O relacionamento bancário e o financiamento das PME: Uma revisão da literatura
De um modo geral, as empresas de pequena dimensão, que têm um papel relevante
na criação de riqueza e de emprego em qualquer economia, enfrentam grandes
constrangimentos no acesso e nas condições do crédito bancário obtido.
As dificuldades significativas no acesso ao crédito advêm em parte das suas
fragilidades financeiras e da opacidade da informação que transmitem aos
financiadores. É frequentemente questionada a relação entre a informação
contabilística e a performance económico-financeira que, na realidade,
evidenciam, dada a liberdade de «construção» da informação contabilística,
raramente auditada e não notada (por agências de notação de risco) e com
múltiplos esquemas de apresentação de contas.
Daí que as técnicas e os modelos de avaliação de risco de crédito para Pequenas
e Médias Empresas (PME) (em particular, modelos de rating inspirados nos
modelos aplicados às grandes empresas), apesar de permitirem avaliações
rápidas, imparciais e de custos reduzidos, ao privilegiarem a análise
económico-financeira, geram classificações baixas, dado o elevado risco
percebido.
As PME(1), e em particular as Micro e Pequenas Empresas (MPE)(2) , operam num
contexto particular, caracterizado por uma forte interdependência entre a
«esfera pessoal» do empresário e a «esfera empresarial», por uma organização
administrativa e financeira que privilegia a informalidade dos relacionamentos
e por uma importância vital e dominante do(s) empresário(s).
Pelo que é pela avaliação do relacionamento bancário, cujas variáveis
explicativas estão geralmente afastadas das ferramentas tradicionais de
avaliação de risco de crédito às PME (em particular, dos modelos de credit
scoring) que passa grande parte do processo de decisão de crédito destinado a
este tipo de cliente bancário.
Caracterização e múltiplas abordagens sobre relacionamento bancário
O conceito de «relacionamento bancário» ainda não está definido de forma
objectiva na literatura sobre intermediação bancária. Numa relação
informacional intensiva com um cliente estão geralmente presentes três
condições, de acordo com Berger (1999):
o banco recolhe informação, para além da informação pública disponível;
a recolha de informação incide sobre a forma de utilização de produtos e
serviços, a partir das interacções múltiplas decorrentes;
a informação é essencialmente qualitativa e permanece confidencial (privada).
Groessl e Levratto (2004) questionam como podem os parceiros (bancos e PME) ser
motivados para trocar informação valiosa que regista um alto grau de
privacidade. Daí introduzirem o conceito de «confiança mútua» na relação banco-
empresa. A confiança torna-se um processo de aprendizagem que é marcado pela
troca de soft information(3) e de experiências positivas vividas pelas partes
intervenientes no contrato de crédito, permitindo, dessa forma, reduzir o clima
de incerteza em torno dessa relação(4) e recompensar a empresa financiada com
condições de crédito mais favoráveis.
As partes envolvidas devem começar com acordos em pequenos contratos de prazos
curtos que lhes permitam periodicamente avaliar os riscos detectados e, em
seguida, tomar as acções apropriadas. O crescimento da relação irá gerando uma
redução gradual das assimetrias de informação, que é sobretudo alcançada pela
reciprocidade, seguido do seu enriquecimento gradual (que, numa fase inicial,
era puramente empresarial e transaccional e posteriormente passa a ter ligações
pessoais).
Tornou-se, portanto, quase inevitável que o relacionamento bancário não tivesse
também começado a receber explicações e análises do ponto de vista sociológico.
A forma como a confiança mútua pode facilitar o acesso às pequenas empresas de
condições de crédito mais favoráveis, foi demonstrada por Uzzi (1999)
recorrendo à teoria de social embeddedness de Granovetter (1985). De acordo com
essa teoria, qualquer transacção económica está imbuída em relações sociais,
onde a intensidade é mais alta em contratos relacionais e mais baixa em
contratos transaccionais.
Além disso, constatada a importância crescente do relacionamento bancário na
fidelização das empresas e, sobretudo, no aumento generalizado da rendibilidade
da actividade da banca de retalho, o tema começa também a atrair as atenções do
marketing financeiro, e em particular do marketing relacional, a partir de
meados da década de 1990, conforme trabalhos de Proença (1995), Carpenter
(1998) e Yeung et al. (2002), entre outros.
Com efeito, o relacionamento bancário é um processo personalizado, de longo
prazo, que envolve a transferência de informação privada do cliente para o
banco e deve ser proveitoso para ambas as partes (redução dos problemas
decorrentes da assimetria informacional para o banco financiador, que os
reflecte na empresa financiada em melhores condições de crédito), mas tende a
ser assimétrico, dado que o aproveitamento da qualidade do relacionamento e da
sua eficácia mantém-se geralmente do lado do financiador.
Os principais temas abordados pela investigação
A investigação sobre o relacionamento banco-PME tem-se centrado na análise do
seu impacto ao nível da empresa, conforme apresentado na Figura 1, em
particular, nas condições de crédito bancário em termos de acesso, pricing,
montante e colaterais afectos que, consequentemente, poderão influenciar também
o seu crescimento/desenvolvimento e o próprio valor.
Figura 1
Investigação sobre o relacionamento banco ' PME
Paralelamente, é também analisado o impacto de outras variáveis com impacto
directo no relacionamento bancário, como sejam a estrutura bancária e outras
relacionadas com a localização e distância banco-empresa, que, por sua vez,
também terão algum impacto directo nas condições de crédito bancário dessas
empresas.
Por último, a perspectiva macroeconómica é analisada sob diversos prismas, quer
a sua interacção e correlação com as condições de crédito das empresas,
incluindo o seu desempenho, quer com o próprio relacionamento bancário.
Desde os artigos «inovadores» de Hodgman (1961), Kane e Malkiel (1965),
Stiglitz e Weiss (1981 e 1983) e Diamond (1984 e 1991), já muito se teorizou e
investigou sobre a importância e o valor gerado pelo relacionamento bancário,
para os bancos financiadores e sobretudo para os seus clientes, em especial as
empresas de menor dimensão.
Foi refinado o conceito do relacionamento bancário, desvendados alguns
conceitos conexos (e.g. transmissão de informação privilegiada e interacções
múltiplas), as suas dimensões (e.g. duração do relacionamento e extensão de
produtos adquiridos) e modelizados e analisados empiricamente os seus custos e
benefícios, em particular para as PME, realçando, antes de mais, as vantagens
em termos de confidencialidade, flexibilidade, controlo e reputação,
reflectidos nos seus efeitos no acesso e nas condições do crédito para as PME
financiadas.
Em simultâneo, é também analisada a medição do soft budget constraint problem,
com os trabalhos de Dewatripont e Maskin (1995) e Bolton e Scharfstein (1996),
mas sobretudo do hold up problem, com Greenbaum et al. (1989), Rajan (1992) e
Von Thadden (1995). A teorização e a análise empírica em torno do tema da
duração do relacionamento e o dilema entre um único relacionamento e múltiplos
relacionamentos bancários, como forma de minimização do hold up problem, são
assuntos também alvos de investigação, com destaque para o trabalho de Farinha
e Santos (2002).
Na sequência da análise do impacto do relacionamento bancário nas empresas, uma
outra corrente de investigação tem-se preocupado em compreender e analisar o
verdadeiro contributo do relacionamento bancário na variação do valor da
empresa e no seu desenvolvimento e crescimento, embora só mais recentemente
tenha sido dado um maior relevo ao tratamento do caso específico das PME.
A investigação sobre o relacionamento bancário entretanto segue outras
direcções, abandonando a questão nuclear do valor do relacionamento bancário
para os seus intervenientes directos. Uma nova corrente de investigação procura
avaliar e incorporar na análise a influência de factores externos, como é o
caso da estrutura da indústria bancária, com destaque para a estrutura do
mercado bancário local e nacional e do próprio ambiente competitivo em torno do
processo creditício, analisando alterações decorrentes de processos de
consolidação bancária (e.g. por via de fusões e aquisições de bancos) e também
alterações na estrutura organizacional bancária e em que medida afectam o
investimento na recolha de informação e, em última instância, a importância
conferida ao relacionamento bancário.
Em particular, a análise da estrutura do mercado bancário na relação creditícia
com as PME é multifacetada, apresenta muitas especificidades, interage com
outras variáveis nem sempre percebidas ou devidamente ponderadas, sendo por
isso complexa e ambígua.
Apesar dos modelos teóricos no âmbito da economia industrial alertarem, de um
modo geral, para as ineficiências da existência de um poder de mercado
significativo, que se reflectirá, no caso dos bancos, em menor disponibilidade
de crédito, conforme Berger et al. (1998), e em pricingsmais elevados, de
acordo com Blackwell e Winters (2000) e Degryse e Ongena (2005), um mercado
mais concentrado poderá valorizar o relacionamento creditício, ao possibilitar
uma redução da assimetria informacional e dos problemas de agência, conforme
Petersen e Rajan (1995) e Guzman (2000).
Em mercados bancários competitivos, a soft information tenderá a dispersar-se,
tornando-se por isso mais dispendiosa a sua recolha por parte do banco
financiador integrado nesse mercado e, consequentemente, esse custo terá de
reflectir-se em maiores pricings de crédito, em particular para os pequenos
tomadores de crédito, de acordo com Marquez (2002). Em suma, parece não existir
uma relação monotónica entre o grau de concentração dos mercados bancários e o
valor do relacionamento creditício para as PME.
A generalidade dos investigadores, que se debruçaram sobre este tema, começa
por isso a admitir que são ainda necessárias pesquisas futuras para examinar e
explicar estas conclusões com maior detalhe, de acordo com Boot (2000), Boot e
Schmeits (2005), Degryse e Ongena (2007) e Udell (2008).
Além disso, com a globalização, as novas tecnologias (introdução e sofisticação
de novos canais de comunicação com o banco) e a desintermediação por que passa
a prestação de alguns serviços financeiros, passou também a ser questionada e
debatida a influência e a importância da localização e da distância física
entre a PME e o banco, no relacionamento bancário (e consequentemente na
viabilidade e nas condições do financiamento), com os trabalhos de Degryse e
Ongena (2005), entre outros.
Por último, a investigação recente direccionou-se para o estudo do contexto
macroeconómico, investigando a interacção entre o relacionamento bancário e a
redução das restrições de liquidez na economia e o consequente impacto no
crescimento económico. Também o impacto de um ambiente macroeconómico adverso
(e.g. crise financeira) no relacionamento bancário (reflectido em riscos de
falência dos bancos e nos credit crunch) tem sido alvo de estudo recente.
O impacto do relacionamento bancário: teoria e evidência empírica
A generalidade das investigações empíricas (realizadas maioritariamente do
ponto de vista da empresa financiada e não do banco financiador), tem concluído
que o relacionamento bancário aumenta o acesso e melhora as condições de
financiamento e consequentemente aumenta o desempenho e o valor das PME.
Contudo, deve ser notado que as conclusões da investigação realizada estão
longe de ser consensuais, dado que não são apenas encontrados benefícios na
relação. Os problemas relacionados com o relacionamento bancário surgem quando
o valor criado não é repartido equitativamente pelo banco e pela empresa
financiada.
As dimensões do relacionamento bancário
As principais conclusões são geralmente alcançadas através de uma avaliação e
medição dos dois principais indicadores do relacionamento bancário: a duração
da relação e a extensão dos produtos bancários adquiridos.
A duração do relacionamento bancário
O primeiro indicador realça que a importância de uma relação dependerá da
duração da ligação entre o cliente e o seu banco. A duração de uma relação é
importante, porque ao longo de repetidas operações vai sendo acumulada e
filtrada informação maioritariamente não transferível para fora da relação,
revelando a capacidade da empresa financiada em respeitar compromissos.
Os benefícios da duração nas condições de crédito ao nível da taxa de juro
obtida no crédito encontram suporte teórico nos estudos de Diamond (1989). Boot
e Thakor (1994) num modelo teórico demonstram que, ao início, as empresas podem
ter de suportar elevadas taxas de juro, mas à medida que a duração da relação
de crédito aumenta, mediante uma sucessão de créditos bem sucedidos, a taxa de
juro decresce e aumenta também a probabilidade de serem diminuídos os
colaterais a afectar ao crédito.
Dos primeiros trabalhos empíricos que avaliam a importância da duração do
relacionamento na obtenção de melhores condições de crédito, em particular uma
maior disponibilidade de crédito e menores taxas de juro, destacam-se as
investigações de Petersen e Rajan (1994) e Berger e Udell (1995).
Petersen e Rajan (1994) estudaram uma amostra superior a 3000 empresas,
recolhida a partir do National Survey of Small Business Finances(5) (NSSBF) de
1987, e concluíram que a duração da relação não tem uma influência
estatisticamente significativa sobre a taxa de juro do crédito oferecida por um
banco à empresa. Porém, parece influenciar positivamente a disponibilidade de
crédito do banco a clientes. Empresas com relações bancárias mais longas
registam um maior acesso ao crédito, do que empresas com um período mais curto
de relacionamento bancário.
Numa investigação posterior que utilizou o mesmo conjunto de dados, Berger e
Udell (1995) argumentam que Petersen e Rajan (1994) falharam na determinação de
uma relação entre taxas de juro e duração porque eles não fazem uma focalização
na forma mais importante de empréstimo do banco comercial: a linha de crédito.
Berger e Udell (1995) concluíram que as taxas de juros cobradas em linhas de
crédito diminuem à medida que a duração do relacionamento aumenta. Os autores
argumentam que os resultados são consistentes com o facto de uma relação
bancária envolver a revelação de soft information que melhora as condições
contratuais para a empresa, pelo que os bancos parecem não aplicar pricings de
monopolista.
Numa actualização dos estudos de Petersen e Rajan (1994) e Berger e Udell
(1995), Cole (1998) utiliza uma amostra recolhida junto do NSSBF de 1993 para
mostrar que a probabilidade de acesso ao crédito aumenta com o tempo decorrido
da relação, durante o seu primeiro ano, mas não aumenta depois disso.
A generalidade dos resultados obtidos nos estudos conduzidos ao nível de
empresas americanas parece não ser facilmente transposta para o caso europeu,
em particular os resultados relacionados com o impacto em termos de custo do
crédito.
Harhoff e Körting (1998) e Elsas (2005), com base em dados sobre o crédito
concedido por bancos alemães, não identificaram correlações significativas
entre a duração do relacionamento bancário e a taxa de juro ou o maior acesso
ao crédito por parte de PME alemãs. Porém, Harhoff e Körting (1998) obtiveram
uma correlação significativa e negativa entre a duração do relacionamento
bancário e a exigência de prestação de colaterais. Cánovas e Solano (2006)
concluíram para o caso espanhol, repartindo a amostra recolhida em duas
subamostras a partir da mediana da variável duração, que, para relacionamentos
inferiores a 15 anos, o banco exerceria o seu poder de monopólio ao impor
prémios de risco mais elevados e ao aumentar a probabilidade de afectação de
colaterais aos créditos concedidos.
A extensão de produtos bancários adquiridos ao banco financiador
O segundo indicador refere-se à amplitude (ou extensão) de produtos bancários
adquirida pelo cliente de crédito. Os bancos, para além de concederem crédito,
prestam um vasto número de serviços financeiros aos seus clientes, o que, de
acordo com Fama (1985), lhes permite repartir também os custos de produção de
informação por vários produtos e complementar a rendibilidade global da
estrutura.
O rigor e a eficiência da informação recolhida podem ser aumentados através da
interacção dos clientes com outros produtos financeiros adquiridos. Os
trabalhos pioneiros de Kane e Malkiel (1965) e Fama (1985) demonstram
teoricamente que a utilização dos produtos e serviços bancários confere ao
banco a oportunidade de aprender mais sobre as perspectivas de solvência do
crédito concedido e de flexibilidade contratual adicional e permite também
fixar políticas de preços específicas em função dos diferentes serviços.
No entanto, constata-se que há pouca evidência que documente a influência da
extensão de outros produtos e serviços bancários adquiridos. A razão primária
está relacionada com a ausência de dados publicados que a análise deste
indicador requer. Informação financeira detalhada, ao nível dos serviços
adquiridos, é tipicamente privada e portanto indisponível.
Petersen e Rajan (1994) averiguaram a relação entre uma empresa manter
depósitos, ou outros serviços de não crédito, no seu banco e o custo e a
disponibilidade do crédito. Não encontraram uma relação entre as variáveis de
extensão e de custo do crédito, mas concluíram que empresas que compram outros
serviços do banco são menos afectadas por restrições no acesso ao crédito.
Porém, Cole (1998) encontra uma dependência negativa entre a compra de serviços
financeiros e a disponibilidade de crédito. Degryse e Van Cayseele (2000)
concluíram que a compra de outros serviços bancários, propensos à geração de
informação para o banco, reduz a taxa de juro a cobrar ao cliente, e Angelini
et al. (1998) concluíram que os clientes de um banco cooperativo obtêm um
acesso mais fácil ao crédito e a taxas mais baixas que os não clientes.
O trabalho de Mester et al. (1998) parece ser a primeira investigação empírica
em que o acompanhamento das contas bancárias do tomador de crédito, e a sua
influência nas condições de crédito, é analisado mais pormenorizadamente.
Através do recurso a uma base de dados de um banco canadiano anónimo foi
recolhida uma amostra de 100 pequenas empresas, tendo-se concluído que um banco
que tenha acesso exclusivo ao fluxo de informação, extraído da movimentação
bancária dos seus clientes tomadores de crédito, melhora a monitorização do
crédito e a detecção prematura de problemas. Com efeito, é pela observação das
contas de depósitos dos clientes-empresa, que um banco pode retirar conclusões
sobre a natureza e proveniência dos seus cash-flows, das suas crises de
liquidez, dos seus negócios (e até dos seus parceiros financeiros) e sobre o
seu grau de aversão ao risco, e consequentemente sobre o(s) tipo(s) de
investimento que terá capacidade para empreender.
A quantidade de produtos de crédito e a concentração de responsabilidades junto
do banco financiador têm sido utilizados com frequência como proxy da solidez
da relação nos trabalhos empíricos realizados. Blackwell e Winters (1997),
Charlier (1998), Harhoff e Körting (1998) entre outros, concluem que uma maior
concentração de crédito junto do banco financiador está associada a menores
custos do crédito e/ou a maior acesso ao crédito ou mesmo mais crédito
concedido. A par com este último indicador, existe também extensa investigação
que analisa o impacto teórico e empírico da quantidade de relacionamentos
bancários(6) nas condições creditícias obtidas.
Mais recentemente, Cardone et al. (2005) analisam a importância nas condições
de crédito de outras formas concretas de compensação nos contratos (para além
do colateral) - como sejam a domiciliação de salários dos empregados, a
abertura de contas de poupança ou a adesão a outros produtos -, concluindo que
a adesão a outros produtos financeiros poderia reduzir a afectação de
colaterais e também o custo do crédito.
A análise e determinação dos benefícios e dos custos
A investigação teórica tem demonstrado que as relações entre o tomador de
crédito e o banco asseguram um clima de confidencialidade, de acordo com
Bhattacharya e Chiesa (1995), melhoram a flexibilidade contratual, de acordo
com Boot e Thakor (1994) e Von Thadden (1995), reduzem os problemas de agência,
através do aumento do controlo, conforme demonstrado por Stiglitz e Weiss
(1983) e Von Thadden (1995) e permitem construir uma imagem de reputação, de
acordo com Lummer e McConnel (1989) e Chemmanur e Fulghieri (1994).
Contudo, a abstracção dos benefícios teóricos do relacionamento bancário (ver
Figura 2) tem empurrado os investigadores para a observação dos seus efeitos
concretos e que passam mais pela análise do seu impacto em termos de maior
acesso ao crédito, redução do custo do crédito, maior montante de crédito e
menores exigências em termos de afectação de colaterais e/ou cláusulas
restritivas (covenants).
Figura 2
Benefícios do relacionamento bancário
O relacionamento bancário comporta alguns inconvenientes (ver Figura 3) que
afectam tanto o banco como a empresa financiada, e que Boot (2000) resume em
soft-budget constraint problem e hold up problem.
Figura 3
Tipologia dos problemas derivados do relacionamento bancário
O primeiro problema refere-se a uma restrição monetária menos forte a que fica
sujeita a empresa financiada e que se explica pela maior facilidade do banco em
conceder crédito à empresa (e de montante superior ao do risco realmente
apresentado), com a qual já se encontra consolidada uma determinada relação de
confiança, baseada na recolha e análise regular de soft information de acordo
com Dewatripont e Maskin (1995) e Bolton e Scharfstein (1996).
Enquanto o segundo problema advém do monopólio informacional que o banco
desenvolve durante o horizonte temporal em que subsiste o financiamento e que
poderá traduzir-se na prática de pricings superiores aos que definiria em
condições de repartição equitativa dos benefícios, conforme Greenbaum et al.
(1989), Rajan (1992) e Von Thadden (1995), em particular, em mercados locais
onde o banco financiador possui um poder de mercado significativo.
Bornheim e Herbeck (1998), atentos às dificuldades em determinar o valor
líquido do benefício do relacionamento, desenvolveram uma representação gráfica
que ajuda a conceptualizar o valor e as implicações do relacionamento entre uma
PME e o seu banco.
Na Figura 4 estão definidas três funções:
1. Os benefícios marginais ' representados por uma curva que resulta de uma
função exponencial estritamente decrescente que se aproxima de «0» à medida que
a duração do relacionamento aumenta. Essa curva é determinada pelos factores
que o autor designa de «benefícios potenciais do relacionamento» para os dois
intervenientes na relação de crédito:
PME ' baixo custo, maior acesso ao crédito e menor exigência de colaterais;
Banco ' mais informação sobre o cliente de crédito e respectivo
aproveitamento da vantagem informacional.
2. As barreiras marginais à saída ' representadas por uma curva que intersecta
o eixo das ordenadas na origem e representa uma função linear de declive
positivo(7). As barreiras encontradas são a dependência em relação a um único
banco, a utilidade decrescente da concorrência no mercado bancário e os custos
crescentes associados à mudança de banco.
3. Os benefícios marginais líquidos são representados por uma curva, cuja
função resulta da diferença entre os benefícios e as barreiras marginais. O
ponto de inflexão t* é atingido quando os benefícios marginais líquidos são
nulos e correspondem a um período de duração da relação que coincide
graficamente com a intersecção das curvas dos benefícios e das barreiras
marginais em B*. Para lá deste tempo de duração, a relação incorre num
benefício marginal líquido negativo.
Figura 4
Os benefícios líquidos do relacionamento banco ' PME
Fonte: Bornheim e Herbeck (1998, p. 328)
Os autores advertem ainda que podem ser incluídas condições específicas a cada
mercado local no modelo, que se reflectirão numa variação da inclinação das
curvas.
Conclusão
Apesar de se reconhecer de uma forma geral a importância do relacionamento
bancário no crédito às PME, as diversas abordagens existentes sobre o tema não
são consensuais quanto aos seus verdadeiros benefícios líquidos em termos de
viabilidade e condições das operações de financiamento. O relacionamento
bancário é por isso um tema complexo, mas incontornável na análise do
financiamento das PME.
A generalidade das investigações empíricas já realizadas, apesar de concluir
que o relacionamento bancário aumenta o acesso e melhora as condições de
financiamento para as PME e, consequentemente, contribui para o aumento do
desempenho e valor da empresa, alerta também para os seus inconvenientes, em
particular, os custos associados ao hold up problem em que a empresa pode
incorrer resultantes do facto do banco deter o monopólio de informação acerca
da empresa financiada.
Verifica-se também que
os principais estudos empíricos realizados, abordando o tema do relacionamento
banco-PME, se circunscrevem geograficamente ao território norte-americano(8) .
Na Europa, existem algumas dificuldades no acesso a dados desta natureza
, atendendo a que as principais investigações empíricas realizadas têm
recorrido geralmente a informação obtida por via de inquéritos ou cedida
directamente por um número limitado de bancos.
É de salientar também que o relacionamento banco-empresa verificado em cada
região interage com uma grande variedade de factores externos específicos,
nomeadamente a estrutura de mercado do sistema bancário em que a relação
creditícia ocorre, a «infra-estrutura de financiamento», que define as normas e
a flexibilidade que contextualiza o cenário em que as Instituições de Crédito
(IC) financiam as PME(9) , o nível de desenvolvimento e inovação dos mercados
financeiros e o próprio ambiente macroeconómico em que está integrado.
Daí que seja notória também alguma dificuldade na comparabilidade e na
consensualização das conclusões a que as várias investigações empíricas já
realizadas chegam, a que acrescem ainda as especificidades das empresas que
compõem as amostras analisadas e dos indicadores explicativos do relacionamento
bancário e as características da (s) linha (s) de crédito alvo de análise, cuja
decisão de atribuição e condições de crédito obtidas podem exigir diferentes
valorações do relacionamento bancário.
Em síntese, as PME que procuram beneficiar das vantagens de uma relação
fidelizada (ao nível da concentração do seu crédito) e duradoura com um banco,
devem ter em conta que o monopólio de informação adquirido pelo banco
financiador pela duração do relacionamento, coadjuvado por alguma opacidade da
empresa financiada e pelo seu maior poder de mercado local, pode traduzir-se em
prejuízos para a empresa. Desta forma, a mobilidade em termos de mudança de
banco deve ser experimentada, o que também só se revela viável em zonas em que
o mercado bancário local esteja pouco concentrado.
O relacionamento bancário será benéfico para todos os intervenientes no mercado
do crédito bancário (oferta/bancos e procura/PME), e consequentemente para a
economia, de uma forma geral, na medida em que não se verifique um
aproveitamento da vantagem informacional por parte de nenhum dos intervenientes
da relação (com maior destaque para a parte que geralmente possui maior poder
negocial ' o banco financiador) e ao nível de uma eventual redução de
incentivos à monitorização da evolução dos créditos concedidos.
Dado o particular interesse do relacionamento bancário para as PME, na melhoria
do seu acesso ao crédito, a investigação deverá continuar a centrar a sua
atenção na determinação objectiva dos indicadores que influenciam o
relacionamento bancário, tendo em vista compreender e quantificar os seus
benefícios líquidos, sendo necessário, para alcançar esse objectivo, realizar
também uma avaliação rigorosa e objectiva das suas desvantagens, com destaque
para o impacto do eventual comportamento monopolista do banco, incluindo na
análise, um conjunto cada vez mais abrangente de factores exógenos relevantes,
com destaque para a infra-estrutura de financiamento, em que se desenrola a
relação.
Notas
(1) Recorrendo à definição europeia em vigor (Recomendação da Comissão 2003/
361/CE, de 6 de Maio), as PME são caracterizadas por terem menos de 250
trabalhadores, um volume de negócios anual que não excede os 50 milhões de
euros, ou um balanço total anual que não excede 43 milhões de euros e por não
serem propriedade, em 25% ou mais, do capital ou dos direitos de voto, de uma
empresa ou conjuntamente de várias empresas que não se enquadrem na definição
de PME. De acordo com o INE, em 2005, as PME constituíam 99,6% das empresas em
Portugal e eram responsáveis por 75,2% do emprego privado e 56,2% do volume de
negócios.
(2) Dentro das PME, as MPE distinguem-se por terem menos de 50 trabalhadores e
um volume de negócios ou um balanço total anual que não excede 10 milhões de
Euros.
(3) Trata-se de informação de cariz qualitativo, que geralmente não está
registada de forma uniformizada em bases de dados, nem é facilmente e fielmente
transmitida entre os vários órgãos de decisão de crédito do banco.
(4) Reflectido nos problemas decorrentes da selecção adversa na fase pré-
contratual e do risco moral após a formalização do contrato de crédito.
(5) Informação detalhada sobre os NSSBF em http://www.federalreserve.gov/Pubs/
Oss/Oss3/nssbftoc.htm (acedido em 02/01/2009).
(6) De notar que, nas investigações empíricas, o grau de concentração de
crédito junto do banco financiador deverá ser preferido em relação à quantidade
de relacionamentos bancários. Esta variável, segundo Memmel et al. (2007), é
considerada muito restritiva quando analisada isoladamente, dado que apresenta
um menor valor explicativo que o grau de concentração de crédito. A quantidade
de relacionamentos pressupõe geralmente igualdade de quotas de crédito pelos
bancos (Ongena et al., 2007), não permitindo determinar o nível de pulverização
ou dispersão do crédito pelos vários bancos com que a empresa se relaciona.
(7) Os autores consideraram irrelevante o facto de a função ser linear ou não
linear, no entanto a função encontrada é determinada por uma variedade de
factores potenciais, como sejam a estrutura de mercado bancário ou o próprio
sistema de regulação da actividade bancária.
(8) A que não é alheio o facto de, neste país, existirem os NSSBF, o que
permite a obtenção de uma base de dados de acesso público que agrega informação
relevante e representativa do universo analisado.
(9) Tal ainda inclui aspectos tão distintos como o quadro normativo em termos
de leis comerciais, fiscais, falimentares e as características do próprio
sistema judicial vigente no meio em que a PME actua, assim como a regulação da
actividade das IC e as eventuais restrições legais ao financiamento.