A investigação em Gestão de Recursos Humanos em Portugal: Resultados e
tendências
O campo de estudo da temática da Gestão de Recursos Humanos (GRH) evoluiu ao
longo do século passado, quer em termos de teoria quer de aplicação, ancorado
em linhas de força que acabaram por contribuir para a delimitação de fronteiras
balizadoras da evolução neste campo. Foi assim no início do Séc. XX, com a
influência das relações laborais e dos movimentos sindicais que influenciaram
os conteúdos de investigação de GRH, as designações da actividade e as ênfases
das próprias práticas de gestão. É assim no tempo actual, com a globalização
das actividades e negócios em que a contingencialidade das opções teóricas e de
intervenção revelam o peso determinante dos factores de contexto.
Ora, esta ancoragem é transversal aos diferentes continentes e países, muito
embora desfasada temporalmente em termos de ocorrência. Por exemplo, enquanto
nos EUA o início do Séc. XX marca o início da evolução, em Portugal só 50 anos
mais tarde se observa tal evolução. Contudo, este desfasamento temporal na
evolução do campo da investigação em GRH tem vindo a diminuir, o que significa
que, em virtude dos sistemas de informação e tecnologia associada, a evolução é
global, muito embora em termos de intervenção se encontre ainda desfasada
devido a factores de contexto como a produtividade e a competitividade. Assim,
é importante ter em consideração tais elementos, quando queremos compreender o
que ocorre em matéria de tendências de investigação e de intervenção em GRH.
Tratando-se inicialmente de uma preocupação eminentemente prática e
escassamente ancorada do ponto de vista teórico, a gestão dos recursos humanos
evoluiu um pouco à sombra das teorias organizacionais (taylorismo, burocracia,
relações humanas, abordagens sistémicas e contingenciais, etc.) e das teorias
comportamentais (motivação e satisfação, poder e liderança, trabalho em equipa
e participação, equidade e implicação, etc.). Não admira por isso que a
evolução da problemática de GRH partilhe as insuficiências e os aspectos
positivos inerentes às teorias que lhe serviram de apoio.
Apesar de, em termos de uso, os prós das teorias terem uma maior tendência de
ênfase do que os contras por parte dos utilizadores, os aspectos positivos para
a GRH decorrentes do contributo das teorias comportamentais relacionadas com os
processos de gestão, bem como as teorias organizacionais de pendor sistémico e
contingencial, referem-se a considerarem implícita ou explicitamente a
relevância do elemento humano no contexto de outros factores que igualmente
contribuem para a eficácia organizacional. Mas, desta influência, decorrem
também insuficiências que questionam os modelos de investigação e as teorias
que os suportam.
De uma forma sintética, dois exemplos são ilustrativos deste raciocínio.
O primeiro relaciona-se com a teoria da gestão por objectivos ( Locke e Latham,
1990; 2002), segundo a qual estes são fundamentais dado o seu carácter de farol
sinalizador e legitimador para todas as actividades do gestor e motivador dos
desempenhos. Contudo, alguns aspectos perversos do uso da teoria enfraquecem
por vezes os aspectos positivos da mesma (Schweitzer et al., 2004; Ordóñez et
al., 2009) . Constitui um exemplo ilustrativo a definição menos realista dos
objectivos, entendida quer por excesso, tornando-os irrealistas, quer por
defeito, tornando-os escassamente incentivadores. Ou, também, os casos de uma
capacidade motivacional reduzida quando excessivamente simples, ou aumentada
quando os objectivos são elevados mas realistas. Refira-se, ainda, a fácil
alienação a que conduzem os alvos quando se faz dos meios a razão de ser para
simplesmente cumprir ou superar o atingir de um dado objectivo.
Outro exemplo relacionado com a forma de definir as proporções entre parte fixa
e parte variável das recompensas ilustra também as insuficiências das teorias e
dos modelos de análise na superação da tentação da linearidade dos modelos, o
que deixa de fora aspectos de contexto cujos efeitos só abordagens
metodológicas e teóricas mais complexas, como os modelos de moderação e de
mediação, possibilitam dar conta.
Assim se explica o debate a que presentemente se assiste sobre a forma de
recompensar os gestores financeiros, na base da qual a antiga fórmula de
associar uma parte variável ao lucro ou aos resultados se revela perversa em
virtude do excesso de risco induzido nos actos de gestão por parte deste tipo
de profissionais. Algo parecido à prática de recompensar o trabalho de uma
equipa de vendas com base em uma percentagem das vendas efectuadas,
independentemente da cobrança, dos produtos em stock ou da margem de lucro do
produto. O incentivo para a acção, estimulado pela comissão de vendas, poderá
induzir efeitos negativos em termos do resultado final e contribuir para a
menor sustentabilidade da organização ao não controlar o factor de risco
financeiro associado ao cliente, ao desequilibrar a gestão de stocks de produto
acabado, privilegiando a venda dos produtos de maior rotação e ao vender
tendencialmente os produtos de valor mais elevado em detrimento dos de menor
preço.
Estas e outras insuficiências tornam a GRH objecto de estudo de crescente
interesse, verificando-se nas últimas décadas um esforço de compreensão e de
teorização do conjunto das práticas de gestão, de que a grande proliferação de
cursos de formação de cariz académico (licenciaturas, pós-graduações, mestrados
e doutoramentos) e de natureza mais profissional (acções de aprendizagem,
formação técnica e reciclagem sobre práticas de GRH) constitui uma evidência
objectiva.
É este o enquadramento para o contributo deste trabalho, ao referir as
tendências emergentes nos trabalhos de investigação sobre esta temática,
produzidos entre os anos de 1986 e 2009 em instituições de ensino e
investigação portuguesas e ao mapear as grandes influências na evolução e
consolidação das práticas de GRH expressas nas temáticas dos Encontros APG
(Associação Portuguesa dos Gestores e Técnicos dos Recursos Humanos) que, ao
longo dos últimos 40 anos, vêm ocorrendo em Portugal, e as respectivas
implicações na problematização teórica desta temática.
A nossa reflexão apoia-se em quatro tópicos: as dimensões associadas ao
conceito de GRH; a evolução da GRH em Portugal; a análise da produção
científica em Portugal; e finaliza com um ponto sobre conclusões.
Dimensões associadas ao conceito de GRH
Na base da explicitação do conceito de GRH, o que se encontra? Um modelo ou
vários modelos? Dimensões estratégicas (com impacto a médio ou longo prazo) ou
meramente operacionais (com impacto a curto prazo)? Qual o impacto das
diferentes dimensões na satisfação individual e na produtividade e
competitividade organizacionais?
Uma das principais dificuldades em responder a estas questões resulta da
insuficiente investigação empírica existente no domínio da GRH e no
conhecimento frequentemente impressionista da realidade, o qual torna difícil
delimitar conceptualmente as práticas de gestão em termos de dimensões e dos
respectivos conteúdos. Igualmente constitui uma dificuldade o gap persistente
entre os conteúdos de interesse dos práticos e os conteúdos de interesse para
os teóricos, como sugere o trabalho de Deadrick e Gibson (2004). Dado este gap
de interesses, os veículos divulgadores do conhecimento com origem nos práticos
e do conhecimento com origem nos teóricos, a disseminação e aplicação do
conhecimento sobre práticas de GRH, limita o conhecimento gerado em matéria de
GRH como um todo, ou seja, quer na sua componente de investigação quer de
aplicação. Igual contributo para incrementar a dificuldade anteriormente
referida resulta da perspectiva dominante de os investigadores usarem modelos
universalistas nas suas investigações, menosprezando a inclusão de perspectivas
contingenciais e contextuais, como sugere o trabalho de Martin-Alcázar et al.
(2007).
A GRH é simultaneamente um conjunto de conhecimentos e uma actividade,
estruturando-se cada um em estreita interdependência. Frequentemente
rebaptizada em virtude de maiores exigências de integração na estratégia da
organização, a GRH enquanto saber é algo bastante heterogéneo que visa
conseguir resultados, influenciando os comportamentos e atitudes das pessoas
mediante um sistema de gestão definido aprioristicamente.
Uma análise aos manuais de GRH revela um conjunto de teorias implícitas a
propósito do modo de funcionamento das organizações, dos grupos e dos
indivíduos e um conjunto de práticas apelidadas de GRH, cujas designações são
frequentemente referidas por dimensões como recrutamento e selecção, formação e
desenvolvimento, remunerações e recompensas, relações sociais, higiene e
segurança, análise e descrição de funções, avaliação do desempenho, comunicação
e integração, gestão de carreiras, planeamento de efectivos, gestão
administrativa e jurídica, etc., dimensões estruturadas na base de escolas de
pensamento, as quais fornecem os alicerces de natureza teórica para se
estruturar o conjunto de dimensões da GRH.
Relacionada com esta problemática, é útil referir a estrutura dimensional de
GRH subjacente aos modelos de certificação dos profissionais de GRH americanos
assegurados pelas instituições Society for Human Resource Management e Human
Resource Certification Institute [1], patentes nos Manuais de certificação de
1995 e 2009. As dimensões integram conteúdos de natureza estratégica e de
natureza operacional e variam em termos de importância, quer do ponto de vista
de cada dimensão, quer da exigência de qualificação do profissional de Recursos
Humanos.
Como se constata da análise do Quadro I, a estrutura assenta em seis dimensões
que são transversais aos diferentes níveis do exercício da profissão
(profissional ' Professional in Human Resources; profissional sénior ' Senior
Professional in Human Resources; e profissional global ' Global Professional in
Human Resources ), mas com ponderações diferenciadas em termos de importância
para o nível profissional, ponderação essa que igualmente varia entre 1995 e
2009 para os níveis profissional (júnior) e sénior de exercício da profissão.
Mais recentemente, foi criado um terceiro nível de profissionalização: o
profissional global para dar resposta aos requisitos da globalização. As seis
dimensões e respectivos pesos em termos de importância, em função dos níveis de
certificação profissional pretendidos, são resumidos no Quadro I.
Quadro I
Dimensões de GRH no modelo de certificação americano
Uma das escolas de pensamento que mais marcou a evolução do conjunto de
conhecimentos e práticas relacionados com a GRH foi a abordagem sistémica do
funcionamento organizacional. A literatura sobre gestão estratégica de recursos
humanos sugere que, para se poder analisar o impacto das práticas de GRH no
desempenho organizacional, se deve adoptar uma perspectiva sistémica dada a
forma conjunta e simultânea de influência dos comportamentos individuais e
grupais por parte das diferentes práticas.
A influência das práticas de GRH sobre o desempenho individual ou
organizacional ocorre em termos de conjunto e em simultâneo e não tanto na base
de práticas isoladas, i.e., sem ligação de umas com as outras. Na perspectiva
de sistema, e do ponto de vista conceptual, as práticas de GRH podem funcionar
como complementares ou em interacção para produzirem impactos no desempenho,
pelo que a sua definição e sistematização constitui um passo fundamental para
prosseguir os estudos sobre esta temática.
A este propósito partilhamos a opinião de autores como Wright e McMahan (1992)
e Delery e Doty (1996), segundo a qual a GRH deverá ser conceptualizada como um
sistema global, integrado num sistema mais vasto, em que a estratégia de
negócio, a globalização das actividades e a cultura organizacional constituem
os principais condicionantes à definição, evolução e funcionamento dos outros
subsistemas ou dimensões.
Nesta perspectiva, as práticas de GRH representam um padrão em termos de uso e
de funcionamento de actividades que ajudam a organização a alcançar os seus
fins mediante uma planificação concertada dos seus objectivos e concretização.
Por isso, as práticas não são independentes umas das outras e os seus impactos
operam em termos de influência conjunta e não individual ou isolada, influência
que é balizada pelas políticas organizacionais (Boselie et al., 2005). Tal não
significa que, apesar de entendidas como sistémicas, as práticas de GRH não
possam gerar efeitos aditivos (duas práticas podem originar um efeito maior do
que uma prática isolada, mas os efeitos de duas práticas conjuntas poderão não
ser superiores aos efeitos de duas práticas individuais), de substituição (o
efeito de uma prática pode ser substituído pelo efeito de outra, pelo que usar
duas práticas poderá não originar efeitos maiores quando comparados com os de
cada prática de per si) ou de interacção (os efeitos de umas práticas reforçam
os de outra).
Políticas e práticas de GRH, apesar de conceptualmente distintas (enquanto as
primeiras são as intenções organizacionais declaradas sobre a forma de gerir as
actividades de GRH, as segundas são a actividade actual e em funcionamento,
observável e experienciada pelo sujeito), quando medidas, carecem de ser
entendidas e dotadas de importância e significado pessoal ou organizacional
atribuído pelos indivíduos, sob pena de se misturar retórica com realidade
(Boselie et al., 2005). Apesar de não estar resolvida a questão de saber que
práticas e que políticas deverão ser agrupadas para formar um sistema (Lepak e
Snell, 1999), com base na análise da literatura sobre o tema (Beaumont, 1993) e
sobre as práticas americanas de certificação da actividade profissional nesta
área, sistematizámos, para efeitos de operacionalização e de estruturação
conceptual, a pluralidade de práticas e de políticas de GRH (com impacto
imediato ou a prazo) nas dimensões seguintes:
• estratégia de GRH - estratégia de GRH, periodicidade de revisão da
estratégia, estatuto do responsável pela GRH, influência na formulação da
estratégia do Instrumento de Regulamentação Colectiva do Trabalho;
• gestão do emprego ' planeamento quantitativo e qualitativo dos RH, definição
dos requisitos básicos, evolução das carreiras profissionais, afectação e
desafectação de RH aos postos de trabalho, avaliação dos desempenhos, auditoria
à GRH;
• recrutamento e selecção ' pesquisa e análise de mercado, formas de
recrutamento, técnicas de selecção, critérios de escolha, plano de integração;
• formação e desenvolvimento ' plano de formação, plano de informação e
comunicação, avaliação da eficácia;
• manutenção ' política salarial e de benefícios, ambiente e condições de
segurança no trabalho, acção social, relações de trabalho.
Na base destas dimensões, elaborámos um questionário com o qual validámos
empiricamente a estrutura dimensional, que revelou bons resultados
relativamente à capacidade discriminativa em termos de níveis hierárquicos, de
organizações e de sectores de actividade (Neves, 2000), pelo que a utilizaremos
para estruturar a análise dos temas que de seguida apresentaremos.
A evolução da GRH em Portugal
A temática da GRH tem sido objecto de teorização e de análise empírica por duas
razões fundamentais: uma de natureza teórica, que se prende com a necessidade
de conceptualizar a grande diversidade de práticas desta área e a sua relação
com a competitividade; e outra de natureza prática, ligada à necessidade de
controlar os efeitos das suas práticas em cujo processo a cultura
organizacional, a estratégia de negócio, a internacionalização e a globalização
das actividades e a respectiva influência na competitividade e produtividade
organizacionais desempenhem a principal influência no desenvolvimento e
evolução deste conceito.
Um dos conceitos mais associados ao desenvolvimento da temática é talvez o da
estratégia (Huselid, 1995), a ponto de, quer a teoria quer a prática, terem
incorporado o conceito, como o atesta a pluralidade de estudos e publicações.
Na base deste conceito, as intenções de desenvolvimento, que uma organização
desenha para definir o seu futuro, afectam as actividades de GRH que asseguram
o adequado comportamento e esforço dos indivíduos para a concretização do
futuro e, desta forma, contribuem para o desempenho organizacional (Schuler,
1992).
Por isso, um planeamento e afectação de recursos em quantidade e qualidade, de
acordo com as ideias de evolução do negócio, e uma motivação dos comportamentos
necessários à realização das actividades previstas carecem de um alinhamento
com os objectivos organizacionais e os planos de acção com horizontes temporais
diversificados (Armstrong, 2002). Assim, no conceito de GRH, as pessoas são
entendidas na base de outro significado, deixando de ser encaradas como um
factor custo, para passarem a ser encaradas como um factor investimento, ou
seja, um dos activos mais determinantes da competitividade.
O saber e as competências devem ser desenvolvidos como forma de a organização
criar valor em termos individuais, organizacionais e sociais. Este valor,
apesar de intangível, possibilita a que a organização ganhe reconhecimento e
notoriedade, motive a atenção dos investidores e contribua para assegurar a sua
sustentabilidade. Esta influência da estratégia de negócio sobre a GRH
generalizou mesmo o uso das expressões «estratégia de recursos humanos» e
«gestão estratégica de recursos humanos» (Tyson, 1995). E, neste sentido, cada
vez mais, as estratégias global e sectorial se interpenetram e condicionam,
tornando os recursos humanos um factor de continuidade entre a herança cultural
da organização e o desenvolvimento colectivo das suas competências, numa
perspectiva de desenvolvimento face ao futuro.
A utilização das práticas de GRH reflectem os ambientes organizacionais onde se
inserem, particularmente nas pressões relativas à competitividade. Tal
ambiência de competitividade reflecte-se na gestão das organizações em termos
da sua estruturação e funcionamento, obrigando-as a uma reaprendizagem
permanente da capacidade de lidarem com as exigências da sua envolvente. Desta
reaprendizagem faz parte a necessidade de, em permanência, alinhar a gestão das
pessoas com as exigências da envolvente social e de negócios.
Numa organização, tal como é necessário existir uma estratégia externa que a
capacite a ser competitiva no mercado, igualmente se necessita de uma
estratégia interna que a oriente no sentido do desenvolvimento, da motivação e
do controlo dos recursos humanos. Esta forma de conceptualizar o funcionamento
organizacional, para além do imediato temporal, implica a necessidade da
estratégia externa e da estratégia interna se articularem, dado o
condicionamento mútuo e a necessidade de as diferentes actividades estarem
integradas e serem consistentes.
Por exemplo, uma estratégia que baseie a sua competitividade em produzir ao
mais baixo custo, ou uma estratégia que faça da inovação a sua principal fonte
de competitividade, implicam diferentes políticas e práticas de GRH em termos
de recrutamento e selecção, da formação e desenvolvimento do potencial humano,
da remuneração e benefícios, das relações laborais, etc. Também, a título de
exemplo, na fase de início de uma organização, a dimensão recrutamento e
selecção tem por política principal atrair os melhores, política que se
modifica na fase de crescimento para recrutar o número adequado de
trabalhadores, depois, na fase de maturidade para fomentar a rotação e
minimizar o despedimento, e, finalmente, na fase de declínio, a ênfase da
política assenta na redução de efectivos e no acentuar das recolocações.
Assim se compreende a cada vez maior necessidade de flexibilidade dos recursos
tecnológicos e organizacionais e a crescente pressão sobre as barreiras do
legado cultural e legal herdado do passado, no sentido da renovação das
práticas de GRH capazes de tornarem motivados e adequados os comportamentos de
trabalho que garantem a concretização e a satisfação das necessidades do
cliente (Milliman et al., 1991).
De idêntica forma, e no que se relaciona com a globalização e o impacto na GRH,
a diversidade de factores competitivos, a fragmentação dos mercados, as formas
de aliança estratégica, que implicam modalidades diferentes de colaboração,
sugerem que no futuro a GRH irá transformar-se numa temática de extrema
importância em termos de investigação empírica e teórica. Questões como o ciclo
de vida organizacional (iniciação, crescimento funcional, controlo de
crescimento e integração estratégica) e as ênfases diversificadas relativamente
a dimensões e prioridades de GRH serão objecto de intensa investigação nos
próximos anos (Adler, 1991).
No actual contexto de globalização, a pressão da competitividade é talvez o
factor que maior influência exerce sobre a evolução conceptual e o conteúdo das
práticas da GRH. Que preocupações revelam os profissionais portugueses sobre a
forma como a GRH evolui e se adapta às tensões e dilemas, com que forma
crescente é confrontada e se repercute na expressão e tendências de exercício
da actividade de gestor de recursos humanos?
Um contributo para responder a esta questão consistiu na análise de conteúdo
aos temas (designação genérica e de cartaz) escolhidos pelos dirigentes da APG
para promoção e divulgação dos encontros anuais de reflexão promovidos pela
Associação Portuguesa dos Gestores e Técnicos de Recursos Humanos desde 1967
até ao presente. O ano de ocorrência e respectivo tema dos encontros de
reflexão anualmente promovidos pela APG, é apresentado no Quadro II.
Quadro II
Temas dos Encontros Nacionais promovidos pela APG
________________________________________________________________________________
|Ano_|Tema_______________________________________________________________________|
|1967|As_Perspectivas_da_Direcção_de_Pessoal___________________________________|
|1968|A_Formação_do_Homem_de_Pessoal___________________________________________|
|1969|Desenvolvimento_do_Pessoal_________________________________________________|
|1970|Participação_na_Empresa__________________________________________________|
|1971|A_Função_«Pessoal»_____________________________________________________|
|1972|Cultura_e_Mudança_Cultural________________________________________________|
|1974|Reflexões_sobre_as_Lutas_de_Classes_e_a_Gestão_de_Pessoal_nas_Empresas___|
|1975|As_Relações_de_Trabalho_numa_Sociedade_em_Transição_para_o_Socialismo__|
|1976|Problemas_e_Tendências____________________________________________________|
| |A Responsabilidade Sócio-Económica da Empresa e a Gestão dos Recursos |
|1977|Humanos____________________________________________________________________|
|1978|A_Gestão_dos_Recursos_Humanos_na_Empresa_em_Transformação_______________|
|1979|Recursos_Humanos:_O_Desafio_da_Integração________________________________|
|1980|A_Gestão_dos_Recursos_Humanos_'_Tendências_e_Condicionantes_____________|
|1981|Emprego_e_Produtividade____________________________________________________|
|1982|As_Novas_Perspectivas_na_Gestão_dos_Recursos_Humanos______________________|
|1983|A_Política_de_Quadros_nas_Empresas_e_no_País_____________________________|
|1984|Recursos_Humanos,_Desafio_da_Crise_e_Modernização_da_Economia____________|
|1985|Integração_Europeia_'_Mudança_da_Empresa_e_Gestão_de_Recursos_Humanos_|
|1986|Desenvolver_Homens,_Modernizar_Organizações,_Dinamizar_a_Sociedade_______|
|1987|Reinventar_a_Empresa,_Transformar_o_Trabalho,_Satisfazer_o_Homem___________|
|1988|Mercado_Único_Europeu_'_Desafio_à_Gestão_de_Pessoal____________________|
|1989|A_Gestão_de_Pessoal_e_o_Desenvolvimento_Mundial___________________________|
|1990|Emprego_e_Formação_'_Horizonte_2000_____________________________________|
|1991|A_Gestão_dos_Homens_e_os_Homens_da_Gestão________________________________|
|1992|Recursos_Humanos,_Educação_e_Desenvolvimento_Empresarial_________________|
|1993|Da_Gestão_de_Pessoal_à_Gestão_das_Pessoas_______________________________|
|1994|A_Gestão_dos_Recursos_Humanos_na_Viragem_do_Século_______________________|
|1995|As_Pessoas:_Chave_da_Revitalização_das_Empresas__________________________|
|1996|Gerir_Pessoas_e_Competências:_Uma_Questão_Estratégica___________________|
|1997|Homens,_Valores_e_Tecnologias______________________________________________|
|1998|Gerir_Pessoas:_Arte,_Ciência_ou_Utopia?___________________________________|
|1999|O_Trabalho_em_Mutação:_Pessoas_e_Organizações__________________________|
|2000|Gestão_do_Conhecimento._Viagem_das_Empresas_para_o_Futuro_________________|
|2001|talento@economia.como?_Competitividade,_Produtividade,_Modernidade_________|
|2002|O_Impacto_das_Pessoas_nas_Organizações___________________________________|
| |Crise, Ruptura, Revolução e Utopia. Reconstruir a Confiança Através das|
|2003|Pessoas____________________________________________________________________|
|2004|Onde_Está_a_Riqueza_de_Portugal?_Que_Compromissos?________________________|
|2005|O_Caminho_para_a_Excelência_______________________________________________|
|2006|Sociedade,_Pessoas_e_Conhecimento:_As_Soluções_na_Complexidade___________|
|2007|Performance_e_Felicidade:_A_Convergência_Possível________________________|
|2008|RH_2020_'_Projectando_o_futuro____________________________________________|
|2009|Pessoas_Atrevidas,_Organizações_Ousadas__________________________________|
Fonte: Dados fornecidos pela APG
Uma análise de conteúdo aos temas dos encontros permite evidenciar algumas
tendências que reflectem a evolução da designação e conteúdos da função de GRH
e a influência dos ambientes político-sociais na diversificação das temáticas
discutidas. Assim, é possível distinguir quatro períodos de tempo em relação
aos quais se podem balizar fronteiras em termos de tendências definidoras da
evolução das práticas e do conceito de GRH em Portugal.
O primeiro período vai desde o início em que os encontros começam a ser
promovidos até final da década de 1970. A designação para a temática é a de
Gestão de Pessoal e os conteúdos discutidos reflectem quer temáticas
relacionadas com a função e com o titular, quer temas que evidenciam muita da
influência político-social (luta de classes, transição do socialismo, conflitos
sociais) do período da Revolução de Abril de 1974. Uma análise às ofertas de
emprego publicitadas na altura refere com frequência a necessidade de um perfil
jurídico para desempenhar funções relacionadas com a GRH e o perfil da função
estava muito associado a práticas de natureza jurídico-administrativas.
O segundo período corresponde à década de 1980. Este caracteriza-se pela
utilização da expressão GRH para designar o tratamento dos assuntos de Pessoal
nas organizações e por reflectir nos temas as ideias da modernização e da
competitividade (transformação, desafio da integração europeia, modernizar
organizações, transformar o trabalho), as quais passaram a ser fonte de
preocupação em virtude da nova realidade que representou o Mercado Único
Europeu e do questionar da exclusividade da função económica da empresa por
oposição à nova função social. A GRH é o equivalente da planificação de
efectivos e análise das funções e dos sistemas de trabalho, da afectação de
pessoas aos postos de trabalho, da higiene e segurança no trabalho, da gestão
de incentivos, da avaliação do desempenho, gestão de carreiras, formação,
desenvolvimento do potencial humano, etc. Os perfis profissionais requeridos
para o desempenho da actividade relacionados com as Ciências Sociais e Humanas
são os mais valorizados neste período.
O terceiro período tem início no final da década de 1980 e caracteriza-se pela
utilização em simultâneo de ambas as designações (GRH e Gestão de Pessoal) para
se referirem aos assuntos de Pessoal. Tendo o ano 2000 como horizonte e o
acentuar da pressão da competitividade, os temas reflectem igualmente a
preocupação em desenvolver e formar o potencial humano, bem como a influência
das preocupações sociais do momento: desemprego e formação profissional. Os
fundos comunitários de apoio à formação profissional que se disponibilizaram
neste período de tempo terão contribuído fortemente para a ênfase da dimensão
formação e desenvolvimento. Capacidade de definir e de gerir sistemas de
formação era um dos requisitos mais valorizados para o desempenho da função.
Um quarto período inicia-se na segunda metade da década de 1990, prolongando-se
até aos dias de hoje e focaliza-se na gestão das competências e do conhecimento
e no papel activo dos recursos humanos na competitividade e na excelência. As
pessoas são colocadas no centro das preocupações como resultado da aceitação em
definitivo da crença no elemento humano como o factor que faz a diferença
competitiva. Denota-se uma preocupação com a conciliação do desempenho da
organização com a felicidade e bem-estar das pessoas. O futuro mutável das
empresas e a complexidade das suas interacções estão em destaque, como sugerem
as temáticas dos dois últimos anos (projecção para 2020, através do atrevimento
das pessoas e da ousadia das organizações).
Um acentuar da especialização requerida aos profissionais de GRH já iniciada no
período evolutivo anterior amplifica-se neste, passando os perfis profissionais
a estarem mais relacionados com a formação académica em Psicologia e em GRH. A
par da gestão técnica e administrativa dos recursos humanos, emergem como
requisitos desejáveis para o desempenho da função, aptidões estratégicas e de
desenvolvimento organizacional, bem como a capacidade para gerir competências e
o fomento da aprendizagem organizacional.
E de que forma se expressam as pressões da competitividade ao nível das
práticas de GRH? Caetano e Tavares (2000), num estudo empírico efectuado com
uma amostra de 30 empresas portuguesas integradas em diferentes sectores de
actividade, avaliam as mudanças organizacionais e a respectiva implicação na
gestão das pessoas e constatam a existência de um conjunto de tendências na
forma como as pressões da envolvente se traduzem na gestão das competências, da
motivação e da implicação das pessoas.
Assim, para aumentar a competência das pessoas, as organizações tendem a usar a
flexibilidade numérica (alteração do número de empregados), a flexibilidade
temporal (aumento do período de tempo de trabalho) e a flexibilidade funcional
(comportamentos extra-papel). Para aumentar a motivação das pessoas, as
organizações tendem a utilizar a flexibilidade financeira (aumento da
componente variável da recompensa) e temporal (individualização das recompensas
e das promoções e vinculação destas matérias à produtividade e ao desempenho
individual). Para aumentar a implicação organizacional, as organizações fazem
uso do sistema de comunicação interna, da participação formal e colectiva e da
participação informal e individualizada.
O estudo revela também que a forma como as organizações enfrentam os dilemas e
tensões na GRH originados pelas pressões sectoriais e organizacionais no
incremento da competitividade e da produtividade está relacionada com factores
pressionadores oriundos das envolventes externa e interna.
Assim, constata-se maior uso das flexibilidades funcional e financeira
associadas a situações de mudança tecnológica e estrutural e maior uso da
flexibilidade numérica e da participação formal associado a situações de
reduzida mudança nos produtos/serviços. Resumindo, as práticas de GRH tendem a
acompanhar as pressões decorrentes dos processos de evolução e de mudança
interna e externa da organização. Torna-se, por isso, fundamental uma análise
cuidada do binómio custo-benefício associado às implicações para as pessoas,
para as organizações e para a sociedade do uso de tais respostas às pressões
sentidas em cada momento.
Em síntese, as influências sentidas em outros países em décadas anteriores
estão presentes, embora temporalmente desfasadas nas preocupações dos práticos
da GRH, como se pôde constatar na análise de conteúdo aos temas dos encontros
nacionais promovidos pela APG desde o ano de 1967. Enquanto as primeiras fases
apresentam um desfasamento temporal mais dilatado em relação ao ocorrido em
outros países, as últimas fases acompanham quase em tempo real as tendências de
evolução ocorridas, como o demonstram estudos empíricos, como o anteriormente
referido.
Análise da produção científica em Portugal
Com a finalidade de conhecermos a produção científica em Portugal sobre a
temática de GRH, efectuámos um levantamento dos títulos das teses de mestrado e
doutoramento, a partir da consulta a um conjunto de bases de dados de
bibliotecas e universidades (e.g., PORBASE ' Biblioteca Nacional de Portugal;
RCAAP ' Repositório Científico Acesso Aberto de Portugal; Colcat; Base Lusíada
Portal do Conhecimento), utilizando como palavras-chaves «gestão de recursos
humanos» e «teses». Como resultado, encontrámos um total de 176 teses, sendo
137 de mestrado e 39 de doutoramento, realizadas entre os anos de 1986 e 2009,
cuja distribuição pode ser encontrada no quadro III.
Quadro III
Distribuição da amostra por tipo de trabalho
Cerca de 70% da produção científica reporta-se a duas instituições: 36,9%
provém do ISCTE-IUL e 32,4% da Universidade Técnica de Lisboa, o que pode ser
constatado no quadro IV. Globalmente, verifica-se uma taxa de produção bastante
reduzida (média de 7,5 unidades entre teses de mestrado e de doutoramento por
ano), se tivermos em conta a quantidade de instituições (15) que, com os
critérios de pesquisa utilizados, apareceram nas bases de dados consultadas.
Quadro IV
Distribuição da amostra por instituição
No período de 1996 a 2005, produziu-se um volume significativo (cerca de 80% da
amostra) de trabalhos científicos sobre a GRH, como se constata observando o
quadro V.
Quadro V
Distribuição da amostra por anos
Como se distribui esta produção científica ao longo deste período de tempo em
termos de tipo de trabalho, de ênfase temática e de instituição? Para a análise
da produção científica em termos de dimensão de GRH, construímos um dicionário
de categorização baseado no nosso trabalho anterior (Neves, 2000) cuja tabela
síntese (Quadro VI) revela o grau de associação das dimensões e respectivo
índice de fiabilidade:
Quadro VI
Correlações e alfa de Cronbach das dimensões de GRH
Esta estrutura dimensional de GRH permitiu classificar a temática subjacente a
cada título de tese, que se reproduz no Quadro VII. Com o objectivo de garantir
a qualidade do sistema de categorias, dois juízes independentes categorizaram
os títulos das teses (Kappa de Cohen para o acordo inter-juízes= 0.97).
Quadro VII
Dicionário de categorização
A partir da classificação efectuada aos trabalhos de investigação considerados,
resultou uma distribuição por tipo de trabalho, por dimensões de GRH objecto da
investigação e por agrupamento temporal (ver Quadro VIII).
Quadro VIII
Distribuição temática e anual dos trabalhos de investigação
Da análise do Quadro VIII constata-se que o número de trabalhos de mestrado é
muito superior aos de doutoramento em todos os agrupamentos temporais, com
excepção do período 2001-2005, em que o número de trabalhos de doutoramento
supera os de mestrado. Observa-se também que, em termos de temática, os
trabalhos de mestrado enquadram-se maioritariamente no tema da formação e
desenvolvimento, enquanto os de doutoramento se focalizam na estratégia de
recursos humanos. Quando considerados em conjunto os trabalhos de mestrado e de
doutoramento, a dimensão estratégia de GRH enquadra maior número de trabalhos
(67) do que a dimensão formação e desenvolvimento (55). A dimensão recrutamento
e selecção nesta amostra de trabalhos é escassamente apelativa para o interesse
dos investigadores.
Numa tentativa de mapear a temática categorizada, por ano e tipo de trabalho,
realizou-se uma análise de correspondências múltiplas, cujo resultado se pode
observar na Figura 1.
Figura 1
Temáticas investigadas
As variáveis estruturam-se em dois eixos, um que agrega os anos e o tipo de
trabalho; o outro agrupa as temáticas estudadas. Assim, é possível visualizar
que, até 2000, a investigação se debruçou especialmente ao nível da formação e
desenvolvimento em teses de mestrado e que, a partir de 2006, há uma mudança
temática para a estratégia de RH. Entre 2001 e 2005, não há uma temática de
investigação marcante. Também ao nível dos doutoramentos não se configura uma
temática específica. As temáticas de manutenção, recrutamento e selecção e
gestão de emprego são, de alguma forma, transversais em termos de tipo de
trabalho e ano.
Como pode observar-se no Gráfico 1, em termos da instituição onde o trabalho
está registado, nos dois primeiros períodos temporais, os trabalhos de mestrado
são oriundos maioritariamente do ISCTE-IUL e nos dois períodos seguintes da
Universidade Técnica de Lisboa. Globalmente, a partir de 2000, nota-se um
decréscimo no número de trabalhos de mestrado produzidos.
Gráfico 1
Distribuição dos trabalhos de mestrado por ano e instituição
Relativamente às teses de doutoramento, observando o Gráfico 2, constata-se um
acréscimo significativo de produção a partir de 2001. Também neste tipo de
trabalho científico, uma vez mais o ISCTE-IUL e a Universidade Técnica de
Lisboa lideram o número trabalhos de doutoramento na área da GRH.
Gráfico 2
Distribuição dos trabalhos de doutoramento por ano e instituição
Discussão e conclusões
Como forma de mais facilmente estruturar a discussão sobre as tendências da
investigação sobre GRH em Portugal, recorremos a quatro blocos de questões
afins do tema em análise e ao contributo de outros autores que as têm
investigado.
Primeiro bloco: Os objectivos de teóricos e de práticos de GRH estão em
consonância ou estão desfasados? São os contributos teóricos usados para
facilitar a aplicação das práticas ou são ignorados pelos práticos? Porque
divergem os interesses entre teóricos e práticos?
No caso português, esta clivagem de interesses é pouco notória em virtude de a
investigação científica significativa ter ocorrido apenas nos últimos 20 anos,
período de tempo durante o qual os factores de contexto exerceram forte
influência na definição e evolução da temática em estudo, como o comprova o
resultado encontrado em relação à ênfase das temáticas objecto de teses e as
pressões contextuais de cada momento temporal. Contudo, em outros países, com
uma maior tradição de investigação e mais trabalho de investigação publicado, o
desfasamento entre os interesses dos práticos e os interesses dos teóricos em
matéria de investigação sobre GRH é mais notório, como o comprova um trabalho
de Deadrick e Gibson publicado em 2007.
Na sequência de tal trabalho, os autores concluem que, devido à extensão
temporal de tais desfasamentos (20 anos) e à pluralidade de influências
disciplinares que comprometem a existência de uma identidade comum, como o
atestam a tendência para a segmentação de vários grupos de interesses sobre GRH
ou a forma de agrupamento estrutural ou funcional do funcionamento académico
ligado ao ensino e investigação de GRH (escolas de negócio, departamentos de
psicologia, centros de estudo de sociologia das relações industriais, centros
de estudo de relações laborais, etc.), os práticos desconhecem muitas vezes os
trabalhos dos académicos e, por isso, não os aplicam na prática, e os
académicos desconhecem as necessidades dos práticos e investigam outros temas
de menor interesse para os práticos. Como minimizar tais desfasamentos? Através
de mais e melhor comunicação entre práticos e teóricos sobre temas de interesse
mútuo e actualização dos programas da formação académica e profissional,
integrando nos conteúdos curriculares o conhecimento oriundo dos práticos.
O segundo bloco de questões: São os modelos de análise usados nas investigações
apropriados para retratar a realidade? Como são tratadas as variáveis de
contingência e de controlo? Em termos metodológicos, que desafios se colocam
aos investigadores relativamente à recolha e tratamento da informação? Como
operacionalizar o conceito de GRH?
A resposta a estas questões contribui igualmente para minimizar os
desfasamentos referidos nos conjuntos de questões anteriores.
Desde logo, a primeira preocupação dos investigadores deverá ser a de terem
conceitos e operacionalizações dos mesmos, para, de uma forma métrica, poderem
dar conta das realidades em estudo, e para que os respectivos resultados possam
ser replicados e os impactos possam ser medidos. Neste contexto, assumem
particular importância as formas de medir a presença, a extensão, a intensidade
e a eficácia das práticas de GRH, o que aconselha ao uso de uma diversidade de
escalas de medida (dicotómicas, contínuas de proporção, contínuas de grau,
etc.) e a qualidade dos dados recolhidos, independentemente do método de
recolha ser qualitativo ou quantitativo.
São igualmente necessários desenhos e modelos de investigação que, para além de
associações lineares e simples, aprofundem um pouco mais a complexidade de tais
relações entre variáveis. Para tal, importa atribuir estatutos bem definidos às
variáveis nos modelos de análise (variáveis independentes ou preditoras,
variáveis critério ou dependentes, variáveis moderadoras, variáveis mediadoras,
variáveis de controlo, etc.), e ajustar o uso das técnicas de análise
necessárias ao tratamento da informação.
Neste contexto, avaliar por exemplo o impacto de uma prática de GRH no
desempenho pessoal ou organizacional, obriga a que se diferenciem os níveis de
análise e a que se tenha em consideração a influência de variáveis de contexto
' como por exemplo a estratégia, a cultura, a internacionalização, a estrutura,
etc. ' reservando-lhe, por isso, um estatuto de moderadoras no modelo de
análise. Ou que se tenha, também, em linha de conta na explicação dos impactos
das práticas de GRH a influência de variáveis de controlo de cariz grupal
(tamanho da organização, sector de actividade, actuação sindical, etc.) e de
cariz individual (idade, género, ocupação, formação escolar, etc.), não
esquecendo, ainda, a importância mediadora exercida pelas variáveis de processo
(motivação, negociação, gestão de conflito, equidade, etc.).
O terceiro bloco de perguntas: Que tendências observamos na investigação em
GRH? Qual o peso da estratégia e da globalização no desenvolvimento de novas
dimensões e na alteração das ênfases de dimensões já conhecidas?
Martin-Alcázar e colaboradores (2008) fornecem algumas pistas de resposta a
estas questões, sintetizando o estado da arte na investigação em GRH como sendo
caracterizado por uma multiplicidade de objectivos, de abordagens teóricas, de
níveis de análise e de metodologias empíricas.
Na tentativa de conhecerem como está a ser construída a investigação em GRH e
como está a ser testado o conhecimento, os autores identificam tendências que
revelam a preferência pelas teorias comportamentais como base de referência
para construir e testar conhecimento em GRH, descrevendo, explicando e
predizendo impactos, que acentuam a presença da estratégia e da
internacionalização como moderadoras importantes das relações. Estes mesmos
autores preferem as metodologias qualitativas quando o objectivo é descrever, e
as metodologias quantitativas, baseadas em dados obtidos através de
questionários, quando a finalidade é predizer impactos futuros das variáveis ou
testar a teoria.
Quer a literatura quer os dados permitem vislumbrar a tendência, por parte dos
investigadores, em se abandonar a ideia de que os temas de GRH devem ser
abordados apenas numa perspectiva de função e de prática isolada. Os
investigadores passaram a inserir em simultâneo nos modelos de análise as
implicações da estratégia e da internacionalização. Assim, é necessária mais
investigação que esclareça a forma de as actividades de GRH serem usadas
estrategicamente e/ou sistemicamente, de lidarem com a complexidade
internacional e com as dinâmicas internas associadas ao funcionamento
organizacional e aos desempenhos individuais.
Por último, o quarto bloco de questões: O que se investiga em Portugal sobre
GRH? Onde se investiga? Que dimensões da GRH mais se investigam? De que forma
as preocupações da envolvente se reflectem nos temas de estudo? Como fomentar a
articulação entre os interesses dos teóricos e as preocupações dos práticos nos
temas estudados?
Relativamente à investigação sobre a temática da GRH em Portugal, os dados
recolhidos e analisados, que serviram de referência para esta reflexão, revelam
um número médio reduzido de trabalhos, se tivermos em consideração o número de
instituições onde se investiga esta temática. Revelam também um desequilíbrio
entre dimensões investigadas, colhendo a dimensão estratégia de recursos
humanos a preferência maioritária dos investigadores, seguida da dimensão
formação e desenvolvimento. Contudo, uma análise mais detalhada em relação ao
tipo de trabalhos evidencia que os investigadores se interessam
preferencialmente por temas de GRH relacionados com a formação e
desenvolvimento para desenvolverem trabalhos de mestrado e privilegiam a
dimensão estratégia de GRH para os trabalhos de doutoramento. Se cruzarmos
estas tendências com a ocorrência temporal, constata-se uma relação entre os
interesses dos investigadores e as influências dominantes da envolvente da GRH.
Até 2000, os trabalhos de mestrado revelam o interesse na formação e
desenvolvimento, fruto da influência que a temática da formação profissional
teve em Portugal na evolução da GRH, pela existência de abundantes recursos
financeiros comunitários de apoio e promoção da formação profissional. Ensino
industrial, formação profissional e políticas públicas de qualificação
receberam a preferência e interesse de uma grande parte dos investigadores que
realizaram trabalhos de mestrado.
Ao nível do doutoramento, o interesse dos investigadores, maioritariamente
reflectido nos trabalhos enquadrados na dimensão estratégia de recursos
humanos, é reflexo das preocupações que, em Portugal, a partir de 2000, se
colocaram. A competitividade das organizações, por influência da
internacionalização, a produtividade organizacional, por influência da pressão
dos custos, a pressão da qualidade e da excelência do desempenho e a filosofia
preponderante da importância de satisfazer o cliente, colocaram desafios ao
funcionamento organizacional com impactos significativos na forma e conteúdo da
GRH. Questões como estratégia de negócio e estratégia de desenvolvimento de
recursos humanos, formas organizativas e de funcionamento da estrutura de GRH,
requisitos e estatuto do profissional de GRH, novos contextos de trabalho e
regulamentação colectiva de trabalho, cultura organizacional e impacto na GRH,
etc., figuram, a partir de 2000, na agenda das preocupações dos práticos de GRH
e motivaram o interesse dos teóricos no aprofundamento destas problemáticas.
A complexidade dos temas em estudo, e o tempo necessário para desenvolver tais
estudos, explica a distribuição dos trabalhos pelos vários períodos de tempo,
muito embora o período de 2002-2005 concentre a maioria dos trabalhos, talvez
por reflexo da saliência da agenda e preocupações dos práticos da GRH.
Esta correspondência temporal entre preocupações dos práticos e interesse dos
teóricos é talvez reflexo de uma outra tendência que igualmente se observa no
estudo de muitos dos temas relacionados com a estrutura e funcionamento
organizacionais e que consiste no facto de serem os problemas e preocupações de
natureza prática a fomentarem o estudo e desenvolvimento teórico. É a
articulação destes dois interesses que carece de ser mais trabalhada, para que
os práticos possam encontrar nos resultados dos estudos teóricos âncoras
teóricas para as suas práticas, para além dos teóricos serem capazes de se
interessar e de compreender os problemas dos práticos, produzindo e divulgando
estudos acessíveis e estimulantes para os práticos.
Mais e melhor comunicação entre práticos e teóricos sobre preocupações e
interesses mútuos, uso acrescido da metodologia investigação-acção e
actualização dos programas da formação académica e profissional, integrando nos
conteúdos curriculares o conhecimento oriundo dos práticos, afiguram-se medidas
necessárias à concretização da máxima lewiniana, segundo a qual nada há de mais
prático do que uma boa teoria.
Em síntese, a estratégia de negócio, a cultura organizacional e a globalização
constituem os pilares fundamentais da construção, evolução e transformação do
conceito e modelo de aplicação de GRH.
A estratégia de negócio, na medida em que fornece os indicadores fundamentais à
formulação e implementação de práticas de GRH consistentes e coerentes. A
cultura organizacional, em virtude de poder contemplar a pressão das novas
realidades sociais, quer do ponto de vista dos valores e comportamentos
individuais, quer do ponto de vista dos valores e comportamentos grupais. A
globalização, porque a evolução dos conteúdos funcionais do profissional de
recursos humanos e os problemas de adaptação das diversidades transculturais
postas pela gestão do emprego, obrigam a considerar os RH uma variável
importante na explicação diferenciada dos índices de produtividade individual e
de competitividade organizacional.
Por isso, qualquer que seja a dominância de perspectiva de abordagem associada
ao conceito de GRH ' quer a que encara as pessoas como um recurso
organizacional que importa ser gerido ao mais baixo custo e com o máximo
benefício, quer a que encara os recursos humanos como um recurso estratégico e
um investimento devido ao seu valor e elevada escassez ', a investigação nessa
área em Portugal carece de mais incentivo, dado o seu impacto na qualidade de
vida destes recursos enquanto seres inseridos em organizações e na sociedade.
Como em qualquer trabalho desta natureza, também neste ocorrem algumas
limitações que impossibilitam uma maior generalização dos resultados e que
importa referir.
Desde logo a deficiente disponibilização dos dados (elevada dispersão de
fontes, informação repetida, classificação deficitária da informação, etc.),
que torna estes dados com que se trabalhou, neste artigo, escassamente
representativos do universo deste campo de estudo. Associada a esta
deficiência, o significativo atraso na actualização de algumas bases de dados,
o que deixou de fora trabalhos já feitos mas não considerados porque
inexistentes em base de dados. Depois, é de referir, ainda, a reduzida
preocupação de alguns investigadores em fazerem corresponder os títulos ao
conteúdo estudado, o que amplifica a impossibilidade de pretensão de
representatividade destes trabalhos.
O uso dos resumos, em lugar dos títulos, possibilitaria uma análise mais
aprofundada do tema. Alguns dos títulos dos trabalhos por nós avaliados foram
aqui e ali explorados mais aprofundadamente, tendo alguns dos casos revelado
reduzida correspondência entre o título do trabalho que serviu de base à
catalogação na base de dados e os temas realmente abordados. De referir
igualmente que a categorização utilizada para estruturar a produção científica
encontrada, apesar de se basear numa estrutura conceptual por nós já validada
empiricamente, carece de mais validação.
Resumindo, podemos afirmar que a investigação sobre GRH em Portugal apresenta
já alguma expressão numérica e qualitativa mas carece de maior divulgação e de
mais estreita articulação com os interesses dos profissionais. A sazonalidade
temática, associada aos interesses dos investigadores, poderá nem sempre estar
em consonância com os interesses dos gestores de GRH ou com as necessidades
evolutivas das organizações e da sociedade. Mais comunicação entre
investigadores e gestores de recursos humanos sobre necessidades e interesses
comuns parece ser algo a recomendar.
Nota
[1] Na web em: http://www.shrm.org/.