Estudo do Período de Permanência nas Listas de Espera Nacionais por Cirurgia:
Aplicação da Análise de Duração Não Paramétrica por ARS
1. Introdução
Em cerca de metade dos países da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Económico (OCDE), especialmente naqueles com um sistema público
de saúde a maior preocupação dos dias de hoje é a existência de tempos de
espera por uma cirurgia programada (UCGIC, 2010; Romanow, 2002). Longos tempos
de espera são, cada vez mais, identificados como a principal barreira de acesso
aos cuidados de saúde (Sanmartin et al., 2002).
De forma a resolver este problema é importante entender os factores que
contribuem para a ocorrência de tempos de espera longos (Sanmartin et al.,
2007). Assim, vários países começam a adoptar abordagens à problemática que se
centram quer na oferta quer na procura dos cuidados médicos. Do lado da oferta,
procura aumentar-se os recursos disponíveis (camas, especialistas ou salas de
bloco operatório) fomentando a produtividade dos recursos instalados quer no
sector público como privado. Do lado da procura, criam-se prioridades, de
acordo com a patologia, gere-se a lista de inscritos para cirurgia e incentiva-
se o recurso a seguros privados. Para operacionalizar tais abordagens têm sido
aplicadas várias medidas políticas que vêm originando muitas críticas e
discussões, tanto a nível político como a nível da opinião pública (UCGIC,
2010).
Em Portugal, o debate arrasta-se desde 1994, altura da criação dos primeiros
programas de combate às listas de espera. O Programa Específico de Recuperação
de Lista de Espera (PERLE), o Programa para a Promoção do Acesso (PPA), o
Programa de Promoção da Melhoria do Acesso (PPMA), o Programa Específico de
Combate às Listas de Espera Cirúrgica (PECLEC) e, actualmente, o Sistema
Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC) representam os programas
desenvolvidos até ao momento. Apenas os três primeiros revelaram alguns efeitos
positivos temporários, de acordo com Pedro (2008).
De forma a analisar o impacto destas políticas é necessário que haja uma
medição e monitorização do tempo de espera para assim se avaliar a dimensão do
problema e o impacto deste nas intervenções da redução do tempo de espera
(Hurst e Siciliani, 2003).
Há vários determinantes que podem estar na origem dos elevados tempos de
espera, sendo habitual agrupá-los em dois grandes grupos. Para o Observatório
Português dos Sistemas de Saúde (s.d.), a escassez dos “recursos necessários
para fazer face à procura dos serviços” e as “deficiências de organização e
gestão dos recursos existentes” resultantes da “ineficiência dos serviços
hospitalares” são os principais determinantes dos elevados tempos de espera por
uma intervenção cirúrgica. Ainda de acordo com o OPSS estudos recentes,
apontaram que “as interacções entre as expectativas das pessoas, os padrões de
referência dos clínicos gerais dos hospitais”, o funcionamento das “consultas
hospitalares e o acesso aos meios de diagnóstico” assim como as “variações
existentes na aplicação das indicações cirúrgicas e a gestão da prática
cirúrgica hospitalar” são muito complexos e difíceis de prever, o que dificulta
a sua actuação no combate aos tempos de espera por uma intervenção cirúrgica.
As novas tecnologias de informação, assim como os elevados padrões de vida,
tornaram a população mais exigente relativamente ao acesso e mais informada
quanto aos serviços que lhe são prestados (OPSS, 2003).
De acordo com Hurst e Siciliani (2003), o tempo médio de espera está acima dos
três meses em vários países[i] e os tempos máximos podem ir até anos. Para
Kreindler (2010), nem todos os sistemas públicos de saúde têm problemas de
tempo de espera. Estas são mais visíveis no sector público pelo facto do acesso
ser universal e dos governos controlarem os gastos com a saúde. Note-se que a
existência de listas de espera nem sempre é algo de negativo, embora reflicta
uma decisão baseada na forma como deve ser distribuído o cuidado de saúde (Levy
et al., 2005; Pacifico et al., 2007). Actualmente, tem existido muitas
tentativas para estimar, directamente, os efeitos adversos recorrentes das
listas de espera assim como as consequências positivas que daí podem advir
(Feldman, 1994). De acordo com o autor, os custos com os atrasos podem causar a
deterioração do estado de saúde do utente, incluindo a morte (em casos mais
extremos), a perda de utilidade, principalmente se o tratamento pudesse aliviar
a dor significativamente, o aumento nos custos das cirurgias e dos tratamentos
pré e/ou pós operatórios, a perda adicional de rendimento de trabalho e
pagamentos extra devido a transferência do utente para outras unidades
hospitalares.
Face ao exposto, o objectivo deste artigo é analisar os tempos de permanência
dos utentes em lista de espera para cirurgia, em Portugal Continental, de forma
a analisar qual das cinco ARS (Administração Regional de Saúde) nacionais
apresenta maior e menor eficiência, para o período de 1990 a 2009. O
conhecimento da realidade e a medição da mesma constitui-se, como uma
ferramenta fundamental na gestão dos programas implementados, como o SIGIC.
Para realizar tal medição e análise, vão ser utilizados modelos econométricos
de sobrevivência também conhecidos como modelos de duração.
A análise de sobrevivência, cuja origem remonta à análise de dados na área da
epidemiologia, já foi adoptada para a análise de sobrevivência dos utentes em
lista de espera em Portugal (Fernandes et al.,2010), onde se revelou de enorme
utilidade, justificando a sua aplicação no presente artigo. Esta análise
engloba um conjunto de métodos e modelos destinados à análise estatística de
dados de sobrevivência (Rocha, 2009), onde se destaca a análise não-
paramétrica. A análise não-paramétrica é realizada com recurso ao estimador de
Kaplan-Meier, para estimar a função de sobrevivência e permitindo a observação
do comportamento dos dados através de uma função escada, e o estimador de
Nelson-Aalen, para estimar a função de risco cumulativo (Bastos e Rocha, 2007).
Neste artigo a função de sobrevivência refere-se à função de manutenção do
utente na lista de espera enquanto a função de risco se refere a probabilidade
de um utente sair da lista de espera. A base de dados em que se baseia o
estudo, é uma base de dados administrativa fornecida pelo SIGIC. Nela consta a
população de indivíduos que entrou em lista de espera para cirurgia desde 1990
até 2009. Sendo uma base de dados administrativa foi sujeita a um tratamento
prévio que permitiu “limpar” e transformar uma base de dados administrativa
numa base de dados, com fins de análise científica, adequada para aplicação da
metodologia de análise seleccionada.
No desenrolar da análise, serão apresentados resultados empíricos que permitem
caracterizar a duração dos utentes em lista de espera consoante a ARS (Norte,
Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve) de forma a analisar os
determinantes da sua probabilidade de manutenção/abandono da lista de espera
para cirurgia.
O artigo apresenta-se organizado da seguinte forma. No ponto 2 apresenta-se uma
breve revisão da literatura sobre a aplicação da análise de sobrevivência na
gestão de programas de saúde. O ponto 3, apresenta a metodologia aplicada,
seguindo-se o ponto 4 em que se realiza a apresentação e discussão dos
resultados. O ponto 5 apresenta as principais conclusões.
2. A Análise De Sobrevivência Na Gestão De Programas De Saúde
A análise de duração (também designada de sobrevivência) foi, na sua gênese,
desenvolvida pela área científica médica com o objectivo de tratamento de dados
epidemiológicos (Selvin, 2008). Ao longo do tempo, especialmente a partir de
1980, a sua utilização foi-se espalhando e os métodos estatísticos
correspondentes foram sendo adequados para aplicação noutros domínios
científicos, incluindo a economia e a gestão (Berg, 2000).
Esta engloba um conjunto de métodos e modelos destinados a análise estatística
de dados de duração. Este tipo de dados que resultou, inicialmente, da
observação de tempos de vida possui, actualmente, um significado muito mais
vasto de análise do tempo decorrido desde um instante inicial até à ocorrência
de um acontecimento de interesse (Cleves et al., 2004). Na área científica da
saúde, o evento de interesse pode ser a morte, a remissão de uma doença, a
reacção a um medicamento, a quebra de um equipamento, entre outros. Noutras
áreas científicas, como a economia e a gestão, os eventos de interesse podem
ser a duração do período de desemprego, de um programa de formação
profissional, o tempo de retorno de um investimento, a duração da actividade de
uma empresa (Berg, 2000; Nunes e Sarmento, 2010a; Nunes e Sarmento, 2010b;
Sarmento e Nunes, 2011).
Sendo uma metodologia econométrica que ultrapassa problemas metodológicos como
a existência de dados censurados, tem vindo a ser aplicada, também, na gestão
de programas de saúde. Nomeadamente, tem vindo a ser aplicada na análise de
impacto financeiro de longo prazo de intervenções de programas de saúde como o
controlo de peso ou controlo tabágico (Long e Perry, 2007). De acordo com os
autores a metodologia de análise de sobrevivência permite obter resultados em
programas de saúde com diferentes níveis de participação de membros muito
diferentes entre si em termos das suas características. Ora, esta
especificidade relativamente aos participantes torna a metodologia referida
particularmente importante na avaliação da eficácia de programas de saúde e,
consequentemente, na sua gestão (Linden et al., 2004).
Os programas públicos destinados a reduzir tempos de espera para cirurgia têm
sido uma aposta de vários governos na OCDE e, assim, também os estudos da
eficácia e performance de tais programas têm estado sujeitos a avaliação. A
análise de sobrevivência tem-se mostrado uma ferramenta adequada para tal
avaliação (veja-se os exemplos de Dixon e Siciliani, 2009; Dimakou, et al.,
2009 e Fernandes et al., 2010). Fernandes et al. (2010) estudam a equidade,
tendo em conta o género dos utentes, no acesso a cirurgia em Portugal, com base
em dados do SIGIC, e verificaram que as mulheres, geralmente, têm menor
estatuto socioeconómico em comparação com os homens e assim, possuem menor
capacidade para influenciar a decisão do médico. Por outro lado, os médicos
podem estar mais relutantes em tratar pessoas com pouco apoio social,
concluindo-se que o estatuto socioeconómico poderá influenciar a probabilidade
de saída dos utentes da lista de espera.
Face ao exposto e tendo como objetivo a análise do tempo que demora até que
ocorra um determinado acontecimento a metodologia econométrica de análise de
duração será aplicada para analisar o tempo que demora um utente a sair da
lista de espera para cirurgia, por ARS O estudo empírico assentou na criação e
exploração de uma base de dados específica, constituída por dados secundários
obtidos junto da entidade gestora das listas de espera para cirurgia em
Portugal, o SIGIC. Pretende-se que tal análise permita a definição de pistas de
análise a explorar através dos modelos de duração a aplicar[ii] (Bastos e
Rocha, 2007; Hosmer e Lemeshow, 1999).
3. Análise De Duração Não-Paramétrica – Conceitos Metodológicos
3.1. Estimadores Não-Paramétricos De Kaplan-Meier E Nelson-Aalen
A análise de duração é o ramo da estatística que analisa os dados provenientes
de variáveis que assumem valores positivos (Chalita et al., 2006). Os
parâmetros de análise mais utilizados são a probabilidade de duração de
observações (indivíduos, empresas, carteiras de investimento, entre outros) nos
intervalos considerados e a probabilidade de duração acumulada (Jenkins, 2005),
ou seja, a probabilidade da observação durar desde o tempo zero até ao tempo
final considerado (Bustamante-Teixeira et al., 2002). Tal implica uma
determinada probabilidade de sobreviver em todos os intervalos anteriores ao
momento final. Assim, é denominada função de duração, representada por S(t).
Associada a esta função de duração destaca-se, também, a função de taxa de
falha ou risco, representada por λ(t), que descreve a forma como a taxa
instantânea de risco de falha se altera com o tempo (Araujo, 2008). Ambas as
funções justificam que na análise de duração, a variável dependente (o outcome)
seja sempre o tempo até à ocorrência de determinado evento. Na análise
estatística “clássica” a variável dependente é a própria ocorrência de
determinado evento (o desenvolvimento de uma doença ou a cura, por exemplo)
(Botelho et al., 2009). No contexto deste artigo, a análise de duração é
aplicada aos utentes em lista de espera para cirurgia, por ARS, onde o tempo em
análise corresponde ao tempo decorrido entre a entrada e a saída da lista de
espera.
Refira-se que uma das grandes vantagens da aplicação desta metodologia refere-
se ao facto de permitir a utilização da informação de todos os participantes
até ao momento em que se desenvolvem os eventos ou estes são censurados. Assim,
esta técnica é ideal para analisar respostas binárias (ocorrência, ou não, do
evento) em estudos longitudinais que se caracterizam por tempos de
acompanhamento diferentes para todas as observações que compõem a amostra e
perdas de observações ao longo do período de acompanhamento (Botelho et
al.,2009). Este é, de facto, o principal motivo para que a metodologia de
análise de duração tenha sido a escolhida para a análise aqui apresentada.
A análise não-paramétrica constitui uma das componentes da análise de duração.
Designa-se como não-paramétrica porque a análise dos resultados é realizada sem
o recurso a variáveis explicativas para os mesmos, ou seja, porque a estimação
é feita sem que se faça nenhuma suposição sobre a distribuição de probabilidade
do tempo de duração (Bastos e Rocha, 2007). Duas das técnicas mais comuns
utilizadas neste tipo de análise são o estimador de Kaplan-Meier - para o
cálculo da função de duração - e o estimador de Nelson-Aalen – para o cálculo
da função de risco cumulativo.
Quando os dados não são censurados, a função de duração (sobrevivência), num
dado instante t, poderá ser estimada a partir dos tempos de vida observados,
como sendo a proporção de indivíduos que sobrevivem para além do instante t.
Esta função designa-se por função de sobrevivência empírica e, tendo em conta
que n representa a dimensão da amostra, define-se do seguinte modo (Bastos e
Rocha, 2007):
Este método para estimar a função de sobrevivência não se deve aplicar quando
existe censura (ou seja, quando o fenómeno não ocorre até ao momento final de
acompanhamento da observação), uma vez que despreza informação relativa a
qualquer indivíduo cujo tempo de sobrevivência seja superior a t, mas que tenha
sido censurado antes desse instante (Bastos e Rocha, 2007). Para ultrapassar
este problema Kaplan e Meier, em 1958 (Kaplan e Meier, 1958), propuseram um
estimador não-paramétrico para a função de sobrevivência, quando se está na
presença de uma amostra censurada. Este estimador é denominado por estimador de
Kaplan-Meier.
Sejam <… < os instantes de ocorrência do fenómeno distintos numa amostra de
dimensão n (r ≤ n), d(i) o número de mortes ocorridas em t(i) e n(i) o número
de indivíduos em risco em t(i), o estimador de Kaplan-Meier para a função de
sobrevivência define-se da seguinte forma (Bastos e Rocha, 2007):
De referir que:
* para 0 ≤ t ≤ t(1);
* para t ≥ t(r), se t(r) é a maior observação registada;
· Se a maior observação registada for um tempo censurado t*, então nunca toma
o valor de zero e não está definido para t > t*.
Através da visualização gráfica do estimador de Kaplan-Meier é possível a
observação do comportamento dos dados através de uma função em forma de escada,
mesmo que na presença de observações incompletas. Esta análise visual será
particularmente útil na análise dos resultados obtidos neste artigo.
Estimar a função de risco cumulativa é também um dos aspectos fundamentais da
estimação não-paramétrica. Tendo em conta que é o estimador de Kaplan-Meier,
um estimador natural para a função de risco cumulativo define-se por:
Um estimador alternativo, sugerido por Nelson (1972) e estudado por Aalen
(1978), é denominado como estimador de Nelson-Aalen. Sejam t (1) <…< t(r) os
instantes de morte distintos numa amostra de dimensão n (r ≤ n), d(i) o número
de mortes ocorridas em t(i) e n(i) o número de indivíduos em risco em t(i), o
estimador define-se por (Bastos e Rocha, 2007):
Este estimador estima directamente a função de risco cumulativo, embora também
se possa obter uma estimativa da função de sobrevivência. Assim, para a função
de sobrevivência, o estimador de Nelson-Aalen também é conhecido por estimador
de Breslow e é dado pela função (Bastos e Rocha, 2007):
O objectivo do cálculo deste estimador é relativamente simples. Se o estimador
acumular todos os “riscos” que existem em todos os possíveis instantes entre
t0e tjobter-se-á uma estimativa razoável do risco total que existe entre esses
dois pontos de tempo. Assim, por definição, o estimador inicia-se em 0 e cresce
ao longo do tempo (nunca decrescendo). Na prática, o estimador não possui uma
métrica que seja directamente interpretável (não devendo ser interpretado como
uma probabilidade) mas a função de risco cumulativo fornece uma ligação
importante entre a função de risco (estimativa para tempo discreto e que, neste
artigo, corresponde a períodos diários de tempo) e a função de sobrevivência
cuja natureza a torna insensível a alterações no risco (Cleves et al.,2004;
Hosmer e Lemshow, 1999).
Dadas as variações aleatórias que ocorrem em períodos de sobrevivência
discretos, a estimação do risco deve ser ajustada de forma a distinguir
tendências de “ruídos”. De facto, apesar da função de risco cumulativo ser
informativa, quando se considera a estimação de funções de risco contínuas, é
importante que se possa visualizar a forma da função de risco num período
contínuo de tempo. A solução para obter tal fenómeno visual passa por adoptar a
função ajustada de Kernel (adjusted smoothed kernel function) que converte
qualquer conjunto estimado de pontos erráticos numa forma funcional “bem
comportada” e ajustada. Neste artigo, o estimador ajustado de Kernel para a
função de risco baseia-se no estimador Nelson-Aalen e na sua variância, isto é,
utiliza a taxa de variação das variações do risco acumulado para calcular
pseudo-estimadores de risco que depois transforma em médias de forma a
estabilizar a função de risco (Cleves et al., 2004; Sarmento e Nunes, 2011).
3.2. Testes para a comparação de Curvas de Sobrevivência
A representação gráfica da estimativa de Kaplan-Meier (e também de Nelson-
Aalen) com estratificação para a função de sobrevivência, permite ter uma ideia
do comportamento das curvas de sobrevivência, nos respectivos estratos
(grupos). No entanto, para se avaliar a existência de uma diferença
significativa entre as probabilidades de risco para as diferentes ARSs em
análise deve-se recorrer a testes de hipótese específicos.
Existem diferentes testes não-paramétricos adequados para a comparação das
probabilidades de sobrevivência (ou risco) para diferentes grupos em causa.
Entre eles destacam-se os testes Log-ranke Wilcoxon(também designados por
Breslow-Gehan), que se encontram entre os testes mais comuns neste tipo de
análise e serão aplicados neste artigo (Bastos e Rocha, 2007; Cleves et al.,
2004; StataCorp, 2009b). Nestes testes, a hipótese nula a testar é a de que os
grupos em causa apresentam a mesma função de sobrevivência. Em alternativa a
hipótese é a de que os grupos em análise apresentam diferentes funções de
sobrevivência. Seja a amostra dividida em dois grupos (1 e 2), tem-se as
seguintes hipóteses:
Neste caso, em particular, testa-se a hipótese dos indivíduos (divididos pelas
diferentes ARS e caracterizados pelo tempo de espera ser ou idêntico), ou seja,
apresentarem a mesma probabilidade de saírem da lista de espera, decorrido um
determinado período de tempo, versusa alternativa do tempo de espera para sair
da lista ser distinto consoante a característica que define o grupo.
O teste Log-rankcompara a distribuição da ocorrência dos acontecimentos
observados em cada grupo com a distribuição que seria esperada, se a incidência
fosse igual em todos os grupos. Se a distribuição observada for equivalente à
distribuição esperada, a função de sobrevivência dos indivíduos pertencentes ao
grupo, coincide com a função de sobrevivência dos indivíduos em geral (Bastos e
Rocha, 2007; Dupont, 2009). Note-se que a variável explicativa que distingue os
grupos não exerce influência sobre a sobrevivência pois este é um teste que se
enquadra na análise de sobrevivência não-paramétrica.
De forma muito simples, pode afirmar-se que para cada tempo de risco distinto,
nos dados, a contribuição para o teste estatístico é obtida através da soma
padronizada da diferença entre o número esperado e observado de falhas, em cada
um dos k-grupos em análise. O valor esperado de falhas é obtido sob a hipótese
nula de que não existem diferenças entre as experiências de sobrevivência dos
k-grupos. A função de ponderação utilizada determina a selecção do teste
estatístico. Por exemplo, quando a ponderação é 1 para todos os períodos de
falha, calcula-se o teste Log-rank. Quando a ponderação corresponde ao número
de falhas ocorridas em cada período distinto é calculado o teste Wilcoxon
(StataCorp, 2009b). Em termos gerais, a estatística utilizada para o teste Log-
ranké dada por: . Em que, e representam o número esperado de indivíduos para
os quais ocorre uma falha (neste artigo, a saída da lista de espera) no
instante t (i) no grupo 1. Por outro lado, sendo que (Bastos e Rocha, 2007).
O teste de Wilcoxonbaseia-se numa estatística semelhante a utilizada no teste
Log-rank: . Neste teste, sendo a diferença (d1j – e1j) ponderada por nj.
Assim, vai ser atribuído um menor peso às diferenças (d1j – e1j)
correspondentes aos instantes onde o número total de indivíduos em risco é
pequeno, isto é, aos maiores tempos de sobrevivência. Por isso, este teste é
menos sensível, do que o teste Log-rank, a diferença entre o número observado e
o esperado de falhas verificam-se na cauda direita da distribuição. A variância
da estatística é dada por (Bastos e Rocha, 2007).
Face ao exposto, verifica-se que o teste Log-ranké o mais potente na detecção
de afastamentos da hipótese de igualdade das distribuições que sejam do tipo de
riscos proporcionais. Quando as funções de risco se cruzam, o teste Log-
rankpode não conseguir detectar diferenças significativas entre as curvas de
sobrevivência, pelo que se deve utilizar o teste de Wilcoxon. Neste artigo,
ambos os testes serão aplicados de forma a consolidar os resultados obtidos.
4. Resultados
Inicialmente a análise não-paramétrica será realizada para os utentes em geral
constantes na base de dados e em seguida por ARS.
A base de dados original fornecida pelo SIGIC era, inicialmente, constituída
por 572.841 indivíduos que entraram na base desde 1990. Tendo sido verificadas
algumas incongruências, e dado que é uma base de dados administrativa não
preparada para uma análise científica directa, a base de dados foi “limpa” de
forma a evitar eventuais erros de análise tendo sido a análise realizada para
um conjunto de 522.309 observações. A duração aqui analisada refere-se a um
período temporal de 19 anos, abrangendo utentes que entram, e saem, da lista de
espera para cirurgia nos anos de 1990 a 2009. Tendo disponível informação sobre
períodos de duração diários, esta seria a medida de tempo privilegiada para a
análise, no entanto, para uma mais fácil apresentação, interpretação e
compreensão dos resultados os mesmos serão apresentados em meses.
Como foi referido, o objectivo é perceber quanto tempo dura a permanência na
lista de espera para cirurgia (entendendo-se a permanência, em termos técnicos,
como a duração/sobrevivência da observação). Assim que o utente sai da lista de
espera, a saída deve ser entendida, tecnicamente, como uma falha devendo a
probabilidade de saída da lista de espera ser entendida como a probabilidade de
risco.
Na Figura_1, apresenta-se a representação gráfica da função de duração
(sobrevivência) Kaplan-Meier, em meses. A função apresenta-se para a totalidade
dos meses (A) e para os 10 primeiros meses do período em causa (B).
Pela análise da Figura_1A é possível verificar que a probabilidade de saída dos
utentes da lista de espera até cerca de 31 meses vai sempre diminuindo até que
se torna quase constante. É de notar que entre os primeiros 2 a 3 meses tem uma
descida mais abrupta, com uma maior probabilidade de saída do que nos restantes
meses. De facto, na Figura_1B verifica-se, com mais pormenor, a probabilidade
de saída dos utentes em lista de espera pelo facto de apenas terem sido
seleccionados 10 meses, sendo que entre os 2 e os 3 meses há uma diminuição
mais acentuada da função de sobrevivência do que nos restantes meses.
Para que se visualize o ritmo de evolução da taxa de risco apresenta-se, na
Figura_2 a função ajustada (smoothed) para o risco de abandonar a lista de
espera (na designação original esta é conhecida como smoothed hazard rate). A
Figura_2A representa o ritmo ajustado da evolução da taxa de risco para os 225
meses em análise enquanto a Figura_2B apresenta a mesma variável apenas para os
primeiros 100 meses de análise.
Constata-se que o ritmo ajustado da taxa de saída da lista de espera para
cirurgia é crescente até cerca de 25 meses, decrescendo depois até aos cerca de
125 meses. Após esse período verifica-se um novo aumento do ritmo de saída do
utente da lista de espera até cerca dos 144 meses. Decresce, em seguida, até
aos 175 meses e volta a ser crescente até cerca de 180 meses. Daqui até cerca
de 188 meses volta a ser decrescente passando a ser novamente crescente até aos
225 meses. Daqui se conclui que se os utentes não saem até aos primeiros 25
meses após a sua entrada na lista de espera, a probabilidade de saída, sendo
ainda positiva, apresenta-se com um ritmo significativamente mais baixo. Tal
levará a uma manutenção na lista de espera tendencialmente superior ao que
aconteceu até aí.
De forma a perceber se faz sentido uma análise distinta da probabilidade de
manutenção e saída da lista de espera para cirurgia, por ARS, apresentam-se, na
Tabela_1, os resultados dos testes Log-rank e Wilcoxon. Testa-se a hipótese de
que as probabilidades de sobrevivência são idênticas nos cinco grupos, ou seja:
H0 – A probabilidade de duração/sobrevivência dos utentes da ARS Norte na lista
de espera é idêntica à probabilidade de sobrevivência dos utentes da ARS LVT/
ARS Centro/ARS Algarve e ARS Alentejo nessa mesma lista;
H1 – A probabilidade de duração/sobrevivência dos utentes da ARS Norte na lista
de espera é diferente à probabilidade de sobrevivência dos utentes da ARS LVT/
ARS Centro/ARS Algarve e ARS Alentejo nessa mesma lista.
Tendo em conta a estatística χ2, com quatro graus de liberdade e,
especialmente, o seu valor de prova verifica-se que não é possível aceitar a
hipótese de que a probabilidade de manutenção é idêntica para as diferentes
ARS. Ou seja, a probabilidade de um indivíduo se manter na lista de espera é
distinta consoante a ARS a que pertence o indivíduo. Tal não implica afirmar
que alguma ARS influencie particularmente a saída da lista de espera, no
entanto, podem existir cirurgias, que dependendo da disponibilidade de cuidados
de saúde existente na ARS, impliquem que os utentes podem ter diferentes taxas
de manutenção na lista de espera. De acordo com o relatório da actividade em
cirurgia programa do ano 2009, elaborado pela UCGIC, nas cinco ARS a cirurgia
mais realizada [iii] é a cirurgia aos olhos e anexos. Mais especificamente, a
ARS Centro é a que apresenta um número mais elevado de cirurgias realizadas
(mais de 1.800 utentes por cada 100.000 habitantes residentes) comparativamente
com as restantes. Em relação às cirurgias do foro oncológico, a cirurgia mais
realizada é a cirurgia de neoplasias malignas da pele, sendo que a ARS Algarve
é a que apresenta um maior número de cirurgias realizadas (123,7 utentes por
cada 100.000 habitantes residentes) (UCGIC, 2009).
Na Figura_3, apresenta-se a representação gráfica da função de sobrevivência
Kaplan-Meier, em meses. A função apresenta-se para a totalidade dos meses e
para os 20 primeiros meses do período em causa. Pela análise da Figura_3 é
possível verificar que a probabilidade de saída dos utentes pertencentes a ARS
Alentejo em lista de espera até 15 meses vai sempre diminuindo até que se torna
quase constante. A lista de espera para esta ARS termina ao fim de 36 meses. É
de referir que entre os 2 a 3 meses tem uma descida mais abrupta, com uma maior
probabilidade de saída do que nos restantes meses. Em relação à ARS Algarve, a
probabilidade de saída dos utentes em lista de espera até aos 25 meses vai
sempre diminuindo até que se torna quase constante. A lista de espera para esta
ARS termina ao fim de 66 meses.
É de referir que entre os 2 a 3 meses tem uma descida mais abrupta, com uma
maior probabilidade de saída do que nos restantes meses. Em relação à ARS
Algarve, a probabilidade de saída dos utentes em lista de espera até aos 25
meses vai sempre diminuindo até que se torna quase constante. A lista de espera
para esta ARS termina ao fim de 66 meses. É de salientar que entre os 2 e 3
meses há uma descida mais abrupta, havendo assim, uma maior probabilidade de
saída dos utentes em relação aos restantes meses. Para a ARS Centro, a
probabilidade de saída dos utentes em lista de espera até aos 30 meses vai
sempre diminuindo até que se torna quase constante. A lista termina ao fim de
148 meses. Entre os 2 e 3 meses há uma diminuição mais acentuada, o que
demonstra que há uma maior probabilidade de saída nestes dois meses, do que nos
restantes. Relativamente a ARS LVT, a probabilidade de saída dos utentes em
lista de espera até aos 30 meses vai sempre diminuindo até que se torna quase
constante. A lista de espera para esta ARS termina ao fim de 174 meses. Entre o
2º e 3º mês há uma descida muito acentuada, o que significa que há uma maior
probabilidade de saída relativamente aos restantes meses. E finalmente, para a
ARS Norte a probabilidade de saída dos utentes em lista de espera até aos 15
meses vai sempre diminuindo até que se torna quase constante. A lista de espera
termina ao fim de 225 meses. Como nas outras ARSs, entre o 2º e 3º mês é de
referir uma diminuição muito abrupta verificando-se, assim, que há uma maior
probabilidade de saída em comparação com os restantes meses. De facto, na
Figura_3B verifica-se, com mais pormenor, a probabilidade de saída dos utentes
em lista de espera pelo facto de apenas terem sido seleccionados 20 meses.
Para que se visualize o ritmo de evolução da taxa de risco, apresenta-se na
Figura_4 a função ajustada para o risco de abandonar a lista de espera. Esta
Figura_4A apresenta o ritmo ajustado da evolução da taxa de risco para os 225
meses em análise enquanto a Figura_4B apresenta a mesma variável apenas para os
primeiros 100 meses.
Constata-se, pela Figura_4, que o ritmo ajustado da taxa de saída da lista de
espera para cirurgia no caso da ARS Alentejo é crescente até cerca dos 9 meses,
mantendo-se após esse período quase constante até cerca dos 13 meses. Decresce
de seguida até cerca dos 22 meses e cresce até cerca dos 25 meses. Volta a ser
decrescente até cerca dos 26 meses e apresenta um aumento embora pouco
significativo até cerca dos 28 meses, decrescendo de seguida até aos 36 meses,
período no qual, acabam os utentes em lista de espera da ARS do Alentejo.
Relativamente a ARS do Algarve, o ritmo ajustado da taxa de saída da lista de
espera para cirurgia é crescente até cerca dos 13 meses, e decresce de seguida
até cerca dos 31 meses. Volta a ser crescente até aos 66 meses, período no qual
terminam os utentes em lista de espera desta ARS. Em relação a ARS Centro, o
ritmo ajustado da taxa de saída da lista de espera para cirurgia é crescente
até cerca dos 19 meses, e decrescendo de seguida até cerca dos 38 meses. Após
esse período verifica-se que se torna quase constante até cerca dos 50 meses,
voltando de seguida a ser crescente até cerca dos 69 meses. Decresce até cerca
dos 103 meses e torna-se novamente crescente até cerca dos 119 meses. Daqui até
cerca dos 122 meses o ritmo ajustado volta a ser decrescente e volta a ser
crescente até aos 148 meses, período no qual acabam os utentes em lista de
espera desta ARS. Para a ARS LVT, o ritmo ajustado da taxa de saída da lista de
espera para cirurgia é crescente até cerca dos 20 meses, decrescendo após este
período até cerca dos 119 meses e seguindo-se novamente um aumento até cerca
dos 128 meses. Decresce até cerca dos 144 meses e finalmente torna-se crescente
até aos 174 meses. Para ARS Norte, o ritmo ajustado da taxa de saída da lista
de espera é crescente até cerca dos 26 meses, e decrescente até cerca dos 119
meses, tornando-se de seguida novamente crescente até cerca dos 144 meses.
Decresce até cerca dos 175 meses e mantém-se quase constante até cerca dos 188
meses. Torna-se finalmente crescente até aos 225 meses, período no qual
terminam os utentes em lista de espera nesta ARS. Daqui se conclui que se os
utentes não saem da lista de espera na ARS Alentejo até aos primeiros 10 meses,
ARS Algarve até aos primeiros 15 meses, ARS Centro e ARS LVT até aos primeiros
20 meses e ARS Norte até aos primeiros 30 meses, a probabilidade de saída,
embora que positiva, apresenta um ritmo ajustado significativamente mais baixo,
o que levará a uma manutenção na lista de espera tendencialmente superior ao
que aconteceu até aí.
Conclusão
As listas de espera são cada vez mais comuns em muitos países, o que gera uma
impopularidade constante, sempre que se fala em listas de espera para cirurgia.
Daí que governos de diferentes países têm vindo a desenvolver uma variedade de
iniciativas de forma a reduzir o número de utentes em lista de espera. O
aumento do financiamento do sector público, o incentivo dado aos cuidados de
saúde no sector privado, através de subsídios, assim como o desenvolvimento de
métodos de prioridades, de forma a determinar quais os doentes com mais
necessidades, são exemplos de iniciativas desenvolvidas em diferentes países
com o objectivo de redução das listas de espera (Anderson et al.,1997).
De acordo com a análise desenvolvida neste artigo, desde 1990 a 2009 e de forma
a analisar, mais completamente, o efeito que os programas implementados em
Portugal têm alcançado na redução dos tempos de espera, introduziu-se a
variável ARS de forma a perceber quais os períodos de permanência/abandono dos
utentes na lista de espera tendo em conta a origem dos utentes – tal distinção
provou-se importante para medir e explicar a probabilidade de abandono/
manutenção de um utente em lista de espera.
Verificou-se que, em termos medianos, os utentes, em geral, saem da lista de
espera após 2 a 3 meses de lá entrarem (68 e 69 dias). Quando se realiza a
mesma análise, mas apenas em relação à ARS, verifica-se que na ARS Alentejo os
tempos de espera medianos situam-se entre os 58 e os 59 dias, no Algarve entre
os 88 e os 89 dias, no Centro entre os 73 e os 74 dias, em Lisboa e Vale do
Tejo entre os 61 e os 62 dias e no Norte entre 70 e os 71 dias. Daqui se
conclui que existem diferenças significativas entre ARSs no que respeita aos
tempos de espera. A ARS Alentejo é a que apresenta menor tempo de espera até à
saída da lista. Segue-se Lisboa e Vale do Tejo, Norte, Centro e Algarve, por
ordem crescente de tempo de permanência na lista de espera.
Note-se que estes resultados não controlam características que podem justificar
as diferenças encontradas, como o tipo de cirurgia em causa e a patologia
associada. De facto, a base de dados utilizada apenas fornece informação
relativamente ao género e idade do utente o que limita uma análise mais
completa das probabilidades de manutenção/abandono da lista de espera para
cirurgia, em Portugal, por ARS. Acresce-se que a escassez de estudos, nesta
área concreta e com esta metodologia, dificulta uma comparação internacional
com base em valores de referência atualizados, limitando a discussão e
comparabilidade dos resultados. Estas limitações reforçam, no entanto, aquela
que se acredita ser a mais-valia deste artigo. Fundamentar cientificamente,
utilizando métodos de medição econométrica aceites na literatura internacional,
resultados relativos à quantificação de tempos de espera para cirurgia em
Portugal e, desta forma, constituir-se como uma ferramenta de apoio à tomada de
decisão no âmbito da prestação de cuidados de saúde. Estudos que permitam
conhecer os resultados de programas na área da gestão da saúde constituem-se
como ferramentas importantes para os gestores de tais programas, em particular,
e dos serviços de saúde, em geral, visto que a pressão financeira atual imposta
ao serviço nacional de saúde exige que, de entre os programas de saúde em
execução, se selecionem apenas os mais eficazes na promoção dos objetivos a que
se propõem. A disponibilidade de instrumentos capazes de determinar quais as
medidas de maior eficiência e eficácia é fundamental para a tomada de decisões
pelos gestores de tais serviços e programas.