Desenvolvimento rural e sociedade da informação em Portugal: Análise do fosso
digital de segunda geração na região Norte
1. Introdução
A revolução tecnológica que deu origem à Sociedade da Informação e ao processo
de globalização no qual estamos inseridos, configurou um novo modelo de
sociedade. Nesta nova sociedade emergente, o trabalho físico tem vindo a ser
substituído pelo trabalho cognitivo e do ponto de vista económico, o trabalho
nas fábricas foi em grande parte substituído pelo trabalho nos serviços
(Fukuyama, 2000). Por outro lado, as tecnologias da informação e da
comunicação, e em particular a Internet, permitem a transmissão de informação e
a comunicação entre qualquer parte do planeta a um custo muito baixo, o que
levou a alguns autores a introduzir conceitos como "a morte da
distância" ou o "fim da Geografia" (Cairncross, 2001).
Perante esta revolução tecnológica e o auge da nova Sociedade emergente, a
União Europeia mostrou, já desde finais do século XX, um enorme interesse em
expandir a implantação da Sociedade da Informação e em difundir as novas
tecnologias (Comissão Europeia, 2000). Era o momento de desenhar políticas para
criar uma rede de telecomunicações que tornassem possível o acesso à Internet
através da banda larga, dotar de equipamento tecnológico os lares, e incentivar
os cidadãos a fazerem parte do ciberespaço. Não se tratava de uma tarefa
simples, e prova disso é que hoje em dia, apesar dos avanços obtidos, ainda
existem territórios e setores sociais que estão à margem da Sociedade da
Informação. Tratava-se de conectar a Europa e os seus estados membros, retirar
o máximo proveito das mudanças que estavam a ocorrer fruto da revolução
tecnológica, criar prosperidade, e diminuir a distância entre o mundo rural e
urbano, que esteve a crescer desde o início da Revolução Industrial (Sáez et
al., 2001).
Ao analisar a evolução da difusão das tecnologias da informação e da
comunicação desde começos do século XXI, o progresso foi notável. Como
facilmente se pode verificar, esse avanço não registou a mesma intensidade em
todos os países europeus, nem todos alcançaram o mesmo nível de equipamento,
utilizadores e serviços de Internet. Mas esta evolução leva-nos a refletir se o
fosso digital tradicional, tal como se entendia até agora, foi superado no
mundo ocidental. Cada vez são menos os cidadãos que estão à margem desta nova
sociedade emergente, grande parte dos lares estão conectados à internet através
de alta velocidade, e os utilizadores da Internet multiplicam-se dia após dia,
assim como os serviços disponíveis on-line. Também se generalizaram muitos dos
dispositivos que uma década antes nem sequer existiam ou pouco se utilizavam
devido ao seu elevado custo; é o caso dos Smartphones, dos PDAs, dos Tablets,
Netbooks, das Smart TV, dos e-books, etc. Estes dispositivos comportam-se, na
prática, como micro computadores tanto pelas suas características como pelas
funções que desempenham, e já estão amplamente difundidos na sociedade. Prova
disso é que, segundo dados do Eurostat (2013), para o conjunto da União
Europeia (UE 28), quase metade dos cidadãos entre 16 e 74 anos utilizam a
Internet fora do lar ou do trabalho, através destes dispositivos.
Os avanços alcançados na última década, tanto a nível do equipamento
tecnológico nos lares, como do número de utilizadores de Internet e
dispositivos conectados, leva-nos a consentir que o fosso digital terá sido
superado. O fosso digital "tradicional" separava aqueles grupos
sociais e territórios que estavam à margem da Sociedade da Informação. Este
facto poderia ocorrer devido a, basicamente, dois fatores: os cidadãos que
queriam aceder à Internet mas não tinham as infraestruturas necessárias (banda
larga, equipamento), ou porque, apesar de terem acesso à Internet não a
utilizavam por não terem a formação necessária, ou por não lhe reconhecerem
utilidade. Este facto levou a alguns autores a diferenciar os cidadãos
utilizadores da Internet (utilizadores reais) dos que não a utilizavam apesar
de terem a possibilidade de o fazer (utilizadores potenciais) (Lois et al.
2010; Armas, 2009; Macía, 2007). É notório que este fosso digital ainda tem
presença em determinados setores sociais, como por exemplo os cidadãos idosos
ou a população com um baixo nível de estudos e que não consideram úteis estas
tecnologias, bem como as regiões mais periféricas com um elevado índice de
envelhecimento.
Na atualidade, este fosso digital tradicional foi substituído por um novo fosso
ao qual se deu o nome de "fosso digital de segunda geração" (Lois
et al., 2014; Armas, 2012). Este novo fosso digital está relacionado com os
serviços avançados de Internet e separa os utilizadores que fazem um uso básico
da Internet - que utilizam os motores de busca para encontrar informação, e se
comunicam tanto via e-mail ou através das redes sociais, etc. - ou os que
consomem serviços avançados - como o comércio eletrónico, o teletrabalho, a
formação on-line, etc. É este novo fosso o que deve ser enfrentado, uma vez que
a isto está associada a plena imersão na Sociedade da Informação.
O simples acesso à Internet para consultar e transmitir informação ou
comunicar-se, não é suficiente para estimular os processos de desenvolvimento,
e concretamente o desenvolvimento das áreas rurais periféricas numa situação de
declínio económico e demográfico. Contudo, pode ser uma oportunidade de
desenvolvimento para estas áreas o consumo intensivo de serviços avançados da
Internet. Como afirma Drucker (2001), o verdadeiro impacto das tecnologias da
informação e da comunicação não será o acesso a uma grande quantidade de
informação, mas sim o comércio eletrónico. A Internet será o maior canal de
difusão e distribuição mundial de bens e serviços, e neste meio as distâncias
parecem desaparecer.
No presente artigo, estuda-se o fenómeno do fosso digital de segunda geração e
a difusão dos serviços avançados da Internet na região Norte de Portugal. Da
mesma forma, também se faz uma reflexão sobre o papel que podem ter as
tecnologias da informação e da comunicação para estimular processos de
desenvolvimento em áreas rurais. A Internet é cada vez mais popular,
aproximando-se hoje em dia dos três mil milhões de utilizadores. Mas um simples
uso da Internet não é suficiente para alcançar uma verdadeira imersão na
Sociedade da Informação, pois é necessário que a informação gere conhecimento e
que estas tecnologias possam impulsionar processos de desenvolvimento.
2. O meio rural na Sociedade da Informação
A origem de boa parte dos problemas presentes no meio rural atual poderia
referenciar-se a começos do século XIX, no período em que a Revolução
Industrial e o desenvolvimento do capitalismo começavam a materializar
profundas transformações tecnológicas, económicas, sociais e culturais. Neste
contexto, os espaços rurais partiam já de uma situação de desvantagem em
relação às áreas urbanas, uma vez que tinham menos possibilidades de negócio.
Isso levou a que a população das áreas rurais emigrasse para os principais
núcleos urbanos onde iniciavam atividade em setores económicos mais rentáveis.
Este facto desencadeou, progressivamente, um forte processo de despovoamento,
envelhecimento demográfico e declínio da sua economia. Por outro lado, o facto
destes serem espaços periféricos, a distância, e as más redes de comunicações
com as principais urbes, foram retraindo e condicionando a sua evolução
económica e social.
Mas, na Sociedade da Informação esta situação pode mudar, uma vez que se abrem
novas possibilidades de desenvolvimento para estes espaços. O que entendemos
por meio rural? Qual é o limite entre o meio rural e o urbano? Foram muitos os
autores que tentaram definir e delimitar, com um êxito limitado, o meio rural
(Cloke, 1977; Hoggart, 1990; Clout 1993; Cloke and Goodwin, 1993; Halfacree,
1993; Lázaro Araujo, 1995; Ceña Delgado, 1995; García Sanz, 1998; Guibertau
Cabanillas, 2002; Waldorf, 2006; Sabalain, 2011; Rodríguez, 2011). A maior
parte dos investigadores admite que não existe uma definição de aceitação
unânime do que é o meio rural, existindo uma grande diversidade de critérios
para delimitá-lo.
As posturas existentes no momento de delimitar o meio rural revelam grandes
diferenças (Rodríguez, 2005), com reflexões que relativizam a vigência da
distinção entre o rural e o urbano (Camarero, 1993), aqueles que defendem a
rutura entre o rural e o agrário (García Sanz, 1998), e os que consideram
inútil ou impossível qualquer tentativa de delimitar concetualmente o termo
rural (Sancho Hazak, 1997; Bericat, 1993). As possíveis definições de
ruralidade dependem, em grande medida, das unidades de análise e das variáveis
escolhidas para estudá-lo, assim como da diversidade de elementos que o formam
(Lázaro Araujo, 1995; Márquez Fernández, 2002; Rodríguez, 2005; Waldorf, 2006;
Scott y Gelan, 2007; Coburn et al., 2007).
Tradicionalmente o meio rural identificava-se com o agrário, e em outras
ocasiões definia-se como oposição ao urbano com um carácter pejorativo. Na
atualidade, as definições do meio rural são muito variadas, ainda que se tenda
a concebê-lo como um sistema plural que abarca componentes sociológicos,
geográficos, funcionais e económicos (Florencio Calderón, 2000). Investigações
do âmbito académico de diversos países assinalam a necessidade de procurar
alternativas no momento de selecionar os critérios que se utilizam para
delimitar e definir o meio rural, combinando duas ou mais variáveis, tais como
a densidade populacional, o tamanho dos lugares, a distância às grandes
cidades, entre outros (Sabalain, 2011). A este respeito, Hewitt (1992) assinala
que a maior parte das definições do que é o rural baseiam-se, em linhas gerais,
em quatro variáveis: tamanho demográfico, densidade populacional, proximidade
às áreas urbanas, e principal atividade económica.
Quando surgiram as primeiras delimitações do meio rural, foram tratadas pela
maior parte dos autores, como um conceito unidimensional. Nestas delimitações,
quase todos os critérios que se usavam baseavam-se na variável populacional,
omitindo aspetos tão importantes como os fatores socioculturais (Bosak e
Perlman, 1982). Contudo, outros autores assinalaram a necessidade de
especificar melhor os critérios a partir dos quais se definiam as realidades
rurais e urbanas. Segundo Rodríguez (2011), existe um amplo consenso em relação
a que alguns critérios, como o acesso aos serviços e a dotação tecnológica, não
podem ser fatores que discriminem o rural em relação ao urbano, já que as
dinâmicas dos espaços rurais se estão alterando, e a diversidade é cada vez
maior. Este autor aposta na necessidade de alterar a forma de medir as áreas
rurais e a combinação de critérios de modo a poder apreender a heterogeneidade
do mundo rural.
Existe uma tendência a generalizar os problemas mais comuns das áreas rurais,
assumindo que estes são homogéneos e omitindo que existem situações complexas e
variadas, que estão muito longe dessa homogeneidade (McDonagh, 1998). Echeverri
(2011) refere que o rural, no imaginário político, se considera como algo
marginal e portador de numerosos problemas, contudo isso não corresponde à
realidade, dado que o meio rural tem inúmeras potencialidades. Na atual
Sociedade da Informação, as áreas rurais têm perante si muitas possibilidades
de atenuar o declínio económico e social em que estão imersas uma grande parte
delas. A distância às principais urbes, que foi um dos fatores que propiciou o
seu declínio, desaparece com a chegada das tecnologias da informação e da
comunicação e, especialmente, com a maior expressão da difusão da Internet.
É cada vez está mais generalizado o sentimento de que as áreas rurais
constituem um património coletivo, o que torna necessária a sua preservação e
integração nas estratégias de crescimento e bem-estar da sociedade em geral. A
sociedade atual preocupa-se com o risco de deterioração das condições
ambientais, em especial dos recursos naturais, da água, dos bosques e das
espécies animais e vegetais. A este respeito, a população rural, e em especial
a agrária, deve manter a estabilidade ecológica e preservar o ambiente natural
(Comissão Europeia, 1996; Comissão Europeia, 2003).
Alguns autores como Hervieu (1995) defendem que a agricultura continua a ser o
eixo central do desenvolvimento rural, apesar de existirem outras contribuições
para a vida económica e social do campo. Apesar disso, também refere que é
necessário mudar a noção do campo como espaço de produção agrária, no contexto
da vida que interessa ao conjunto da cidadania. Com outro ponto de vista,
Izquierdo (2002) defende que a revitalização das economias rurais passa pela
sua diversificação, tanto pela valorização dos recursos endógenos, como pela
implementação de atividades económicas exteriores que seja mais vantajoso
iniciar no meio rural por razões estratégicas (qualidade ambiental, boas
comunicações, banda larga, melhor qualidade de vida, etc.).
Existe uma ampla variedade de opiniões no seio da comunidade científica que
estuda os espaços rurais, quanto às estratégias e atividades económicas que se
podem estimular para revitalizar o meio rural do futuro. As novas tecnologias e
a Sociedade da Informação oferecem uma série de oportunidades, contudo é
necessário saber aproveitá-las. A Internet torna possível a anulação virtual
das distâncias, mas deve-se ter em conta que a tecnologia, por si só, não gera
desenvolvimento, e é necessário capital humano qualificado que saiba retirar
dela o melhor rendimento. No presente artigo, estuda-se o fosso digital de
segunda geração no Norte de Portugal, isto é, o fosso que separa os cidadãos
que fazem um uso básico da Internet, como é o caso da procura de informação ou
da comunicação, dos que consomem serviços avançados, como é o caso do comércio
eletrónico, a banca on-line, o trabalho à distância, a formação em on-line,
etc.
O comércio eletrónico e as distintas formas de trabalho à distância podem
viabilizar a revitalização do mundo rural, invertendo a tendência regressiva da
dinâmica económica, estimulando os fluxos de emigração de retorno (Blanco
Romero e Cánoves Valiente, 1998; Ray e Talbot, 1999; Richardson e Gillespie,
2003; Grimes, 2003; Simpson et al., 2003). O teletrabalho apresenta-se como uma
alternativa para integrar a população mais jovem qualificada que regista, na
atualidade, as maiores taxas de desemprego. No caso do comércio eletrónico,
cada consumidor pode comprar ou vender em qualquer parte do mundo através da
Internet. Numa sociedade predominantemente terciária, não se pode continuar a
manter as mesmas regras que estruturaram a construção da sociedade industrial.
É necessário que as empresas levem a cabo uma profunda reestruturação dos seus
modelos de gestão comercial, configurando redes que as ligam ao mercado
mundial.
O comércio eletrónico converter-se-á numa das possibilidades de negócio e
emprego no meio rural da Sociedade da Informação. Atualmente, e em maior medida
no futuro, a Internet regista uma grande expansão e a prova disso é que cada
dia são mais os internautas que compram e vendem através da Internet. Drucker
(2001) afirmou que o comércio eletrónico será, na Sociedade da Informação, o
que foi o comboio para a Revolução Industrial. Trata-se duma revolução nova e
sem precedentes que provocará mudanças rápidas na economia, e por isso é
necessário que as áreas rurais saibam aproveitar esta oportunidade. No comércio
da Sociedade da Informação as distâncias são eliminadas, há um só mercado e a
concorrência já não tem fronteiras. Cada empresa torna-se transnacional
(Drucker, 2001), e simultaneamente vai abrindo caminho no mercado.
O trabalho à distância nasce como uma nova forma de organização da atividade
laboral no contexto da Sociedade da Informação. A partir deste momento é
possível o trabalho desde o domicílio familiar, nas deslocações profissionais a
partir de aeroportos, hotéis ou outros espaços de transição (teletrabalho
móvel), centros ou escritórios satélite desenhados para reduzir as deslocações
de trabalhadores (Martínez, et al., 2006). Através do teletrabalho, as áreas
rurais podem receber população que no passado cumpria o seu desempenho laboral
no escritório de uma cidade, o que contribuirá para fixar população e reduzir
os movimentos migratórios. Autores como Cairncross (2001) assinalam que as
novas tecnologias vão diluir a delimitação entre o trabalho e a residência. O
lar voltará a ser um lugar de convivência de muitos aspetos da vida humana,
deixando de ser um simples espaço de dormitório. Com a difusão do teletrabalho,
o lar adquire novas funções, como lugar de trabalho, de formação, etc.
Nestas condições, faz todo o sentido que no meio rural se promova uma
verdadeira imersão na Sociedade da Informação difundindo o consumo de serviços
avançados da Internet, reduzindo assim o fosso digital de segunda geração. Com
o desaparecimento das distâncias na Sociedade da Informação, as regiões
periféricas devem saber oferecer os seus produtos e serviços a qualquer cidadão
do mundo. O fosso digital tradicional está a ser superado, contudo é o momento
de dar um passo mais, principalmente nas áreas rurais, que têm perante si uma
boa oportunidade para alterar a dinâmica regressiva que sofrem boa parte delas.
3. A difusão da Sociedade da Informação em Portugal
Há mais de uma década que a União Europeia (UE) iniciou políticas para difundir
a Sociedade da Informação e as Tecnologias da Informação e da Comunicação.
Nessa altura, a prioridade era dotar as casas de equipamento tecnológico e
levar a Internet a todas as regiões da União, independentemente do quão
periféricas eram. Paralelamente, a UE apoiou o financiamento de projetos de
alfabetização digital para que cidadãos, empresas e administrações passassem a
utilizar a Internet. À medida que se criavam "serviços web", as
exigências de banda larga foram maiores, pelo que foi necessário desenhar um
novo objetivo: difundir a banda larga por toda a União Europeia para dar
cobertura a estes novos serviços que incluíam serviços interativos,
disponibilidade de arquivos de áudio e vídeo, voz IP, entre outros.
Do desafio que a Europa tinha nos finais do século XX e começos do século XXI,
de difundir o equipamento e uso das tecnologias da informação e da comunicação
entre cidadãos, empresas e administrações, surgiu o conceito conhecido como o
"fosso digital". Este fosso separava aqueles que utilizavam
Internet (básica) dos que não a utilizavam, independentemente do motivo estar
relacionado com o facto de não ter os meios necessários ou por não lhe
reconhecer nenhum interesse. Mas passadas quase três décadas, a situação que se
refere à conetividade alterou-se significativamente. Cada dia são menos aqueles
que estão à margem da Sociedade da Informação por não dispor de mecanismos de
acesso, seja pelos dispositivos ou pela ausência de conetividade (banda larga).
A evolução dos indicadores mais básicos para o conjunto da União Europeia, e
concretamente para Portugal, foi notável nos últimos anos, apesar de neste
progresso não ter existido um processo de convergência, levando a que existam
ainda notórias diferenças entre países.
Para analisar o fosso digital anteriormente descrito, que denominamos por
"fosso digital tradicional", utilizam-se três dos indicadores mais
básicos para medir a difusão das novas tecnologias: os indivíduos que nunca
utilizaram um computador, os lares com Internet, e os lares com banda larga. Na
União Europeia e segundo os dados da Eurostat (2013), apenas seis países tinham
percentagens superiores a 30% de cidadãos que nunca usaram um computador, mas
em dezasseis deles mais de 80% dos cidadãos já o tinham feito alguma vez ou o
faziam-no habitualmente. Se analisarmos a situação de Portugal nos últimos
anos, a evolução deste indicador foi muito importante; se no ano 2006 metade da
população portuguesa nunca tinha usado um computador, no ano 2013 mais do 70%
já o tinha usado. Nessa altura, os problemas de conetividade eram um importante
obstáculo a superar, sobretudo nas regiões mais periféricas, dado que o
investimento requerido por parte das empresas privadas para oferecer este
serviço, não seria rentabilizado dada a escassa densidade de população, além de
que se tratavam de coletivos na sua grande maioria idosos, e com um índice de
utilizadores de Internet muito baixo.
Se a difusão do uso do computador foi importante nos últimos anos, será muito
mais o uso da Internet e a extensão da banda larga em casa. No ano 2006, em
treze países da União Europeia (UE-25) mais de metade da sua população nunca
tinha usado Internet, enquanto no ano 2013, em vinte países (UE-28) mais do 70%
da população era já utilizadora da Internet. No caso de Portugal, a evolução do
número de utilizadores da Internet teve um crescimento notável neste período ao
passar de 35% para 62% da população (ver figura_1). Contudo, o maior progresso
dos três indicadores estudados registou-se na difusão da banda larga nos lares.
No ano 2006 a grande maioria de países que formavam a União Europeia (UE-25)
tinham menos de 50% das casas conectadas à Internet através de banda larga;
apenas superavam esse limiar a Finlândia, Dinamarca e os Países Baixos. Sete
anos mais tarde, em 2013, a situação era consideravelmente distinta, dado que
mais da metade dos países tinham 70% ou mais dos suas casas conectadas à
Internet através de banda larga. Se estudarmos o caso concreto de Portugal, o
progresso foi surpreendente, uma vez que em sete anos se triplicou o número de
casas com banda larga, passando de 22% no ano de 2006 a 62% em 2013 (ver figura
1).
Os dados analisados nas linhas precedentes levam-nos a afirmar o importante
avanço que ocorreu na Europa em geral e em Portugal em particular, no que ao
equipamento e à conetividade se refere. Hoje em dia são muitos os dispositivos
que estão ao alcance de boa parte dos cidadãos, assim como o acesso à Internet.
Atualmente já não é necessário dispor de um computador para realizar boa parte
das tarefas mais habituais; ossmartphones, os tablets, etc. são como micro
computadores conectados à Internet que permitem a navegação on-line, a consulta
do correio eletrónico, o uso das redes sociais, transações financeiras, consumo
de serviços, ou o desempenho da sua função de navegadores ao dispor de sistemas
de posicionamento global (GPS). A tecnologia evolui a um ritmo muito rápido bem
como o número de serviços disponíveis via web e daí a importância de ir além do
uso básico desta tecnologia.
Este progresso leva a refletir sobre a relevância do fosso digital na
atualidade. Do nosso ponto de vista, o fosso digital tradicional foi superado,
pelo menos no mundo ocidental. O fosso que separa os territórios e os setores
sociais que estão à margem da Sociedade da Informação é, hoje em dia, cada vez
mais estreito, mas está a ser substituído por um novo fosso digital conhecido
como o "fosso digital de segunda geração" (Lois et al., 2014). Este
fosso está relacionado com os serviços avançados de Internet e é o que separa
os utilizadores que acedem à Internet quase exclusivamente para consultar
informação e para comunicação, seja qual for o meio, dos que a utilizam de um
modo mais amplo, consumindo serviços avançados como o comércio eletrónico, a
banca on-line, a formação on-line, o trabalho à distância, a administração
eletrónica, etc. Este novo fosso é o que se deve enfrentar para alcançar uma
plena inserção na Sociedade da Informação. Nos países onde a difusão das
tecnologias da informação e da comunicação é maior, o fosso digital tradicional
ou o fosso no acesso, reduz-se à mínima expressão, estando limitado às pessoas
idosas ou às que têm uma formação mais básica e que não compreendem a
verdadeira potencialidade destas tecnologias.
4. Análise do fosso digital de segunda geração na Região Norte
Os dados analisados até ao momento indicam-nos que no contexto europeu e
concretamente em Portugal, o fosso digital tradicional, isto é, o fosso no
acesso, está a ser superado. Contudo, os avanços relacionados com a
conetividade e equipamentos não demonstram uma plena difusão da Sociedade da
Informação, sendo simplesmente uma fase conquistada. Na atualidade, boa parte
dos cidadãos que são utilizadores da Internet, são maioritariamente
utilizadores básicos. Estes usos limitam-se à consulta de informação, à
comunicação através do correio eletrónico, ao uso das redes sociais, e a um
número de serviços muito limitados.
Se analisamos os dados do Eurostat a nível europeu, observa-se que para o
conjunto da União Europeia (UE-28) no ano 2013, o 75% dos utilizadores de
Internet eram capazes de utilizar motores de busca para encontrar informação,
uma das tarefas mais simples da Internet. Contudo, tendo em conta um serviço
avançado como é a administração eletrónica, apenas dois em cada dez europeus
realizava esta tarefa on-line. No caso de Portugal 65% dos internautas,
utilizavam a Internet para procurar informação, mas unicamente 23% o faziam
para usar a banca on-line.
Estes dados evidenciam que, na atualidade, é preciso estimular políticas para
enfrentar um novo fosso digital, o "fosso digital de segunda
geração" (Lois et al., 2014) e que está relacionada com o consumo de
serviços avançados de Internet. Este novo fosso digital separa os utilizadores
que acedem à Internet quase exclusivamente para consultar informação e
comunicação, daquelas que o fazem de uma forma mais ampla, utilizando o
comércio eletrónico, a administração eletrónica, a banca on-line, a formação
on-line, o trabalho à distância, etc. Nas regiões onde o avanço da Sociedade da
Informação é mais intenso, o fosso digital tradicional é menor, estando
confinado unicamente às pessoas idosas ou aquelas com uma formação muito
básica, enquanto o fosso digital nos serviços avançados tem ainda uma notável
expressão.
Para estudar o consumo dos serviços avançados de Internet na região Norte de
Portugal, teve-se em conta a difusão de cinco deles: o comércio eletrónico, a
banca on-line, a administração eletrónica, as chamadas por Internet (voz IP), e
a formação on-line. Os indicadores destes serviços foram cruzados com outros
três indicadores sociodemográficos com o objetivo de explicar a desigual
difusão espacial. Selecionaram-se a formação dos cidadãos, o envelhecimento
demográfico, e o tamanho dos lugares.
Do ponto de vista metodológico é preciso ressaltar que não existem dados sobre
os diferentes usos de Internet por parte dos cidadãos disponíveis a um nível de
desagregação superior ao regional, concretamente à divisão NUTS II
(Nomenclatura das Unidades Territoriais Estatísticas da União Europeia). No
caso de Portugal, as NUTS II correspondem-se às cinco grandes regiões
continentais, Norte, Centro, Lisboa, Alentejo e Algarve, além das Regiões
Autónomas dos Açores e da Madeira. Os dados usados na presente investigação são
do Instituto Nacional de Estatística de Portugal, do "Inquérito à
Utilização de Tecnologias da Informação e da Comunicação pelas Famílias"
(2012), e foram tratados com SPSS. Este inquérito, com periodicidade anual, tem
como finalidade a observação do avanço da Sociedade da Informação na cidadania,
empresas, na administração pública, etc. a nível regional (NUTS II).
A análise do consumo de serviços avançados de Internet em Portugal revelou que
existem importantes diferenças a nível regional. Nos cinco indicadores
estudados, em quatro deles a região de Lisboa é a que melhores resultados
regista, enquanto que a região Norte tem todos os seus valores abaixo da média
nacional. A maior desigualdade foi encontrada na administração eletrónica,
concretamente no envio de formulários preenchidos on-line às administrações
públicas. Neste indicador as diferenças entre a região com os valores mais
altos, que é Lisboa, e a que regista os mais baixos, a Região Autónoma dos
Açores, há quase dezoito pontos percentuais. Esta situação assemelha-se à da
região Norte, muito distante e também a quase dezassete pontos percentuais (ver
figura_2).
Um dos motivos pelo qual a região de Lisboa se destaca em todos os indicadores
estudados é talvez, o facto de ter uma proporção de população com estudos
superiores muito superior às outras seis regiões. Nesta região mais de 20% dos
seus cidadãos tem estudos superiores, quase 7% acima da média nacional e mais
de 10% acima da região do Alentejo, a que tem menos população com estudos
superiores, com pouco mais de 11%. Outro aspeto a destacar quanto a Lisboa, é
que o índice de envelhecimento não é muito acentuado, já que nesta região se
registam 125 pessoas com 65 anos ou mais por cada 100 menores de 15 anos,
situação muito distinta da das regiões do Alentejo e Centro onde há mais de 170
pessoas de 65 anos ou mais, por cada 100 menores de 15. Este elevado grau de
envelhecimento supõe um importante obstáculo à superação do défice de inserção
na Sociedade da Informação e, sobretudo, ao consumo de serviços avançados de
Internet.
Um dos aspetos que deve ser salientado, apesar de ser necessário analisar estes
dados com certa cautela por não estar presente nas mesmas fontes, é que a
região de Lisboa tem valores superiores, em quatro dos cinco indicadores
analisados, à média da União Europeia (UE-28). Se temos em conta os valores da
média nacional, também é importante sublinhar que tanto no comércio eletrónico,
como na banca on-linee na administração eletrónica, se registam valores
superiores à média europeia.
Ao analisar a situação da região Norte comprovou-se a existência do fosso
digital de segunda geração dado que, dos cinco indicadores que se estudaram
todos estão abaixo da média. Inclusive em três deles, comércio eletrónico,
administração eletrónica e na realização de chamadas via voz IP, está na
penúltima posição das sete regiões do país. Não ocorre o mesmo se tivermos em
conta os indicadores que fazem referência aos usos mais básicos da Internet,
onde a região Norte está acima da média em quase todos eles. É o caso do uso de
motores de busca para encontrar informação, ler notícias on-line ou consultar
wikis. Este facto revela que estamos perante um novo fosso digital de segunda
geração, um fosso digital que separa os cidadãos que fazem um uso básico de
Internet dos que consomem serviços avançados. E este é um aspeto fundamental
para alcançar uma verdadeira inserção na Sociedade da Informação.
Outro aspeto estudado foi o consumo dos serviços avançados de Internet em
função do tamanho dos lugares. O Instituto Nacional de Estatística de Portugal
diferencia três tipologias de lugares: as áreas densamente povoadas, as áreas
medianamente povoadas, e as áreas pouco povoadas. Ao cruzar os dados dos
serviços avançados com o tamanho dos lugares obtiveram-se dados significativos.
Nas regiões do Norte, Agarve, Centro e as Regiões Autónomas dos Açores e da
Madeira, detetaram-se valores de utilização de serviços avançados superiores à
média nacional no caso das áreas pouco povoadas. É o caso da região Norte e
Algarve relativamente à realização de cursos on-line; Algarve, Centro, Alentejo
e Açores em relação à utilização da banca on-line; Centro e Alentejo na
administração eletrónica, e também Centro e Alentejo para o caso do comércio
eletrónico.
Este facto comprova as possibilidades que têm as tecnologias da informação e da
comunicação para as áreas periféricas, sobretudo no momento de estimular
processos de desenvolvimento através de certos serviços, tais como comércio
eletrónico ou o trabalho à distância. Em Portugal começa-se a observar a
penetração destes serviços nas áreas rurais e esta é a direção a seguir; o
objetivo é difundir o consumo de serviços avançados de Internet e superar o
novo fosso digital, o fosso digital de segunda geração.
5. Conclusões
A difusão das tecnologias da informação e da comunicação desde começos do
século XXI foi muito importante na Europa e também em Portugal. Nessa altura, o
objetivo era dotar os lares de equipamento tecnológico necessário, conectá-los
à Internet e promover a sua utilização por parte dos cidadão. Esta tarefa era
muito mais complicada de levar a cabo nas áreas rurais periféricas, tanto do
ponto de vista técnico como económico. Difundir equipamentos que permitissem o
acesso à Internet através de banda larga era custoso e pouco rentável. Nestes
espaços a densidade populacional é muito baixa e com elevados índices de
envelhecimento, daí que rentabilidade económica era pequena.
Neste contexto, surgiu o conceito do fosso digital, que separava territórios e
cidadãos que estavam "conectados" à Internet dos que estavam à
margem desta revolução tecnológica. Hoje em dia, a conetividade ao ciberespaço
não está associada aos lares, já que se converteu numa conetividade permanente.
Os dispositivos móveis que se generalizaram e se estenderam por toda a
sociedade nos últimos anos, pelo facto de terem um custo relativamente baixo,
tornaram possível a conetividade permanente. O número de utilizadores de
Internet cresceu de forma muito notória nos últimos anos, bem como a difusão da
banda larga, o que fez com que o conceito de fosso digital, tal como se
entendia até agora, fosse superado, pelo menos nos países desenvolvidos.
Esta progressão no número de utilizadores de Internet não implica que se
realize em pleno o potencial da Sociedade da Informação. Um simples uso da
Internet, como pode ser a consulta de informação, a comunicação, o uso do
correio eletrónico ou a utilização das redes sociais, não gera conhecimento nem
impulsiona processos de desenvolvimento. Para isto será necessário um consumo
de serviços avançados de Internet, tanto por parte da população como por parte
das empresas e das administrações públicas. Entre estes serviços destacam-se o
comércio eletrónico, o trabalho à distância, a formação on-line, a
administração eletrónica, a banca on-line, etc. Estamos, portanto, perante um
novo fosso digital, entre os utilizadores de Internet que consomem este tipo de
serviços e os que não o fazem; trata-se de um fosso digital de segunda geração.
As tecnologias da informação e da comunicação podem estimular processos de
desenvolvimento em áreas rurais periféricas, mas deve-se saber aproveitar as
oportunidades que estas tecnologias oferecem. O comércio eletrónico e o
trabalho à distância podem ser duas das oportunidades mais importantes na
Sociedade da Informação para alterar a dinâmica económica e demográfica de boa
parte do meio rural. No caso do Norte de Portugal, constatou-se que se superou,
em maior ou menor grau, do fosso digital tradicional, contudo ainda falta
percorrer um longo caminho para superar o fosso que existe nos serviços
avançados da Internet. Por outro lado, também se revelou que certas áreas
rurais de Portugal, depois de analisar os dados do Inquérito à Utilização de
Tecnologias da Informação e da Comunicação pelas Famílias segundo o grau de
urbanização, publicada pelo Instituto Nacional de Estatística de Portugal,
estão a caminhar numa boa direção, já que têm, em alguns indicadores, valores
acima da média nacional. Este facto tem que ser considerado, ao mesmo tempo,
com alguma cautela devido a que o nível máximo de desagregação dos dados
utilizados foi o regional (NUTS II). É provável, portanto, que o estudo do
fenómeno a um maior nível de detalhe, revele muitas heterogeneidades.