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EuPTHUAp2182-74352014000100007

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National varietyEu
Year2014
SourceScielo

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Descontentamento na Europa em tempos de austeridade: Da ação coletiva à participação individual no protesto social

Introdução O presente artigo visa, em primeiro lugar, e no quadro do debate teórico sobre o novo ciclo de mobilizações sociais, analisar de forma integrada as iniciativas de protesto desencadeadas na Europa, quer pelos novos novos ou novíssimos movimentos sociais, quer pelos sindicatos em resposta à crise internacional e à vaga de austeridade neoliberal que lhe sucedeu, designadamente a partir de 2010, procurando identificar as suas agendas, motivações e modos de ação, linhas de convergência e divergência e explorar o seu potencial de articulação, bem como analisar os fatores que podem ter contribuído para o desenvolvimento dos protestos e para a sua incidência diferenciada nos países europeus.

Em segundo lugar, e complementarmente, procuramos conjugar esta análise com uma análise micro, isto é, centrada na atividade de protesto ao nível individual, considerando um conjunto de dimensões com potencial para explicar a variação do envolvimento dos indivíduos nas atividades de protesto nos diferentes países europeus. Consideramos para este efeito a participação individual num tipo particular de protestos, ou seja, a participação nas manifestações públicas, não porque estas ganharam relevância e centralidade no repertório da ação política neste período, mas também porque configuram um tipo de protesto em que velhos e novíssimos movimentos sociais, separadamente ou em conjunto, exprimiram o seu descontentamento e exigências. Esta análise baseia-se no Inquérito Social Europeu (ESS, 2012), o qual considera apenas as manifestações legais e não inclui informação sobre as suas agendas e organizadores. A análise visa interrogar em que medida os fatores e motivações de mobilização social relacionados com os protestos de iniciativa sindical e dos movimentos sociais identificados na primeira parte influenciaram a variação da participação dos indivíduos nas manifestações nos diferentes países europeus, admitindo a possibilidade de diferenciação dos países quanto à constelação de fatores, motivações e características dos participantes que influenciaram a participação em manifestações.

1. O novo ciclo de protestos na Europa: debates e desenvolvimentos No período que se seguiu à eclosão da crise financeira internacional de 2008 e, em particular, a partir de 2010, os protestos expressando descontentamento e indignação aumentaram em todo o mundo. Um estudo recente (Ortiz et al., 2013) analisando os protestos sociais entre 2006 e 2013, em 87 países, abrangendo 90% da população mundial, constatou a escalada dos protestos sociais neste período e a sua elevada incidência na Europa. A par da multiplicação das greves gerais, este estudo sublinhou a prevalência e escalada de outros modos de protesto como as manifestações de massas, as assembleias de protesto e as ocupações, destacando que embora a justiça económica per se tenha estado no centro dos protestos, estes foram potenciados pelo défice democrático e pela exigência de democracia real. As tendências observadas confirmam, em grande parte, a ideia prevalecente nas abordagens sobre os novos movimentos sociais, de que as mobilizações sociais de protesto não podem ser apenas entendidas como uma expressão do agravamento das condições económicas e sociais, mas acima de tudo como uma expressão de motivações metapolíticas, relacionadas com o grau de insatisfação com o funcionamento da democracia e com a ausência de respostas do sistema político aos problemas económicos e sociais (Della Porta e Diani, 2006; Della Porta, 2012; Castells, 2012). A estranha sobrevivência do neoliberalismo e a sua intensificação na Europa associada às políticas austeritárias e ao défice democrático na tomada de decisão contribuíram certamente para estes desenvolvimentos (Crouch, 2011; Schömann e Clauwaert, 2012; Pochet e Degryse,2013; Streeck, 2013).

Os estudos centrados sobre os novos novos movimentos sociais, cuja génese remonta à reação contra as políticas económicas neoliberais, nos anos 90, chamaram a atenção para a dimensão metapolítica da agenda das mobilizações de protesto e para a sua centragem em duas reivindicações principais: a justiça social contra as desigualdades crescentes e a democracia real na ótica da maior participação cidadã em contextos deliberativos. Simultaneamente, chamaram a atenção para a dimensão global/internacional dos protestos e para as suas dinâmicas e especificidades nacionais e locais; para os modos alternativos de organização e ação, flexível e horizontal; para a importância das redes sociais e do uso das tecnologias de informação potenciando a mobilização; e para a forte participação dos jovens na sua organização, em particular dos jovens com níveis de educação elevados (Della Porta e Diani, 2006; Della Porta, 2012; Castells, 2012; Fominaya e Cox, 2013, Toussaint, 2012).

Ao comparar a onda de protestos que emergiu uma década atrás, expressa no movimento pela Justiça Global, com a nova onda de protestos que varreu a Europa em reação à crise financeira internacional e às políticas de austeridade, Della Porta (2012) destaca que a primeira se orientou do nível transnacional para o nível nacional e local, enquanto a nova onda tomou o caminho inverso. Nesta última, os protestos acompanharam a geografia da emergência da crise económica que atingiu com diferente intensidade e em diferentes tempos os países europeus, iniciando--se em 2008/2009 na Islândia e prosseguindo em 2011 em Portugal, em Espanha e na Grécia, atingindo de seguida os EUA e vários outros países. Um dos elementos de continuidade entre as duas ondas de protesto é a crítica à democracia representativa e a reivindicação de novas formas de democracia expressa na exigência Democracia real ya! pelo protesto dos Indignados em Espanha, e também pelos movimentos sociais em Portugal, na Grécia e na Islândia e pelo movimento Occupy, expressando o descontentamento com a burocratização da participação política e com a erosão da possibilidade de qualquer expressão verdadeira da maioria da vontade popular (Crouch, 2011).

No caso da nova onda de protestos, a democracia representativa é criticada por ter permitido a subordinação da democracia aos ditames dos poderes financeiros e também aos ditames das organizações internacionais como o FMI e a União Europeia (Della Porta, 2012). Enquanto a onda de protesto global iniciada na década de 90 incluiu, por via do seu enfoque na justiça global, para além das referências identitárias e pós-materialistas dos movimentos dos anos 60 e 70, a centragem nas preocupações materialistas designadamente quanto à desigualdade de rendimentos, a nova onda de protesto acentuou claramente tal orientação conferindo uma maior centralidade às questões do trabalho e do emprego, crucial no desencadear da indignação que constituiu uma poderosa alavanca na ação coletiva (Estanque et al., 2013).

Deste modo, os movimentos sociais referentes às duas ondas de mobilização podem-se caracterizar como novos novos movimentos sociais (Della Porta e Diani, 2006; Tilly e Tarrow, 2007; Feixa et al., 2009), sendo certo que a nova onda de mobilizações iniciada em 2008 articula de modo explícito as reivindicações dos velhos movimentos sociais não concretizadas ou entretanto suprimidas, em particular os direitos laborais, contestando ao mesmo tempo a concentração de rendimento e de riqueza dos 1% das classes dominantes e o empobrecimento dos 99%, isto é, da generalidade da população. Pode dizer-se que é esta nova articulação combinada com a exigência de democracia real que explica o seu impacto na mobilização popular que atingiu níveis sem precedentes na história da Europa dos últimos 40 anos, pelas extraordinárias manifestações de massas que foram capazes de organizar. Em suma, estas características e a intensificação e a extensão geográfica dos conflitos sugerem um novo ciclo de protesto (Tarrow, 1995; Tilly e Tarrow, 2007; Della Porta, 2012; Estanque et al., 2013).

Ainda que nem todos os protestos/ as mobilizações dos novíssimos movimentos sociais tenham tido uma lógica de ação organização internacional/global, como o Occupy Wall Street, o seu impacto transcendeu o nível nacional, e o efeito de ciclo promoveu o contágio e a aprendizagem recíproca quanto às formas de ação e organização, atuando como catalisador de novas mobilizações sociais (Della Porta, 2012; Estanque et al., 2013), embora com particularidades atendendo ao contexto nacional (Baumgarten, 2013; Fominaya e Cox, 2013). Em particular, é de considerar o potencial catalisador das primeiras e extraordinárias mobilizações deste novo ciclo, na Islândia em 2009 (Júliússon e Helgason, 2013) e na Tunísia no início de 2011 (Sergi e Vogiatzoglou, 2013) dado o seu caráter insurrecional e o extraordinário sucesso nos resultados que alcançaram, ao tempo: no primeiro caso, da Islândia, derrubando o governo e impondo a realização de eleições, demitindo o diretor do banco central e impondo o não financiamento dos bancos em colapso; no segundo caso, da Tunísia, derrubando o regime ditatorial no poder desde 1987.

Alguns dos movimentos sociais contribuíram também para a difusão internacional pelo seu papel na projeção/construção de identidades coletivas transnacionais de novos sujeitos políticos, fenómeno que não é novo no caso dos movimentos dos precários, o qual teve a sua origem na Itália, lançando o Mayday em 2002 com a palavra de ordem il precariato se rebela (Scholl, 2013), mas que ganhou uma nova dinâmica e projeção no ciclo de protesto atual. No mesmo sentido, pode dizer-se que o Occupy Wall Street projeta um sujeito político global, os 99% contra os 1%, colocando a tónica na rebelião contra a desigualdade e a injustiça social, da sociedade contra os mercados, da massa de milhões empobrecendo contra os lucros descomunais de uma minoria.

No entanto, a incidência das mobilizações dos movimentos sociais foi muito diversa, atingindo mais uns países do que outros, e nem todos os espaços envolveram o mesmo potencial de contágio e aprendizagem, como confirmam as expressões primavera árabe, ou primavera mediterrânica.

A ascensão dos protestos ligados aos novíssimos movimentos sociais é, contudo, parte de um processo mais vasto em que se inclui também a escalada dos protestos sindicais e outros, um pouco por toda a parte no mundo (Ortiz et al., 2013), o que, em nosso entender, terá potenciado uns e outros. No entanto, a literatura sobre os novos movimentos sociais deste novo ciclo prestou menos atenção à importância das mobilizações sociais de iniciativa sindical ou do movimento operário considerado em sentido lato. Pelo contrário, o enfoque marxista sobre os movimentos sociais em curso chama a atenção, na esteira de Thompson (1991 [1963]), para a importância de se considerar o papel ativo do movimento operário na construção das respostas aos constrangimentos económicos e sociais do período atual, e para ambos os tipos de mobilizações e a sua interação, considerando o papel das greves, das culturas de resistência e dos movimentos sociais, os quais constituem a mediação através da qual se exprime a luta de classes (Barker et al., 2013). Inversamente, as abordagens no campo das relações industriais têm negligenciado a importância dos novíssimos movimentos sociais e divergem quanto ao entendimento do sindicalismo como movimento social. Entre as exceções, destacam-se as perspetivas de inspiração marxista, considerando que o sindicalismo articula a tensão entre movimento social e instituição e a tensão entre objetivos económicos e objetivos políticos mais amplos (Hyman, 2002; Gumbrell-McCormick e Hyman, 2013) e que apontam para a mobilização relacionada com a perceção e a resposta à injustiça social como o tema central das relações industriais (Kelly, 1998).

Em termos gerais, das leituras sobre os novíssimos movimentos sociais pode inferir-se que os protestos de iniciativa sindical e de iniciativa dos novos movimentos sociais são distintos, no plano das lógicas de ação e de organização e das principais referências: a lógica estruturada, vertical e relativamente rígida/burocrática de organização dos primeiros contrasta com a lógica flexível, horizontal e em rede dos segundos; a centragem prioritária dos sindicatos nos aspetos económicos e sociais contrasta com a centragem prioritária dos movimentos sociais no campo metapolítico; as referências e a ação a nível nacional predominam no campo sindical; enquanto as referências e ação que articulam o local e o global predominam no campo dos novos movimentos sociais (Della Porta e Diani, 2006; Della Porta, 2012). Contudo, esta distinção exige uma análise cuidada, designadamente no que se refere aos objetivos, agenda e impulso internacionalista das mobilizações desencadeadas pelos novíssimos movimentos sociais e pelos sindicatos.

Com efeito, os protestos de iniciativa sindical, no mesmo período, incluindo a escalada de manifestações e greves gerais sem precedentes nas últimas décadas (Kelly e Hamann, 2010; Campos Lima e Martin Artiles, 2011; 2013; Ortiz et al., 2013) articulam as reivindicações no campo económico e social com reivindicações eminentemente políticas. Entre 2010 e 2013, realizaram-se na Europa 24 greves gerais, das quais 9 na Grécia, 5 em Portugal, 3 em Espanha, 3 na Itália, 2 em França, 1 na Polónia e 1 na Roménia (Ortiz et al., 2013). Por outro lado, o impulso internacionalista emergiu com a greve geral ibérica de 14 de novembro de 2012, e com as extraordinárias mobilizações sociais por toda a Europa, no mesmo dia, ao apelo da Confederação Europeia dos Sindicatos. Deste modo, nos últimos anos, os protestos de iniciativa sindical indiciam um novo ciclo quanto à intensificação e extensão dos conflitos, quanto à politização da agenda sindical e emergência do impulso internacionalista.

Neste sentido, pelo menos em parte, a agenda e os objetivos dos novíssimos movimentos sociais e dos sindicatos coincidiram. É o que explica que, em várias ocasiões, os novíssimos movimentos sociais tenham sido capazes de articular-se e participar nos protestos e manifestações sindicais que também se multiplicaram neste período na Grécia, em Espanha e em Portugal e inclusive tomar a iniciativa, em primeiro lugar, de apelar à greve geral ou de apoiar publicamente as greves gerais (Campos Lima e Martin Artiles, 2013) e ainda que, nalguns casos, os próprios sindicatos tenham feito apelo à participação em manifestações organizadas por tal tipo de movimentos sociais. Deste modo, é relevante assinalar que a escalada de mobilizações do novo ciclo definiu também novas formas quanto às relações entre os protestos dos novíssimos movimentos sociais e os protestos de iniciativa sindical, potenciando as mobilizações de uns e de outros e a mobilização conjunta.

O caso português é particularmente elucidativo a este respeito, como documentamos no quadro seguinte:

Finalmente, que destacar a capacidade de atração dos novíssimos movimentos sociais em relação a grupos que os sindicatos têm dificuldade de organizar: os desempregados, os trabalhadores precários e os jovens em geral. A dificuldade de organização sindical dos jovens e dos trabalhadores precários está associada a fatores estruturais ligados à desregulação do mercado de trabalho e ao facto de o emprego destes grupos se situar predominantemente em setores de baixa densidade sindical, mas está também ligada à relativa inércia dos sindicatos em renovar estratégias e modos de atuação na perspetiva da sua integração (Gumbrell-McCormick e Hyman, 2013). Contudo, não é de excluir a adesão destes grupos às iniciativas de mobilização dos sindicatos, sobretudo no Sul da Europa, em que o seu poder de mobilização supera o seu poder de associação/ organização. Mas, comparativamente, os novíssimos movimentos sociais com um elevado protagonismo dos jovens (Castells, 2012; Estanque, 2013) e afirmando os precários como sujeito político, tiveram um papel crucial nos protestos destes grupos. De facto, várias abordagens e estudos têm destacado o papel dos jovens com níveis de educação elevados na organização dos movimentos sociais deste novo ciclo (ibidem), o que também tem sido relacionado com a sua inserção em redes sociais densas (García e Martín, 2010; Sánchez, 2011).

É de admitir que em relação aos desempregados, sobretudo os mais jovens, algo semelhante tenha acontecido, uma vez que de modo geral os sindicatos não têm desenvolvido estratégias para organizar estes grupos, cuja fragilidade quanto às identidades coletivas e redes sociais tem sido assinalada (Torcal e Magalhães, 2010; Della Porta, 2011). Com efeito, é de admitir ainda que os movimentos sociais tenham atraído os jovens desempregados, potenciando a sua participação nos protestos, uma vez que esta está relacionada com as oportunidades institucionais (grau de acesso ao sistema político) e oportunidades discursivas (visibilidade, ressonância e legitimidade de identidades e reivindicações no domínio público) (Giugni, 2006; Della Porta, 2011; Baglioni et al., 2011).

Contudo, os novíssimos movimentos sociais foram capazes, não de exprimir a voz e mobilizar os jovens, precários ou desempregados, mas também os trabalhadores e cidadãos menos jovens. Com efeito, na primavera de 2011 a emergência das mobilizações de massas em Espanha como o Movimento dos Indignados, em Portugal com o movimento da Geração à Rasca e 15-M', e na Grécia com o movimento Aganaktismeni, embora podendo sugerir a focalização na geração jovem e precária, incluíram uma larga participação de outros grupos geracionais e desencadearam uma dinâmica em que os movimentos se transformaram em movimentos das ‘gerações precárias', no plural (Campos Lima e Martin Artiles, 2013; Estanque, 2013, Baumgarten, 2013).

Na Europa, é também provável que um entendimento específico sobre democracia baseado no conceito de ‘compromisso igualitário' (Schwartz, 2007) expressando valores normativos, tais como a igualdade, a justiça social, o bem-estar dos outros e a tolerância tenha desempenhado um papel no descontentamento em relação às políticas neoliberais lançadas durante a crise, as quais minaram tal compromisso. Embora na generalidade dos países europeus se tenha assistido ao aumento dos protestos (Ortiz et al. 2013) em ligação com a política de austeridade e orientações neoliberais das instâncias políticas da UE (Schömann e Clauwaert, 2012; Degryse, 2012; Pochet e Degryse, 2013) a sua expressão e o seu impacto foram diferenciados, não no plano internacional como no plano intranacional (considerando setores e grupos envolvidos), tendo em conta o impacto também diferenciado da crise internacional e a diferente intensidade das políticas de austeridade (Schömann e Clauwaert, 2012; Degryse, 2012; Welz et al., 2014). Com efeito, os protestos mais intensos e de maior amplitude observaram-se nos países mais profundamente afetados pela crise económica e pelas políticas de austeridade neoliberais como a Espanha, a Grécia, a Irlanda e Portugal. Acresce que nestes países (em Espanha indiretamente) a imposição da austeridade neoliberal através da aliança de instituições não eleitas, isto é da Troika (Banco Central Europeu/ Comissão Europeia/ Fundo Monetário Internacional), agudizou o potencial de conflito na medida em que atacou profundamente os princípios mais elementares da democracia, favorecendo um lógica autoritária de exceção (Ferreira, 2011; Schömann e Clauwaert, 2012; Degryse, 2012; Pochet e Degryse, 2013; Reis et al., 2013; Welz et al., 2014).

No plano do agravamento das condições objetivas, os protestos durante a atual crise económica seriam uma reação dos grupos mais afetados pela crise e pelas políticas de austeridade neoliberais, os quais expressariam o descontentamento com o agravamento das suas condições económicas e sociais, tal como os grupos mais frágeis como os desempregados e os trabalhadores precários, em particular os jovens confrontados com níveis de desemprego sem precedentes (Chung et al., 2013; Dietrich, 2013). Mas seriam também uma reação de outros grupos, como os trabalhadores do setor público e do setor privado, contra a redução de emprego, declínio do nível salarial e desregulação das relações laborais; dos reformados contra o congelamento ou redução das pensões de reforma; e dos estudantes e professores contra os cortes na educação.

Por outro lado, as diferenças institucionais, as diferentes tradições de participação política e social e o grau de confiança nas instituições políticas podem também contribuir para explicar algumas das diferenças marcantes dos protestos nos países europeus, em particular quanto à sua relação com os canais convencionais, tais como partidos políticos e sindicatos. Embora exista evidência empírica de que a tendência geral de declínio da filiação nos partidos políticos e nos sindicatos e diminuição da participação eleitoral constitui um desenvolvimento observável num largo número de países (García e Martín, 2010; Sánchez, 2011; Schåfer e Streeck, 2013; Campos Lima e Martin Artiles, 2013), as tradições dos países são claramente contrastantes a este respeito. Como é sabido, os países do Norte da Europa apresentam altas taxas de participação nas eleições e as mais altas taxas sindicalização, em claro contraste com os países do Sul da Europa; diferenças e contrastes que são ainda mais salientes no caso da juventude (Peetz, 2010; Campos Lima e Martin Artiles, 2013). Tem sido sugerido que os países em que é menor a expressão do descontentamento através dos canais convencionais são também aqueles em que prevalece a ação autónoma dos novíssimos movimentos sociais, operando na periferia das organizações políticas tradicionais e dos sindicatos (Bordogna e Cella, 2002; García e Martín, 2010; Sánchez, 2011; Crouch, 2012; Campos Lima e Martin Artiles, 2013). Simultaneamente, no que se refere aos países do Sul da Europa, a prevalência de estratégias sindicais revelando um entendimento do sindicalismo como movimento social (Gumbrell-McCormick e Hyman, 2013) e centragem no poder de mobilização (Visser, 1995; 1996; Ortiz e Cebolla, 2010; Gumbrell-McCormick e Hyman, 2013) sugerem a sua capacidade de desencadear protestos e mobilizações, muito para além da sua capacidade associativa e de organização.

2. A participação individual nas manifestações no contexto europeu: explorando o Inquérito Social Europeu 2.1. Metodologia Neste ponto exploramos a participação dos cidadãos europeus em manifestações de protesto, com base nos dados do Inquérito Social Europeu (European Social Survey, ESS), tendo em conta que, como se observou anteriormente, este tipo de protesto/participação política (Barnes e Kaase, 1979) ocupou um lugar proeminente no novo ciclo de mobilizações. O Inquérito Social Europeu, nas suas sucessivas séries de 2002 a 2012, fornece uma informação substancial sobre a participação individual nas manifestações de protesto, embora se circunscreva à participação em manifestações legais. A análise a que procedemos tem limitações, uma vez que não permite ter em conta as diferentes disposições legais quanto à convocatória de manifestações nos países europeus facilitando mais ou menos a participação dos indivíduos neste tipo de iniciativas. Por outro lado, dado que a ESS não fornece informação sobre a agenda das manifestações, nem indica se estas resultaram da iniciativa dos movimentos sociais ou dos sindicatos, a análise considera a participação individual nas manifestações legais, independentemente dos seus objetivos e das organizações/ dos movimentos que as convocaram.

Em primeiro lugar, comparamos as tendências de evolução da participação individual nas manifestações nos países europeus, considerando os dados da ESS desde 2002. Em segundo lugar, centramo-nos na análise detalhada da ESS 2012 incluindo, neste caso, um conjunto diverso de variáveis independentes com potencial explicativo na variação da participação individual definida como variável dependente. A opção pelo foco na ESS 2012 permite refletir, pelo menos parcialmente, a participação individual no novo ciclo de protestos que se afirmou na Europa em 2011, uma vez que os inquiridos são questionados sobre a sua participação em manifestações nos últimos doze meses. A base de dados da ESS 2012 que aqui examinamos resulta do inquérito a uma amostra representativa da população de quinze países europeus, incluindo no total 39 081 pessoas residentes com idade acima dos 15 anos, com uma dimensão amostral por país participante superior a 1500 pessoas. Como a amostra de países varia de série para série, a ESS 2012 não inclui a França e a Grécia, países que na ESS 2010 apareciam respetivamente na segunda e terceira posição na lista dos países com maior participação nas manifestações, o que constitui também uma limitação, dada a importância do protesto social nestes países no período mais recente, em particular no caso da Grécia.

Consideraram-se nesta análise vários grupos de variáveis independentes, no sentido de identificar os níveis e os perfis de participação segundo fatores específicos e o seu potencial explicativo quanto à participação individual em manifestações. A seleção das variáveis independentes toma em consideração vários fatores, que passamos a descrever.

Fatores sociodemográficos e socioeconómicos O primeiro grupo de variáveis compreende a influência dos fatores sociodemográficos (sexo, idade e nível educacional); dos fatores socioeconómicos relacionados com o mercado de trabalho, tais como o setor de atividade (público e privado), o tipo de contrato de trabalho e a situação de desemprego; e ainda o autoposicionamento subjetivo na estratificação social, medido numa escala de 0 a 10, onde 0 representa uma posição social mais baixa e 10 representa uma posição social elevada.

A importância deste grupo de variáveis decorre da análise do ponto anterior.

Como vimos, os fatores sociodemográficos diferenciaram, até certo ponto, as iniciativas de protesto dos novíssimos movimentos sociais pela participação dos grupos mais jovens e mais escolarizados. Também a inserção no mercado de trabalho, incluindo o estatuto no emprego e face ao emprego, constitui um aspeto relevante no sentido de avaliar o seu impacto na participação individual. Não porque as iniciativas de protesto dos novíssimos movimentos sociais tiveram um maior potencial de atração de trabalhadores precários e desempregados e porque os protestos de iniciativa sindical tiveram maior capacidade de mobilizar trabalhadores do setor público e privado, mas também porque importa apreciar a participação dos indivíduos mais atingidos pela crise económica.

Participação institucional Outro grupo de variáveis refere-se à participação institucional medida através da participação nas eleições nacionais e através da filiação sindical, no sentido de avaliar se o défice de participação aos dois níveis influenciou a participação individual nas manifestações. Procura-se avaliar em que medida a crítica e o afastamento dos novíssimos movimentos sociais em relação a estes canais convencionais se traduz na variação da participação individual em manifestações; e em que medida a sindicalização referente aos velhos movimentos sociais pode ter tido influência na variação dessa mesma participação individual.

Satisfação em relação ao estado da economia e ao funcionamento da democracia e confiança nas instituições democráticas Neste grupo de fatores considera-se a influência do grau de satisfação com a economia e a democracia, medidos numa escala de 0 a 10, onde 0 representa grande insatisfação e 10 representa grande satisfação; e a influência da confiança em relação às instituições políticas democráticas, visando também captar a emergência de objetivos metapolíticos dos que participam nos protestos, considerando a confiança nos parlamentos nacionais e no parlamento europeu, medidas numa escala de 0 a 10, onde 0 representa muita desconfiança e 10 muita confiança nas instituições. Paralelamente, considera-se a fraca participação nas eleições nacionais também como um indicador de desconfiança nas instituições democráticas e de descontentamento com o funcionamento da democracia. A seleção destas variáveis enquadra-se nas preocupações com o défice de democracia real que constitui um tema central no estudo dos movimentos sociais, sugerindo a influência do descontentamento e falta de confiança naqueles domínios na variação nível de participação individual em manifestações.

Ideologia e valores de justiça social Considera-se a influência da ideologia política na participação individual em manifestações de protesto (escala de 0 a 10 em que 0 representa a esquerda e 10 a direita). Esta é uma variável muito importante porque permite identificar o sentido das motivações ideológicas e a sua influência na participação individual nas manifestações. Considera-se também a influência dos valores coletivos de solidariedade e justiça social, incluindo a opinião quanto ao dever do governo reduzir a pobreza, avaliada numa escala de 0 a 10, em que 0 representa os valores individualistas e 10 os valores coletivos/solidariedade; e também a opinião quanto ao dever do governo reduzir as desigualdades de rendimento, avaliada numa escala de 1 a 5 (1 representa concordância e 5 representa discordância). Tendo sido a justiça social uma dimensão transversal às iniciativas de protesto dos novíssimos movimentos sociais e dos sindicatos, é de esperar que tenha uma elevada influência na participação individual em manifestações.

Modelo de Análise O estudo considera três tipos de análise: a) Análise descritiva (ponto 2.2) ' Incidindo sobre as tendências de evolução de participação nas manifestações desde 2002 nos países europeus considerados individualmente; e sobre os níveis de participação segundo os fatores anteriormente mencionados em 2012 nos países considerados individualmente.

b) Análise de Clusters(ponto 2.3) ' Considera a diferenciação/ o agrupamento de países segundo constelações específicas de fatores associados à participação.

Esta análise considera apenas os que participaram nas manifestações e visa identificar uma tipologia de participação c) Análise de Regressão logística binomial (ponto 2.4) ' Visando examinar as probabilidades explicativas de variáveis independentes sobre a dependente. A variável dependente é a participação em manifestações, onde 0 representa a não participação e 1 a participação. Neste caso, a análise considera o nível europeu (conjunto agregado das observações dos países da amostra), uma vez que o número de observações em cada país não permite que a análise seja estatisticamente significativa considerando os países individualmente.

2.2. Análise descritiva: tendências de evolução e diferenças nacionais quanto ao nível de participação nas manifestações, considerando as variáveis independentes Tendências de evolução da participação em manifestações em países europeus 2002-2012 Entre 2008 e 2012, os únicos países em que a participação nas manifestações de protesto baixou foram a Bélgica e a Dinamarca; e os países em que a participação não aumentou ou manteve valores próximos foram a Alemanha, a Finlândia, a Holanda, o Reino Unido e a Polónia. A percentagem de participantes nas manifestações de protesto subiu significativamente, entre 2008-2010, na Grécia e na França e entre 2008 e 2012 nos restantes países. O crescimento mais significativo registou-se em Espanha (de 15,9% para 25,9%), na Irlanda (de 6,5% para 10,5%) e em Portugal (de 3.7% para 7,4%). Contudo, também os países ‘ricos' como a Suécia (7,3%), a Noruega (9,8%) e a Alemanha (9,1%), menos afetados pela crise económica, se posicionaram acima da média europeia.

Diferenças nacionais quanto ao nível de participação nas manifestações, segundo perfis socioeconómicos e demográficos Neste ponto consideramos a análise da participação de grupos específicos nas manifestações de protesto: trabalhadores do setor privado, que estarão potencialmente mais ligados aos protestos relacionados com a austeridade e as reformas laborais e seu impacto no setor; trabalhadores do setor público (administração, educação e saúde) que estarão potencialmente mais ligados aos protestos relacionados com a austeridade, redução de emprego, reformas laborais e cortes salariais no setor público; grupos particularmente vulneráveis como os desempregados e os trabalhadores precários; grupos como os reformados potencialmente afetados pela redução da proteção social e cortes nas pensões de reforma; e finalmente os estudantes potencialmente ligados a protestos estudantis ou a protestos contra a precariedade e o desemprego juvenil. Embora seja de admitir que uns e outros possam ter participado de forma conjunta em manifestações de protesto antiausteridade articulando os diferentes motivos de protesto, é também expectável que se tenham envolvido em protestos específicos relacionados com a sua situação concreta e agendas específicas (ver Quadro_2).

Os trabalhadores do setor público e do setor privado Em termos europeus (incluindo o conjunto dos países inquiridos), as médias de participação nas manifestações nos grupos dos funcionários públicos da administração (8,0%) e dos funcionários públicos do setor da saúde e da educação (9,1%) são superiores à média geral de participação (7,0%) e à média da participação no grupo dos trabalhadores do setor privado (5,2%). Na generalidade dos países observa-se este fenómeno, com algumas exceções: a Bulgária, em que a participação se situa abaixo da média europeia no setor público e acima da média europeia no setor privado; e a Polónia, com níveis de participação muito baixos e semelhantes nos setores público e privado (inferiores a 3%). A Espanha destaca-se com os níveis de participação extraordinariamente elevados no setor público, com 42% no grupo da administração pública e com 50,9% no grupo da saúde e educação ' em ambos os casos o valor é cinco vezes a média europeia ', sendo também o país com a percentagem mais elevada de participação no setor privado, com 19,9%, quase quatro vezes a média europeia neste grupo. A Alemanha, a Irlanda, a Noruega, Portugal e a Suécia apresentam também valores de participação dos trabalhadores do setor público (entre 10,0% a 15,0%) acima da média europeia neste grupo. Não deixa de ser surpreendente que os países nórdicos e a Alemanha tenham resultados de participação proporcionalmente semelhantes a alguns dos países mais afetados pela crise, como Portugal e a Irlanda. Estes países destacam-se igualmente por serem também aqueles em que o nível de participação dos trabalhadores do setor privado ultrapassa a média europeia (5,2%): Espanha (19,9%), Irlanda (9,7%), Alemanha (8,2%), Noruega (8,0%) e Portugal (7,8%).

Desempregados, trabalhadores temporários e reformados Comparativamente com a média geral de participação nas manifestações de protesto ao nível europeu (7,0%), a participação no grupo dos desempregados é apenas ligeiramente inferior (cerca de 6,8%). Os países em que a participação dos desempregados é superior à média europeia neste grupo são, em primeiro lugar, a Espanha, com um nível elevadíssimo de participação, seguida da Irlanda, Noruega, Alemanha, Portugal e Suécia que considerar a hipótese de que a subida muito rápida e contínua do desemprego tenha favorecido a ação coletiva dos desempregados, mesmo nos países com taxas de desemprego menos elevadas.

Quanto ao grupo dos trabalhadores com contratos temporários, o seu nível de participação em manifestações (9,1%) situa-se acima da média europeia de participação geral (7,0%). A participação das pessoas com emprego temporário é particularmente relevante em Espanha (31%) e em menor grau na Irlanda (12,9%), na Noruega (12,3%), em Portugal (11,6%) e na Alemanha (11,1%).

Também no que se refere aos reformados, o nível de participação nas manifestações (8,0%) está acima da média de participação geral a nível europeu, fenómeno que se apresenta também na generalidade dos países presente, o que significa que a média de participação no grupo de reformados é superior à média de participação geral em cada país. Mais uma vez, são os países com maior participação geral nos protestos os que também apresentam maior participação no grupo dos reformados: Espanha, Irlanda, Noruega, Alemanha e Portugal.

Estudantes Em 2012, o nível médio de participação para o grupo dos estudantes (6,4%) é inferior à média geral europeia. Contudo, embora a Espanha apresente uma participação muito elevada (23,4%), a Irlanda, a Noruega, a Alemanha, a Suécia e Portugal superam o nível médio de participação neste grupo.

Diferenças geracionais Em relação à idade (Quadro_4), a média de participação do conjunto dos países é claramente superior à média geral de participação no que se refere ao grupo dos 16 aos 24 anos, o grupo mais jovem, seguido do grupo dos 25 aos 34; os grupos dos 35 aos 49 e dos 50 aos 64 situam-se próximos da média; enquanto no grupo mais idoso, isto é, com mais de 65 anos, a média de participação é bastante inferior. Esta tendência é também observável considerando os países individualmente, com exceção dos casos de Portugal, Reino Unido e Suécia, em que a participação no grupo dos 25 aos 34 é mais elevada do que no grupo mais jovem. Em Espanha os grupos mais jovens, dos 16 aos 24 e dos 25 aos 34, têm uma elevadíssima percentagem de participação, de respetivamente 36,3% e 32,9%.

Diferenças nacionais quanto à filiação sindical É conhecida a diversidade dos países europeus quanto à densidade sindical, em particular o contraste entre os países escandinavos com elevadas taxas de sindicalização e os países do Sul da Europa com taxas de sindicalização muito baixas. Entre outras razões, a elevada sindicalização nos países escandinavos tem a ver com o papel que os sindicatos desempenham na gestão das instituições de proteção social e com o papel da negociação coletiva na regulação das condições de trabalho. Por outro lado, também são relevantes as diferenças entre países quanto às formas de ação sindical, com destaque para o maior recurso às greves e manifestações nos países do Sul, recurso que, como se observou, aumentou significativamente entre 2008 e 2012. Neste sentido, é expectável que se observem diferenças entre os países em análise quanto à relação entre a filiação sindical e a participação nas manifestações de protesto.

A análise do Quadro_5 evidencia que no conjunto dos países europeus a percentagem de participantes sindicalizados (30,4%) em termos médios é bastante inferior à participação de não sindicalizados (49,4%). Como seria de esperar, os países em que é mais elevada a participação de sindicalizados nas manifestações de protesto são os países escandinavos, a Dinamarca (61,4%), a Suécia (58,1%) e a Noruega (57,1%). Dois casos merecem uma atenção particular: o caso de Portugal, com uma das mais fracas percentagens de participação de sindicalizados nas manifestações de protesto (9,5%), e que regista a percentagem mais elevada de participação de não sindicalizados (74,7%); e o caso inverso do Reino Unido, em que a percentagem de participação de sindicalizados nos protestos (40,2%) é elevada, enquanto a de não sindicalizados (34,6%) se situa muito abaixo da média. Os países com a mais baixa participação de sindicalizados são: Portugal, Bulgária e República Checa.

A informação sobre esta variável no que se refere a Espanha foi omitida da base de dados integrada da ESS 2012, pelo que não pode ser considerada nesta análise.1

Outro aspeto de interesse é o envolvimento dos ex-sindicalizados, a maioria dos quais é constituída por trabalhadores reformados e pessoas mais idosas. Os cortes nas pensões de reforma e as políticas de austeridade parecem também contribuir para aumentar a inquietação e a incerteza entre os reformados.

A análise da participação dos membros dos sindicatos dos setores público e privado nas manifestações permite uma comparação mais detalhada, embora os dados não sejam significativos para alguns países (Quadro_6). Em primeiro lugar, a participação no grupo setor público/administração está bem acima da média na Bulgária, na Polónia, em Portugal, no Reino Unido, na Alemanha e na República Checa. Em segundo lugar, na educação e saúde públicas, a participação de membros dos sindicatos nas manifestações está acima da média em Portugal, na Irlanda, Alemanha e Holanda. Em terceiro lugar, a participação nas manifestações dos membros de sindicatos das empresas privadas é especialmente relevante no caso da Polónia, Alemanha, Irlanda e Bulgária.

Em Portugal, em Espanha e na Irlanda observa-se uma forte e significativa correlação (r.615) entre a filiação sindical de funcionários públicos e a participação em manifestações, bem como entre filiação sindical e participação dos trabalhadores dos setores públicos da saúde e da educação (r.771). Em contraste, no conjunto dos países europeus ambas as correlações são muito fracas e não são significativas (respetivamente r.056 e r.070).

Diferenças nacionais quanto às motivações metapolíticas e justiça social Em geral, os participantes nas manifestações, comparados com aqueles que não participam, confiam menos nos parlamentos nacionais e no parlamento europeu, estão mais insatisfeitos com o estado da economia e com o funcionamento da democracia e consideram mais pertinente a obrigação do governo quanto à redução da pobreza e da desigualdade do rendimento.

Considerando apenas os participantes nas manifestações (Quadro_7) que sublinhar que se manifesta em média (conjunto dos países) uma desconfiança moderada nos parlamentos nacionais. Os países nórdicos e a Bélgica são aqueles em que os manifestantes apresentam maior confiança nos parlamentos nacionais, embora não muito forte, contrastando com a desconfiança observada em todos os outros países, em particular com a elevada desconfiança na Bulgária, em Espanha, na Polónia e em Portugal. As causas podem ser muito diferentes, atendendo à intensidade das políticas de austeridade, ao nível de desigualdade social, ao nível de corrupção, e também ao acesso recente à democracia, no caso dos países de Leste.

O conjunto dos países regista, em média, menor desconfiança no parlamento europeu do que nos parlamentos nacionais. O mais interessante é a posição relativa dos países: os países nórdicos, a Alemanha e o Reino Unido confiam menos no parlamento europeu do que nos parlamentos nacionais; enquanto os países do Sul, países de Leste e a Irlanda desconfiam menos do parlamento europeu do que dos parlamentos nacionais. Os países com mais elevada desconfiança no parlamento europeu são Portugal, a Polónia, a Espanha, a Irlanda, a República Checa e o Reino Unido.

No conjunto dos países, observa-se que os manifestantes estão mais descontentes com o estado da economia do que com o funcionamento da democracia. Como seria expectável, os manifestantes dos países nórdicos e da Alemanha estão moderadamente satisfeitos com o estado da economia, com destaque para a Noruega, com o nível de satisfação mais elevado; e contrastando com a elevada insatisfação em Portugal, na Espanha, na Bulgária e na Irlanda. Os países em que os manifestantes estão mais insatisfeitos com a democracia são a Bulgária, a Espanha e Portugal.

No campo da justiça social é notável a concordância quanto ao dever por parte do governo de reduzir a pobreza e as desigualdades do rendimento, quer para os que participam nas manifestações, quer para os que não participam, embora no caso dos primeiros esta concordância seja mais vincada.Em todos os países é surpreendente a homogeneidade de atitudes relativamente à redução da pobreza, enquanto no que se refere à redução das desigualdades de rendimento a posição dos países é um pouco mais diferenciada, sendo de admitir que o empobrecimento da população resultante das políticas de austeridade tenha suscitado maior convergência.

2.3. Análise de Clusters: uma tipologia de perfis de protesto na Europa Neste ponto a análise compreende o conjunto das variáveis considerando o conjunto dos países da amostra da ESS (em que o país é também uma variável), visando identificar perfis de participação nas manifestações e recorrendo à análise multivariada de clusters. Esta análise aponta para quatro perfis/ grupos, de acordo com as semelhanças e diferenças entre os perfis dos participantes, suas opiniões e atitudes, permitindo também identificar os países mais associados a cada perfil (Gráfico_1, Quadro_8). Neste caso a análise considera apenas os indivíduos que participaram em manifestações.

GRUPO 1 ' O primeiro grupo é o que compreende mais manifestantes (34,6%). O perfil deste grupo caracteriza-se por incluir principalmente trabalhadores qualificados. É composto quase igualmente por homens e mulheres e a idade média é de 44 anos de idade. A maioria deles são trabalhadores do setor privado, seguidos por empregados dos serviços públicos de saúde e de educação e funcionários da administração pública. Este é o grupo com o nível mais elevado de filiação sindical (79%). Estas características sugerem que os manifestantes aqui incluídos estarão mais ligados às manifestações de iniciativa sindical relacionadas com as reestruturações e redução do emprego e impacto dos cortes no setor público, na educação e na saúde.

Este é o grupo que se autoposiciona no plano mais elevado da estratificação social (médio-alto) relativamente aos outros grupos. A orientação política predominante neste grupo é moderada à esquerda. A satisfação com o estado da economia é médio-baixa, mas a satisfação com a democracia no seu país é um pouco mais elevada. Têm confiança média nas instituições sociais, como o parlamento nacional, um pouco menos confiança no parlamento europeu, e a maioria deles votaram nas últimas eleições nacionais (87%). Este grupo evidencia uma elevada concordância em relação ao dever dos governos quanto à redução da pobreza e bastante concordância em relação ao dever dos governos quanto à redução da desigualdade de rendimentos. Este primeiro grupo compreende predominantemente os manifestantes dos países escandinavos, da Irlanda, da República Checa e do Reino Unido.

GRUPO 2 ' No segundo grupo (31,5%) incluem-se predominantemente trabalhadores, os quais são menos qualificados do que os do Grupo 1. Tal como o Grupo 1, este grupo composto quase igualmente por homens e mulheres e a idade média é de 44 anos de idade. A maioria são trabalhadores de empresas privadas e, em menor parte, do setor da saúde e da educação. A filiação sindical deste grupo é extremamente baixa (7,0%).

Este grupo posiciona-se num estrato social médio. Comparativamente com os outros grupos, este posiciona-se mais à esquerda. Também é o grupo que revela maior descontentamento com a democracia e menor confiança no parlamento nacional e no parlamento europeu, revelando uma atitude muito crítica em relação às instituições sociais. No entanto, este grupo não se distingue do Grupo 1 quanto à participação nas eleições nacionais, que também é elevada (80%). Este é igualmente o grupo que expressa a concordância mais vincada com o dever de os governos contribuírem para a redução da pobreza e para a redução das desigualdades sociais.

Outra distinção muito relevante neste grupo refere-se aos países que compreende, incluindo em particular os mais afetados pela crise económica e pelas políticas de austeridade: Bulgária, Irlanda, Espanha e Portugal.

GRUPO 3 ' O terceiro grupo representa 17,5% das pessoas que participaram em manifestações de protesto e tem um perfil sociológico diferente no que toca à sua composição, visto ser maioritariamente constituído por jovens, na sua maioria estudantes e alguns desempregados. A idade média é de 23 anos.

Tal como no grupo anterior o autoposicionamento refere-se à inclusão num estrato médio da estratificação social. A sua orientação política predominante é de esquerda moderada. Este é o grupo com menor participação nas eleições (44%), mas curiosamente manifesta satisfação com a democracia (moderada) e confiança (moderada) nos parlamentos nacionais. Em contraste, embora moderadamente, manifesta insatisfação com a evolução da economia e desconfiança em relação ao parlamento europeu. Tal como os outros grupos, também o Grupo 3 reivindica o papel dos governos na redução da desigualdade de rendimentos e em maior grau na redução da pobreza. O conjunto de países com maior participação neste grupo inclui os mais afetados pela crise económica e pela austeridade, isto é, a Irlanda, a Espanha, e Portugal mas também a Alemanha, a Noruega e a Polónia.

GRUPO 4 ' Finalmente, o quarto grupo é o que tem menor representação (16,5%). É composto, na sua maioria, por reformados (66%) e desempregados (25%); é o grupo mais idoso, sendo a idade média os 62 anos; e é o grupo com um nível inferior de habilitação escolar. O grupo distingue-se também pela elevada percentagem de ex-sindicalizados (66,0%).

Posiciona-se num plano médio da estratificação social e politicamente na esquerda moderada. Este é o grupo com maior participação nas eleições nacionais (90%), embora expresse desconfiança (moderada) nos parlamentos nacionais e no parlamento europeu e uma insatisfação moderada com a democracia. O grupo distingue-se por ser aquele que apresenta maior grau de insatisfação com a economia. Simultaneamente, apresenta um elevado grau de concordância com o papel dos governos na redução da pobreza sendo, tal como o Grupo 2, o grupo que reivindica mais ativamente o papel do governo na redução da desigualdade social.

Os países mais representados neste quarto grupo são também os mais afetados pela crise económica, pela austeridade, pelo desemprego e cortes nas pensões e benefícios sociais como a Bulgária, a Espanha, a Irlanda e Portugal, mas também a Alemanha e a Suécia.

2.4. Análise de regressão binomial: fatores determinantes das mobilizações ao nível europeu Como explicado no ponto 2.1, esta análise considera o nível europeu (conjunto agregado de observações dos países da amostra).

Em primeiro lugar, em relação às variáveis sociodemográficas observa-se que é maior a probabilidade de participação dos homens do que das mulheres nas manifestações. Por faixa etária, a relação é linear: os jovens (16-24 e 25-34) são mais propensos a participar em manifestações do que os menos jovens, o que também é confirmado pelo facto de que os estudantes têm mais probabilidades de participação do que os não estudantes. O nível de estudos também é relevante quanto à probabilidade de participar nas manifestações, mas a sua relação não é linear.

Em segundo lugar, de acordo com o estatuto socioeconómico, os indivíduos empregados são mais propensos a participar nas mobilizações do que os não empregados; a probabilidade de participação dos desempregados não é significativa; e no caso dos reformados a probabilidade de participação é muito baixa. A regressão não mostra nenhuma evidência significativa quanto às diferenças e probabilidades no setor público e no setor privado. O autoposicionamento na estratificação social influencia de forma moderada a probabilidade de participar nas manifestações.

Em terceiro lugar, dentro da participação institucional os resultados são distintos no que se refere à participação nas eleições nacionais ou à filiação sindical. Não correlação significativa entre a participação nas eleições nacionais e a participação nas manifestações. Mas a filiação sindical apresenta uma correlação significativa, destacando-se que os filiados nos sindicatos têm mais probabilidade de participar em manifestações (72%) do que os não filiados; mesmo os ex-sindicalizados têm mais probabilidade de participar em manifestações (10%) do que os não filiados em sindicatos.

Em quarto lugar, e surpreendentemente, o grau de satisfação com a evolução da economia e da democracia não têm uma correlação significativa com a participação nas manifestações, tal como o grau de confiança no Parlamento Europeu e nos parlamentos nacionais não são variáveis significativas para explicar a probabilidade de envolvimento nas manifestações. Em contraste, é significativamente mais provável (29%) a participação nas manifestações daqueles que afirmam uma ideia de justiça social, como é a ideia de que o governo deve reduzir a pobreza. Mas a influência da opinião quanto ao papel do Estado na redução da desigualdade de rendimento não é estatisticamente significativa. Por último, a regressão também demonstra que os indivíduos que estão ideologicamente posicionados à esquerda têm maior probabilidade de participar nas manifestações do que aqueles que se posicionam à direita.

Conclusão Na primeira parte deste artigo, abordámos em simultâneo as iniciativas de protesto desencadeadas pelos novos movimentos sociais e pelos sindicatos, considerando que ambas fazem parte do novo ciclo de protesto na Europa e em outras partes do mundo, de resposta à crise internacional e à vaga de austeridade neoliberal que lhe sucedeu. Ao identificar pontos de convergência e diferenças de perspetiva e de ação entre os dois tipos de protestos procurou-se dar um passo no sentido de contribuir para ultrapassar o divórcio entre as abordagens do sindicalismo e dos novíssimos movimentos sociais, atendendo a que o novo ciclo de mobilizações cria também novas oportunidades políticas no sentido de aprendizagens recíprocas e de explorar sinergias, construindo a unidade na diferença e maximizando a capacidade de resistência anticapitalista, na era da austeridade. De facto, o sindicalismo pode ganhar se, contra a deriva burocrática, integrar a experiência recente dos novos movimentos sociais quanto à flexibilidade e abertura organizativa, capacidade de articular múltiplas agendas unificando-as, abrir espaço para a auto-organização popular, capacidade de articular o local com o global e de mobilizar jovens e trabalhadores precários.

Na segunda parte deste artigo, centrámo-nos na análise da participação individual em manifestações, no contexto europeu, independentemente das suas agendas e organizadores. A análise descritiva e a análise de clusters são as mais ricas do ponto de vista das comparações nacionais, enquanto a análise de regressão anula as diferenças nacionais e considera os cidadãos europeus no seu conjunto. As ilações são, por isso, distintas.

Um dos aspetos principais a destacar refere-se ao papel na mobilização individual da insatisfação com a economia e com a democracia e da desconfiança em relação às instituições democráticas e fraca participação em eleições.

Atendendo à importância da exigência de democracia real no reportório dos novíssimos movimentos sociais, seria de esperar a sua influência na participação individual nas manifestações. A análise de regressão mostra, contudo, que aquelas variáveis não têm influência significativa. Deste modo, as motivações pós-materialistas e metapolíticas não explicam a probabilidade de mobilização individual. Pelo contrário, no que se refere à filiação sindical, a análise de regressão mostra que é significativa a maior probabilidade de os sindicalizados participarem em manifestações do que os não sindicalizados, apontando assim para a relevância dos velhos movimentos sociais na mobilização dos indivíduos. Finalmente, no que se refere à justiça social, aspeto que considerámos transversal à agenda dos novíssimos movimentos sociais e à agenda sindical, enquanto a opinião quanto ao papel do governo na redução das desigualdades não tem influência significativa, a opinião quanto ao papel deste na redução da pobreza tem influência significativa. Tal sugere que a abordagem de justiça social que influenciou a mobilização individual se centrou nas preocupações materialistas justificadas pelo crescente empobrecimento das populações, via políticas de austeridade. O perfil europeu que emerge da análise de regressão não deixa de ser revelador, quer quanto a este denominador comum, indicativo da defesa do papel social do Estado, quer quanto à maior probabilidade de participação nas manifestações dos que se posicionam na esquerda política. Finalmente, a análise de regressão mostrou a influência da variável idade nos protestos sociais, apontando para a maior probabilidade de os grupos dos 16-24 e dos 25-34 anos participarem nas mobilizações de protesto.

A análise descritiva, embora não defina probabilidades, permitiu apreciar algumas diferenças nacionais (anuladas na análise de regressão), designadamente quanto à maior participação dos sindicalizados e dos votantes em eleições nacionais e à participação em manifestações nos países nórdicos, em contraste com os países do Sul da Europa. A análise de clusters revela-se a mais interessante, uma vez que coloca em evidência configurações de perfis e motivações de protesto e a sua incidência em grupos de países, mostrando que nos países mais penalizados pela austeridade, em particular no Sul da Europa, a configuração a que se associam inclui a mais elevada insatisfação com a democracia e a mais elevada desconfiança nas instituições democráticas, além de que exprimem maior concordância quanto ao dever dos governos de reduzir a pobreza e a desigualdade de rendimentos. Esta análise é também particularmente rica na medida em que permite distinguir grupos de trabalhadores tendo em conta a sua qualificação e sindicalização, apontando para trabalhadores mais qualificados e com um nível de sindicalização mais elevado no Norte da Europa do que no Sul, tendo em comum um nível elevado de participação nas eleições, mas divergindo no sentido em que no Sul a crítica às instituições democráticas e ao funcionamento da economia e a ênfase na justiça social é muito mais vincada. Finalmente, um dos aspetos surpreendentes da análise de clusters refere-se ao grupo dos jovens visto que este, embora revele menor participação nas eleições nacionais, manifesta menor insatisfação com a democracia e menor desconfiança nos parlamentos nacionais do que os outros grupos, o que contraria a hipótese da exigência da democracia real ter sido, para os mais jovens, um catalizador da mobilização individual. A este resultado contrapõe-se outro que revela a abordagem prioritária dos jovens em termos de justiça social, reivindicando principalmente o papel dos governos na redução da desigualdade de rendimentos e em maior grau na redução da pobreza.

Por último, importa salientar que a descoincidência parcial entre os fatores de mobilização individual e a lógica dos novíssimos movimentos sociais, designadamente quanto à confiança nas instituições democráticas e ao descontentamento com o funcionamento da democracia, exige uma leitura cuidada.

Com efeito, as dinâmicas coletivas do protesto destes movimentos e do movimento sindical não podem ser entendidas como somatório de comportamentos a atitudes individuais. Por outro lado, a ESS muito limitadamente conta do nível real de participação dos indivíduos nos protestos coletivos. Embora as amostras nacionais sejam representativas da população, a sua dimensão não reflete a amplitude das manifestações envolvendo 300 000 indivíduos ou muito mais, como foi o caso em Espanha e em Portugal, as quais incluíram como reivindicações centrais a democracia real e a rutura com a austeridade.


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