Novato: uma categoria homogénea?
DICIONÁRIO
Novato: uma categoria homogénea?
Novato: ¿una categoría homogénea?
Novice: une catégorie homogène?
Novice: a homogeneous category?
Catherine Delgoulet
Laboratoire Adaptations Travail-Individus (LATI - EA 4469) Institut de
Psychologie Université Paris Descartes - Sorbonne Paris Cité 71 avenue Edouard
Vaillant 92 774 Boulogne-Billancourt Cedex France
catherine.delgoulet@parisdescartes.fr
O termo novato qualifica, comummente, uma pessoa que tem pouca ou nenhuma
experiência no exercício de uma prática, seja profissional ou outra (por
exemplo, no desporto, na arte ou num ofício específico).
Se muitas vezes é tentador considerar o novato como uma categoria social
homogénea (isto é, um jovem que inicia a sua carreira profissional, numa ofício
específico), o estatuto de “novato” pode, no entanto, referir-se a diversas
figuras. Assim, pode-se ser novato em várias idades, pois estas duas dimensões
estão ligadas mas não se sobrepõem totalmente. Pode-se também ser novato num
domínio e experiente noutro(s).
Esta heterogeneidade nas declinações da noção deve ser considerada, pois o
mundo que nos rodeia e no qual cada um evolui está em movimento. Limitando-nos
ao mundo do trabalho, as evoluções frequentes dos sistemas que suportam a
informação e a comunicação no trabalho, e as mudanças recorrentes dos
instrumentos que lhes estão associados, são disso testemunho. O experiente
reencontra o estatuto de novato de forma provisória; um novato que terá que
aprender a apropriar-se de uma nova ferramenta. Isto aplica-se às mudanças
tecnológicas mas também organizacionais, materiais ou culturais que vêm abalar
o trabalho e as suas condições efetivas de realização (Gollac, Volkoff &
Wolff, 2014).
Esta heterogeneidade é ainda mais importante pois vai marcar a forma como será
possível e pertinente apreender esse estatuto e as questões que daí se
levantam. Por esta razão, será utilizado o plural no texto que se segue, para
referir “os” novatos.
Frequentemente opostos aos peritos (cf. mais à frente), os novatos não são,
porém, ignorantes ou totalmente ingénuos. Eles têm, pelo contrário, um
conhecimento das regras gerais que lhes confere o estatuto de “novatos” durante
alguns dias ou vários meses ou mesmo mais, dependendo das situações estudadas.
Vários trabalhos (Lortie, 2002; Caroly & Weill-Fassina, 2004; Cloutier,
Bourdouxhe, Ledoux, David, Gagnon, Ouellet & Teiger, 2005; Delgoulet,
Gaudart & Chassaing, 2012; Hamraoui, 2014) enfatizam que a incerteza é uma
das características deste estatuto. Isto pode-se traduzir na forma de emprego,
frequentemente precário (trabalho temporário ou a tempo parcial), no tipo de
missão (substituição dos trabalhadores titulares do posto) ou também no nível
de familiaridade face às especificidades das situações encontradas (quase
nula).
OS NOVATOS EM SITUAÇÃO: ALGUMAS ABORDAGENS EM CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
Em ciências humanas e sociais encontramos numerosos trabalhos consagrados aos
novatos nos seguintes domínios: na condução automóvel (os condutores que
obtiveram recentemente a carta de condução, frequentemente jovens), no ensino
(com os professores em início de carreira, essencialmente), na medicina (com
enfermeiros em formação inicial a realizar um estágio prático ou médicos em
formação nos gestos “técnicos”) e no desporto profissional ou de alta
competição (jovens atletas em formação).
Um paradigma dominante: a comparação novato / perito
Os autores que se têm interessado pelos novatos fazem-no frequentemente numa
perspetiva de comparação com os “peritos” [1]. Esta abordagem de investigação é
defendida nos trabalhos científicos pelo menos por duas razões:
— Permite apreender o que falta aos novatos para enfrentar as exigências de uma
tarefa em situação; permite também compreender “de que é feita a perícia”, uma
vez que estes elementos são difíceis de detetar por si só, junto dos peritos
(porque estão incorporados e são dificilmente explicitáveis pelos próprios).
— Favorece a atualização das diferenças contrastadas, ditas “significativas”,
mais facilmente valorizadas nas publicações científicas (sob o risco de, às
vezes, se “comparar” sem grande discernimento…).
Neste quadro geral de investigação, as pesquisas focam-se na modelização dos
comportamentos ou atitudes dos novatos vs. peritos (por exemplo, correr riscos,
ansiedade sentida, má avaliação das exigências da tarefa, sobrestimação das
suas capacidades ou competências) e as suas consequências (segurança das
pessoas, satisfação e bem estar no trabalho, fiabilidade dos sistemas
sociotécnicos). As pesquisas têm-se também focado em diferenciar as estratégias
usadas para realizar uma tarefa e nas necessidades específicas dos novatos vs.
peritos (Authier, Lortie, & Gagnon, 1996; Johari, Sanusi, Isa, &
Ghazali, 2014; Aslrasouli & Vahid, 2014; Plamondon, Delisle, Bellefeuille,
Denis, Gagnon, & Larivière, 2014; Meyer, Li, Klaristenfeld & Gold,
2015).
De novato a perito… e de regresso
Outros trabalhos debruçam-se sobre o(s) processo(s) que permite(m) passar de
novato a experiente o perito (Benner, 1982), e inversamente, numa preocupação
de reciprocidade dos pontos de vista considerados (McArthur-Rouse, 2008).
Tentam, então, definir as etapas ou estádios que permitem adquirir saberes e
saberes-fazer eficientes em cada situação: desde a tomada de consciência do que
é esperado da tarefa, dos recursos e constrangimentos associados até o controlo
das situações que permitem realizar a tarefa lidando com os imprevistos,
através da apropriação que permite encontrar a sua maneira de fazer (Vézina,
2001). Destacam que esta passagem muitas vezes não é linear e pressupõe
numerosos ajustamentos em cada situação (Grass, Grangeat & Allenet, 2007).
Estas abordagens podem, então, ser levadas a tratar questões relativas à
aprendizagem no quadro dos vários dispositivos destinados a favorecer o
desenvolvimento dos novatos (Lave & Wenger, 1991; Gagnon, 2003; Gaudart,
Delgoulet & Chassaing, 2008; Thébault, Gaudart, Cloutier & Volkoff,
2012; Kehoe, Bednall, Yin, Olsen, Pitts, Henry, & Bailey, 2009; Wright
& O'Hare, 2015). Questionam-se assim os dispositivos de aprendizagem e de
acompanhamento dos novatos no trabalho (por exemplo, a mentoria, o tutorado e o
apadrinhamento), os instrumentos de formação e os tipos de suporte pedagógico
(por exemplo, a simulação, os suportes vídeo, o tipo de ilustrações), a
adequação dos métodos de formação às necessidades dos novatos (por exemplo, a
observação dos peritos e dos novatos), mas também as trocas e aprendizagens
recíprocas entre novatos e os que possuem mais antiguidade no posto.
OS NOVATOS NO TRABALHO
Após terminado o período consagrado à formação prévia, o aprendiz torna-se
então um novato no trabalho. Este tempo de formação prévia pode ser maior ou
menor, mais ou menos formal. Em todo o caso, a aprendizagem não pára nas portas
da formação, pelo contrário, vai-se enraizar no exercício quotidiano de uma
tarefa ou, mais amplamente, de um ofício.
As investigações em psicologia do trabalho e em ergonomia da atividade têm-se
dedicado a revelar estes primeiros tempos de trabalho e da sua expressão na
atividade exercida em situação. Retomando as duas categorias referidas no
parágrafo anterior, propõe-se apresentar aqui alguns trabalhos de forma
sintética.
Rigidez operatória e escassa antecipação para e na ação
Retomando o paradigma perito / novato, os estudos em ergonomia cognitiva têm-se
esforçado em qualificar a forma como um novato apreende o seu trabalho e lhe dá
resposta (Guindon, 1990; Amalberti & Valot, 1990; Visser & Falzon,
1992; Leplat 2002). Estes estudos realçam que peritos e novatos se distinguem
pelos modelos mentais do domínio profissional que mobilizam. Nos novatos, o
acesso menos rápido aos conhecimentos e o baixo nível de abstração nos
raciocínios baseados principalmente nas caraterísticas mais aparentes dos
problemas encontrados, limitam nomeadamente as possibilidades de se ter em
conta as variações e os imprevistos das situações.
Certos estudos mostram que os novatos precisam de informações suplementares,
julgadas inúteis pelos peritos, para realizar a tarefa (Le Bohec & Jamet,
2005). No entanto, estes mesmos novatos tentam primeiro usar os recursos
operatórios como lhes são fornecidos nos locais de trabalho (Chatigny, 2001) e
são, portanto, fortemente dependentes das condições de trabalho que lhes são
oferecidas. Sob estas condições, os novatos estão mais inclinados a mobilizar e
seguir as regras ou procedimentos formais de trabalho (Anceaux & Beuscart-
Zéphir, 2002), deixando de lado as especificidades das situações e os
ajustamentos que suporiam (Caroly & Weill-Fassina, 2004). É frequentemente
numa forma reativa de regulação da atividade (em função do resultado obtido e
dos desvios em relação ao objetivo inicialmente fixado) que certas modificações
podem surgir (Chassaing, 2005). Esta particularidade tem sido frequentemente
entendida como uma dificuldade, acrescida nos novatos, em antecipar as
variações do sistema e em geri-las na ação; estas variações advêm de flutuações
das caraterísticas dos novatos (por exemplo, estado de fadiga) ou da evolução
dos recursos técnicos, organizacionais ou humanos, à disposição (por exemplo,
mau funcionamento de uma máquina ou avaria, atraso no fornecimento de peças,
recomposição momentânea do efetivo de uma equipa). Quer nos interessemos pelas
tarefas de manutenção (Lortie, 2002; Gagnon, 2005), pela montagem de
instalações temporárias (Zara-Meylan, 2006) ou pela extração de minerais
(Desnoyers, 1995), pelo trabalho de controlo dos processos contínuos de fabrico
(Pueyo, Toupin, & Volkoff, 2011) ou pelas atividades de serviço (Caroly
& Weill-Fassina, 2004), as análises da atividade real apontam a fraqueza ou
ausência de momentos consagrados à preparação da ação futura ou de modos de
regulação na ação que visam prevenir os desvios ou as dificuldades prováveis em
benefício de uma aplicação escrupulosa das prescrições, pelo menos, daquilo que
delas foi compreendido. Uma particularidade, no entanto, é de mencionar: quando
os novatos são também trabalhadores experimentados confrontados com a novidade
(por exemplo, no quadro de uma nova organização do trabalho que promove a
polivalência), a preocupação com a antecipação e as estratégias operatórias
associadas, elaboradas no âmbito do desempenho num outro posto, tendem a ser
reinvestidas na fase de tomada de consciência da tarefa (Gaudart, 2000; 2003).
Sendo estas estratégias na maioria das vezes ignoradas pelos concetores do
trabalho, a dificuldade para esses trabalhadores experimentados tornados
novatos reside agora nas possibilidades efetivas de integração destas formas de
economia da antecipação (Clot, 2008) que facilitariam a estabilidade precoce do
gesto profissional e a sua eficácia do ponto de vista da saúde e do desempenho.
Uma oportunidade para reinterrogar o quotidiano de trabalho e as suas regras
Por fim, outros estudos mostram quanto e como o acolhimento e o acompanhamento
dos novatos nos seus primeiros passos face a novas situações de trabalho são
momentos preciosos para reinterrogar o trabalho e os seus implícitos, que pesam
por vezes na sua realização. Lave e Wenger (1991) apontam para a construção
partilhada de um novo meio profissional aquando da migração de novatos, do
estatuto de ator periférico de uma comunidade de práticas ao de membro ativo
dessa mesma comunidade. Esta migração é uma oportunidade de questionar normas
impessoais que organizam uma prática, de colocar em debate o “género” da
profissão, antes de cada um (novato ou experiente) (re)construir o seu “estilo”
(Clot, 1999). Tourmen e os seus colegas (2014) sublinham o caráter estimulante
dos novatos. Pela novidade do olhar que eles aportam sobre as situações e as
normas que as regem, eles podem questionar, até contestar, as práticas em vigor
(Billett, 2001). Eles levam os tutores a tomar consciência das suas
dificuldades em descodificar o novo ambiente que não tem nada de evidente e que
precisa de ser explicitado (Cloutier, Fournier, Ledoux, Gagnon, Beauvais &
Vincent-Genod, 2012).
Estas pistas são obviamente para explorar e para promover, para dar aos locais
de trabalho toda a sua vitalidade. Não devem, contudo, fazer esquecer que
acolher e acompanhar os novatos é um trabalho próprio, integral, que supõe
alguns ajustes na quantidade e no conteúdo do trabalho dedicado pelos tutores
ou mentores. Hoje, estas condições são raramente reunidas, o que pode, então,
dificultar a realização efetiva da tarefa de acompanhamento e as reais
possibilidades de desenvolvimento para os protagonistas das situações
consideradas (Delgoulet, Largier & Tirilly, 2013; Thébault, Delgoulet,
Fournier, Gaudart & Jolivet, 2014).