Do Analógico ao Digital: Como a digitalização afecta a produção, distribuição e
consumo de informação, conhecimento e cultura na Sociedade em Rede
1. Introdução
A Sociedade em Rede em que hoje vivemos é o resultado da apropriação social de
um conjunto de novas tecnologias de informação e comunicação surgidas nos
últimos 50 anos em resultado de mudanças profundas nos sectores da
microelectrónica, computação e telecomunicações (Castells, 2011, 60) e que
alteraram profundamente - e ainda estão a alterar - não só a forma como
comunicamos em sociedade mas também a forma como nos relacionamos uns com os
outros e as arquitecturas sociais que com essas tecnologias construímos.
Neste trabalho olhamos em particular para um dos desenvolvimentos tecnológicos
mais importantes dos últimos anos e que está por detrás dos desenvolvimentos
registados nessas três áreas da tecnologia: a passagem de uma codificação da
informação predominantemente analógica para uma codificação predominante
digital. Analisaremos de que forma os desenvolvimentos tecnológicos registados
nessas três áreas resultam dessa alteração fundamental e que influencias ela
teve na forma como hoje apropriamos socialmente as tecnologias de informação e
comunicação. Defenderemos a tese de que a passagem do analógico para o digital
constitui o substrato tecnológico (Castells, 2011, p.70) sobre o qual se
sedimentaram todos os outros desenvolvimentos ao nível da computação,
microelectrónica e telecomunicações e que isso está na base da evolução das
tecnologias de informação e comunicação tal como as conhecemos.
Começaremos por fazer uma resenha histórica das alterações tecnológicas
operadas nesta área, tentando identificar a forma como a codificação digital
ganhou terreno em relação à codificação analógica. De seguida analisaremos as
principais diferenças da codificação digital face à codificação analógica e as
suas consequências em termos de funcionamento e utilização das modernas
tecnologias de informação e comunicação. E, numa terceira parte, olharemos para
as apropriações sociais que essas tecnologias suscitam, tendo em vista
identificar as transformações observáveis no funcionamento da moderna Sociedade
em Rede.
2. História das tecnologias digitais de informação e comunicação
A história das tecnologias digitais aplicadas à produção, distribuição e
consumo de informação, conhecimento e cultura começa com a invenção do
computador. Antes já tinham existido utilizações de códigos binários, mas
tratou-se sempre de utilizações pontuais e sem consequências sistemáticas ao
nível económico ou social. A história do método digital de criar, armazenar e
transmitir informação começa com a invenção do primeiro computador, mas tem os
seus primórdios mais de um século antes, no trabalho de Charles Babagge a
partir da década de 1820 (Randell, 1974). Atributos como o armazenamento de
informação, a capacidade para fazer cálculos aritméticos, a utilização de
cartões perfurados como meio de input e output e o controlo da sequenciação das
operações estavam já presentes nos prótótipos de Babagge, que, no entanto,
tiveram que esperar mais de um século até que a evolução da tecnologia e da
economia permitisse e justificasse a sua utilização em larga escala.
A tecnologia dos cartões perfurados, muito desenvolvida nos Estados Unidos nos
anos 20 e 30 do século passado, esteve na base do desenvolvimento subsequente
dos computadores, numa dupla acepção: como forma de ligar a linguagem humana
com a linguagem das máquinas e como como forma de codificação externa da
linguagem binária usada pelos computadores. Um outro contributo técnico foi
dado pela utilização dos comutadores (switches) electromagnéticos usados nas
telecomunicações (Randell, 1974, p.7) combinados com as instruções
operacionalizadas em computadores.
Em 1936, o matemático britânico Alan Turing publicou o seu importante trabalho
intitulado On Computable Numbers (Manovich, 2001, 47), especificando as
características do computador de uso genérico; em 1936 Konrad Zuse inventou um
computador binário controlado por instruções contidas numa fita perfurada e
perfurável (Randell, 1974, 6) e em 1945, finalmente, von Neumann apresentou o
EDVAC (Randell, 1974, p.11), uma máquina que pela primeira vez permitia criar
os seus próprios programas, dando assim inicio à expansão da indústria dos
computadores e da computação.
Obviamente, a expansão comercial e a apropriação social dos computadores e das
suas potencialidades influenciou muitas áreas tecnologicamente adjacentes,
entre as quais a comunicação. Segundo Cees Hamelink (1997), passámos por quatro
fases distintas na redução dos constrangimentos de distância, velocidade,
volume e fiabilidade impostos à transmissão de informação: numa primeira fase,
até à invenção do código de Morse, a humanidade usou apenas meios físicos e
mecânicos; depois disso passámos a usar meios eléctricos, em seguida meios
electrónicos resultantes da integração das telecomunicações com o computador e
atingimos no final do século passado o ponto de viragem do analógico para o
digital. Sendo que esta expansão do digital se estende a todas as tecnologias
de informação e comunicação (Hamelink, 1997, p.3). Glover e Grant também
fizeram um levantamento histórico das tecnologias de informação e comunicação,
concluindo que as novas tecnologias digitais se soprepuseram claramente às
analógicas, sobretudo a partir da década de 1980 (Glover, Rant, 2009, p.3).
Hilbert e López, por fim, monitorizaram 60 diferentes tecnologias digitais e
analógicas entre 1986 e 2007 e concluíram, no mesmo sentido, que tanto as
comunicações como o armazenamento de informação e a capacidade de computação se
tornaram predominantemente digitais no período em análise (Hilbert, López,
2011). Nesse estudo, os autores estimam, por exemplo, que a capacidade global
de computação terá crescido a um ritmo de 58 por cento ao ano, que a capacidade
para exercer comunicações bidireccionais cresceu a 28 por cento ao ano e que a
informação armazenada globalmente em formato digital aumentou 23 por cento em
cada ano durante o período estudado. As telecomunicações são quase
integralmente digitais desde 1990 e a maioria da nossa memória tecnológica
(94%) já estava em formato digital no ano de 2007. Se pensarmos que um dos
traços marcantes da utilização actual das tecnologias de comunicação e
informação consiste em carregar para as várias plataformas disponíveis não só
conteúdos novos mas também conteúdos previamente existentes em outros suportes
- tornando assim digital a nossa memória colectiva que antes era analógica -
concluímos que, para todos os efeitos práticos, a maior parte da nossa memória
colectiva registada tecnologicamente está hoje em formato digital (Manovich,
2001, p.44). Van Dijk considera que esse é precisamente o sentido da
digitalização: graças a ela, a comunicação de dados e a computorização tornam-
se os factores dominantes nas nossas infra-estruturas de comunicação (Van Dijk,
2006, 44).
3. Características da codificação digital
A linguagem digital envolve duas dimensões essenciais que estão na base das
razões funcionais que as tornaram predominantes na nossa forma de produzir,
gerir, transmitir e arquivar informação. Em primeiro lugar é numérica, de onde
resulta a própria designação digital. Em segundo lugar - e ainda mais
importante - é binária. Ou seja, é composta pela conjugação complexa de apenas
dois sinais: o 0 e o 1. O que isto significa é toda a linguagem digital se
expressa numa relação lógica on-off, true-false ou yes-no. Um determinado
circuito está aberto ou fechado. Não existe meio-termo na linguagem binária e é
por esse facto que ela se adequa ao funcionamento das máquinas de calcular
sofisticadas que hoje conhecemos pelo nome de computadores. Independentemente
do interface que usemos para comunicar com ele (e o interface é uma forma de
traduzir a nossa linguagem, qualquer que ela seja, para a linguagem dele),
dentro de um computador a linguagem utilizada usa somente combinações de 0 e
1 em cadeias (strings) de oito, 16, 32, 64, 128 bits, etc. As primeiras
calculadoras de cartões perfurados já usavam um sistema digital - com dígitos -
para efectuar os cálculos e mesmo o código de Morse (que deu origem às
telecomunicações electrónicas) pode ser visto como uma das primeiras
utilizações do código binário para codificar e transmitir texto, a partir da
oposição binária com sinal-sem sinal.
Obviamente, a simplicidade da relação de oposição entre o sim-não do código
binário (a ausência de possibilidades intermédias) é aquilo que proporciona a
alta fidelidade que associamos à palavra digital. Reduzido à unidade mais
elementar e sem margem para interpretação ou sinais alternativos, o código
binário não perde informação e não permite ruído na comunicação. A complexidade
é introduzida pelo surgimento de strings de dígitos cada vez mais longas, mas
sempre passíveis de serem decompostas nas suas unidades básicas constitutivas.
Os teóricos da comunicação que estabelecem um paralelo entre a codificação
digital da informação manipulada pelos nossos computadores e a informação
contida no nosso DNA - como Manuel Castells (2011, 54) ' deduzem esse paralelo
precisamente desta semelhança entre os dois códigos. Nicholas Negroponte, por
seu lado, considera o bit, unidade básica do código digital, como o DNA da
informação, ou seja a unidade mais básica e simples que constitui a substância
da informação (Negroponte, 1995, 14). Como veremos mais à frente, essa
capacidade de combinar a simplicidade da unidade de base de constituição do
código com a complexidade das suas infinitas variações possíveis é justamente
um dos mais fortes trunfos da codificação digital face à codificação analógica
da informação.
A digitalização é o processo pelo qual a informação, seja ela veiculada por
texto, som ou imagem, fixa ou em movimento, é convertida na linguagem binária
usada pelos computadores (Hamelink, 1997, 4). Os computadores não são capazes
de entender outra informação que não aquela que puder ser convertida em 0 e
1, exactamente porque a sua linguagem é matemática. Ou seja, esse é o
processo pelo qual a informação se converte de analógica em digital. O que
veremos a seguir é de que forma essa transformação técnica, por si só, confere
à codificação digital características que irão estar na base das suas
repercussões sociais.
Desde logo, a digitalização da informação tem um impacto relevante na sua
fiabilidade. Passível de ser decomposta nas suas unidades constitutivas
básicas, a transmissão de informação digital não permite a intromissão de ruído
no circuito, que era uma preocupação de longa data dos teóricos da comunicação,
maior ou menor consoante o medium. Por outro lado a informação digital pode ser
fortemente comprimida e posteriormente decomposta nas suas unidades
constitutivas. O que significa, por um lado, que permite maiores velocidades de
transmissão (a imagem digital da Bíblia transmite-se mais facilmente do que a
impressão em papel da mesma). E - naturalmente - se se transmite a informação
mais rapidamente e facilmente, os respectivos custos de transmissão tendem a
baixar. Estas duas características da informação digital - maiores velocidades
de transmissão e redução de custos - estão igualmente relacionadas com a
capacidade de transmissão da rede em que circulam. Ora, a largura de banda das
comunicações digitais, sejam elas realizadas por cabo, pelo espectro
radiofónico ou via satélite, tem vindo a aumentar na proporção exacta das
necessidades de transmissão. Ou seja, a capacidade de computação e a capacidade
de transmissão têm vindo a estimular-se mutuamente numa espiral de crescimento
que já podemos diagnosticar mas que não podemos ainda prever que evolução terá
no futuro ou até onde poderá ir. Para Van Dijk, este processo expressa-se no
efeito conjugado das duas técnicas: digitalização, por um lado, e transmissão
por banda larga, por outro (2006, 7). A capacidade da rede para transmitir
grandes quantidades de informação é uma condição para a expansão de capacidades
da micro-eletrónica e da digitalização (Van Dijk, 2006, 41). Ou seja, os dois
fenómenos reforçam-se mutuamente. Um empurra o outro no sentido de oferecer
digitalmente toda a informação disponível e oferecê-la com a maior rapidez de
transmissão possível.
A flexibilidade do código digital, por outro lado, tem também consequências
importantes ao nível da composição da mensagem. Em primeiro lugar porque
permite aparelhos multifuncionais, ou seja, que podem transmitir texto, som ou
imagem, estática ou em movimento. Convém recordar que os meios analógicos de
que dispusemos no passado eram uma coisa ou outra (ou, no caso dos media
electrónicos, como a televisão, juntavam na verdade duas mensagens - uma sonora
oura visual - em dois canais distintos recebidos pelos destinatários em
simultâneo). Na codificação digital, o aparelho trata toda a informação em
linguagem binária, o que significa que não existe um diferente registo para
qualquer dos módulos da mensagem. Em segundo lugar, porque, sendo possível
decompor a informação nas unidades básicas que a compõem, o que é transmitido
entre computadores são essas unidades básicas. Logo, elas podem ser
reconstituídas em qualquer local e em qualquer altura. E é isso que confere à
informação digital a sua ubiquidade, provavelmente a melhor tradução portuguesa
para a pervasiveness de que falam vários autores (Castells, 2011,70;
Hamelink, 1997, 4). Uma informação que é codificada em formato digital num
determinado aparelho fica imediatamente disponível para todos os aparelhos que
estiverem em contacto com ele nesse momento ou venham a estar no futuro. Daí o
efeito viral que muitas vezes é associado a objectos informativos (em sentido
lato) nesta era em que o código digital é predominante. É por causa desta
característica dos novos media - que resulta directamente do facto de eles
trabalharem sobre uma base digital - que a informação se torna abundante, como
veremos no capítulo seguinte.
Por outro lado, o facto de a codificação digital permitir tratar igualmente,
num só aparelho e numa só comunicação, sinais de tipo textual, sonoro ou
visual, é aquilo que dá origem ao conceito de convergência, que, como veremos,
pode ter mais do que uma só acepção. Ou seja, não só diferentes mensagens podem
convergir num só aparelho, como diferentes tipos de conteúdos podem convergir
numa mensagem. E isso, obviamente, desfaz a fronteira entre os media, alterando
desse modo a forma de institucionalizar socialmente a transmissão de
informação. É por isso que, como veremos no capítulo seguinte, esta é, das
decorrências das características da tecnologia digital, aquela que parece ter
consequências sociais mais profundas.
NIcholas Negroponte, no seu seminal Being Digital, de 1995, refere três
princípios associados às tecnologias digitais dos quais decorrem não só as
características principais das modernas tecnologias de informação e
comunicação, mas também - e sobretudo - das seus usos sociais: arquitectura
aberta, escalabilidade e interoperabilidade (1995, 181). E refere a internet
como a rede global que liga os computadores uns aos outros permitindo
materializar tecnológica e socialmente estas características da informação na
era digital. É precisamente sobre os usos e apropriações sociais decorrentes
dessas características que trataremos a seguir.
4. Apropriações sociais da linguagem digital
Há muitos factores diferentes que influenciam a utilização das tecnologias no
contexto dos usos e apropriações sociais, começando naturalmente por aqueles
que são oriundos da própria organização social e que constituem um elemento de
adopção ou não adopção de uma determinada tecnologia. Por isso, as tecnologias
têm consequências sociais que derivam primeiro da própria sociedade e só depois
das tecnologias. Isso é válido para cada uma das novas tecnologias de
informação e comunicação que hoje conhecemos como também para o substrato
tecnológico no qual elas se baseia. Mas de formas diferentes. Se as
manifestações sociais da presença das modernas tecnologias de informação e
comunicação - o smartphone, a internet, o Facebook (entendido como um
software), por exemplo - são relativamente fáceis de observar, as manifestações
sociais da linguagem digital que lhes está na base são mais ocultas e difíceis
de observar. Mas são mais importantes. Primeiro porque o seu impacto social
acontece a um nível mais profundo, sobre o qual se inscrevem as tecnologias e
os seus usos sociais; depois, porque a forma digital de codificação está
presente em praticamente todas as actuais tecnologias que usamos para comunicar
e para transmitir informação. De onde decorre que as consequências sociais de
que aqui vamos falar tendem a ter impacto em todas elas.
Nicholas Negroponte aponta quatro qualidades essenciais às tecnologias
digitais, qualquer delas com implicações profundas ao nível dos usos e
apropriações sociais: são tecnologias descentralizadoras, globalizadoras,
harmonizadoras e empoderadoras (empowering, no original, 1995, 229-231). A
escalabilidade, a convergência e a bidireccionalidade do fluxo de informação,
por exemplo, são decorrências dessas qualidade essenciais das tecnologias
digitais.
Pierre Lévy também enquadra esta passagem do analógico para o digital dentro de
um percurso que transformou a informação de somática para mediática e agora
para digital (Lévy, 2004, 39), em que a produção, transporte e manipulação das
mensagens é feita bit por bit (Lévy, 2004, 34).
Para Castells, a revolução (Castells, 2011, 28) informacional em curso
tenderá mesmo a ser mais impactante que a que resultou da impressão de tipos
móveis de Gutenberg, precisamente porque esta era limitada a uma conjunto
restrito do corpo social enquanto a comunicação e informação digitais estão
presentes em todas as estruturas da sociedade (Castells, 2011, 30) e
estabelecem um circuito de feedback comunicativo que estimula a difusão das
tecnologias pelos utilizadores (Castells, 2010, 31). Ou seja, para Castells, a
internet, entendida como a rede de ligação entre computadores, é talvez o meio
tecnológico mais revolucionário da era da informação (Castells, 2010, 45).
Licklider também considerou o computador digital um elemento de transformação
da comunicação mais impactante que a máquina de impressão, uma vez que com ele
poderíamos ter acesso não só aos recursos informativos, mas também aos
processos relacionados com a utilização desses recursos (Licklider, 1968, 22).
Manovich, por fim, considera que algumas tecnologias, como a impressão,
afectaram historicamente apenas a distribuição de informação enquanto outras,
como a fotografia, afectaram um tipo de produção cultural. Mas a comunicação
digital mediada por computador afecta todas as fases da comunicação e todos os
tipos de media (Manovich, 2001, 43).
4.1. Convergência
O fenómeno da convergência é provavelmente o mais importante aspecto da
conjugação entre as alterações introduzidas pela tecnologia digital e as
estruturas e apropriações sociais que face a ela se produzem. E representa bem
o carácter não determinista e contingente das escolhas sociais, mesmo quando
está em causa a forma de usar socialmente algo como a tecnologia digital (que,
recorde-se, consideramos na verdade o substrato tecnológico sobre qual se
implementam as modernas tecnologias de informação que habitualmente
discutimos).
Curiosamente, tanto Negroponte como Van Kamm e Bordewijk consideram que os
media digitais e a tecnologia podem ser uma espécie de cavalo de tróia para a
indústria dos media (Negroponte, 1995, 18; Van Kaam, 2003, 582). Suscitam novos
conteúdos, fazem surgir novos players e instituem novos modelos de negócio, e
embora isso possa parecer, à primeira vista, uma oportunidade de apropriação
económica e de expansão de negócio para os media, pode afinal esconder uma
ameaça decisiva aos seus actuais modelos de negócio e à sua função e relevância
social (Jenkins, 2004, 37).
Henry Jenkins foi um dos teóricos da comunicação que mais abundantemente
abordou o tema da convergência. Para ele, a digitalização criou as condições
para a convergência, mas foram os conglomerados de media que criaram o seu
imperativo (Jenkins, 2006, 11). Por isso, a convergência começa por ser um
processo tecnológico que permite expressar num só código aquilo que antes eram
diferentes media, mas é muito mais do que isso. A convergência tanto pode ser
entendida como um processo de cima para baixo em que as empresas de media
aproveitam as potencialidades da tecnologia para distribuir os seus conteúdos
por meio de diferentes canais e múltiplos dispositivos, como pode ser um
processo de cima para baixo, à medida que os consumidores de informação
aprendem a usar estas novas tecnologias para terem mais controlo sobre o seu
consumo e produção de informação. Ambos os processos decorrem em simultâneo e
condicionam-se mutuamente (Jenkins, 2006, 18). Porque a convergência não é um
fenómeno apenas ao dispor das empresas; é também um recurso ao dispor dos
indivíduos, os quais, usando tecnologia digital, podem produzir diversos tipos
de produção comunicativa e informativa e distribuí-la através de variados
canais e para múltiplos dispositivos. Ou seja, embora tecnologicamente a
convergência se tenda a materializar como uma decorrência da digitalização, a
sua manifestação social vai depender muito do jogo de forças encenado entre as
empresas de media e os utilizadores.
Para van Dijk o processo de integração ou convergência também resulta da
combinação de duas tecnologias revolucionárias: a digitalização e a transmissão
de banda larga (Van Dijk, 2006, 7) e afecta todos os campos da informação:
infra-estrutura, transporte, gestão, serviços e tipos de dados. A convergência
das comunicações único código digital (expressável em múltiplas variantes)
transforma-se assim no sistema nervoso central da sociedade.
Castells, por fim, também integra a convergência nas fundações materiais da
sociedade em rede, com a informação como matéria-prima, a presença ubíqua das
novas tecnologias, a lógica de rede e a flexibilidade permitida por estas
tecnologias (Castells, 2010, 70-71).
4.2. Meta-dados
Outro efeito importante da digitalização, com implicações ao nível da
organização social dos processos de comunicação, resulta do facto de ela
permitir criar uma camada adicional de informação, inexistente nos media
analógicos, caracterizadora da própria informação. Na comunicação analógica, se
queríamos veicular alguma informação acerca da informação, teríamos que gerar
um novo produto informativo. Um livro para explicar um livro, por exemplo. A
codificação digital, pelo contrário, permite associar a uma informação as
informações necessárias para gerir essa informação, sem que essas informações
interfiram com o processo de comunicação. Estes bits acerca de bits, como
lhes chama Negroponte (1995, 18), não são visíveis nem audíveis na camada
convencional de informação, mas podem ser lidos pelas máquinas, programas e
plataformas envolvidas na comunicação de forma a caracterizar a própria
informação. Esta informação adicional acerca da informação tanto pode ser
adicionada à partida pelo autor como pode ser adicionada a posteriori por
outros indivíduos que agem sobre ela ou pelas próprias máquinas, desde que
programadas para o efeito. E é aí que entram os computadores, pois os meta-
dados da informação é aquela camada de dados em que eles operam, instituindo
processos de manipulação dos dados (Licklider, 1968, 29) destinados a controlar
e melhorar o fluxo de informação. Deste modo, o enriquecimento informativo que
os meta-dados instituem cria uma camada de informação adicional (Van Dijk,
2006, 45) inédita na propagação de informação, conhecimento e cultura anterior
à era digital. E isso é uma transformação de vastas consequências a nível
social e cultural. O conceito de big data de que tanto se fala nos dias que
correm resulta precisamente disto: o big data que as novas tecnologias
digitais de informação e comunicação estão a gerar não resulta de um aumento
exponencial dos fluxos de informação em sociedade (embora esse também exista);
resulta sim, de um aumento exponencial dos fluxos de informação sobre a
informação. No fundo, estamos perante uma manifestação de inteligência
artificial na gestão, manipulação e concatenação desses fluxos de meta-dados
(Licklider, 1968, 2; Manovich, 2001, 54). Aliás, é esse o sentido que Manovich
retira do trabalho pioneiro de desenvolvimento de computadores levado a cabo
por Alan Kay na década de 1970: a intenção de Kay não era criar um novo media
baseado no computador para concorrer com os media físicos. O objectivo era
desde o início estabelecer o computador como uma plataforma para todos os media
existentes, aquilo a que ele chamou um metamedium (Manovich, 2013, 65). Isso
é exactamente o que temos hoje em dia com a comunicação digital mediada por
computadores ligados entre si através da internet. Ou seja, a configuração que
a rede acabou por assumir ' múltiplos computadores em rede partilhando uma
mesma linguagem digital ' confere à computação um papel fundamental na gestão
da própria rede e da comunicação que nela circula. Deste modo, mais do que
meta-informação acoplada à informação (ou de uma camada ou camadas adicionais
de informação sobre a informação), o que o prefixo meta designa é na
realidade um metamedium que congrega e faz convergir todos os media
anteriores mas que ' mais importante ' também dispõe de inteligência própria
para se auto-regular. Ou seja, a informação e comunicação mediada por
computador institui uma forma de inteligência artificial (Manovich, 2001, 54)
que age sobre a própria informação em função de instruções dadas por
programação. E é isso que converte a programabilidade naquela que é
provavelmente a mais importante característica dos novos media digitais
(Manovich, 2001, 65). Compará-los com os media analógicos é redutor, uma vez
que, transformando a informação em dados, a computorização permite agir sobre
eles de formas que são historicamente inéditas: catalogando, registando,
decompondo, recompondo, corrigindo, multiplicando, filtrando, ordenando, etc.
Qualquer computador pode fazer qualquer destas operações (ou outras) sobre
qualquer pedaço de informação e qualquer outro computador pode pegar nessa
informação e refazê-la noutro sentido completamente diferente, desde que
instruído para o efeito por agentes humanos interagindo com a máquina. Ou seja,
o computador como metamedium é simultaneamente uma plataforma congregadora dos
vários media existentes e uma ferramenta para gerar novos media e novas
ferramentas para agir sobre os media, sobre a informação, sobre a rede e sobre
a própria computação.
Isto é aquilo a que Castells chama a computação ubíqua (pervasive computing
no original, 2010, 51). Distribuído pelas várias aplicações, aparelhos e
servidores conectados em rede, o poder de computação converte-se na
inteligência da própria rede. Ou seja, não há um controlo central do sistema; é
a própria rede que contém em si todos os recursos e ferramentas para a sua
regulação. Isto é algo inédito na história das sociedades humanas e tem
reflexos na forma como os indivíduos se agrupam, como se relacionam e como
comunicam uns com os outros. E na base, recorde-se, está a passagem de uma
codificação analógica para uma codificação digital e o facto de ela permitir,
para lá de uma produção e distribuição digital da informação, também a
caracterização, gestão e manipulação paralelas dessa mesma informação.
Licklider destaca outra função importante da meta-informação comparando a
comunicação mediada por computador com a comunicação face-a-face (Licklider,
1968, 22-23). Neste tipo de comunicação, dois conversantes, quaisquer que eles
sejam, usam modelos mentais de maneira inconsciente à medida que conversam.
Esses modelos mentais podem não ser ' e muitas vezes não são ' directamente
relacionados com o conteúdo da conversa, mas contribuem para o respectivo
fluxo. Ou seja, actuam como uma meta-informação. No caso da comunicação mediada
por computador essa é a função dos meta-dados. O que significa que, nesta
perspectiva, os meta-dados digitais na verdade não trazem um conteúdo adicional
à informação; apenas corrigem a sua ausência nos sistemas de informação mediada
não digital, como os mass media, face à comunicação interpessoal não mediada.
4.3. Interactividade
A terceira grande consequência da digitalização em termos de organização da
comunicação em sociedade é aquilo a que poderíamos chamar interactividade (ou
flexibilidade). Obviamente, mesmo os media analógicos do passado permitiam
algum grau de interactividade, de acção e reacção. Mas, quer pensemos numa
emissão de televisão ou num artigo de jornal, por exemplo, a reacção pode ser
considerada, ela própria, um novo acto comunicativo, muitas vezes exercido
através de um canal diferente e/ou posteriormente à acção de comunicação.
Segundo Van Dijk, os media digitais são mais interactivos que os media
analógicos a diversos níveis (Van Dijk, 2006, 8). Desde logo, ao nível do
espaço, pois permitem uma comunicação bidireccional ou multilateral, onde quer
que estejam os agentes. Numa rede de alcance global, quem comunica ' e interage
na comunicação ' pode estar em qualquer ponto do globo. É evidente que, na
maior parte dos exemplos actuais de distribuição de informação, o downstream
comunicativo é mais abundante que o upstream. Mas isso é em si mesmo uma
contingência social imposta à tecnologia pelo legado histórico da proeminência
dos mass media como produtores de informação e os indivíduos como seus
consumidores. Essa é a organização social e económica da distribuição de
informação em sociedade que nós herdámos. Mas isso não é um constrangimento da
própria tecnologia. Esta permitiria (e permite, nalguns casos) uma
interactividade completa uma vez que possibilita enviar mensagens em ambos os
sentidos.
O segundo nível de interactividade envolve o tempo. Em princípio uma
comunicação em que a sequência acção-reacção não é interrompida é mais
interactiva que outra em que o seja. Mas a verdade é que quebrar essa sequência
(como na leitura de um e-mail ou na visualização de uma emissão de televisão
gravada) coloca um maior poder de controlo do fluxo do lado de quem recebe a
informação, inclusive para a formulação e ponderação de uma eventual reacção.
O terceiro nível de interactividade é o nível comportamental e resulta do facto
de, na era digital em que vivemos, o emissor e o receptor poderem trocar de
estatuto a qualquer momento. Evidentemente que isso ainda não acontece na
generalidade dos media (na verdade acontece apenas numa pequena minoria), mas
isso não resulta de uma limitação técnica. Resulta, mais uma vez, de uma
contingência imposta pela organização social e económica dos processos
comunicativos em sociedade. Mas esta não deixa de ser uma das dimensões da
interactividade em que os novos media digitais mais se demarcam dos media
analógicos que os antecederam, sugerindo uma transferência de poder para os
indivíduos.
Bordewijk e van Kaam, por seu lado, criaram uma matriz quatro níveis de
interactividade na comunicação ' alocução, registo, consulta e conversação '
assinalando que os media digitais empurram o tipo de comunicação predominante
para os níveis de maior interactividade (van Kaam, 2003, 580). Aliás, Nicholas
Negroponte também alerta para essa característica fundamental da comunicação na
era digital: a informação, em vez de ser pushed pelos media, como no passado,
tende a ser pulled pelos utilizadores, dentro dos seus próprios parâmetros de
tempo, espaço e contextos de utilização, o que naturalmente é uma forma de
alargar o poder dos utilizadores sobre o processo comunicativo (Negroponte,
1995, 168-170).
Por fim, a já aludida natureza modular e genética da informação digital ' o
facto de que toda a informação digitalmente codificada pode ser decomposta e
recomposta nas suas unidades básicas ' tem outras consequências de grande
importância ao nível dos modos de apropriação social da informação. Em primeiro
lugar, não existe cópia porque não existe original. Uma informação codificada
de modo digital é virtualmente igual em todos os outputs de que for objecto. Ou
seja, um vídeo do YouTube é sempre igual se for visto aqui, na China ou noutro
país qualquer. Nenhum deles é o original e todos eles são manifestação
audiovisual de um código digital que reside nos computadores e servidores. O
que isso significa é que é muito fácil produzir novas manifestações físicas
(audiovisuais, por exemplo) de uma informação digital, o que obviamente coloca
os problemas que se conhecem à indústria dos media, às indústrias culturais e à
protecção dos direitos de autor em particular. A questão da pirataria confunde-
se assim muitas vezes com aquilo que não é mais afinal do que uma
característica indelével do sistema digital de codificação.
Por outro lado ' uma consequência derivada desta ' se uma informação
digitalmente codificada pode ser decomposta nas suas unidades constitutivas
mais básicas, então também pode ser recomposta usando as mesmas unidades
combinadas de forma diferente ou mesmo outras unidades. Ou seja, o remix torna-
se tão fácil como a produção ou a reprodução, sobretudo com as ferramentas
autorais que, como já vimos, os computadores permitem desenvolver. E isso
constitui um factor decisivo para transformar os consumidores de informação,
conhecimento e cultura em seus produtores, aquilo a que Axel Bruns chamou os
produsers (Bruns, 2007). Como não é preciso criar de raíz - basta aproveitar
todo o capital de informação, conhecimento e cultura já digitalizado para
recompor e reutilizar ' a apropriação do papel social de produtor de
informação, conhecimento e cultura por parte dos indivíduos fica grandemente
facilitado.
Por fim, se tomarmos em consideração, com Stuart Hall, que os códigos
dominantes, ou seja, aqueles que eram veiculados pelos mass media, têm por
função propagar uma ideologia dominante - criando mapas de realidade social
(Hall, 1973, 169) que têm determinados valores inscritos neles - então podemos
afirmar, ao inverso, que a possibilidade digital de subverter os códigos
dominantes é em si mesma um elemento de redução da sua carga ideológica. Ou
seja, o remix, a recomposição e a reutilização da informação é um elemento de
desconstrução dos discursos dominantes e desse modo mais um factor de
empowerment dos indivíduos.
4.4. Globalização
Por fim, há que fazer referência a outra consequência importante do método
digital de codificação que muitas vezes passa despercebida e que tem que ver
com a globalização. Obviamente, os meios de comunicação à distância sempre
foram um elemento de globalização, como se tornou evidente na época dos mass
media electrónicos. Mas a passagem da produção, transmissão, armazenamento e
manipulação da informação do método analógico para o método digital constitui
um poderoso acelerador desse processo. Uma vez que a digitalização reduz a
informação a um código binário partilhado por todos os computadores, na prática
os computadores tratam a informação exactamente da mesma maneira quer estejam
em Portugal, na China ou nos Estados Unidos. Ou seja, o digital é uma espécie
de língua franca de bits (Negroponte, 1995, 63) que permite remover os
limites da geografia (Negroponte, 1995, 165). Na prática o único obstáculo à
superação da geografia é o interface comunicativo entre quem usa um computador
(nomeadamente para comunicar) e o próprio computador (Licklider, 1968, 10). Mas
todos os programas associados à comunicação, todos os meta-dados envolvidos e
todas as rotinas de computação operadas são entendíveis e manipuláveis por
qualquer computador em qualquer ponto do globo. E isso é ainda mais notório à
medida que ' como refere Castells ' a informação tende a estar cada vez mais
alojada na rede através de servidores conectados entre si (Castells, 2010, 52).
Por isso é que a utilização de uma plataforma como o Facebook ou o Google pode
ser verdadeiramente global ' o substrato digital é o mesmo em todo o lado ' e o
tratamento da informação (nomeadamente a recolha e tratamento de meta-dados)
pode ser também global. Ou seja, tal como aventámos no início, é a codificação
digital que proporciona o substrato tecnológico ' as fundações ' sobre o qual
se inscrevem todas as novas tecnologias de informação e comunicação que nos
parecem estar a mudar a forma como comunicamos em sociedade. Essas tecnologias
transformam de facto a forma como comunicamos e transmitimos informação em
sociedade, mas são elas mesmas uma decorrência desse passo fundamental que é a
passagem do analógico para o digital. É esta passagem que gera aquilo a que
Castells chamou o space of flows e o timeless time, dois conceitos que,
combinados, constituem os alicerces materiais da nova cultura da era digital
(Castells, 2010, 406).
5. Conclusão
A distribuição de informação por via de meios de comunicação social é uma forma
particular de institucionalizar socialmente a distribuição de informação. Mas
não é a única possível. Sobretudo quando as contingências tecnológicas dessa
distribuição se alteram de uma forma tão radical como está descrito acima. Dito
de outro modo: mais do que possível, é muito provável que a passagem das
tecnologias de informação e comunicação analógicas para as tecnologias de
informação e comunicação digitais implique transformações profundas no modo
como a informação é distribuída socialmente. E isso, não resulta, como
pretendemos demonstrar neste trabalho, de uma ou outra das novas tecnologias de
informação e comunicação, mas sim da natureza da passagem de uma codificação
analógica para digital.
Esse é, em si mesmo, o dado essencial do qual decorrem todas as outras
transformações em curso na sociedade em rede no que se refere à recomposição
dos modos institucionais de distribuir informação.
Como também vimos nos capítulos anteriores, os atributos da tecnologia digital
têm profundos e abundantes efeitos em termos dos comportamentos sociais que à
volta das suas potencialidades se geram. Os media e os dispositivos tendem a
convergir, a meta-informação enriquece a informação, a interactividade tende
instituir-se como regra e o mundo torna-se verdadeiramente global do ponto de
vista dos fluxos comunicativos.
À primeira vista todos estes desenvolvimentos apontam no sentido de enriquecer
e melhorar as condições postas à disposição dos indivíduos para comunicarem uns
com os outros em sociedade: mais controlo sobre o modo, o meio e a forma como
comunicam; com mais informação mas também mais rica, mais caracterizada e mais
filtrada, com mais flexibilidade de acção-reacção e mais controlo sobre as
parcelas de informação; e com um alcance ilimitado em termos de tempo e espaço.
Mas isso não é linear. O resultado que as potencialidades nas tecnologias de
informação e comunicação digitais acabarão por ter na realidade e no quotidiano
social vai depender muito de um jogo de forças que neste preciso momento se
desenrola no sentido da sua apropriação económica, política e social (Benkler,
2006, 23; Castells, 2011, XXX; Van Dijk, 2006,12; Jenkins, 2006, 18).
A forma como a digitalização de todo o conteúdo das nossas comunicações em
sociedade ' ou seja as nossas informações, os nossos conhecimentos e a nossa
cultura ' se faz cada vez mais através de plataformas, programas informáticos e
servidores que são propriedade de empresas privadas com interesses mercantis
particulares e não necessariamente coincidentes com o interesse público é um
dos grandes desafios que se coloca à Sociedade em Rede ligada por tecnologias
digitais. Que haverá uma apropriação social das potencialidades destas
tecnologias, parece evidente, a dúvida é se essa apropriação é controlada pelos
indivíduos ou pelas empresas.
Outro grande desafio prende-se com a forma de responder à ameaça que essa mesma
abundância de informação, associada aos mecanismos de decomposição, filtragem e
registo automático, abre ao controlo dos indivíduos por parte dos estados.
Também aqui a balança pode pender para o lado das liberdades dos indivíduos ou
para o lado do seu controlo por parte dos poderes instituídos.
Seja como for, independentemente do curso que esta disputa de poder vier a
trilhar no tecido social, económico e político, a transformação do anterior
paradigma de comunicação em sociedade será consumada (van Dijk, 2006, 12). E
isso obrigar-nos-á a redefinir conceitos como o de propriedade intelectual, de
conteúdo e da própria informação, cada vez mais tributária dos processos de
meta-dados por oposição à informação propriamente dita. O factor decisivo para
analisarmos os processos de poder no campo da informação, por exemplo, está
hoje menos em quem controla e distribui informação ' os conglomerados de media,
por exemplo - do que em quem controla e distribui meta-informação ' as
plataformas de participação digital dos indivíduos. Porque aquilo para que
verdadeiramente devemos olhar não é para os conteúdos que os indivíduos
introduzem na rede mas sim para a meta-informação que a sua acção está a
comunicar sobre eles e sobre o contexto da sua participação e para os processos
de construção de informação digital que desse processo está a resultar.
Por outro lado, a abundância de informação impõe também que a olhemos num
prisma diferente, mais voltado para o seu tratamento do que para a própria
informação. Quem trabalha no sector da informação ganharia mais em olhar para
as plataformas, programas e dispositivos que filtram, manipulam e recompõem a
informação do que para a própria informação. E isso aplica-se também à cadeia
de valor: num mundo de informação abundante pode haver mais valor na filtragem
e curadoria (curation) da informação do que na sua produção. Aliás, o digital
liberta a informação das limitações impostas pelos seus suportes. Por isso é
que a informação se torna abundante e perde valor económico. E por isso é que
ganha valor social: do ponto de vista dos indivíduos que agem socialmente em
função da informação ter mais informação é melhor do que ter menos, desde que
existam mecanismos de filtragem eficientes. E esses não precisamente aqueles
que a comunicação mediada por computador ' ou seja, digital ' permite hoje em
dia.