Investigando o comportamento dos consumidores que buscam a simplicidade: Um
estudo exploratório
O Ocidente viveu a Revolução Industrial e, na sequência, passou pela revolução
do consumo, que fez com que a sociedade se tornasse cada vez mais dependente
dos bens de consumo e das práticas de consumo (McCracken, 2003). Assim, a
sociedade ocidental, marcada pelo materialismo (Kozinets e Handelman, 2004),
foi chamada por alguns autores de «sociedade de consumo» (Baudrillard, 1929-
2007).
O consumismo acelerado trouxe impactos ambientais e sociais (Chauvel e Suarez,
2009), despertando reflexões sobre como os indivíduos estavam consumindo
(Etzioni, 1998). Ao longo da década de 2000, diversas pesquisas investigaram o
consumo consciente, o consumo ético, o consumo socialmente responsável e o
consumo verde (Carrigan e Attalla, 2001; Sen e Bhattacharya, 2001; Cherrier,
2005; Kim e Choi, 2005; Nan e Heo, 2007; Chan et al., 2008; Connolly e
Prothero, 2008).
Outra reflexão que tem surgido em decorrência do consumismo é a das relações
entre os níveis de consumo e o sentimento de felicidade, que muitas vezes não
são harmoniosas (Csikszentmihalyi, 1999). Assim, os altos níveis de consumo e a
grande atenção dada às atividades de consumo trouxeram à tona reflexões vindas
dos consumidores, e levaram alguns indivíduos a mudar seus hábitos de consumo,
passando a exercê-los de uma maneira mais simples (Shaw e Newholm, 2002).
Nesse contexto, o presente artigo apresenta os resultados de uma pesquisa
exploratória realizada com esses consumidores que estão à procura de uma vida
mais simples. A pesquisa visou contribuir para uma investigação ainda
incipiente no Brasil sobre esse novo grupo de consumidores, utilizando a
netnografia em uma comunidade virtual. Insere-se num novo ramo de pesquisa no
marketing, que vem crescendo na Europa e nos EUA e se volta para os movimentos
de anticonsumo e as pessoas que visam consumir menos.
Esses movimentos, se compreendidos, podem auxiliar a entender um pouco mais
sobre «nós mesmos, nossos produtos, nossas práticas e nossa sociedade» (Lee et
al., 2009, p. 145). O movimento da Simplicidade Voluntária vem crescendo e é
importante estudá-lo pois ele provoca mudanças no comportamento de certos
consumidores (Johnston e Burton, 2003). Os fóruns de debate existentes na
Internet são uma das formas públicas de manifestação do movimento da
Simplicidade Voluntária. Assim, o presente estudo teve por objetivo identificar
os temas e as categorias presentes em um destes fóruns. O fórum de discussão
pertencia à comunidade «Consumo Consciente», que possui pouco mais de 7000
membros.
Revisão da literatura
• Novas tendências de consumo
Conforme Iyer e Muncy (2009), diferentes abordagens de anticonsumo e consumo
alternativo têm surgido no mundo como reflexo da não concordância com a
sociedade de consumo. De acordo com estudo feito por estes autores, existem
quatro áreas relativas ao anticonsumo, que definem quatro tipos de consumidores
(seguindo aqui a designação em inglês): os global impact consumers, os market
activists, os antiloyal consumers e os simplifiers.
Os global impact consumers são aqueles com interesse em reduzir seu consumo
como um todo, pois consideram o consumismo algo nocivo. Acreditam estarem
beneficiando a sociedade e o ecossistema do Planeta. Defendem interesses
ambientais e argumentam que há um desequilíbrio nefasto para o Planeta entre
países ricos e pobres e entre classes sociais (Iyer e Muncy, 2009).
Já os market activists constituem um grupo de ativistas que tenta influenciar
os outros consumidores sobre questões ligadas à sociedade. Os market activists
evitam utilizar um determinado produto se julgarem que ele está causando
impactos negativos à sociedade (Iyer e Muncy, 2009).
Iyer e Muncy (2009) também descrevem os antiloyal consumers, que são aqueles
que possuem um comportamento oposto ao dos consumidores leais a um produto ou
marca. Representam um grupo de consumidores que deixam de comprar um produto
por julgar que ele é inferior ou por já ter passado por alguma experiência ruim
com esse produto ou marca (Iyer e Muncy, 2009).
Finalmente, os simplifiers representam um grupo que tem interesse em diminuir
seu consumo e adotar hábitos mais simples. Segundo esse grupo ter um alto nível
de consumo, como frequentemente ocorre nas classes mais abastadas da atual
sociedade ocidental, pode gerar consequências que eles consideram negativas,
como estresse, tirando o foco do que é realmente importante. Os autores relatam
que esse grupo pode estar associado a crenças éticas ou espirituais e à busca
de uma vida mais feliz por meio de um consumo restrito ao que é realmente
necessário (Iyer e Muncy, 2009).
Cherrier (2009) também identificou nas suas pesquisas a existência de grupos
voltados para a chamada Simplicidade Voluntária. Descreve dois grupos ligados a
esse movimento: The Simple Living Network e Awakening Earth. Ambos possuem
sitespróprios que divulgam a causa.
Etzioni (1998) divide o movimento de Simplicidade Voluntária em três níveis de
intensidade, que vão do moderado à «simplificação holística».
No nível moderado, o indivíduo deixa de consumir como antes, mas não
necessariamente de forma radical. Esses consumidores simplesmente deixam de
comprar produtos considerados como luxo ou supérfluos e dos quais podem
prescindir (Etzioni, 1998).
Já o nível mais forte de Simplicidade Voluntária, chamado strong simplifiers(na
designação em inglês), inclui um grupo de pessoas que tinham atividades
profissionais estressantes, por exemplo pessoas de negócios, e que desistiram
delas, mesmo sendo muito bem remuneradas. Essas pessoas deixam de lado o status
para viverem vidas mais simples. Neste grupo também se encontram indivíduos que
resolvem se aposentar antes do tempo, pessoas que começam a procurar empregos
em tempo parcial ou que possibilitam que se trabalhe em casa, mesmo se isso
possa levar a uma redução no salário ou renda do indivíduo (Etzioni, 1998).
Etzioni (1998) descreve também o grupo pertencente ao movimento de
«simplificação holística», o mais dedicado ao movimento. É um grupo que vive a
filosofia da simplicidade e é contra o consumismo. As pessoas neste grupo
geralmente se mudam de centros urbanos para cidades menores, menos urbanas.
Shaw e Newholm (2002) relatam que a Simplicidade Voluntária geralmente é
relacionada a discussões a respeito da redução no nível de consumo do indivíduo
e envolve motivações variadas, relativas tanto a interesses pessoais quanto a
posturas altruístas.
O movimento de Simplicidade Voluntária tem relação com a cultura e,
principalmente, com a economia do país. Ainda assim, merece atenção em países
como o Brasil, já que, como se verá mais adiante, há adeptos no país,
sinalizando, em termos mundiais, o surgimento de uma visão diferente do consumo
presente até em países em desenvolvimento.
McDonald et al. (2006) também realizaram um estudo sobre o movimento da
Simplicidade Voluntária, descrevendo-o como crenças associadas a uma cultura
alternativa, em que as características marcantes seriam a redução do consumo e
a busca de satisfações que não são materialistas.
Shama (1985) acrescentou outras características dos consumidores ligados à
Simplicidade Voluntária. Além de um consumo reduzido, existiriam fatores
referentes à ecologia e à autosuficiência. Huneke (2005) também cita a questão
da responsabilidade ecológica e social.
Cabe notar que o movimento de Simplicidade Voluntária é um fenômeno recente,
ainda pouco representativo em termos mundiais, mas que vem crescendo. É mais
difundido na Europa Ocidental (Etzioni, 1998). Nos EUA, recentemente, esse
movimento tornou-se mais significativo (Shama, 1985).
Por outro lado, as sociedades dos países em desenvolvimento estariam ainda
muito voltadas para o consumismo, o que é compreensível, pois, para grande
parte da sua população, o acesso ao consumo, até de bens considerados básicos
em países mais privilegiados, é algo recente. Fenômenos como o crescimento do
mercado de luxo no Brasil (Galhanone, 2005) sinalizam um forte interesse em
consumir. Como pode ser observado a partir do estudo de Etzioni (1998), o
movimento de Simplicidade Voluntária tem relação com a cultura e,
principalmente, com a economia do país. Ainda assim, merece atenção em países
como o Brasil, já que, como se verá mais adiante, há adeptos no país,
sinalizando, em termos mundiais, o surgimento de uma visão diferente do consumo
presente até em países em desenvolvimento.
Como objeto de estudo, o tema ainda é incipiente no país e só tem sido estudado
por alguns poucos autores dentro da área de marketing (Barros e Costa, 2009).
• Comunidades virtuais
Com o advento da tecnologia e da Internet, tornou-se mais fácil difundir um
movimento e compartilhar idéias, comunicando-se com pessoas em todo o Mundo.
Barros e Costa (2009) relatam que diversos movimentos de consumidores cresceram
devido às novas tecnologias. Apontam que esses movimentos se tornaram quase
incontroláveis por parte das empresas, pois o consumidor ganha espaço a cada
dia que passa.
Atualmente, qualquer consumidor insatisfeito cria um blogue, ou vai participar
de fóruns de discussão na Internet ou em comunidades virtuais em sites de
relacionamentos para descrever seu ponto de vista sobre o produto (Barros e
Costa, 2009). Especialmente a Internet tem-se mostrado uma ferramenta poderosa
para difundir ideias e diferentes pontos de vista.
Existem diversas comunidades para discussão e reunião de pessoas sobre um
determinado tema de interesse. No site de relacionamentos Orkut, por exemplo,
há comunidades chamadas «Consumo Consciente», «Não ao Consumismo!», «Vida
Simples», «Vida Simples, Mente Elevada», dentre outras.
No ambiente virtual, háblogues dedicados ao tema. Há um site sobre Simplicidade
Voluntária (http://www.simplicidadevoluntaria.com)que divulga diversas
informações sobre como ser mais simples.
As comunidades virtuais e blogues, além de divulgarem os movimentos de
resistência ao consumo, oferecem um meio de entendê-los. A manifestação pública
é essencialmente virtual. Por funcionarem como «fóruns» que reúnem indivíduos
geograficamente espalhados, facilitam o acesso aos conteúdos compartilhados por
essas pessoas e permitem uma observação não intrusiva de suas discussões.
Metodologia de pesquisa
A pesquisa descrita neste artigo é exploratória e o método de coleta de
informações utilizado é de natureza qualitativa. Foi realizada uma netnografia,
pois o estudo buscou investigar o comportamento do consumidor de comunidades
virtuais (Kozinets, 1998), utilizando-se da observação e da interpretação. A
netnografia foi realizada em um fórum de discussão na Internet sobre a busca de
uma vida mais simples.
O fórum de discussão pertencia à comunidade «Consumo Consciente», que possui
pouco mais de 7000 membros. Essa comunidade encontra-se no site de
relacionamentos Orkut. A metodologia foi semelhante à utilizada por Albuquerque
et al. (2010), que também optaram pela netnografia para analisar o
comportamento de indivíduos em comunidades virtuais. Essa comunidade foi
escolhida por possuir um fórum de discussão dedicado especificamente à busca
pela simplicidade. Um dos pesquisadores passou a ser membro da comunidade
virtual e realizou visitas à comunidade acompanhando os diálogos. Quatorze
participantes conversaram sobre vários aspectos pertinentes a uma vida mais
simples.
O fórum sobre busca de simplicidade contou com debates durante o período de
dezembro de 2008 a dezembro de 2009. Nota-se que o fórum de discussão começou
com um participante que estava buscando uma vida simples. A partir daí, outras
pessoas participaram do fórum e começaram a conversar sobre este tópico. Um dos
pesquisadores acompanhou essas discussões virtuais. O pesquisador apenas
observou os debates e atuou de forma não intrusiva, sem participar ativamente
das conversas. Assim, os membros da comunidade conversaram livremente sobre o
tema.
Apesar de os dados serem públicos, já que os relatos encontram-se na página da
comunidade do sitede relacionamentos, os nomes foram alterados para siglas. Nos
lugares dos nomes ou nicknames (nomes utilizados na Internet) femininos ficaram
as siglas M1, M2, M3 e assim por diante e nos lugares dos nomes ou nicknames
masculinos ficaram as siglas H1, H2, H3 e assim por diante. Não foi possível
identificar o perfil de cada participante do fórum, pois o site não traz essas
informações.
Ao final da discussão na comunidade virtual, os depoimentos foram impressos
para análise de discurso. Vale ressaltar que foram mantidas todas as palavras
escritas pelos participantes da comunidade ao destacar suas citações para a
análise dos resultados, incluindo palavras abreviadas ou escritas em uma
«linguagem virtual», já que em conversas virtuais as pessoas costumam alterar
as palavras utilizando-se desses recursos.
Na análise de dados, os temas principais abordados nas discussões emergiram dos
dados, já que os membros da comunidade debateram livremente. Dessa forma, os
dados, ao serem analisados, foram organizados de acordo com o assunto abordado
no debate. Ao analisar os dados, foram realizadas consultas à literatura para
comparar os temas que emergiam com os que a literatura menciona e houve retorno
constante à comunidade virtual para continuar o acompanhamento. Na Figura é
feito um resumo sobre o processo de coleta e análise dos dados.
Figura
Coleta e análise de dados
A seguir, os resultados da pesquisa são apresentados, com as devidas análises.
A apresentação foi dividida em itens que emergiram na análise do discurso
(características da Simplicidade Voluntária, pontos positivos, dificuldades,
perspectivas do movimento).
Resultados
• O início do fórum de discussão sobre simplicidade
A comunidade «Consumo Consciente» se encontra no site de relacionamentos Orkut
e é aberta para quem quiser participar. A partir do momento em que a pessoa
passa a ser um membro da comunidade, ela pode participar dos debates nos fóruns
de discussão.
A discussão sobre a busca pela simplicidade começou quando H1 criou um novo
tópico de discussões na comunidade com o seguinte título: «Em busca da
simplicidade». Neste tópico, ele escreveu que estava buscando gradativamente a
simplicidade. Assim, foi iniciada a discussão no fórum, que teve a participação
de quatorze pessoas.
• Características
Quando H1 iniciou a discussão na comunidade, ele revelou o que estava fazendo
para se tornar uma pessoa que busca a simplicidade: «Estou gradativamente
buscando a simplicidade, roupas sem marcas ou sem estampas ou com muitos
detalhes a não ser feitos por mim... comidas mais saudáveis e naturais...
caminhar mais a pé... passeios e atividades em meio à natureza...».
M2 acrescentou seu relato sobre as características de uma vida simples: «...
alimentação o mais natural possível (...), consumo consciente, recusa aos
supérfluos, reciclagem... tenho certeza que vai ser um ano de mais equilíbrio
pra mim e ainda vou beneficiar o planeta!!»
Como pode ser visto, o discurso da simplicidade está bastante atrelado à vida
saudável e também a um consumo mais consciente, que busca evitar a compra de
bens que não são necessários.
Alguns depoimentos consideram que a simplicidade também está em admirar a vida,
já que a felicidade consiste em poucas coisas. Atrela a simplicidade a uma vida
mais saudável (como exemplo, beber mais água e caminhar no parque).
Muitos depoimentos consideram que ser simples é algo positivo, como se
estivesse ajudando o Mundo. Mostram que ser simples diz respeito a priorizar
uma alimentação mais natural e também evitar utilizar meios de transporte, a
não ser o público. Outra característica é o fato de não ser consumista, já que
demonstram que compram cada vez menos e procuram doar o que não estão
utilizando.
O relato de H4 indica que ele rejeita roupas de marca, as chamadas «roupas de
grife» e que, apesar de possuir carteira de motorista, não pretende ter carro.
Outro relato relevante é o de M8: «Acho fantástico que busquemos simplificar a
vida em todos os sentidos. Comer o que é necessário, sem abusos, sem excessos.
Consumir o que é importante, o que dá prazer, mas com consciência. Reciclar,
reaproveitar, doar o que está parado. Eu procuro a simplicidade em tudo. Na
forma de limpar a casa. Na escolha da escola do filho (perto de casa), na hora
das compras (perto, mais barato, evitando desgaste no transporte e perda de
tempo e dinheiro no trânsito). Não tenho nada contra o consumo. Livros são
minha paixão e ainda consumo muito, mas troco muita coisa no sebo, opto pelos
sebos com muita frequência, doo ou vendo o que sei que não lerei mais. Compro
roupas que tenho certeza de que usarei bastante e evito produtos de má
qualidade, pois a gente acaba consumindo mais, já que a vida útil de alguns
produtos acaba sendo curta demais (...). Procuro marcas que não testam em
animais. Na medida do possível, prefiro os orgânicos ou os alimentos produzidos
na região onde moro. Adoro andar a pé (...)».
Pelo depoimento de M8, tudo indica que ela associa a vida simples a uma
alimentação saudável. Faz menção ao reaproveitamento e à reciclagem. Afirma que
não é contra o consumo, mas que este deve ser feito de forma consciente,
comprando o que realmente será utilizado e doando ou vendendo o que não se
precisa mais. De fato, muitos relatos citam a ação de doar produtos que não
estão sendo mais utilizados, como uma forma de evitar desperdícios.
Outro relato interessante é o de M9 que revela uma pessoa que busca a
simplicidade no dia a dia, valorizando mais a «beleza natural», sem consumir
muitos produtos de beleza, e considera que esta atitude é positiva por reduzir
a quantidade de lixo produzida no diariamente. Outra consideração é o fato de
utilizar transporte público e também valorizar o uso da bicicleta. Enfatiza a
questão de reaproveitamento de produtos, dando como exemplo o livro que ela
compra em sites que vendem livros usados. Novamente o discurso de
reaproveitamento de produtos aparece, apontando que há busca na redução do
desperdício e do consumismo.
Ao analisar todos os depoimentos, identificaram-se as seguintes práticas,
classificadas em tangíveis e intangíveis:
- Práticas tangíveis:
• Alimentação saudável, mais natural;
• Prática de exercícios físicos de forma mais natural (exemplo: caminhadas);
• Consumo consciente, sem consumismo, sem exageros, consumindo o necessário e
consumindo produtos bastante duráveis (sem se preocupar com grifes famosas);
• Reaproveitamento das coisas através de compra de materiais usados e
realizando a reciclagem;
• Redução da utilização de carros, se possível abandono e substituição por
transporte público, bicicleta, ou caminhada;
• Doação de bens que não são mais utilizados;
• Redução do consumo de energia.
- Práticas intangíveis:
• Contemplação da natureza (exemplo: passeios e atividades ao ar livre);
• Valorização das «pequenas coisas da vida».
Como pode ser observado, várias práticas identificadas na pesquisa convergem
com o que já vem sendo pesquisado por alguns autores. É o caso notadamente do
consumo consciente, sem consumismo, que é identificado por Iyer e Muncy (2009)
e Etzioni (1998).
Além disso, os resultados do estudo em questão sugerem fortemente que os
adeptos deste movimento procuram valorizar as «pequenas coisas da vida» e
contemplar a natureza, convergindo com McDonald et al. (2006), que citam a
busca pela satisfação ligada a aspectos não materiais. Também foram encontrados
nos discursos elementos que remetem explicitamente a uma responsabilidade
ecológica (através de um consumo consciente, reciclagem, dentre outros), como
apontado por Shama (1985) e Huneke (2005).
• Pontos positivos da simplicidade
Muitos depoimentos demonstraram os pontos positivos de se tornar uma pessoa em
busca da simplicidade. A seguir, destacam-se os principais:
• «... tenho certeza que vai ser um ano de mais equilíbrio pra mim e ainda vou
beneficiar o planeta!!» (Relato de M2)
• «... neste caminho a gente acaba construindo uma vida mais leve, consciente e
feliz!» (Relato de M4)
• «O bom de ser simples é que podemos ser menos afetados por essa confusão
toda, que carrega a turba pra lá e pra cá. Podemos ficar mais centrados no que
realmente é essencial...» (Relato de M6)
• «... me mostrou o caminho da verdadeira simplicidade e da PAZ.» (Relato de
M7)
• «... me fazem poupar a minha energia e sentir que estou colaborando, pelo
menos um pouquinho, para um Mundo em que acredito.» (Relato de M8)
De forma geral, na pesquisa foram identificados dois tipos de benefícios para
os indivíduos que buscam uma vida mais simples: os benefícios pessoais e os
sociais.
Na pesquisa, os depoimentos sugeriram que este grupo possui a noção de que seu
novo estilo de vida ajuda o Planeta e, neste sentido, atende a interesses
sociais. A esse respeito cabe notar que, segundo Shaw e Newholm (2002), os
interesses do movimento de simplicidade podem ser pessoais e também
relacionados a posturas altruístas.
Os benefícios pessoais percebidos foram: saúde, felicidade, equilíbrio e paz e
preocupação com o essencial. Já os benefícios sociais percebidos foram:
resultados positivos para o Planeta e compromisso com o Planeta.
Vale ressaltar que dentre os benefícios pessoais da busca pela simplicidade,
incluiu-se a felicidade. Csikszentmihalyi (1999) escreveu um artigo com o
título «If we are so rich, why aren't we happy?», mostrando que muitas vezes a
riqueza não leva à felicidade. Por outro lado, há indícios de que o movimento
da busca pela simplicidade poderia levar pessoas a terem uma vida mais feliz.
• Dificuldades de expansão do movimento
Este item apresenta as percepções dos indivíduos pertencentes ao grupo de
discussão, a respeito da dificuldade em se tornar uma pessoa mais simples e
também trata da percepção do grupo sobre as perspectivas de expansão do
movimento.
Dificuldades do movimento
A maioria dos depoimentos sugere que o grupo focado acredita que a busca da
simplicidade é um processo difícil e complicado: «... Não é fácil tendo em
vista que é uma forma de remar contra a maré...» (Relato de M1).
Os relatos mostraram que a dificuldade é percebida sob dois pontos de vista: o
individual e o social. O individual diz respeito à dificuldade de mudar seus
hábitos. O social diz respeito à relação do indivíduo com a sociedade. Como a
sociedade como um todo não adota esta ideia, o indivíduo acaba tendo que «remar
contra a maré», o que constitui um fator complicador.
• Perspectivas de expansão do movimento
Por outro lado, há depoimentos que sugerem uma perspectiva positiva no que
concerne à propagação do movimento da simplicidade. No depoimento de H3, foi
dito explicitamente que ele possui fé e esperança de que já está havendo uma
mudança no sentido de um Mundo melhor.
Há também depoimentos que revelam a percepção ao mesmo tempo da dificuldade da
busca pela simplicidade e a esperança e fé de que essa situação vai melhorar.
«... Tenho tentado «propagar» que: se somos bilhões de habitantes, precisamos
mudar o hábito de bilhões, e a forma mais rápida para que isso aconteça é cada
um fazendo a sua parte, de verdade. Quando ouço argumentos que lembram o
ditado: uma andorinha não faz o verão', gosto de usar argumentos que remetem
a: água mole em pedra dura tanto bate até que fura.'» (Relato de M9)
Assim, fica evidente que alguns participantes da comunidade pesquisada possuem
esperança de que a busca pela simplicidade terá mais força no futuro, apesar
das dificuldades. De fato, como se viu, este movimento já vem crescendo em
outros países (Shama, 1985; Johnston e Burton, 2003).
• Síntese dos resultados
A seguir, foi realizada uma síntese das contribuições da presente pesquisa,
contendo os principais achados sobre a Simplicidade Voluntária debatida na
comunidade virtual.
No Quadro I, podem ser vistos os quatro temas principais que emergiram no
debate da comunidade virtual sobre vida simples. Os quatro temas são:
características (abrange quais as práticas desses indivíduos no dia a dia);
pontos positivos (os benefícios de ser simples); pontos negativos (dificuldades
encontradas na vida simples); perspectivas (o que esperam do futuro).
Quadro 1
Síntese dos resultados da pesquisa
Considerações finais
O presente artigo apresentou os principais resultados de uma pesquisa
exploratória sobre um novo grupo de consumidores, os chamados simplifiers ou
adeptos da Simplicidade Voluntária. O objetivo da pesquisa foi de investigar um
pequeno grupo destes adeptos no Brasil, por meio da netnografia em uma
comunidade virtual sobre o tema da busca pela simplicidade.
A pesquisa revelou que as pessoas que buscam simplicidade percebem que se trata
de um processo difícil do ponto de vista individual, já que diz respeito a uma
mudança de hábito, e também do ponto de vista social, por implicar em «remar
contra a maré» da sociedade de consumo. Apesar de reconhecer as dificuldades
inerentes a este processo, os participantes do fórum estudado têm esperança e
enxergam que o movimento pode crescer. Citam como prova disso a existência da
própria comunidade virtual que está debatendo sobre o tema.
Com relação às características deste grupo, a pesquisa destacou as seguintes: a
busca por uma redução ao consumo (eles são contra o consumismo), mudança para
uma alimentação mais saudável e natural, vida mais natural, em que se valorizem
mais comportamentos como caminhar a pé, contemplar a natureza e as pequenas
coisas da vida. Algumas pessoas do grupo também procuram evitar o meio de
transporte carro e buscam reaproveitar produtos, reciclar, comprar alguns itens
usados e economizar energia.
A pesquisa também mostrou que o grupo percebe benefícios pessoais e sociais
nessa busca da simplicidade. Os pessoais incluem uma vida mais equilibrada,
saudável e feliz, preocupando-se apenas com o que é essencial. Parece que as
pessoas do grupo se sentem fora do estresse do dia a dia, já que elas procuram
não enfrentar o caos urbano do trânsito, não consumir muito e estar em contato
com a natureza. No que tange aos benefícios sociais, o principal é de ter um
compromisso com o planeta Terra e de ajudá-lo, através da redução do
consumismo, do consumo consciente, do não uso do transporte individual, da
economia de energia, da reciclagem de produtos. Os benefícios pessoais poderiam
ser generalizados para um benefício maior para a sociedade como um todo.
Um achado significativo da pesquisa é o fato de este grupo estar associado não
somente a uma redução do consumo, mas também a um consumo mais consciente. É
nesse sentido que o marketing precisa estar atento aos anseios desse novo grupo
de consumidores.
Um achado significativo da pesquisa é o fato de este grupo estar associado não
somente a uma redução do consumo, mas também a um consumo mais consciente. É
nesse sentido que o marketing precisa estar atento aos anseios desse novo grupo
de consumidores. Trata-se de um anseio que está conectado a uma corrente mais
ampla, de preocupação com a sustentabilidade dos modelos atuais de produção e
consumo. Ao propor uma nova forma de consumir, os adeptos da simplicidade
ampliam o debate, defendendo não somente uma atenção maior aos impactos da
sociedade de consumo, como também uma mudança de atitude face às práticas de
consumo.
Os depoimentos estudados deixam claro que não se trata de abdicar do consumo,
mas sim de encontrar formas melhores de consumir, para as pessoas, para a
sociedade e para o Planeta. Mostram que há produtos e serviços capazes de
atender a esse objetivo. Bicicletas elétricas, roupas de qualidade que não
sejam de grifes, móveis resistentes, redes virtuais de sebos, transportes
coletivos são alguns dos itens mencionados pelos debatedores do fórum estudado.
Para abordar estes consumidores, o marketing deveria procurar desenvolver e
aperfeiçoar tais ofertas. Ao fazer isso, iria também ao encontro de
consumidores que, sem aderir à opção da simplicidade no conjunto de seu estilo
de vida, compartilham as preocupações e os anseios que a motivam. Se a renúncia
a certos bens e hábitos de consumo demanda, como sublinham os pesquisados,
alguns sacrifícios, a adesão a hábitos mais saudáveis, a escolha de
alternativas menos danosas ao meio ambiente e socialmente mais justas e a
valorização das «pequenas coisas da vida», são hoje atitudes valorizadas por um
contingente cada vez maior de consumidores.
Apesar de ter atingido seu objetivo, a pesquisa teve algumas limitações. Pelo
fato de ter sido realizada por meio de netnografia, baseada em observação e na
interpretação, não foram feitas perguntas aos membros do grupo para que
explicassem melhor certos pontos. Assim, para dar continuidade à pesquisa, é
recomendada a investigação em maior profundidade deste novo grupo de
consumidores, identificando perfil, hábitos de consumo e o que busca nas suas
compras.