políticos europeus têm vindo a reconhecer o mérito da missão
prosseguida pelas organizações do terceiro sector. Com efeito, para além das
vantagens no plano da coesão e tranquilidade social, elas têm ainda a
capacidade de criar novos empregos. Como nota Freitas do Amaral (2005, p. 748),
o sector solidarista é um «dos mais sólidos esteios da sociedade civil,
autónoma perante o Estado, e indispensável à existência de uma ordem
democrática e pluralista».
O propósito deste texto é o de discutir os aspectos económicos do mecenato,
dando relevo aos objectivos das organizações que actuam como mecenas. A questão
do regime fiscal de incentivo ao mecenato será particularmente abordada.
AS ENTIDADES DO TERCEIRO SECTOR COMO RECIPIENTES DE DONATIVOS MECENÁTICOS
A Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra a coexistência de três
sectores de propriedade dos meios de produção: privado, público e cooperativo e
social [(art. 80.º, alínea b)]. Nos termos do art. 82.º, n.º 4, o sector
cooperativo e social abrange, para além das cooperativas, todas as formas de
exploração comunitária e de autogestão, a par do sector não lucrativo ou
solidário.
A propósito deste último, especificamente previsto na alínea d) do n.º 4 do
art. 82.º, introduzido pela revisão constitucional de 1997, Gomes Canotilho e
Vital Moreira (2007, p. 987) referem que «foi, assim, consagrado na
Constituição aquilo que, na literatura jurídica e económica, por vezes se
designa por terceiro sectorousector da economia social,para abranger todas as
formas de exploração dos meios de produção que, além da circunstância residual
de não serem públicas nem movidas pelo lucro privado, se caracterizam pelo
facto de não obedecerem à lógica de acumulação capitalista...».
Numa perspectiva ampla de solidariedade social, este sector comporta as
instituições não lucrativas que, normalmente, se dedicam à assistência social,
promoção da cultura, saúde, educação, apoio a idosos, entre outras, e cuja
actuação se centra nas actividades altruístas e humanitárias.
Geralmente assumem a forma de associações e fundações, que configuram tipos de
pessoas colectivas que são, como se sabe, muito diferentes das sociedades, as
quais têm um cunho eminentemente lucrativo. Exemplo paradigmático de entidades
do terceiro sector, para além das associações mutualistas, são as instituições
particulares de solidariedade social (IPSS), explicitamente consagradas na CRP
(art. 63.º, n.º 5), e que têm como suporte jurídico uma associação ou uma
fundação.
A expressão terceiro sector, referindo-se às entidades que, não sendo públicas,
não são também privadas com fins lucrativos, é frequentemente utilizada como
sinónimo do sector cooperativo e social. Neste sentido, Ferreira (2005, p. 250)
sustenta que o art. 82.º, n.º 4 da Lei Fundamental abre o terceiro sector às
«cooperativas, comunidades locais, explorações colectivas por trabalhadores, as
pessoas colectivas sem carácter lucrativo que tenham como principal objectivo a
solidariedade social, designadamente entidades de natureza mutualista; a
Constituição não designa expressamente mais instituições, mas entende-se que
sejam as fundações e as associações».
Sendo certo que o terceiro sector não acolhe uma realidade homogénea e que os
seus contornos não são unânimes, também é verdade que o seu alcance é
vulgarmente apreendido. Discorrer sobre esta temática transcende o âmbito deste
trabalho, sem prejuízo de o fazermos sempre que estejam em causa questões
fiscais. E, neste contexto, desde logo, cumpre salientar que o tratamento
fiscal das cooperativas é distinto da generalidade das entidades sem fins
lucrativos
[1]
.
De facto, apesar de as organizações do terceiro sector apresentarem, entre
elas, traços distintivos, esta expressão é recorrentemente utilizada para
designar aquelas que visam responder a algumas necessidades da colectividade.
Esta oferta de serviços públicos actua sob a égide dos valores da solidariedade
e do respeito pela dimensão humana, abstendo-se de critérios de índole
lucrativa. Há, assim, uma assunção manifesta de que a sua actuação não se pauta
por objectivos financeiros, ou melhor, opera num pressuposto de não distribuir
os excedentes gerados pela sua actividade. Correspondem às non-profit
organisations da terminologia anglo-saxónica
[2]
.
Sem prejuízo de eventuais perturbações decorrentes do interesse próprio (self-
interest) de alguns actores, a ausência do elemento finalístico do lucro
atribui às entidades do terceiro sector uma aura que, complementada pelo
tratamento favorável que o Estado lhes concede, facilita a captação de fundos.
Para além da outorga de incentivos fiscais aos que apoiam as entidades do
terceiro sector, o Estado estabelece isenções na esfera da sua tributação. Esta
diferenciação é susceptível de críticas fundadas nas distorções introduzidas no
plano da concorrência, na medida em que as suas actividades podem coincidir com
as de empresas do sector lucrativo que se debatem com constrangimentos fiscais
e de regulação. Porém, como nota Ackerman (1996), as características
distintivas que possuem, nomeadamente a confiança do público, a captação dos
impulsos de generosidade das pessoas e a sintonia ideológica que estabelecem
com alguns grupos sociais, operam como uma fronteira face a outras entidades,
colocando-as num plano competitivo diferente, prevenindo eventuais ameaças ao
funcionamento da economia de mercado.
De acordo com Franco et al. (2005), o sector não lucrativo português, entendido
como o conjunto de instituições organizadas privadas (ainda que informalmente)
não distribuidoras de lucros, auto-governadas e voluntárias
[3]
, envolveu, em 2002, cerca de 250 mil trabalhadores. O seu financiamento
assenta em receitas próprias (48%), apoio público (40%) e filantropia (12%).
Contudo, se o voluntariado for incluído na filantropia, a estrutura de
financiamento altera-se substancialmente: 44%, 36% e 20%, respectivamente.
Ainda assim, a contribuição da filantropia para o financiamento destas
instituições é, em Portugal, inferior à média dos países desenvolvidos, onde
atinge 28%.
À semelhança da composição do terceiro sector, as entidades previstas no regime
do mecenato são de natureza diversa. Fruto da delimitação genérica e imprecisa
do terceiro sector, com fronteiras de geometria variável ' «o que não é público
nem privado lucrativo» ', é compreensível que, em obediência à segurança
jurídica, o regime do mecenato tenha procedido a uma enumeração exaustiva,
tipificando as entidades recipientes. Ademais, as entidades do terceiro sector
não esgotam o conteúdo dos beneficiários do mecenato
[4]
. Assim, independentemente da sua natureza pública ou privada ' o Estado a
financiar-se a ele próprio ', as entidades elegíveis para efeitos de mecenato
têm de prosseguir determinadas actividades consideradas relevantes nas áreas
social, cultural, ambiental, desportiva, educacional e científica (art. 61.º do
EBF).
AS DESPESAS PÚBLICAS E OS DONATIVOS: O EFEITO CROWDING-OUT
Os mecanismos mais importantes de que o Estado dispõe para dinamizar esta
importante área económica são as transferências directas para as instituições
do terceiro sector, a oferta dos serviços públicos e a subsidiação dos
donativos do sector privado, através da via fiscal. É no contexto desta última
vertente, que concretiza uma das finalidades extra fiscais dos impostos ' a de
influenciar a afectação de recursos ', que surgem os benefícios fiscais
concedidos aos sujeitos passivos que consignam uma parte do seu rendimento, sob
a forma de donativos, às instituições do terceiro sector. Atente-se que o
Estado mantém a faculdade de direccionar o fornecimento de bens e serviços para
as áreas que lhe interessa apoiar, mediante o reconhecimento e hierarquização
dos benefícios fiscais dos donativos que lhes são destinados (tal como é
visível na moldura legal do EBF), e de dimensionar o terceiro sector.
Quando as motivações para a concessão de donativos são principalmente de
natureza altruísta, a função «utilidade» do filantropo incorpora a utilidade
dos outros, pelo que é evidentemente influenciada por esta. Ora, se a política
governamental for deficitária em matéria social, os filantropos, animados por
razões essencialmente altruístas, revelam maior propensão para conceder
donativos, substituindo-se à função do Estado.
Contrariamente, se o governo aumentar as despesas com os serviços públicos para
um nível que, sob o ponto de vista do bem-estar dos cidadãos, é adequado, os
agentes que concedem donativos, com o escopo de incrementar a satisfação dos
recipientes, deparam-se com menos razões para o fazer. É neste quadro que
ocorre o fenómeno do crowding-out, que resulta do efeito simétrico que o
incremento das despesas públicas pode ter na atribuição de donativos
[5]
. Saber se os donativos são concedidos por particulares ou por empresas não é
uma questão desprezível nesta matéria, uma vez que o efeito crowding-out pode
ser induzido em cada um destes grupos, não só pelo comportamento do Estado, mas
também pelo do outro grupo.
Embora a literatura empírica não seja unânime, Trost (2006) observa que, de uma
forma geral, há um efeito crowding-out parcial, em que o reforço do papel do
Estado no fornecimento de serviços públicos tem, por consequência, uma quebra
do nível de donativos menos que proporcional. Tal significa que o efeito
crowding-out não é perfeito. Note-se que, entre outras razões, as despesas
públicas podem funcionar como um meio de sinalização de que o desenvolvimento
do terceiro sector é relevante sob o ponto de vista social, incentivando, por
esta via, o apoio dos agentes privados
[6]
.
De acordo com o modelo de Andreoni (1990) ' warm glow model ', existem razões
que animam os filantropos e que não resultam apenas do efeito positivo causado
no recipiente, alimentando a ideia de que a contribuição própria e a
contribuição dos outros não são substitutos perfeitos. Tal não invalida que a
função «utilidade» dos filantropos incorpore a satisfação dos recipientes.
Porém, importa equacionar outras motivações que o acto de contribuir encerra.
Sob os auspícios do warm glow model,os filantropos contribuem com o intuito de
melhorar o bem-estar dos outros, mas beneficiam de outras fontes de satisfação
(reconhecimento, gratidão e sentimentos de desresponsabilização) que acabam por
influenciar a sua função «utilidade»
[7]
.
Os resultados de Duncan (1999) sugerem que o efeito crowding-out envolve não só
dinheiro, mas abrange também o trabalho voluntário, encontrando-se, pois,
subvalorizado. Conclui que o crowding-out não é perfeito e acolhe, portanto, a
tese do warm glow, sem no entanto repudiar liminarmente o altruísmo puro.
Defende, à semelhança de muitos outros autores, que, nesta matéria, não há
soluções simplistas ou de polarização extrema. O mesmo autor observa ainda que
a cooperação entre filantropos diminui o sentimento pessoal de realização que
anima o acto de conceder donativos, uma vez que, segundo a «teoria do impacto
filantrópico», os contribuidores não se movem exclusivamente pela vontade em
aumentar o nível de recursos públicos, ou pelos sentimentos positivos que
derivam do seu acto (warm glow). Agem, também, pelo seu desejo intrínseco de
«fazerem a diferença».
Nesta abordagem, o efeito crowding-out provocado pelas despesas públicas,
assegurada que seja a hipótese de terem outro destino, poderá transformar-se
num efeito crowding-in, porquanto este tipo de filantropia encontra a sua razão
de ser na afectação de recursos a destinos específicos. Os fundamentos da
«teoria do impacto filantrópico», ainda que tenha tido como pano de fundo os
donativos dos indivíduos, podem ser extrapolados para os donativos
empresariais. De facto, sobretudo no âmbito da filantropia estratégica, as
organizações ganham um controlo do tipo de causas que querem ver apoiadas, o
que não acontece com o cumprimento estrito do dever de contribuir: a afectação
da receita do tributo é decidida sem ter em conta as preferências de quem o
entrega.
Tal como Trost (2006) faz notar, a literatura tem limitado a análise do efeito
crowding-outaos donativos atribuídos por particulares. No plano da filantropia
organizacional, o efeito crowding-outparcial sugere a existência de factores
não exclusivamente altruístas na função «utilidade» dos gestores, ou de um
modelo de maximização de lucros. Assim, os resultados do estudo de Trost
indiciam a ausência de crowding-out, demarcando-se das conclusões relativas aos
donativos individuais, e aventam que, neste cenário, a capacidade explicativa
do modelo de maximização da utilidade dos gestores depende da assunção de que o
bem-estar da comunidade recipiente não integra a sua função utilidade. O
trabalho de Day e Devlin (2004) aponta para a existência de crowding-in. Ou
seja, os donativos das empresas estabelecem uma relação positiva com as
despesas públicas. Esta relação de complementaridade é mais forte nas áreas do
apoio social e da educação, o que induziu a que as autoras ventilassem a
hipótese de as instituições recipientes de donativos serem muito dependentes do
financiamento estatal.
Em síntese, se numa determinada economia, as empresas que concedem donativos
são encorajadas por razões de «interesse»,geralmente relacionadas com a
maximização dos lucros, o efeito crowding-out, à partida, terá pouca expressão,
persistindo um reduzido grau de substituição entre as despesas públicas e os
donativos empresariais. Assim, o Estado poderá aumentar as despesas públicas,
sem temer uma contracção do nível de donativos. Porém, no que se refere à
compreensão dos efeitos da política económica do governo, existem outras
questões que devem ser ponderadas, nomeadamente a elasticidade-preço dos
donativos.
OS MODELOS DA MAXIMIZAÇÃO DOS LUCROS E DA MAXIMIZAÇÃO DA UTILIDADE DOS
GESTORES: ASPECTOS TEÓRICOS E RESULTADOS EMPÍRICOS
As motivações da filantropia empresarial são de diversa ordem. Sem prejuízo da
corrente conciliadora, que sustenta a hipótese de o interesse próprio e do
altruísmo não serem mutuamente exclusivos, o estudo da filantropia empresarial
tem vindo a ser sistematizado em torno de dois modelos distintos: o modelo da
maximização do lucro e o modelo da maximização da utilidade do órgão de gestão,
em que a relação entre a taxa de imposto e o montante de donativos vem operando
como um indicador da aderência destes modelos à realidade (Carroll e Joulfaian,
2005; Brammer e Millington, 2005).
Analisando a concessão de donativos sob a óptica da maximização dos lucros, os
donativos podem não ter a natureza de verdadeira filantropia, sendo registados
no conjunto de custos de funcionamento da empresa que contribuem para a
obtenção de resultados.
A maximização da utilidade dos indivíduos encontra no espectro dos donativos
das pessoas singulares um ambiente genuinamente natural. Tal como já foi
mencionado, os donativos individuais demandam um corpo teórico que,
ultrapassando a lógica redutora do aumento do consumo, se baseia no postulado
de que os indivíduos podem aumentar o seu nível de satisfação em função da
melhoria do bem-estar dos outros. Esta perspectiva poderá ser adaptada para o
campo das pessoas colectivas, mediante a assumpção de que a sua acção não se
esgota no propósito da maximização dos lucros, assumindo os donativos um papel
mais próximo da filantropia no seu estado mais puro, consistente com a
satisfação em contribuir para o bem-estar social. Os argumentos de natureza
normativa preconizam o dever de a organização aliviar o impacto dos problemas
que causa à sociedade e de partilhar alguns dos benefícios que esta lhe permite
obter. Tal não obsta a que, ainda que implicitamente, o oportunismo dos membros
do órgão de gestão condicione a decisão de doar.
Nesta dupla abordagem, a variável preço relativo (1-t), em que t representa a
taxa de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas
[8]
, tem vindo a ser amplamente utilizada para a identificação das motivações das
organizações na concessão de donativos. Assim, quando os donativos equivalem,
em substância, aos custos comuns da empresa, a alteração da taxa de imposto não
tem qualquer efeito no respectivo montante.
No modelo da maximização de lucros não se está perante um comportamento
autenticamente altruísta; a empresa apenas concede donativos na medida em que
estes contribuem para a maximização dos seus lucros. Ou seja, os donativos da
empresa não são, na sua verdadeira natureza, altruístas. Eles assentam, pois,
na análise custo/benefício e são vistos como mais um instrumento de gestão.
Num quadro teórico alternativo em que os donativos correspondem a um
comportamento menos instrumental (pelo menos na perspectiva da organização), o
seu financiamento terá origem em rendimentos residuais. Estes rendimentos, sem
destino previamente fixado, são influenciados pela variação da taxa de imposto,
o que é consistente com o modelo da maximização da utilidade dos gestores.
É importante reiterar a ideia de que o desígnio da obtenção de lucros não
colide necessariamente com o modelo da maximização da satisfação do órgão de
gestão. Shaw e Post (1993) afirmam que não vêem qualquer problema no facto de
os programas de apoio social terem reflexos positivos na imagem, reputação ou
goodwill da empresa patrocinadora. Acrescentam que, neste capítulo, as
motivações das empresas resultam de uma amálgama de razões altruístas,
estratégicas, de cidadania e de prudência, repudiando expressamente a tese de
que o interesse próprio é incompatível com factores de ordem moral. Seguindo o
mesmo fio condutor, a abordagem de Dienhart (1988) concilia os termos
«investimento» e «caridade».
O estudo da filantropia empresarial tem sido marcado por um contexto de
controvérsia, no qual duas lógicas principais se defrontam. Todavia,
actualmente, mais do que dicotómicas, estas lógicas ganham contornos comuns se
for considerado que a concessão de donativos é uma dimensão da responsabilidade
social, entendida esta como uma forma de actuação que está para além das
exigências legais e cujo eixo estruturante é composto por regras dos campos
económico e social, acarretando vantagens simultâneas para a empresa e para a
comunidade.
A concessão de donativos promove a integração da organização na comunidade e
reforça os laços entre a organização e os seus funcionários. Também proporciona
um aumento da sua reputação, com reflexos positivos junto dos stakeholders.
Quando articulada com a actividade principal da empresa, poderá assumir um
carácter estratégico, maximizando o «resultado social», com repercussões na
atracção de melhores recursos, promoção de vantagens competitivas e aumento da
performance económico-financeira. Nesta óptica, mesmo com efeitos temporalmente
diferidos, a lógica de maximização de lucros está perfeitamente enquadrada.
Fairfax (2006) refere que mesmo os defensores da primazia dos interesses dos
accionistas admitem que algumas acções encetadas pelos gestores, aparentemente
orientadas para a satisfação dos outros stakeholders, numa perspectiva de longo
prazo, são consistentes com o modelo da maximização dos lucros.
Para explicar a relação entre a taxa de imposto e os donativos concedidos,
seguir-se-á de perto a formulação de Boatsman e Gupta (1996). Neste modelo, o
órgão de gestão, com o propósito de incrementar a sua própria satisfação,
financia os donativos empresariais através de lucros discricionários. Em traços
gerais, este conceito refere-se aos lucros adicionais, face a um montante
mínimo exigido pelos sócios da empresa, que poderão financiar despesas com
actividades que não estão directamente relacionadas com a obtenção de receitas.
Há um nível de donativos que pode ser consistente com a maximização de lucros,
mas não está excluída a possibilidade de o órgão de gestão contribuir acima
desse montante, com o propósito de aumentar a sua utilidade, extraída, por
exemplo, do acesso a grupos de elite sociais, do apoio a causas que lhe sejam
caras e da demonstração pública do seu poder e capacidade de influência. Em
conformidade com esta regra, admite-se que a receita marginal dos donativos
seja superior ao seu custo marginal, reflectindo que o nível de donativos
excede o nível óptimo que maximiza os lucros da empresa, o que, de alguma
forma, suporta a hipótese, divulgada por Brammer e Millington (2005), de que a
remuneração dos gestores e os donativos possam ser substitutos.
Atente-se que a suposição de este modelo se basear numa lógica de os donativos
serem concedidos pelos gestores, na qualidade de agentes dos sócios, deve ser
rejeitada. Com efeito, ainda que seja razoável admitir que os sócios de uma
empresa preferem concretizar a sua política de donativos através da organização
cuja propriedade detêm (sobretudo na hipótese de as taxas que recaem sobre o
seu rendimento pessoal serem inferiores à taxa de imposto da empresa e,
portanto, o efeito da dedutibilidade dos donativos ser mais expressivo quando
concedidos por esta via), em conformidade com o quadro teórico dominante, os
membros do órgão de gestão actuam no sentido de atingirem os seus objectivos e
não como meros agentes daqueles. Evidentemente que se os órgãos de gestão forem
titulares do capital social e as organizações tiverem o seu capital
concentrado, esbatendo-se as fronteiras entre os interesses das partes, esta
questão adquire maior nitidez e pertinência. Para Fry et al. (1982), aceitar a
tese de que os proprietários concretizam a sua política filantrópica através da
organização que detêm, pressupõe que as pequenas empresas atribuem
relativamente mais donativos do que as grandes, já que é naquelas que se
verificam as características supra referidas. Esta tese não tem colhido suporte
empírico em grande parte da literatura.
O modelo da maximização da utilidade do órgão de gestão decompõe o impacto do
aumento da taxa de imposto no montante de donativos concedidos em dois efeitos
de sinal contrário: o efeito rendimento e o efeito substituição. No âmbito do
primeiro, dado que os lucros são a base do financiamento dos donativos, o
aumento da taxa de IRC constitui um factor potencialmente conducente à sua
redução (relação negativa).
O efeito substituição sustenta uma possível relação positiva entre a taxa de
IRC e o montante de donativos concedidos. O aumento da taxa de IRC conduz a uma
diminuição da preferência pelo lucro, tornando a sua troca pela concessão de
donativos, ou por outras despesas discricionárias, compensadora, diminuindo o
ónus da tributação. Dito de outra forma, o preço relativo dos lucros
discricionários face às despesas que financiam é alterado, porquanto os
primeiros estão sujeitos a tributação, ao invés das segundas que são
dedutíveis.
Segundo o modelo de Williamson (1963), o efeito substituição é superior ao
efeito rendimento, pelo que, verificada a condição de existir um nível
suficiente de lucros que satisfaça as pretensões dos sócios, a relação entre a
taxa de imposto e o montante de despesas afectas às preferências de consumo dos
gestores (de que são exemplo os donativos) é positiva
[9]
. Schwartz (1968) obteve uma relação negativa entre a variável preço e os
donativos, com uma elasticidade-preço
[10]
, consoante os modelos utilizados, entre -1,06 e -2,00, acima dos valores
obtidos por Clotfelter (1985).
Noutro sentido, e à semelhança de Levy e Shatto (1978), os resultados de
Arumlapalam e Stoneman (1995) confirmaram uma relação significativa positiva
entre a taxa de imposto e os donativos, prevalecendo assim o efeito
substituição sobre o efeito rendimento.
Note-se, no entanto, que o efeito substituição é positivo apenas e só na
hipótese de o valor mínimo de lucros não ser ultrapassado; caso contrário
reforçará o efeito rendimento. Assim, se a fronteira de lucros exigidos pelos
titulares do capital for transposta, o órgão de gestão não incorrerá em
despesas que não sejam absolutamente consistentes com o propósito de
maximização de lucros, prevenindo a sua indesejada substituição.
Independentemente de se saber qual dos efeitos é dominante, uma relação
significativa entre a taxa de imposto e os donativos sugere que o escopo dos
donativos das empresas não se reduz à maximização de lucros.
Navarro (1988) equaciona este problema de forma diferente, excluindo os lucros
discricionários da função utilidade. Contrastando com o modelo do comportamento
discricionário avançado por Williamson, para Navarro, os lucros discricionários
não fazem parte da função utilidade dos gestores; financiam tão-somente o
consumo de actividades discricionárias, não conferindo utilidade por si mesmo.
Se a diferença na abordagem do problema parece de somenos importância, as suas
implicações são diametralmente opostas às do modelo referido, uma vez que a
exclusão do efeito substituição, permanecendo o efeito rendimento isoladamente,
contribui para uma relação negativa entre a taxa de imposto e o montante de
donativos.
Os resultados de Navarro (1988) atestam que a relação entre a taxa de imposto e
o montante de donativos é pouco significativa. Apoiam a ideia de que a
concessão de donativos segue uma lógica de maximização de lucros, em que as
taxas de imposto afectam o nível de lucros, mas não têm impacto no montante de
donativos, que maximiza aqueles lucros. Ainda que quase neutra, Navarro
verificou que a relação é negativa, o que parece alimentar a tese de que a
variável lucro discricionário deve ser omitida no modelo tradicional de
maximização da utilidade dos gestores. Os resultados de Brammer e Millington
(2005), baseados numa amostra de 550 empresas do Reino Unido, cotadas na London
Stock Exchange em 1999, também sugerem ausência de significância estatística da
taxa de imposto na explicação do montante relativo de donativos.
DONATIVOS E SISTEMA FISCAL
Na legislação portuguesa, o art. 61.º do EBF qualifica os donativos
empresariais como custo fiscal, preenchidos que estejam determinados
pressupostos (nomeadamente o seu carácter de liberalidade), destinados a
determinadas actividades prosseguidas pelas entidades, públicas ou privadas,
referidas no art. 62.º do mesmo diploma. Apesar de serem custos fiscais e de
lhes ser aplicável um sistema de majorações, a dedutibilidade dos donativos
encontra limites não só no EBF, como no art. 86.º, n.º 2, alínea b) do CIRC
(neste último caso, operando como limitações às deduções à colecta). Os
donativos são despesas fiscais que carecem de quantificação, de modo a dar
cumprimento à análise custo-benefício a que estão sujeitos por imposição legal.
Ou seja, a redução da receita fiscal, suportada para incentivar comportamentos
filantrópicos, não é irrestrita.
A aceitação fiscal dos donativos suscita críticas por parte daqueles que
entendem que a missão da empresa está circunscrita à maximização dos lucros,
vislumbrando na concessão de donativos uma actuação do órgão de gestão em ordem
à satisfação da sua utilidade e, portanto, desconexa da sua função. A
consagração legal da dedutibilidade dos donativos, como se de outro custo de
funcionamento se tratasse, estimula um comportamento discricionário por parte
do órgão de gestão, podendo, inclusivamente, legitimar um abuso dos direitos de
propriedade dos accionistas e potencia uma afectação ineficiente dos recursos
organizacionais. Os detractores da tese que preconiza a aceitação fiscal dos
donativos centram as suas críticas no encorajamento das preferências de consumo
dos gestores que, para granjearem prestígio social, ou em devoção a princípios
altruístas e a outras crenças ideológicas, normalmente sob o argumento da
responsabilidade social da organização, delapidam o património social.
Uma outra corrente milita a favor da dedutibilidade fiscal dos donativos, uma
vez que defende que a função da empresa não está confinada à maximização dos
lucros. Nestas perspectivas antagónicas, há o entendimento comum de que a
atribuição de donativos é uma actividade cujo escopo extravasa a maximização
dos lucros, pelo menos, num sentido estrito. O que parece estar no centro da
divergência é o facto de os primeiros não aceitarem esta realidade e
reivindicarem que a legislação fiscal proteja os prejudicados (normalmente os
sócios) do comportamento discricionário dos gestores, ao passo que os segundos
não vislumbram na conduta do órgão de gestão qualquer irregularidade quando
abraça outros propósitos, nomeadamente a concretização da responsabilidade
social da organização.
De uma forma geral, em diversos países é atribuída às organizações a faculdade
de concederem donativos. No entanto, perante o objectivo da maximização dos
lucros, e conforme afirmado na sentença do Supremo Tribunal do Michigan no caso
Dodgevs.Ford Motor Company em 1919, podem surgir importantes conflitos de
interesse. Neste processo, Henry Ford pretendia reter dividendos na empresa
para reinvestir em actividades secundárias ao propósito da maximização de
lucros. Esta pretensão suscitou a indignação de accionistas minoritários («the
Dodge brothers»), reputando de ilegítimo o intuito de beneficiar os
funcionários e clientes, com o fundamento de ser feito à custa dos accionistas.
O Tribunal corroborou a tese de que a missão primordial da gestão é favorecer
os accionistas
[11]
.
Atente-se, contudo, em outro episódio judicial, ocorrido três décadas mais
tarde, o qual demonstra que, historicamente, a concessão de donativos tem
concorrido para o agravamento dos problemas de agência: em 1952, na sequência
da doação de 1500 dólares da A. P. Smith Manufacturing Company à Universidade
de Princeton, um accionista (Barlow) processou a empresa por danos. O Tribunal
decidiu que esta agira em prol do bem comum, já que o destinatário do donativo
satisfaz necessidades colectivas e portanto, de forma indirecta, também
beneficia a empresa (em 1953, o recurso do accionista para o Supremo Tribunal
de New Jersey não colheu provimento). Segundo Brown et al. (2006), com esta
decisão, a lei americana passou a consagrar a legitimidade dos donativos que
não estão relacionados com a actividade da empresa. Para Sharfman (1994), esta
sentença judicial institucionalizou formalmente a filantropia empresarial, cuja
aceitação estava, desde há muito tempo, generalizada na sociedade norte-
americana.
Existem benefícios intangíveis proporcionados pela atribuição de donativos que
não são claramente subsumíveis numa lógica de maximização de lucros e que caem
no desenho legislativo da ausência de contrapartidas para a organização. Esta
perspectiva, segundo Fairfax (2006), legitima que alguns tribunais validem a
atribuição de donativos, mediante o goodwill que geram na comunidade,
declinando uma abordagem centrada na maximização da riqueza dos sócios no longo
prazo que, necessariamente, teria repercussões na sua desqualificação fiscal.
Assim, a utilização de fundos da empresa para financiamento de projectos
comunitários, incrementando a qualidade de vida, é consistente com a lei e com
a ética. Porém, esta abordagem não soluciona a controversa questão de saber
qual o órgão que, em última instância, deve ter competência nesta matéria. Este
problema enquadra-se, naturalmente, nos problemas de agência: se a decisão
sobre a filantropia empresarial ficar na esfera dos sócios, os custos de
agência reduzem-se.
Blair (1998) entende que uma empresa não se reduz a um acervo de activos
detidos por sócios. Não constitui uma forma de organização da propriedade dos
sócios, uma vez que inclui activos intangíveis e inalienáveis que resultam do
esforço conjunto de vários actores. O capital humano de uma organização, por
exemplo, não pode ser reivindicado pelos detentores do capital. Por isto, a
doutrina que enforma a relação de agência deixa de ser aplicável no seu sentido
mais estrito. Blair conceptualiza a organização como um nexo de contratos, em
que os vários stakeholders acordam em contribuir para o bem comum e, abdicando
dos seus direitos de propriedade individuais, colocam-nos numa plataforma
colectiva, organizada hierarquicamente e dirigida por gestores. Remete para
estes o poder de decidirem sobre a afectação dos activos detidos pela
organização, incluindo as actividades filantrópicas.
Entre nós aceita-se geralmente a legitimidade de os gestores decidirem o
montante e destinatários dos donativos concedidos, sem prejuízo das disposições
estatutárias especiais. Esta opção é concebível num cenário em que os programas
filantrópicos operam como tácticas próprias num quadro estratégico
organizacional e, ainda que implicitamente, originam benefícios para a
organização.
Quando os benefícios para a empresa não são tão notórios, materializando-se a
possibilidade de, à custa dos recursos desta, os gestores obterem vantagens
pessoais com a actividade filantrópica, então, a decisão do montante de
donativos a conceder deve estar sujeita a regras especiais. Deve ser feito um
teste à razoabilidade dos donativos (montante e destinatário) em sede de
Assembleia-geral. De facto, se a filantropia for enquadrada exclusivamente no
plano moral, então os gestores não devem, em nome da ideologia da organização,
escolher os valores e os destinos dos donativos, carecendo, pois, da aprovação
dos sócios.
Uma organização eficiente equaciona o trade-off entre a redução dos lucros
disponíveis no curto prazo, induzida pelos custos com a filantropia e a
melhoria da sua reputação, com impactos positivos na performance económico-
financeira futura e, sobretudo, fundamenta a opção junto dos seus sócios,
harmonizando eventuais pontos de vista conflituantes. Os sócios da organização
deverão ser sensibilizados para o impacto positivo que os donativos têm na
rendibilidade de longo prazo, já que, no curto prazo, se traduzem na redução
dos lucros disponíveis para distribuição. Useem (1988) refere que, para as
empresas sujeitas a uma disciplina de mercado mais rigorosa, o pay-back
previsto para as contribuições tem de ser mais evidente. Assim, é desejável que
a concessão de donativos seja submetida a uma análise custo-benefício (tendo
presentes as limitações das medidas quantitativas nesta matéria), bem como à
apreciação dos sócios, para evitar acusações aos gestores de autopromoção
social.
CONCLUSÕES
A relevância económica dos donativos suscita questões de variada natureza,
tanto a um nível geral, como num plano mais específico da gestão das
organizações.
Como afirmámos, se as empresas que concedem donativos são encorajadas por
razões assentes no interesse próprio,o efeito crowding-out, terá pouca
expressão, persistindo um reduzido grau de substituição entre as despesas
públicas e os donativos empresariais. Assim, o Estado poderá aumentar as
despesas públicas, sem temer uma contracção do nível de donativos.
A consagração legal da dedutibilidade dos donativos estimula um comportamento
discricionário por parte do órgão de gestão podendo, inclusivamente, legitimar
um abuso dos direitos de propriedade dos accionistas e potenciar uma afectação
ineficiente dos recursos organizacionais. Porém, uma outra corrente defende que
a função da empresa não está confinada à maximização dos lucros, sendo que o
mecenato faria então parte da função social das organizações. Nestas
perspectivas antagónicas, há o entendimento comum de que a atribuição de
donativos é uma actividade cujo escopo extravasa a maximização dos lucros, pelo
menos, num sentido estrito.
No que se refere ao estímulo fiscal para a atribuição de donativos, preenchido
o pressuposto de que as entidades recipientes de donativos são eficazes no
fornecimento de bens e serviços, sendo racional apoiar o seu desenvolvimento,
então se a elasticidade-preço dos donativos for suficientemente elevada
(superior à unidade, em valor absoluto), é preferível que o Estado financie
indirectamente estas entidades, por via do reconhecimento de benefícios fiscais
aos sujeitos passivos que lhes concedem donativos, do que financiá-las através
de transferências directas.
De tudo quanto antecede, em que ficou explícita a ambiguidade dos resultados
empíricos obtidos pelos diversos autores, é importante analisar a relação
estabelecida entre a taxa de IRC e o montante de donativos concedidos pelas
empresas portuguesas. Só depois de aquilatar a significância da taxa efectiva
de imposto das empresas na atribuição de donativos, se pode aferir da aderência
dos modelos apresentados à realidade portuguesa, avaliar o impacto da variação
da taxa de IRC no montante de donativos e compreender os efeitos da legislação
fiscal portuguesa que regula especificamente esta matéria.
Assim, importa proceder a uma análise empírica da matéria em apreço, de modo a
compreender em que medida o factor fiscal é relevante na concessão de donativos
empresariais e se as medidas de política fiscal em vigor em Portugal são
compatíveis com os resultados obtidos.
NOTAS
1
A questão de as cooperativas serem animadas por razões lucrativas é objecto de
controvérsia. A este facto não é alheia a orientação para o mercado de algumas
cooperativas. Para Namorado (2006, p. 4), «em Portugal, as cooperativas têm
como uma das suas características estruturantes, consagradas na lei,
precisamente a não-lucratividade, sendo além disso o subsector cooperativo o
elemento nuclear da economia social». Coutinho de Abreu (1996, 2006, 2007)
milita a favor da tese segundo a qual as cooperativas não têm um escopo
lucrativo. No entanto, sem prejuízo das disposições do Estatuto Fiscal
Cooperativo (em especial, os seus art. 7.º e 13.º), o CIRC considera que as
cooperativas exercem, a título principal, uma actividade de natureza comercial,
industrial ou agrícola, prescrevendo a tributação do seu lucro.
2
Segundo Vasconcelos (2005, p. 79), «vem do direito inglês a prática das non
profit making societies. Estas sociedades, que na prática portuguesa têm sido
entendidas como sociedades não lucrativas, desempenham, no direito em que se
inserem, um papel e uma função muito diversos do que no direito português se
considera serem sociedades comerciais. Servem para suportar charities e outras
instituições que, no direito português são qualificáveis como associações».
3
Este estudo teve por objectivo a comparação internacional do sector não
lucrativo português, identificando 12 categorias de actividade das organizações
que o compõem: cultura e lazer; educação e investigação; saúde; serviços
sociais; ambiente; desenvolvimento e habitação (desenvolvimento económico,
social e comunitário, habitação e emprego e formação); participação cívica e
defesa de causas; intermediários filantrópicos (fundações Grant-making,
promoção e apoio ao voluntariado e organizações angariadoras de fundos);
internacional (programas de intercâmbio/amizade/culturais, associações de
assistência ao desenvolvimento, organizações de assistência internacional a
situações de desastre e organizações internacionais promotoras dos direitos
humanos e da paz); congregações religiosas; empresariais e profissionais,
sindicatos (associações empresariais, associações profissionais e sindicatos) e
outros.
4
Por outro lado, englobando o sector cooperativo e social no terceiro sector,
algumas das entidades do terceiro sector não estão contempladas no Mecenato,
tais como a generalidade das cooperativas.
5
O crowding-out perfeito significa que um aumento de uma unidade monetária na
despesa pública se traduz na diminuição de uma unidade monetária na atribuição
de donativos.
6
Refira-se, por exemplo, o estudo de Horne et al. (2005), que conclui que os
filantropos singulares desconhecem o montante de subsídios atribuído pelo
Estado ao terceiro sector. Os autores sugerem que o fenómeno do crowding-
out,suportado por alguns resultados empíricos, poderá ser explicado pelo facto
de o financiamento público se traduzir na redução do esforço das entidades
recipientes na captação de donativos.
7
Segundo Andreoni (1990), a principal diferença entre os modelos do altruísmo
puro e do altruísmo impuro (designação alternativa para o warm glow model)
reside no facto de o primeiro assumir que é indiferente para as pessoas quem
financia o bem público ' a fonte e os meios do seu fornecimento ',
interessando-lhes apenas o seu total. No âmbito do modelo do altruísmo impuro,
a função «utilidade» dos indivíduos acolhe uma outra componente de satisfação
extraída do acto de doar, dando origem a um coeficiente de altruísmo (ou a um
coeficiente de warm glow, designação utilizada em 2006, por Andreoni). Ou seja,
para estes indivíduos não é indiferente que os donativos sejam atribuídos por
eles, por outros, ou que os bens públicos sejam fornecidos pelo Estado. Neste
contexto, o acto de doar segue o corolário do warm glow model, em que as
motivações do filantropo não se esgotam no impacto no bem-estar dos outros, o
que explica que o efeito crowding-out não é perfeito. Assim, neste modelo, o
fenómeno do free-rider é menos proeminente, porque, ceteris paribus, há
restrições à substituição dos seus donativos pelos de terceiros.
8
É muito comum na literatura o preço do donativo assumir um papel determinante
no respectivo montante. Obtém-se através do complementar da taxa de IRC, (1-t),
na medida em que, como Johnson (1966) faz notar, a contribuição percentual do
Estado para o donativo corresponde à taxa efectiva de imposto, enquanto que o
complementar representa a contribuição da organização. Em bom rigor, deveria
ser utilizada a taxa marginal, como fizeram Boatsman e Gupta (1996), mas outros
autores, como por exemplo Arumlapalam e Stoneman (1995), declinaram o seu uso,
optando pela taxa efectiva (obtém-se através do rácio entre o total de imposto
pago e o rendimento tributável). A taxa marginal de imposto corresponde ao
valor actual do imposto presente e futuro pago por uma unidade adicional de
matéria colectável.
9
Williamson (1963) introduziu o conceito de expense preference, cuja relevância
gravita em torno do facto de os gestores não serem indiferentes à natureza dos
custos suportados pela organização. Dos diversos custos enumerados, destaca-se
o financiamento de várias actividades discricionárias, que não representam uma
remuneração directa dos gestores, mas contribuem para a sua satisfação pessoal.
O financiamento destas actividades provém de fundos discricionários que
resultam da diferença entre os lucros declarados (antes de impostos) e o
montante mínimo de lucros (depois de impostos) exigido pelos sócios. Assim o
aumento da taxa de imposto sobre os lucros tem dois efeitos: o efeito
substituição, que é positivo, e o efeito rendimento. que é negativo. O efeito
global tende a ser positivo, porquanto o primeiro prevalece sobre o segundo.
Este é o modelo baseado na maximização da utilidade dos gestores e, segundo
Williamson (1963, p. 14), «é nas grandes empresas que as manifestações do
comportamento discricionário são importantes». Numa linha análoga já se haviam
expressado Jensen e Meckling (1976), sustentando que um dos conflitos inerentes
à relação de agência estabelecida entre o órgão de gestão e os titulares do
capital deriva de, tendencialmente, o primeiro subtrair rendimentos adicionais
gerados pela organização e afectá-los ao seu consumo pessoal. Contrariamente,
no modelo da maximização dos lucros, em que apenas os interesses dos sócios são
tidos em consideração, a alteração da taxa de imposto sobre os lucros não
produz efeitos no investimento discricionário, porque todas as despesas
incorridas estão confinadas ao propósito de os potenciar (neste contexto, há
uma tendência para que a retenção de lucros tenha de ser amplamente
fundamentada, através, por exemplo, da política de investimentos futuros).
10
A elasticidade-preço dos donativos corresponde à variação percentual do nível
de donativos, como consequência de uma alteração de 1% no respectivo preço.
11
Anote-se que, anteriormente, nos EUA, a legitimidade da filantropia empresarial
já havia sido questionada pelos sócios das empresas, obtendo a chancela
judicial para as suas pretensões. Sharfman (1994) apresenta os casos do Old
Colony Railroad (1881), WorthingtonversusWorthington (1905) e Brinson
RailroadversusExchange Banket al.(1915), em que o facto de os donativos não
afectarem positivamente os objectivos da empresa, ou de não corporizarem
benefícios para os seus colaboradores, determinou que os tribunais concluíssem
por uma discricionariedade injustificável. Em sentido diferente, com o
fundamento de que a atribuição de donativos tinham um elo de ligação com os
propósitos da empresa, refiram-se os exemplos de SteinwayversusSteinway &
Sonset al. (1896) e Mainversus.C.B. & Q. Railroad (1899).