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EuPTHUAp0873-74442012000200003

EuPTHUAp0873-74442012000200003

National varietyEu
Year2012
SourceScielo

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O ambiente de negócios em Portugal: uma análise comparada de procedimentos, custos e demora burocrática

INTRODUÇÃO O desenvolvimento de políticas de melhor legislação e regulamentação em Portugal nos últimos anos tem feito parte do esforço de reforma e modernização da economia, de forma a permitir o cumprimento de compromissos relacionados com a Agenda de Lisboa, no que diz respeito ao crescimento económico e à criação de emprego. A regulamentação constitui um instrumento de execução de políticas públicas, concebido para responder mais adequadamente às expectativas dos cidadãos e empresas, de modo a assegurar o melhor funcionamento de um mercado que se deseja justo, concorrencial e competitivo. A regulamentação, através da sua dimensão nacional, regional e local, constitui um elemento fundamental para responder a estes desafios.

Os requisitos administrativos solicitados aos cidadãos e empresas, que decorrem da regulamentação, são um determinante fundamental do ambiente empresarial, na medida em que as empresas são obrigadas a despender recursos consideráveis no preenchimento de formulários ou no cumprimento de obrigações de cedência de informação várias. A redução de toda esta carga administrativa sobre as empresas, com processos de licenciamento mais simplificados e com a possibilidade de utilização de registos on-line conduziu à redução de custos adicionais que a regulamentação impõe sobre as empresas e, por essa via, à melhoria do ambiente de negócios e do reforço da atratividade do país para investidores estrangeiros. De facto, a redução do fornecimento de informação desnecessária, permite reduzir custos de produção, libertar recursos e potenciar investimentos adicionais, bem como incentivar ações de inovação, suscetíveis de melhorar a produtividade interna das empresas. É sobejamente reconhecido que o objetivo de toda esta agenda é também o de melhorar a qualidade e a eficiência dos serviços públicos, numa época de sério esforço de contenção orçamental e de políticas ativas de consolidação orçamental e fiscal.

Portugal tem vindo a apresentar uma evolução claramente favorável nos rankings do relatório «Doing Business» do Banco Mundial. As reformas introduzidas nos últimos anos tiveram reflexos evidentes na melhoria de posição relativa de Portugal nos rankings das respetivas áreas. No «Doing Business 2010», referente ao ano de 2009, Portugal qualificava-se como país reformador (top reformer) em quatro áreas: processo de licenciamento, procedimentos alfandegários, cumprimento de contratos comerciais e registo de propriedade, com esta última área a integrar o top 10dos países que introduziram mais reformas (Banco Mundial, 2009; Gouveia, 2009).Na última edição do «Ease of Doing Business» de 2011, referente ao ano de 2010, Portugal subiu duas posições, ocupando o 31.º lugar entre 183 países (Banco Mundial, 2010; Martins et al., 2010), e uma posição relativamente à UE-27, ocupando o 13.º lugar, encontrando-se melhor posicionado que, por exemplo, a Espanha, a Itália ou a Grécia. Iniciativas como a «Casa pronta» permitiram a Portugal tornar-se o país do mundo onde é mais rápido registar a propriedade de um bem imóvel (um dia).

Contudo, dado o ritmo contínuo e acelerado de reformas que têm vindo a ser implementadas em diversos países, nomeadamente por economias emergentes, é fundamental que se continuem a encetar esforços no sentido de se consolidarem as áreas nas quais Portugal apresenta ainda algumas debilidades, no intuito de manter o ímpeto da desburocratização e da simplificação de processos e de convergência para com os países melhor posicionados nestes rankings. Estas reformas tornam-se hoje mais prementes na medida em que a situação económica e financeira atual implica necessariamente o reforço da competitividade portuguesa.

Este trabalho apresenta um contributo nesse sentido, de monitorização de resultados em matéria de regulamentação, com base nos indicadores do relatório «Doing Business» de 2011 do Banco Mundial, através da apreciação da posição relativa de Portugal, em 2010, vis-à-vis uma seleção apurada de países. Para o efeito, desenvolveu-se um novo tipo de classificação, estruturado em três dimensões chave do ambiente regulamentar: os procedimentos burocráticos, os custos burocráticos e a demora burocrática, consideradas determinantes para o ambiente de negócios e para a qualidade de vida dos cidadãos. O tipo de análise proposto neste artigo permite evidenciar com maior clareza, através da relativização do posicionamento de Portugal face a um conjunto de países considerados relevantes para o efeito, as áreas onde Portugal se encontra relativamente bem colocado, dada a evolução que tem vindo a fazer nas últimas edições do «Doing Business». Permite também identificar aquelas onde será ainda necessário efetuar um esforço adicional, no sentido de prosseguir na senda da convergência para com os parâmetros regulatórios da União Europeia (UE) e de países apontados como exemplos a seguir nestes domínios, como sendo o Reino Unido e a Dinamarca.

Na secção seguinte descrevem-se as principais metas assumidas por Portugal e os desenvolvimentos no contexto europeu em matéria de progresso na área da regulamentação. Na terceira secção introduz-se a metodologia adotada, na quarta secção efetua-se a análise comparada por cada uma das três dimensões consideradas e, finalmente, a última secção apresenta uma súmula das conclusões.

AS METAS ASSUMIDAS NO CONTEXTO NACIONAL E EUROPEU Assiste-se atualmente a uma transformação profunda no modo como é entendida e posta em prática a regulação1da política económica, no contexto de alterações mais amplas relacionadas com a própria conceção, reforma e reestruturação do Estado e da sua Administração (Araújo e Branco, 2009; Rocha e Araújo, 2007).

A nível europeu, os últimos 11 anos assistiram a movimentos reformistas substanciais a nível legislativo, que atingiram um novo patamar, não pela intervenção continuada em setores económicos específicos (telecomunicações, energia, mercado de trabalho), como pela extensão desta intervenção a novos setores (ambiente, por exemplo), mas, fundamentalmente, devido à ambição expressa de melhorar a eficácia da regulação do Estado sobre a economia, através de mudanças operadas ao nível da forma como determinados departamentos chave e agências de regulação produzem legislação, independentemente do setor específico onde operem. Esta nova agenda de regulamentação materializou-se numa miríade de iniciativas que visam melhorar a capacidade de Governos e instituições europeias produzirem legislação de elevada qualidade para, em última análise, se conseguir governar o próprio Estado regulador.

Como é evidente, é intenção da generalidade dos poderes públicos, desde a fase do desenho das políticas públicas até à própria implementação da regulamentação, o providenciar da melhor intervenção com vista à concretização dos objetivos em causa, procurando utilizar os instrumentos mais adequados para a missão que pretendem cumprir, maximizando os benefícios e minimizando os efeitos perniciosos da sua atuação. No entanto, regulamentações mal concebidas podem tornar-se distorcivas, sendo consideradas como entraves ao bom funcionamento dos mercados (Comissão Europeia, 2006). Por exemplo, diferentes instrumentos legislativos podem sobrepor-se uns aos outros, prejudicando as empresas e os cidadãos. Ou podem, por outro lado, tornar-se facilmente obsoletos, dada a rápida evolução tecnológica, a própria globalização, ou via o crescente acesso à informação, que obriga a uma atualização permanente da legislação, de forma a acompanhar todas estas mudanças. Encargos administrativos desnecessários e desproporcionados podem ter repercussões económicas significativas, sendo fonte de perturbação para o funcionamento das empresas e dos mercados. Porém, segundo a Comissão Europeia, a legislação europeia tem tido aspetos positivos, patentes na eficácia da eliminação de barreiras que distorcem a concorrência e potenciam conflitos entre os diferentes sistemas nacionais (Comissão Europeia, 2006). Por exemplo, o mercado único gerou uma vaga legislativa substancial, na qual regras de âmbito europeu vieram substituir as normas nacionais, frequentemente excessivamente complexas.

A complexidade do acervo comunitário aumentou consideravelmente ao longo dos últimos 50 anos. A Comissão Europeia estima que os custos da sua gestão e implementação representem cerca de 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB) da UE (Comissão Europeia, 2007). Nesse sentido, em 2002 e após a publicação do Livro Branco sobre a Governança (Comissão Europeia, 2001), sob a égide de Romano Prodi, a Comissão Europeia lançou-se num ambicioso exercício com o objetivo de simplificar e melhorar o ambiente legislativo, através da iniciativa «Legislar melhor», reduzindo a burocracia, melhorando a qualidade da legislação e elaborando instrumentos legislativos mais adaptados às necessidades dos consumidores e das empresas. O objetivo pretendido não visava diretamente a diminuição do montante de legislação criada2, tinha antes como propósito basilar o aumento da competitividade, através da produção de legislação de melhor qualidade a nível Europeu (Comissão Europeia, 2006; Wiener, 2006). Na verdade, a utilização deste tipo de instrumentos para fomento da competitividade não é inédita. Os EUA foram os pioneiros nos anos de 1970 e 1980 a utilizar mecanismos legislativos e regulatórios, como parte do arsenal de combate à inflação e à recessão. Na Europa, apenas nos últimos 10 anos se tem procurado utilizar estes instrumentos, na tentativa de remediar o lento crescimento económico relativamente aos EUA e às economias emergentes, como a China.

Na UE, a iniciativa «Legislar Melhor» está, portanto, intrinsecamente ligada aos objetivos expressos na Agenda de Lisboa. Por forma a atingir os objetivos propostos, foi implementado um quadro completo de avaliação de impacto, obrigatório nas propostas legislativas mais importantes. Em 2005, a Estratégia de Lisboa renovada, adotada pelo Conselho Europeu, veio encorajar a tomada de ação com vista à criação de emprego, ao crescimento e ao aumento da produtividade e da competitividade, a qual incluía medidas para a promoção da melhoria do ambiente regulamentar para as empresas. Posteriormente, em 2006, a Comissão Europeia lançou um ambicioso programa de ação para identificar, quantificar e reduzir os encargos administrativos inerentes à regulamentação existente na UE, que considerava como meta política global a redução de 25% destes encargos, a cumprir em conjunto pela UE e pelos Estados-membros até 2010. A Comunicação da Comissão Europeia de 2007 (Comissão Europeia, 2007) sintetiza os aspetos essenciais deste programa de ação para a redução dos encargos administrativos na UE3. Este representou um esforço importante de racionalização e simplificação da forma como os objetivos políticos passaram a ser traduzidos na prática. A Comissão Europeia espera que esta iniciativa se possa traduzir num aumento de aproximadamente 1,4% do PIB da UE4.

Mas não a nível da EU se têm tomado iniciativas neste sentido (Parlamento Europeu, 2010). Estas têm também proliferado em diversos Estados-membros que, como o Reino Unido, se têm debatido com preocupações acerca dos custos e das implicações do excesso de burocracia, em particular no contexto económico atual (Her Majesty´s Government, 2009). Em 2009, o debate sobre a dialética entre regulação e concorrência tornou-se mais aceso no decurso do arrefecimento económico mundial. Por um lado, tem havido apelos no sentido de se providenciar um ambiente mais estável para o investimento e para uma maior proteção face aos perigos das forças de mercado. Por outro, estão as empresas e os agentes, que desafiam os governos a atuar de acordo com as suas necessidades e as restrições impostas pelo novo contexto de desaceleração económica.

O posicionamento de Portugal, relativamente inferior, em várias comparações internacionais de competitividade, constituiu um driver importante no lançamento do Programa Simplex5 para a simplificação administrativa e do e- government. O desenvolvimento de toda esta estrutura, que deu origem a melhorias de caráter regulatório, esteve muito associada à gestão da transformação do setor público e à introdução do e-government para a promoção de políticas de governança mais efetivas. Outra prioridade que assistiu a todos estes esforços esteve relacionada com o tornar o ambiente negocial para as empresas mais dinâmico e inovador, de forma a aumentar a competitividade da economia e a sua capacidade para atrair investimento direto estrangeiro6.

Nomeadamente ao nível dos procedimentos burocráticos, será necessário apostar na continuidade da redução dos processos de licenciamento e dos processos inerentes à criação de sociedades, no sentido de se acompanharem todos os avanços dos países que integram a União Europeia. A recente iniciativa «Licenciamento zero» (criada através da publicação do Decreto-Lei n.º 48/2011, a 1 de abril de 2011, e posteriormente abrangida pela Portaria 131/2010 de 4 de abril de 2011) vem responder a esta necessidade. Esta visa dar cumprimento a um compromisso prévio do Programa Simplex de 2010, sendo uma das medidas emblemáticas da Agenda Digital 2015. Destina-se a simplificar o regime de exercício de diversas atividades económicas e a reduzir encargos administrativos suportados pelos cidadãos e pelas empresas, mediante a eliminação de licenças, autorizações, validações, autenticações, certificações, atos emitidos na sequência de comunicações prévias com prazo, registos e outros atos permissivos, substituindo-os por um reforço das ações sistemáticas de fiscalização a posteriori e mecanismos de responsabilização efetiva dos promotores, o que acarreta um agravamento do regime sancionatório. Esta estabelece também a criação do «Balcão do empreendedor», prevendo-se um acesso direto, via Internet, através do portal da empresa (www.portaldaempresa.pt) e, igualmente, um acesso presencial, mediado por um intermediário, que poderá estar disponível nos municípios ou em outros balcões públicos ou privados. Com a iniciativa «Licenciamento zero» pretendeu-se também desmaterializar procedimentos administrativos e modernizar a forma de relacionamento da Administração com os cidadãos e empresas, concretizando desse modo as obrigações decorrentes da Diretiva n.º 2006/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro, relativa aos serviços no mercado interno, que foi transposta para a ordem jurídica interna pelo Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de julho.

As iniciativas europeias de promoção da redução da carga regulamentar, que deram origem a compromissos sérios de diminuição da carga legislativa e burocrática, introduziram a necessidade de acompanhar mais de perto os avanços feitos nossos pelos parceiros europeus, por forma a fazer refletir essas boas práticas internamente, e a antecipar mudanças, para que os progressos portugueses nesta matéria sejam sustentados no tempo.

METODOLOGIA O relatório «Doing Business» (DB), publicado anualmente pelo Banco Mundial, avalia nove elementos considerados fundamentais nas políticas que enquadram e condicionam o ambiente regulamentar de um país e que são determinantes para o relacionamento entre as empresas e o setor privado em geral, e o Estado (como por exemplo, o início de atividade de uma empresa, as relações comerciais externas, os processos de licenciamento, etc.). O DB fornece tabelas classificativas para cada uma das 10 áreas de regulamentação, bem como um ranking intitulado «Ease of Doing Business». Este exercício pretende, no fundo, proceder a uma avaliação do clima de investimento de um país, recorrendo às apreciações de um conjunto de peritos que examinam as leis e os procedimentos nacionais, de forma a aferir o tempo e o custo afeto ao cumprimento de uma grande variedade de procedimentos e de regulamentações, bem como a facilidade com que contratos entre entidades privadas podem ser efetivados e reforçados.

Neste estudo, foi feita uma seleção de apenas 45 países7, de entre os 183 disponibilizados no último relatório do Banco Mundial. Incluem-se maioritariamente países desenvolvidos e alguns emergentes e em vias de desenvolvimento, como a China, a Índia, a Rússia, a Coreia do Sul, a Turquia e o México. Os anteriormente mencionados foram incluídos devido à sua importância económica ou geoestratégica, ou ainda devido aos laços de proximidade, nomeadamente a nível comercial com Portugal. Considerou-se que, para efeitos da análise comparativa pretendida, seria mais útil ter este conjunto de países como benchmark para a performance portuguesa, dado que são ou países com um elevado índice de desenvolvimento, ou com um ímpeto reformista bastante acelerado. Em aditamento aos anteriores, também se calcularam indicadores específicos para a média dos países da UE-27, Zona Euro (16) e OCDE.

A evolução, entre 2003 e 2010, dos 24 indicadores fornecidos pelo «Doing Business» pode ser observada no Quadro I. No entanto, na nossa análise apenas se consideraram 23 indicadores8, que dizem respeito à criação de empresas, aos processos de licenciamento na construção, ao registo de propriedade, ao cumprimento de contratos comerciais, ao encerramento de empresas/falências, à fiscalidade e aos procedimentos alfandegários. Classificou-se de seguida esta informação em três novas dimensões, que se intitularam de «procedimentos burocráticos», «custos burocráticos» e «demora burocrática», sendo a primeira constituída por 7 indicadores, e a segunda e terceira por 8 indicadores, respetivamente (Quadro II).

QUADRO_I Indicadores do «Doing Business» para Portugal entre 2003 e 2010

QUADRO_II Descrição dos 23 indicadores considerados na análise e da sua agregação nas três dimensões em análise

No relatório do Banco Mundial, os indicadores vêm expressos numa unidade própria, conforme se poderá constatar nos Quadro_I e II. Na abordagem utilizada nesta análise, estes indicadores foram uniformizados sob a forma de um índice, escalonado entre 0 e 100, onde ao país com melhor posição no indicador respetivo, é conferida uma valorização de 0 e ao pior 100, considerando uma seleção de 45 países e os seus valores extremos para cada um dos indicadores, de forma a relativizar em 2010 o posicionamento de cada país em relação ao país melhor e pior classificado em cada indicador.

O método utilizado é o «min-max standardization» e a fórmula do cálculo do índice por país é a seguinte: Os indicadores foram ajustados de forma a refletirem um índice mais desfavorável quanto maior a sua proximidade de 100. A razão deste tipo de escalonamento, aparentemente invertido relativamente ao que é habitualmente apresentado noutros índices compósitos a nível internacional, é a de que se considerou que, tratando-se de aferir a «carga» regulatória em termos de procedimentos, tempo e custos, quanto mais próximo de zero estiver o posicionamento do país, menor será o peso desta carga regulatória e burocrática. Desta forma, poder-se-á visualizar com maior clareza o posicionamento relativo de Portugal face ao conjunto de países selecionados e aferir em quais as dimensões e indicadores aparece mais destacado, ou seja, com melhor performance relativamente aos seus congéneres e vice-versa.

A representação gráfica em radar, utilizada nas figuras seguintes, permite perceber de forma mais imediata o posicionamento de Portugal em 2010, relativamente a diferentes países, para o conjunto de indicadores que constituem as três dimensões. Quanto mais próximas de zero estiverem as linhas a vermelho, correspondentes a Portugal ou dentro da fronteira a azul do segundo país (ou grupos de países) com o(s) qual(is) é feita a comparação, menor será a carga regulatória e melhor será o posicionamento relativo de Portugal. Ou seja, quanto mais próximo da origem e mais no interior da fronteira estiver um país relativamente a outro, menor a sua carga burocrática e regulatória. Deste modo, poder-se-á aferir, para cada uma das dimensões analisadas (procedimentos, custos e demora burocrática), aquelas onde Portugal se encontra relativamente melhor ou pior posicionado.

ANÁLISE POR DIMENSÃO As empresas, os cidadãos e os poderes públicos suportam os custos administrativos que decorrem do cumprimento das normas regulatórias impostas pelo Estado. Tais custos podem decorrer de obrigações legais para fornecer informação, do pagamento de serviços, da realização do acompanhamento de uma ação ou mesmo do compasso de espera para que esta se desenrole. Se estes custos forem demasiadamente elevados, podem anular os benefícios da introdução de nova legislação e, consequentemente, o próprio propósito da política de desregulamentação adotada.

As secções seguintes descrevem os principais resultados da análise comparativa para uma seleção de países considerados relevantes para cada das três dimensões em análise, os procedimentos, os custos e a demora burocrática. As comparações para o conjunto completo dos 45 países poderão ser consultadas na Base de Dados de Indicadores de Desempenho de Burocracia e Justiça (Sarmento e Reis, 2011).

Procedimentos burocráticos A primeira dimensão de análise diz respeito aos procedimentos burocráticos e compreende 7 indicadores, descritos no Quadro_II (Procedimentos requeridos para efetuar um licenciamento, Procedimentos para constituir uma sociedade, Documentos para exportação, Documentos para importação, Procedimentos para registar uma propriedade, Pagamentos de impostos a efetuar e Procedimentos envolvidos na resolução judicial de uma disputa comercial).

A Figura 1 permite constatar que Portugal se encontra bastante bem posicionado em relação a praticamente todos os 7 indicadores, com a exceção mais evidente dos procedimentos requeridos num processo de licenciamento que, quando comparado com a generalidade dos países europeus, mas também com o Canadá, Hong-Kong e Japão, ainda se encontra aquém do nível dos outros indicadores referenciados, apesar dos progressos feitos nos últimos anos em matéria de licenciamento (Cerqueira e Alves, 2011).

FIGURA 1 Índices de procedimentos burocráticos

A comparação da performance portuguesa com a da UE-27 e a da Zona Euro (16) permite concluir que Portugal apenas não se encontra melhor posicionado ao nível de um indicador: os procedimentos requeridos num processo de licenciamento (em 2010 eram 19 em Portugal e 16,6 em média na UE-27). O mesmo sucede na comparação com Espanha, onde são apenas necessários 11 procedimentos para efetuar um licenciamento.

A comparação com a média dos países da OCDE é também favorável a Portugal.

Apenas acresce um posicionamento inferior para Portugal, para além do indicador anteriormente citado, relativamente a um maior número de procedimentos necessários para constituir uma sociedade em Portugal (6 comparado com 5,6 na média da OCDE).

Na comparação individual com alguns países da UE-27, constata-se nomeadamente que, no caso da comparação com a Alemanha, Portugal apenas não a iguala ou supera em 2 dos indicadores, novamente nos procedimentos requeridos num processo de licenciamento, mas também no número de procedimentos envolvidos na resolução judicial de uma disputa comercial (31 em Portugal e 30 na Alemanha).

Também se destaca o posicionamento menos favorável quanto ao número de documentos exigido para a importação, particularmente expressivo quando comparado com os casos italiano e irlandês (4 contra 5 documentos exigidos em Portugal). Efetivamente, desde 2005 que Portugal mantém a obrigatoriedade do preenchimento de 5 documentos para importação e de 4 para exportação, o que revela, face ao progresso reformista de vários países, que se devem tentar encontrar alternativas para abreviar este tipo de procedimentos. No caso da Dinamarca, Portugal apenas não a supera em 3 indicadores, a saber, nos procedimentos requeridos num processo de licenciamento, na constituição de sociedades e no número de documentos exigidos para importação.

Sobretudo ao nível do número de documentos exigidos para efetuar uma importação, constata-se ainda que Portugal apresenta uma carga burocrática relativamente superior, quando comparado com um conjunto mais vasto de países, como a Itália, o Reino Unido e o Canadá, mas também com um grupo de países com uma forte tradição de abertura ao comércio externo, como Hong-Kong e a Irlanda.

De acordo com a escala de análise considerada neste estudo, Portugal está posicionado ao mesmo nível que a China que, aliás, apresenta uma performance genericamente mais desfavorável em todas as vertentes, com exceção dos procedimentos para pagamento de impostos.

Custos burocráticos A segunda dimensão de análise refere-se aos custos burocráticos e abrange 8 indicadores, conforme a descrição oferecida no Quadro_II (Custos de registo de uma propriedade, Custos de constituição de uma sociedade, Custos num processo de licenciamento, Custos de exportação, Custos de importação, Custos associados ao processo de falência, Total do imposto a pagar e Custos associados à resolução judicial de uma disputa comercial).

A Figura 2 permite constatar que Portugal se encontra bem posicionado em relação a praticamente todos os oito indicadores, com a exceção mais evidente dos custos de registo de uma propriedade, particularmente quando comparado com Espanha, Itália, Polónia e França, ou mesmo com a média dos países da zona euro (16), UE-27 e OCDE. Constata-se que se mantém, desde 2006, o custo do registo de uma propriedade em 7,4% do seu valor, o que revela, face ao progresso na estrutura deste custo por parte de vários países, que Portugal poderia também tentar encontrar alternativas para melhorar o seu desempenho neste indicador.

FIGURA 2 Índices de Custos Burocráticos

Na comparação individual com a Alemanha verifica-se, porém, que Portugal não sai beneficiado em metade dos indicadores analisados, novamente nos custos de registo de uma propriedade em percentagem do seu valor (7,4% em Portugal contra 5,1% na Alemanha) e na constituição de uma sociedade em percentagem do rendimento interno bruto per capita (7% contra 5% na Alemanha), mas também no que se referem aos custos de importação (999 dólares contra 937 dólares na Alemanha) e aos custos associados ao processo de falência em percentagem do espólio (9% contra 8% na Alemanha).

Numa outra perspetiva comparada, agora com o caso irlandês, também se observa que Portugal se encontra, em geral, bem posicionado, à exceção de 3 indicadores nos quais detém um maior custo. Estes representam custos relacionados com o registo de uma propriedade (7,4% contra 0% na Irlanda), com a constituição de uma sociedade (7,4% contra 6,3% na Irlanda) e os referentes ao total de imposto a pagar em percentagem do lucro bruto (43,3% contra 26,5% na Irlanda).

Destacamos ainda a comparação com a Eslováquia, um dos países do alargamento da UE com melhor performance e que mais tem crescido em termos de exportação.

Observa-se que Portugal apresenta uma desvantagem em três indicadores, designadamente nos custos com o registo de propriedade (7,4% contra 0% na Eslováquia), com a constituição de uma sociedade (6,5% contra 1,9% na Eslováquia) e com os custos de licenciamento em percentagem do rendimento interno bruto per capita (53,9% contra 12,7% na Eslováquia).

Mesmo atendendo à comparação com o Brasil, Portugal revela estar pior posicionado quanto a dois dos indicadores mencionados anteriormente: os custos do registo de uma propriedade (2,7% do valor da propriedade no Brasil e 7,4% em Portugal) e os custos de um processo de licenciamento (46,5% do rendimento interno bruto per capita no Brasil e 53,9% em Portugal).

Finalmente, compara-se Portugal com dois países com uma forte componente exportadora, Hong-Kong e EUA. No caso de Hong-Kong, verifica-se que Portugal aparenta ser menos competitivo em todos os indicadores de custos, excetuando-se nos referentes à resolução judicial de uma disputa comercial em percentagem da dívida (13% em Portugal contra 19,5% em Hong-Kong). comparativamente com os EUA, a maior economia e a terceira maior exportadora a nível mundial, apura-se que este apresenta quatro indicadores de custos mais favoráveis que Portugal, nos seguintes casos: registo de propriedade (0,5% contra 7,4% em Portugal), constituição de sociedades (1,4% contra 6,5% em Portugal), processos de licenciamento (12,8% contra 53,9% em Portugal) e custo associados ao processo de falência em percentagem do espólio (7% contra 9% em Portugal).

Demora burocrática A última dimensão de análise corresponde à demora burocrática, à qual foram consignados 8 indicadores de tempo, igualmente descritos no Quadro_II (Dias para registar uma propriedade, Dias para constituir uma sociedade, Dias para exportação, Dias para importação, Dias para efetuar um processo de licenciamento, Horas a despender no pagamento de impostos, Dias para a resolução de uma disputa comercial e Anos para se completar um processo de falência de uma sociedade). Esta dimensão de análise traduz o tempo de espera para o cumprimento de obrigações legais, cuja excessiva demora é suscetível de introduzir perdas de eficiência e distorções ao funcionamento dos mercados.

Nesta dimensão, constata-se que Portugal se encontra, em geral, mais próximo da origem (do centro) dos gráficos representados na Figura 3, do que nas duas dimensões anteriores, indicando uma maior proximidade com os países, entre os 45 selecionados, melhor posicionados em cada indicador, ou seja, com menor demora burocrática.

FIGURA_3 Índices de Demora Burocrática

CONCLUSÕES Os indicadores para os quais Portugal regista um posicionamento mais favorável são o tempo que leva a registar uma propriedade e a constituir uma sociedade.

Este deve-se ao esforço empreendido com a implementação de iniciativas como a «Casa pronta» (um dia para o registo de uma propriedade imóvel, sendo Portugal o país onde este procedimento é mais rápido, segundo o DB de 2011) e a «Empresa na Hora» (seis dias para constituir uma sociedade).

Através da observação da Figura_3, constata-se que Portugal se encontra, no entanto, desfavoravelmente posicionado em relação aos restantes 6 restantes indicadores, quando comparado com a média dos países da UE-27 e da OCDE, mas também com a generalidade dos países europeus, tais como a Espanha, a Alemanha, o Reino Unido e a Irlanda. Comparativamente à zona euro, a situação não se altera significativamente, verificando-se no entanto uma menor demora burocrática na resolução judicial de uma disputa comercial em Portugal (547 dias em Portugal, 602 dias na zona euro e 549 na UE-27).

Quando comparado com o caso italiano (país que está na 80.ª posição no ranking global do «Doing Business» e na 26.ª posição no ranking da UE, à frente da Grécia), verifica-se que Portugal também se encontra posicionado desfavoravelmente em três dos indicadores anteriores, na demora em efetuar um processo de licenciamento (272 dias em Portugal face a 257 em Itália), no tempo que leva a pagar impostos (298 horas em Portugal e 285 em Itália) e a completar o processo de falência de uma sociedade (2 anos em Portugal e 1,8 em Itália).

Por outro lado, países como a Finlândia, Noruega, Nova Zelândia, Hong-Kong e a Coreia do Sul apresentam níveis de demora burocrática extremamente reduzidos.

Na comparação individual com países do Leste Europeu, nomeadamente os do alargamento da UE, como a Estónia e Roménia, ou mesmo com a Turquia (extra-UE), constata-se que, para a maioria dos indicadores, Portugal detém ainda níveis de demora burocrática muito superiores aos destes países. No caso da Turquia, Portugal encontra-se melhor posicionado em apenas três indicadores (demora no registo uma propriedade, na constituição de uma sociedade e no tempo necessário para completar o processo de falência de uma sociedade). Na comparação com a Rússia, Portugal apresenta uma maior demora apenas na resolução judicial de uma disputa comercial.

Porém, quando é feita uma comparação com economias emergentes e em processo reformador acelerado, constata-se, por exemplo que, no Brasil, é mais rápido concluir um processo de exportação (13 dias contra 16 em Portugal), que um processo de licenciamento é mais expedito na Índia (195 dias contra 272 em Portugal) e que se demora menos tempo a resolver judicialmente uma disputa comercial e a completar o processo de falência de uma sociedade na China (406 dias e aproximadamente 1,7 anos contra 547 dias e dois anos em Portugal, respetivamente).

Desde 2007 que Portugal realizou um esforço admirável, num período relativamente curto, no desenvolvimento e implementação de políticas de melhor regulamentação. Estas são reconhecidas, hoje em dia, como parte fundamental de uma governança pública efetiva (OCDE, 2009). No entanto, existe a necessidade de manter o momentum e a confiança gerada, desenhando uma estratégia global que se interligue com o passado e se materialize, num futuro próximo, em novas iniciativas conducentes à continuidade da melhoria da regulamentação do ambiente de negócios em Portugal. Num mercado global e cada vez mais integrado, as regras regulamentares aplicadas a outros países e contextos geográficos têm impacto na atividade económica nacional, da mesma forma que regras comerciais e alfandegárias aplicadas noutros mercados têm implicações no comércio externo português de bens e serviços e, por essa via, na própria competitividade nacional.

Em Portugal, a necessidade de resolver problemas económicos e estruturais antigos, facilitou a emergência de uma sensibilidade partilhada entre políticos e funcionários públicos sobre a necessidade de se motivar mudanças profundas. A implementação do Simplex tornou-se paradigmática, a nível da ambição de propósitos e da abrangência da sua atuação, elevando a cooperação interministerial a um novo patamar. Os procedimentos regulatórios e burocráticos foram alvo de enormes esforços de simplificação nos últimos anos, o que permitiu a redução drástica de custos e a simplificação notória da vida de empresas e cidadãos.

A análise da evolução dos indicadores do «Doing Business» no contexto deste tipo de estudos é frequente. No entanto, neste estudo, a tradução dos indicadores tradicionais do «Doing Business» em três novas dimensões, que contemplam o montante de procedimentos, os seus custos e a demora no cumprimento destas obrigações e a sua relativização face aos países com melhor performance, permite adicionar novas componentes de análise e efetuar um aproveitamento mais alargado desta fonte de informação.

Das três dimensões em análise, procedimentos, custos e demora burocrática, a que se apresenta como menos favorável comparativamente às economias mais avançadas da UE, OCDE, Japão e mesmo face a alguns países em desenvolvimento, é a demora burocrática. Apesar da evidência clara de melhorias na generalidade do funcionamento dos procedimentos burocráticos em Portugal, que estão refletidos na análise das duas primeiras dimensões consideradas (procedimentos e custos), continua a verificar-se que, em 2010, na dimensão de tempo despendido com a operacionalização e resolução destes procedimentos, se gasta em Portugal mais tempo do que na média dos países da UE e da OCDE, bem como na de alguns países do alargamento e emergentes, o que poderá ter implicações sobre a eficiência e competitividade das empresas e dos agentes económicos portugueses.

Ainda a nível dos resultados apresentados, conclui-se também que, no que diz respeito aos custos burocráticos, seria prioritário reduzir os relacionados com o registo de uma propriedade, designadamente no âmbito da competitividade ibérica (que poderá ocorrer em breve, com a aplicação do recente acervo jurídico relacionado com o «Licenciamento zero»), sendo também indispensável o acompanhamento do custo de constituição de uma sociedade, dada a evolução positiva registada na média dos países da UE-27. Mas é sobretudo evidente que estes esforços se devem concentrar em suplantar as situações de excessiva, e eventualmente desnecessária, demora burocrática e procedimental, nomeadamente nos casos do tempo médio que leva a concluir um processo de exportação (16 dias) ou importação (15 dias), um processo de licenciamento (272 dias), do tempo necessário para o pagamento de impostos (298 horas), para a resolução judicial de uma disputa comercial (547 dias) e para se completar um processo de falência de uma sociedade (dois anos).

Existe o reconhecimento generalizado de que o setor público tem de se tornar mais «custo-eficiente» e mais próximo das necessidades dos seus cidadãos, o que requer necessariamente uma transformação da cultura administrativa. Estes resultados vêm revelar que, a nível da própria regulamentação, mas também da melhoria da eficiência interna da Administração Pública e do Estado, existe efetivamente trabalho por fazer, no que diz respeito a tornar mais eficiente e célere a decisão de processos administrativos e judiciais. Torna-se, portanto, premente diminuir a demora administrativa e procedimental relacionada com as transações internacionais de bens, o licenciamento, o pagamento de impostos, a resolução judicial de disputas comerciais e os processos de falência de sociedades. Estas reformas tornaram-se hoje mais imprescindíveis e urgentes, devido ao contexto económico e financeiro atual.

Criar melhores condições para as empresas serem bem-sucedidas implica contrabalançar, de forma equilibrada, os benefícios e os custos da regulamentação, nomeadamente os relativos à sua inerente burocracia. A elaboração de bons instrumentos legislativos, que promovam simultaneamente a competitividade e a inovação, no contexto da exigente e crescente concorrência internacional, é dos maiores desafios que qualquer poder público enfrenta. Por vezes, os procedimentos em vigor tornam-se desnecessariamente longos, excessivamente complicados ou mesmo parcialmente obsoletos. O reexame permanente destes instrumentos legislativos e das suas alterações é indispensável, e permite evidenciar casos de incoerência e de incompatibilidade de interesses, contidos, por vezes, dentro do mesmo diploma. Nesse sentido, a reformulação da legislação pode permitir melhorar a relação custo/eficácia dos instrumentos jurídicos tradicionais.

O desenvolvimento de novas capacidades de gestão da regulamentação e da burocracia por parte dos poderes públicos tem de ser continuadamente incentivado e reforçado. Permanece a necessidade de manter o esforço de criação de momentum e de confiança, através de uma estratégia orientada para a criação de valor, com uma regulamentação de maior qualidade, que se interligue com um conjunto de iniciativas relacionadas, dado existir o risco de estas reformas cristalizarem no tempo, em função de novas prioridades. Para a sua efetivação, é necessário assegurar uma continuidade na definição de objetivos estratégicos e operacionais, que ajudem estas reformas a manterem-se no curso devido.


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